Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02840/06.8BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/19/2007
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Drº Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Descritores:INTIMAÇÃO PROTECÇÃO DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS
MEIO PROCESSUAL IDÓNEO
IGUALDADE ACESSO AO ENSINO SUPERIOR
PRINCÍPIO CONFIANÇA
EXAMES ACESSO - REPETIÇÃO
DL N.º 147-A-/06
Sumário:I. Este meio processual regulado nos arts. 109.º a 111.º do CPTA constitui um processo autónomo que implica a emissão duma decisão definitiva e destina-se a dar cumprimento à exigência ditada pelo art. 20.º, n.º 5 da CRP, sendo que o que se pretende com o mesmo é salvaguardar o exercício de um direito, liberdade ou garantia em tempo útil e de forma definitiva.
II. A data, o “timing” de interposição dum meio processual não contende com a sua idoneidade ou adequabilidade geradora de excepção dilatória do erro do meio contencioso empregue, mas antes se pode prender com questões como a da utilidade e interesse processual em agir, como a da eficácia, ou ainda até como a da tempestividade do exercício direito que se pretende ver assegurado através daquele processo.
III. São pressupostos do pedido de intimação os seguintes:
a) A necessidade de emissão urgente de uma decisão de fundo do processo que seja indispensável para protecção de um direito, liberdade ou garantia;
b) Que o pedido se refira à imposição dum conduta positiva ou negativa à Administração ou a particulares;
c) Que não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, no âmbito de uma acção administrativa normal (comum ou especial).
IV. O princípio constitucional da igualdade vincula em primeira linha o legislador ordinário, mas tal princípio não impede o órgão legislativo de definir as circunstâncias e os factores tidos como relevantes e justificadores de uma desigualdade de regime jurídico num caso concreto, dentro da sua liberdade de conformação legislativa.
V. Tal princípio, enquanto entendido e considerado como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções, proíbe-lhe, ao invés, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional.
VI. A realização e efectivação do princípio do Estado de Direito no nosso quadro constitucional impõe que seja assegurado um certo grau de calculabilidade e previsibilidade dos cidadãos sobre as suas situações jurídicas, que se mostre garantida a confiança na actuação dos entes públicos.
VII. Só deve reputar-se inconstitucional a retroactividade que viola de forma intolerável a segurança jurídica e a confiança que as pessoas e a comunidade têm obrigação (e também o direito) de depositar na ordem jurídica que as rege.
VIII. O princípio da protecção da confiança e segurança jurídica pressupõe um mínimo de previsibilidade em relação aos actos do poder, por forma a que a cada pessoa seja garantida e assegurada a continuidade das relações em que intervém e dos efeitos jurídicos dos actos que pratica.
IX. O DL n.º 147-A/06, de 31/07 [que veio alterar a al. c), n.º 2, do art. 42.º do DL n.º 296-A/98, de 25/09], ao determinar no seu art. 02.º (reportado à sua vigência) que produzisse efeitos a partir do início de candidatura ao ensino superior no ano lectivo de 2006/2007, veio alterar as regras do procedimento concursal no decurso do mesmo, pelo que consubstancia retroactividade legislativa interdita pelo art. 18.º, n.º 3 da CRP, pondo em causa os princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica, corolários do Estado de Direito Democrático, bem como do princípio da igualdade e, em especial, de acesso ao ensino superior em igualdade de oportunidades (arts. 02.º, 13.º, 74.º, n.º 1 e 76.º, n.º 1 todos da CRP).
