Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 02479/14.4BEPRT |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 11/17/2022 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | Ana Patrocínio |
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Descritores: | ADIANTAMENTO POR CONTA DOS LUCROS, PRESUNÇÃO, ÓNUS DA PROVA, IRS |
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Sumário: | I - O artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados. II - O artigo 6.º, n.º 4 do CIRS consagra uma presunção relativa a rendimentos de capitais, de que as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quantias essas que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros. III - Só os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não se prove que respeitem a alegados mútuos) se presumem, face ao disposto no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros. IV - A Administração Tributária não podia lançar mão da presunção constante deste normativo, porque as quantias em apreço não estavam escrituradas numa conta de sócios da sociedade. V - Competia à Administração Tributária fazer prova dos pressupostos do seu agir (cfr. artigo 74.º, n.º 1, da LGT), sendo que, no caso concreto tal não se verificou, dado que não se encontram reunidos os factos índice que permitem à Administração Tributária fazer o enquadramento de valores contabilísticos como rendimentos da categoria E, colocados à disposição dos sócios, nos termos previstos no artigo 5.º, nºs.1 e 2, alínea h) do CIRS, assim padecendo a liquidação impugnada de vício de violação de lei. |
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Recorrente: | S...., Lda., |
Recorrido 1: | Autoridade Tributária e Aduaneira |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Impugnação Judicial - Liquidação de tributos - 1ª espécie - Recursos jurisdicionais [Del. 2186/2015] |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Foi emitido parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso. |
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Decisão Texto Integral: | S...., Lda., pessoa colectiva n.º 50...15, com sede na Rua ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 20/03/2021, que julgou parcialmente improcedente a Impugnação Judicial deduzida contra as liquidações de retenção na fonte de IRS, e respectivos juros compensatórios, no valor de €41.009,70. A presente impugnação judicial foi julgada procedente quanto à liquidação do ano de 2010, tendo sido anulada esta liquidação de IRS e a respectiva liquidação de juros compensatórios; e foi julgada improcedente quanto à liquidação de IRS e respectivos juros compensatórios do ano de 2012, sendo somente estas liquidações referentes a 2012, no montante de €23.653,97, que são objecto do presente recurso jurisdicional. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: “1- A liquidação de Retenção na Fonte de IRS objecto de impugnação tem na sua génese a conclusão alvitrada pela AT na sequência de uma análise à contabilidade e à conta bancária da sociedade aberta no Banco 1..., tendo entendido que as verbas sacadas sobre esta através de cheques levantados pelos sócios no período de tributação de 2012, deveriam ser classificados como adiantamentos por conta de lucros. 2- Na óptica da AT, tais verbas não resultando de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, nos termos do disposto na alínea h) do n.º 2 do art.º 5º em conjugação com a presunção constante do nº 4 do art.º 6º ambos do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), constituem rendimentos de capitais. 3- Devendo por consequência ser tributados em IRS, como rendimentos da categoria E, ao abrigo do disposto nesses normativos, sujeitos a retenção na fonte, de conformidade com o disposto no artigo 71º do mesmo Código. 4- A AT entendeu tributar a Recorrente com base no facto desconhecido – que tais verbas não resultando de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, resultavam de lucros ou adiantamentos dos lucros dessa mesma sociedade – que fez subsumir à norma do nº 4 do artigo 6.º do CIRS. 5- No entanto, não curou de demonstrar ou provar a base da presunção, o mesmo é dizer, que a AT não demonstrou ou provou que tais importâncias tinham sido escrituradas como lançamentos nas contas correntes como sócios, e que as mesmas não resultavam de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais. 6- Constando da matéria provada que foram colocadas à disposição do sócio, a quantia de € 70.000,00 através de cheque, e nessa mesma data, igualmente através de cheque, foi colocada à disposição da sócia, a verba de € 20.000,00 e que foram outorgados documentos celebrando contratos de mútuo entre a Recorrente e os sócios respeitantes a tais verbas. 7- Tendo sido demonstrado, por via documental que estas operações foram registadas contabilisticamente numa conta residual de “devedores e credores diversos” – conta SNC 2782 - e não numa conta relativa a capital de sócios, onde por via de regra se registam os resultados atribuídos ou lucros disponíveis e os adiantamentos por conta de lucros. 8- Nos termos do disposto nos artigos. 74.º, n.º1 da LGT e 342.º, n.º1 do Cód. Civil, a base da presunção judicial deve imperativamente ser provada com os correspondentes factos dela integradores, sob pena de a causa ser decidida em sentido desfavorável à parte onerada com esse ónus, ou seja à AT. 9- No exercício do direito de audição sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção foi esclarecido que tais verbas respeitavam a empréstimos da sociedade aos sócios, não tendo a AT solicitado ou notificada a Recorrente ou os sócios para apresentação de documentação ou outra prova de tais empréstimos. 10- O direito de audição dos interessados corresponde ao direito de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes dizem respeito e apesar de não constituir uma obrigação destes, sendo exercido, maior é a tutela dos seus interesses, não podendo os factos alegados deixar de ser tomados em consideração na decisão final do procedimento. 11- Impendia sobre a AT, obrigada à descoberta da verdade material, mesmo na fase do exercício do direito de audição, tendo dúvidas sobre o aí referido quanto aos empréstimos, a realização de diligências complementares antes da decisão final, no sentido de averiguar da forma que tais empréstimos assumiram, notificando a Recorrente nesse sentido, sendo certo que, nesse circunstância, teriam sido apresentados os contratos de mútuo. 12- A AT não logrou demonstrar a existência do facto tributário, não sendo suficiente alegar que os valores das verbas em causa foram lançados na contabilidade e levantadas pelos sócios da conta bancária da sociedade, não podendo fazer funcionar a presunção legal contra a Recorrente, não sendo pois, esse o quid relevante, base desta presunção judicial como se viu, pelo que através dela não é possível alcançar o facto desconhecido e era este que constituía a base da incidência do imposto, no caso sub judice. 13- De notar ainda que as consequências da inobservância da forma, no que tange à constituição de mútuos, apenas produzem efeito no âmbito do direito societário e na lógica da protecção da sociedade, não produzindo efeitos externos, designadamente quanto à qualificação fiscal dos empréstimos efectuado pela sociedade aos sócios. 14- A consequência de terem sido preteridas formalidades legais nos contratos de mútuo, não pode ser a da inexistência dos contratos e a de que os mesmos configuram uma outra realidade, no caso, adiantamentos por conta de lucros. 15- O que é necessário, na busca da descoberta da essência do problema, é que fique demonstrado – como se demonstrou – que a transferência de verbas da sociedade para os sócios se consubstanciou em mútuos aos sócios, constituindo-se uma dívida que teria de ser paga à sociedade Recorrente até 16 de Novembro de 2017, com vencimento de juros de 3% pagáveis até ao limite do prazo de amortização do empréstimo, sendo que na data da elaboração do relatório de inspecção tributária a 3 de Abril de 2014, ainda não se tinha vencido o prazo para reembolso pelos sócios das verbas mutuadas. 16- Não tendo sido posta em causa a escrita da Requerente no período de tributação de 2012, nomeadamente através da aplicação de métodos indirectos de avaliação da matéria colectável, conclui-se que a mesma goza da presunção de veracidade estatuída no artigo 75º da LGT, espelhando a realidade dos factos, no caso, que foram escrituradas verbas a favor dos sócios que se demonstrou respeitarem a mútuos da sociedade Requerente aos mesmos. 