X. A garantia de igualdade de oportunidades de acesso ao ensino, especificamente, ao ensino superior (arts. 74.º, n.º 1 e 76.º, n.º 1 da CRP) constitui uma dimanação do próprio princípio da igualdade enunciado no art. 13.º da nossa Lei Fundamental cuja função de protecção tem sido caracterizada como “direito subjectivo público”, pelo que deve caracterizar-se ou qualificar-se como um direito, liberdade e garantia de natureza análoga e, nessa medida, aplica-se-lhe o regime legal dos direitos, liberdades e garantias (arts. 17.º e 18.º da CRP), podendo ser tutelado e efectivado legitimamente através do presente meio contencioso. *

* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:05/10/2007
Recorrente:Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e Ministério da Educação
Recorrido 1:M...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Intimação Protecção Direitos, Liberdades e Garantias (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Negar provimento aos recursos
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR (abreviadamente MCTES) e MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (abreviadamente ME), devidamente identificados nos autos, inconformados vieram, cada um, interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, datada de 05/02/2007, que deferiu o pedido de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias que havia sido deduzido por M…, igualmente identificada nos autos, e, consequentemente, intimou “1ª entidade requerida (Ministério da Educação) para possibilitar à requerente a realização de novo exame na disciplina de Química (código 642), no prazo máximo de 15 dias úteis a contar da notificação da sentença …” e “… 2ª entidade requerida (Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior) para proceder à criação de uma vaga adicional num dos cursos de medicina a que a requerente se candidatou (pela ordem de preferência indicada na candidatura) e a nela colocar a requerente desde que esta obtenha, em função da classificação obtida no segundo exame de química realizado, nota de candidatura igual ou superior ao último candidato a esse curso e estabelecimento de ensino na 1ª fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior em 2006 ”.
Formula o 1.º recorrente jurisdicional (“MCTES”), nas respectivas alegações (cfr. fls. 389 e segs. - paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), as seguintes conclusões que se reproduzem:
...
a) Nem o Decreto-Lei n.º 147-A/2006 de 31 de Julho nem o Despacho do Senhor Secretário de Estado da Educação n.º 16078-A/2006 de 1 de Agosto de 2006 foram geradores de restrição de direitos, liberdades ou garantias;
b) Privilegiaram-se os factores de segurança e pressupostos de igualdade jurídica, restabelecendo-se a igualdade de oportunidades entre os candidatos da 1.ª fase, desprotegidos dos seus direitos por factores externos, criados pelo próprio Estado e que lhes não eram de forma alguma imputáveis, relativamente aos da 2.ª fase, em nada afectando ou minorando os restabelecendo-se a igualdade de oportunidades entre os candidatos da 1.ª fase, desprotegidos dos seus direitos por factores externos, criados pelo próprio Estado e que lhes não eram de forma alguma imputáveis, relativamente aos da 2.ª fase, em nada afectando ou minorando os direitos destes últimos.
c) A retroactividade terá o beneplácito constitucional sempre que razões de interesse geral ou de conformação social, como foi o caso, a reclamem ”.
Formula o 2.º recorrente jurisdicional (“ME”), nas respectivas alegações (cfr. fls. 399 e segs.), as seguintes conclusões que se reproduzem:
...
A - A forma processual utilizada é inidónea para efeitos de tutela das pretensões jurídicas da recorrida, porquanto não estamos em presença de direitos, liberdades ou garantias, nem tão pouco de direitos de natureza análoga.
Sem conceder, e ainda que se entenda que estamos perante um direito de natureza análoga, o certo é que:
B - O Decreto-Lei n.º 147-A/2006, de 31 de Julho, e o subsequente Despacho n.º 16078-A/2006, de 2 de Agosto, não são restritivos de direitos, liberdades e garantias.
C - Nestes termos, não lhes é aplicável a proibição de terem efeito retroactivo, como previsto no artigo 18.º, n.º 3, da CRP.
D - A adopção destas medidas legislativas, não pôs em causa os princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica, corolários de um Estado de Direito, visando-se precisamente garantir o princípio da igualdade e do acesso ao ensino superior em igualdade de oportunidades relativamente aos alunos que realizaram o exame de Química (código 642) na 1.ª fase (que foram prejudicados gravemente pelas circunstâncias excepcionais identificadas no Despacho n.º 16078-A/2006, de 2 de Agosto, e que manifestamente não lhes eram imputáveis), relativamente aos alunos que realizaram este exame na 2.ª fase, em nada afectando ou diminuindo os direitos destes últimos.
E - Assim sendo, considera-se que também não foram violados os artigos 2.º, 13.º, 74.º, n.º1, e 76.º, n.º 1, da CRP.
F - A douta Sentença recorrida, ao decidir nos termos do entendimento nela perfilhado, é que ofendeu o estatuído nos artigos 18.º, n.º 3, 2.º, 13.º, 74.º, n.º 1, e 76.º, n.º 1, da CRP ”.