17- Não ocorre défice probatório imputável à Recorrente, porquanto a realidade dos factos é atestada pela celebração e conteúdo dos contratos de mútuo, nada podendo acrescentar a prova testemunhal, que apenas poderia ser produzida através de depoimentos dos sócios, por serem os únicos conhecedores dos empréstimos, e que nesta medida, somente iriam corroborar os factos descritos nos contratos. 18- Sendo os documentos particulares e a prova testemunhal livremente apreciados pelo Tribunal (artigo 396º Cód. Civil) e atendendo à motivação da decisão do Tribunal a quo, não seria a audição de testemunhas que iria levar a diferente valoração da prova produzida. 19- Face à apresentação dos contratos de mútuo em sede impugnatória, e não tendo a AT diligenciado na fase do de direito de audição pela sua apresentação perante a alegação pela Recorrente da ocorrência dos empréstimos, sendo que à AT compete «fazer prova dos pressupostos do seu agir» no sentido de que que as verbas mutuadas consubstanciam adiantamentos por conta de lucros, sobre o Tribunal a quo impendia o dever de concluir pela elisão da presunção ao abrigo da qual foi realizada a tributação por retenção na fonte de IRS para o período de tributação de 2012. 20- Pelo que, e salvo o devido respeito, foram violados os artigos 5º, 6º e 71º do CIRS, artigo 342º do Cód. Civil e artigos 74º e 75º da LGT. Julgando-se o Recurso procedente, será feita JUSTIÇA!” A Recorrida não contra-alegou. **** O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso. **** Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento. **** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao ter julgado admissíveis as correcções que foram qualificadas como adiantamento por conta dos lucros aos sócios da impugnante, no concernente ao ano de 2012. III. Fundamentação 1. Matéria de facto Na sentença recorrida foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos: 1) Em 16.03.2010 foi outorgado documento intitulado “contrato de mútuo oneroso” entre S....., Lda., como primeira outorgante e AA, como segundo outorgante, com o seguinte teor: “(…) 1º A primeira contraente entrega, nesta data, ao segundo contraente-mutuário a quantia de 50.000.00€ (…) a título de empréstimo, quantia que este recebe e da qual se reconhece e confessa devedor (…)” – cfr. fls. 30 do processo físico. 2) Em 31.08.2010 foi outorgado documento intitulado “contrato de mútuo oneroso” entre S....., Lda., como primeira outorgante e AA, como segundo outorgante, com o seguinte teor: “(…) 1º A primeira contraente entrega, nesta data, ao segundo contraente-mutuário a quantia de 20.000.00€ (…) a título de empréstimo, quantia que este recebe e da qual se reconhece e confessa devedor (…)” – cfr. fls. 29 do processo físico. 3) Em 16.11.2012 foi outorgado documento intitulado “contrato de mútuo oneroso” entre S....., Lda., como primeira outorgante e BB, como segundo outorgante, com o seguinte teor: “(…) 1º A primeira contraente entrega, nesta data, à segunda contraente-mutuária a quantia de 20.000.00€ (…) a título de empréstimo, quantia que este recebe e da qual se reconhece e confessa devedora. 2º O prazo de amortização de empréstimo é de 5 (…) anos, ou seja, reembolsável na integra até ao dia 16 de Novembro de 2017 – cfr. fls. 31 do processo físico. 4) Em 16.11.2012 foi outorgado documento intitulado “contrato de mútuo oneroso” entre S....., Lda., como primeira outorgante e AA, como segundo outorgante, com o seguinte teor: “(…) 1º A primeira contraente entrega, nesta data, ao segundo contraente-mutuário a quantia de 70.000.00€ (…) a título de empréstimo, quantia que este recebe e da qual se reconhece e confessa devedor (…)” – cfr. fls. 32 do processo físico. 5) No cumprimento da ordem de Serviço n.º OI...70 foi realizado procedimento inspectivo a S....., Lda., de âmbito parcial, para o exercício de 2010, 2011 e 2012 em sede de IVA e de IRC – cfr. fls. 23 a 34 do processo administrativo (PA) junto aos autos. 