A ora recorrida, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 516 e segs.) nas quais pugna, por um lado, pela inadmissibilidade do recurso do “MCTES” (falta juízo de censura sobre a decisão judicial recorrida em infracção art. 690.º do CPC) e pela rejeição do recurso do “ME” (ilegitimidade do recorrente jurisdicional Secretário de Estado da Educação -abreviadamente “SEE”) e, por outro, pela improcedência de ambos os recursos e manutenção da decisão judicial recorrida, não formulando, contudo, quaisquer conclusões.
O Ministério Público (MºPº) junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto nos arts. 146.º e 147.º ambos do CPTA veio emitir pronúncia no sentido da improcedência de ambos os recursos jurisdicionais (cfr. fls. 591/595), posicionamento esse que, após contraditório, apenas mereceu resposta discordante por parte do “ME” (cfr. fls. 621 e segs.).
Sobre as questões prévias suscitadas pela recorrida responderam os recorrentes concluindo no sentido da sua improcedência (cfr., respectivamente, fls. 644/645 e 647/648).
Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, n.ºs 1, al. d) e 2 do CPTA, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos recorrentes, e das questões prévias suscitadas pela recorrida, sendo certo que, pese embora por um lado, o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA o tribunal de recurso em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a sentença recorrida, porquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito”, pelo que os recursos jurisdicionais são “recursos de ‘reexame’ e não meros recurso de ‘revisão’” (cfr. Prof. J. C. Vieira de Andrade in: “A Justiça Administrativa (Lições)”, 8ª edição, págs. 459 e segs.; Prof. M. Aroso de Almeida e Juiz Cons. C. A. Fernandes Cadilha in: “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, pág. 737, nota 1; Dr.ª Catarina Sarmento e Castro em “Organização e competência dos tribunais administrativos” - “Reforma da Justiça Administrativa” – in: “Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra - Stvdia ivridica 86”, págs. 69/71).
As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar:
I) Das questões prévias da:
a) Falta de objecto do recurso jurisdicional deduzido pelo “MCTES”;
b) Ilegitimidade activa para dedução do recurso jurisdicional por parte do Secretário de Estado da Educação;
II) Se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento quando considerou improcedente a excepção de inidoneidade do meio processual empregue suscitada pelo “ME”, fazendo indevida aplicação do regime decorrente do art. 109.º do CPTA [cfr. conclusão a) do recurso jurisdicional do Ministério da Educação];
III) Se a mesma decisão judicial ao julgar procedente a pretensão da aqui recorrida incorreu em erro de julgamento infringindo o preceituado nos arts. 02.º, 13.º, 18.º, n.º 3, 74.º, n.º 1 e 76.º, n.º 1 da CRP - fundamento material de ambos os recursos jurisdicionais [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Resultou apurada da decisão judicial recorrida a seguinte factualidade:
I) No ano lectivo 2005/2006, a requerente frequentou e concluiu o 12.º ano do ensino secundário do Curso Geral do 1.º Agrupamento (Área Científica), tendo obtido a classificação final de 19 (dezanove) valores.
II) Pretendendo candidatar-se ao ensino superior, e dispondo, para o efeito, da classificação final do ensino secundário de 187 pontos (na escala de 0 a 200), a requerente realizou exames nacionais a várias disciplinas.
III) O ingresso no curso de Medicina, em todas as faculdades onde se lecciona essa licenciatura, depende da realização e aprovação das provas de ingresso em Biologia e Química bem com a aprovação no pré-requisito de “Comunicação interpessoal”.
IV) A requerente realizou o referido pré-requisito, tendo ficado apta.
V) Na 1.ª fase do calendário de exames nacionais realizou os exames às seguintes disciplinas: Biologia (código 602), com a classificação de 190 pontos (na escala de 0 a 200); Matemática (código 635), com a classificação de 120 pontos (na escala de 0 a 200); Português (código 639), com a classificação de 169 pontos (na escala de 0 a 200).