6) No âmbito do procedimento inspectivo a que se alude em 5) foi elaborado em 3.04.2014 relatório pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto de onde decorre o seguinte: “(…) III – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável 3.1 Retenções na fonte – Adiantamentos por conta de lucros 3.1.1 Ano de 2010 No decorrer do ano de 2010, verificou-se que foi colocada à disposição do sócio, AA, a quantia de €70.000,00 através de duas transferências efectuadas através da conta bancária (…) Comprova-se, através da análise ao extrato bancário da referida conta que foram efectuadas duas transferências a favor do referido sócio, uma no montante de €50.000,00 datada de 16-03-2010 e uma outra de €20.000,00, datada de 31-08-2010. Estas transferências a favor do sócio, que deveriam constar duma conta corrente do mesmo, não foram relevadas contabilisticamente. Nesta conformidade e tendo em atenção o disposto na alínea h) do n.º 2 do artº 5º em conjugação com a presunção constante do nº 4 do artº 6 ambos do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou de exercício de cargos sociais, tais montantes constituem rendimentos de capitais, Cat. E, classificados como adiantamentos por conta de lucros. Enquadrando-se os rendimentos colocados à disposição do sócio como adiantamentos por conta de lucros, os mesmos, de acordo com o Art.º 71.º do CIRS estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo (taxa liberatória), conforme quadro seguinte: (…) Por sua vez, o Art.º 13 do Regime Jurídico de Retenção na Fonte diz-nos que “as quantias retidas nos termos dos artigos anteriores, são entregues nos cofres do estado pela entidade retentora, até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que foram deduzidas”. Assim, as retenções a entregar por guia de pagamento/data são: (…) 3.1.2. Ano 2012 Já no decorrer do ano de 2012, verificamos que foi colocada à disposição do sócio, AA, a quantia de €70.000,00 através de cheque sacado (…) e nessa mesma data (…), sacado sobre o mesmo banco, foi colocada à disposição da sócia BB, a verba de €20.000,00 Ambas as operações foram registadas contabilisticamente numa conta de “devedores e credores diversos” – conta SNC 2782, nas subcontas 2 e 3 respetivamente, conforme extratos contabilísticos seguintes: (…) As importâncias assim colocadas à disposição de ambos os sócios, à semelhança das anteriores, pelos mesmos motivos e fundamentos, constituem adiantamentos por conta de lucros, igualmente sujeitos a retenção na fonte à taxa liberatória de 25,00%, nos termos do art.º 71 do CIRS. Assim, por força do já referido art.º 28.º da LGT, é a entidade retentora responsável pela entrega nos cofres do estado das importâncias retidas, ou que deveriam ter sido retiradas, nos montantes e datas constantes do quadro seguinte: (…)” - cfr. fls. 23 a 34 do PA junto aos autos. 7) Na sequência das correcções descritas em 6) foi emitida em 24.04.2014 a liquidação n.º 20...0305 do ano de 2010, no montante a pagar de €15.050,00 e a liquidação de juros compensatórios n.º 20...7015 e n.º 20...7016 no montante total de €2.305,73 – cfr. fls. 27 do processo físico. 8) Na sequência das correcções descritas em 6) foi emitida em 24.04.2014 a liquidação n.º 20...0306 do ano de 2012, da qual resultou o montante a pagar de €22.500,00 e a liquidação de juros compensatórios n.º 20...7017 no montante total de €1.153,97 – cfr. fls. 28 do processo físico. ** Factos não provados Não se mostram provados outros factos, além dos supra referidos. ** Motivação da decisão de facto O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, e o PA junto que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados [cfr. artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT)], também são corroborados pelos documentos juntos, conforme predispõe o artigo 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do Código Civil.” 2. O Direito A Recorrente não se conforma com a parte da sentença recorrida que julgou improcedente a impugnação judicial que visou as liquidações de IRS (retenções na fonte) do ano de 2012, surgindo na sequência de correcções efectuadas pela AT, assentes na presunção de que os lançamentos efectuados na conta de “devedores e credores diversos”, através de cheque no valor de €70.000,00 colocado à disposição do sócio AA, e através do cheque no valor de €20.000,00 colocado à disposição da sócia BB, consubstanciam rendimentos de capitais – categoria E - adiantamentos por conta de lucros, nos termos do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS. Para o que aqui releva, estava em causa na impugnação judicial apreciar se houve erro na qualificação dos montantes transferidos para os sócios enquanto adiantamento por conta de lucros, por se tratar de mútuos onerosos e se a AT não demonstrou a base da presunção, constante do n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, ou seja, se não demonstrou que as quantias haviam sido escrituradas nas suas contas correntes e que as mesmas não resultavam de mútuos, prestação de trabalho ou exercício de cargos sociais, caso em que não pode funcionar tal presunção de que as quantias são adiantamentos por conta de lucros. Para melhor compreensão, vejamos o teor da sentença recorrida com o qual a Recorrente não se conforma: «(…) Estatui o n.º 1 do artigo 5.º do Código do CIRS que se consideram “rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias”. A par, determina a alínea h) do n.º 2 daquele preceito legal que “2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente: (…) h) os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20º; Tais rendimentos estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo à taxa de 21,5% (ano de 2010) e 25,00% (ano de 2012), conforme decorria à data do disposto do artigo 71º do CIRS, devendo ser feita a respectiva retenção na fonte dos valores pagos e entregue até ao dia 20 do mês seguinte ao que foi deduzido como determina o n.º 3 do artigo 98º e artigo 101º, ambos do CIRS. Por outro lado, o n.º 4 do artigo 6º do CIRS estatui que “Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.” In casu, depreende-se que o objectivo da norma será o de evitar situações de evasão fiscal, respeitando a mesma a presunção para efeitos de incidência real do imposto, nomeadamente respeitante à categoria E de rendimentos. “Atenta a natureza do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares e a concepção de rendimento acréscimo patrimonial adoptada, a tributação visada pela norma em causa é a existência, ainda que a título presuntivo, de fluxos económico-financeiros da sociedade para o sócio (que contabilisticamente implicam registo a débito nas respectivas contas), pois só neste caso é indiciada a existência dum acréscimo patrimonial e de capacidade contributiva, que, como é consabido, constitui o pressuposto e o critério de tributação” – cfr. Acórdão do TCA Sul de 8.02.2018, rec. 01056/07.0BEVIS. Ora, como resulta do trecho do relatório dos SIT, vertido no probatório, ponto 6), os SIT sustentaram a sua actuação em presunções ao proceder às correcções a nível das retenções na fonte de IRS, designadamente a prevista no artigo 6.º do n.º 4 do Código do IRS. Assim, “o artigo 6.º, n.º 4 do CIRS consagra uma presunção relativa a rendimentos de capitais, de que as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quantias essas que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros” – cfr. Acórdão do TCA Norte de 21.11.2019, proc. 00700/11.0BECBR. “Só os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não se prove que respeitem a alegados mútuos) se presumem, face ao disposto no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros. A Administração Tributária não podia lançar mão da presunção constante deste normativo, porque as quantias em apreço não estavam escrituradas numa conta de sócios da sociedade” – cfr. Acórdão supra citado. (…) Quanto ao ano de 2012, os montantes transferidos já se encontravam escriturados, podendo a AT fundamentar a sua actuação com a presunção que decorre do n.º 4 do artigo 6.º do CIRS. Ora, conforme nos informa o probatório, ponto 6), os SIT constataram que no ano de 2012, foi colocada à disposição do sócio, AA, a quantia de €70.000,00 por cheques sacados sobre o Banco, tendo também sido colocado à disposição de BB o montante de €20.000,00, tendo ambas as operações sido registadas contabilisticamente. Assim, das ilações extraídas pelos SIT, fundamentadas nos elementos contabilísticos fornecidos pela Impugnante decorre a demonstração de que os valores postos à disposição dos sócios da Impugnante decorreram de antecipação de lucros e consequentemente, pagos a título de rendimentos de capitais e nessa medida sujeitos a retenção na fonte. Tendo os SIT demonstrado a legalidade da sua actuação, recaía sobre a Impugnante o ónus de demonstrar que os montantes em causa, indubitavelmente recebidos pelos sócios o foram a qualquer outro título. Neste sentido vide o Acórdão do TCA Sul de 5.02.2015, rec. 06136 e Acórdão do TCA Sul de 31.01.2019, rec. 1244/06.7BESNT. Assim, incumbe à Impugnante o ónus de demonstrar que os montantes em causa, recebidos pelos sócios foram transferidos a qualquer outro título. Nessa senda, vem a Impugnante alegar que se trataram de mútuos aos sócios, juntando para prova do alegado dois contratos de mútuo, coligidos no acervo probatório, pontos 3) e 4), um no montante de 20.000.00€, e outro no montante de €70.000.00. (…)” Nos presentes autos está em crise a decisão que deu origem às liquidações impugnadas, cuja motivação se mostra reproduzida no ponto 6 do probatório, onde se verificou, no decorrer no ano de 2012, que foi colocada à disposição do sócio, AA, a quantia de €70.000,00 através de cheque sacado (…) e nessa mesma data (…), sacado sobre o mesmo banco, foi colocada à disposição da sócia BB, a verba de €20.000,00. Ambas as operações foram registadas contabilisticamente numa conta de “devedores e credores diversos” – conta SNC 2782, nas subcontas 2 e 3 respetivamente. Aí se conclui que, tendo em atenção o disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º em conjugação com a presunção constante do n.º 4 do artigo 6.º, ambos do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou de exercício de cargos sociais, tais montantes constituem rendimentos de capitais, Cat. E, classificados como adiantamentos por conta de lucros. Nesta conformidade, a decisão em apreço lançou mão da presunção a que alude o artigo 6.º, n.º 4 do Código do IRS, com vista à fundamentação do acto em crise. Conforme se menciona na sentença recorrida, o artigo 6.º, n.º 4 do CIRS consagra uma presunção relativa a rendimentos de capitais, de que as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quantias essas que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros. Porém, só os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não se prove que respeitem a alegados mútuos) se presumem, face ao disposto no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros. Pretendendo a AT, como fez, fundar-se na presunção do artigo 6.º, n.º 4 do CIRS, teria que provar os requisitos em que assenta a ilação, caso contrário não pode alcançar o facto desconhecido, que é o adiantamento por conta de lucros. Se, para além da norma do artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, a única presunção legal que se conhece, neste âmbito, é a que decorre da norma do artigo 6.º, n.º 4 do CIRS, na redacção então em vigor, segundo a qual os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros; então, para esta presunção operar pressupõe-se, efectivamente, o registo na conta corrente do sócio, o que não ocorreu. Com efeito, como vimos, as operações em apreço foram registadas contabilisticamente na conta SNC 2782, conforme consta do ponto 6 do probatório. Consultado o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), observamos que a conta 278 corresponde a uma conta relativa a “outros devedores e credores”, registando-se nesta conta outras operações referentes a contas a receber e a pagar que não se encontram especificadas noutras contas. Note-se que a conta de sócio/accionista está identificada no Sistema de Normalização Contabilística como “conta 26”, sendo a “conta 27” relativa a “outras contas a receber e a pagar” (que não de sócios). Portanto, como os lançamentos em análise não foram realizados numa conta dos sócios, não podia a AT presumir que foram feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros, dado falhar a base ou a premissa da presunção. Ao invés do julgamento efectuado pelo tribunal recorrido, não basta as transferências de fundos terem sido escrituradas/registadas contabilisticamente, para operar a presunção prevista no artigo 6.º, n.º 4 do Código de IRS, é necessário que o respectivo registo tenha sido realizado numa conta de sócio (26 do SNC). Da consulta do SNC resulta, pois, não se tratar a conta 278 de uma “conta de sócio”, não podendo, nessa medida, operar a presunção ínsita no citado artigo 6.º, n.º 4 do CIRS, expressamente invocada pela AT na decisão em crise. Destarte, cabia à Administração Tributária fazer prova dos pressupostos do seu agir (conforme artigo 74.º, n.º 1, da LGT), coligindo e invocando factos índice passíveis de conduzirem ao enquadramento dos valores identificados como rendimentos da categoria E, colocados à disposição dos sócios da impugnante, nos termos previstos no artigo 5.º, n.ºs 1 e 2, alínea h) do Código de IRS. Não se mostrando vertidos na decisão em análise quaisquer outros factos, forçoso será concluir ter ficado por demonstrar que os cheques sacados sobre o banco identificado no ponto 6 da decisão da matéria de facto visassem a transferência de fundos próprios, gerados em resultados, da sociedade para os sócios. Embora se aceite não ser exigível o formalismo a que alude o artigo 297.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais para se concluir que os fundos transferidos revestem a natureza de adiantamentos por conta de lucros, é indubitável que compete à AT alegar e provar essa realidade, principalmente quando não opera a presunção contida no n.º 4 do artigo 6.° do CIRS. A verdade é que não resulta da fundamentação da AT que os fundos em causa correspondam a resultados/lucros auferidos pela sociedade. Reiteramos que à AT cabe o ónus de provar a existência dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, isto é, compete-lhe provar que se verificam os factos que integram o fundamento previsto na lei para que seja ela a liquidar o imposto que o contribuinte deixou de liquidar, demonstrando a existência e conteúdo do facto tributário. Ou seja, a Administração Fiscal tem o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a qualificar a disponibilidade pelos sócios de capital (cheques) como adiantamento por conta dos lucros da sociedade e, no caso, não se recolheram factos (índice) suficientes de que foi feito depósito pela sociedade na conta de sócio alicerçado nos resultados do exercício da sociedade. Assim, a qualificação como adiantamento por conta dos lucros, in casu, enferma de erro nos pressupostos, concluindo-se pela ilegalidade das liquidações por vício de violação de lei; sendo irrelevante a discussão que se formou em torno da questão de saber se tais quantias se tratavam, afinal, de eventuais empréstimos da sociedade aos sócios, ficando, pois, prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas no recurso. Por conseguinte, e em conclusão, deverá ser concedido provimento ao recurso, revogada a sentença na parte recorrida, julgar a impugnação judicial totalmente procedente, anulando também as liquidações de IRS e juros compensatórios referentes ao ano de 2012. Conclusões/Sumário I - O artigo 5.º, n.º 2, alínea h) do CIRS, sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de IRS os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados. II - O artigo 6.º, n.º 4 do CIRS consagra uma presunção relativa a rendimentos de capitais, de que as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quantias essas que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros. III - Só os lançamentos feitos em conta de sócio (e que não se prove que respeitem a alegados mútuos) se presumem, face ao disposto no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros. IV - A Administração Tributária não podia lançar mão da presunção constante deste normativo, porque as quantias em apreço não estavam escrituradas numa conta de sócios da sociedade. V - Competia à Administração Tributária fazer prova dos pressupostos do seu agir (cfr. artigo 74.º, n.º 1, da LGT), sendo que, no caso concreto tal não se verificou, dado que não se encontram reunidos os factos índice que permitem à Administração Tributária fazer o enquadramento de valores contabilísticos como rendimentos da categoria E, colocados à disposição dos sócios, nos termos previstos no artigo 5.º, nºs.1 e 2, alínea h) do CIRS, assim padecendo a liquidação impugnada de vício de violação de lei. IV. Decisão |