VI) Na 2.ª fase do calendário de exames nacionais realizou o exame à disciplina de Química (código 642), tendo obtido a classificação de 143 pontos (na escala de 0 a 200).
VII) A requerente concorreu ao ensino superior na 1.ª fase do Concurso Nacional de Acesso de 2006, tendo-lhe sido atribuído o número de candidatura 2668.
VIII) Nesse concurso, candidatou-se, por ordem decrescente de preferência, aos seguintes cursos de Medicina: 1.ª Opção - Curso de Medicina, da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto; 2.ª Opção - Curso de Medicina, do Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar da Universidade do Porto; 3.ª Opção - Curso de Medicina, da Universidade do Minho; 4.ª Opção - Curso de Medicina, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.
IX) A nota de candidatura da requerente a todos aqueles cursos de Medicina, calculada nos termos das disposições legais aplicáveis, era de 176,8 pontos (na escala de 0 a 200).
X) Feita a seriação e anunciadas as colocações, as notas de ingresso de cada um daqueles cursos na 1.ª Fase do aludido Concurso foram as seguintes: Curso de Medicina, da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto - 181,0 pontos; Curso de Medicina, do Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar da Universidade do Porto - 181,5 pontos; Curso de Medicina, da Universidade do Minho - 183,0 pontos; Curso de Medicina, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa - 177,8 pontos.
XI) A requerente ficou colocada no estabelecimento de ensino que indicou como 5.ª Opção na sua candidatura na 1.ª Fase do Concurso Nacional de Acesso - Curso de Medicina Veterinária, no Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar da Universidade do Porto, no qual curso e estabelecimento se veio a matricular e inscrever, embora sob reserva.
XII) A requerente voltou a concorrer ao ensino superior, na 2.ª fase do Concurso Nacional de Acesso de 2006, não tendo obtido colocação em nenhum estabelecimento de ensino nesta fase.
XIII) Em 13 de Julho de 2006, o Sr. Secretário de Estado da Educação proferiu o Despacho Interno n.º 2-SEE/2006 que consta de fls. 248 dos autos cujo teor aqui se dá por reproduzido, em que determina que:

1. Todos os alunos que o desejarem podem repetir na 2.ª fase, as provas de Química e Física (códigos 642 e 615);
2. Para efeitos de conclusão do ensino secundário e de acesso ao ensino superior, será tida em conta a melhor classificação obtida;
3. Deve ser solicitado à CNAES que autorize, a título excepcional, que estes alunos possam candidatar-se à 1.ª fase de acesso ao ensino superior para o ano lectivo de 2006-2007 ”.
XIV) Na sequência do despacho referido em XIII), a Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior (CNAES) tomou a deliberação n.º 1126/2006, de 14/07/2006, publicada no DR, IIª Série, n.º 160, de 02/08/2006 que consta fls. 54 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
XV) Na sequência do DL n.º 147-A/2006, de 31 de Julho, publicado no Diário da República n.º 146, I série, Suplemento, o Sr. Secretário de Estado da Educação, proferiu o Despacho n.º 16078-A/2006, de que consta, além do mais, o que se segue:
"...
Considerando o meu despacho interno n.º 2-SEE/2006, de 13 de Julho:
Considerando que os exames de Química (código 642) e de Física (código 615), integrados na 1.ª fase dos exames nacionais do ensino secundário do presente ano lectivo, se referem a disciplinas com programas novos que introduziram rupturas com a experiência anterior;
Considerando que tais programas foram tardiamente aprovados, implicando dificuldades significativas na adaptação dos manuais escolares e dos próprios docentes às novas exigências;
Considerando que aquelas duas disciplinas, sendo anuais, foram sujeitas a um procedimento de exames inicialmente não previsto, que não pôde beneficiar de experiência anterior e para o qual não foi assegurada adequada preparação;
Considerando que os resultados nos exames de Química (código 642) e Física (código 615) apresentaram valores médios muito inferiores aos verificados em anos anteriores nas mesmas disciplinas;
Considerando que tais resultados, ao contrário do que habitualmente sucede, implicariam este ano excluir liminarmente 80% dos alunos de Química e 67% dos alunos de Física da possibilidade de concorrerem a cursos do ensino superior em que os exames dessas disciplinas constituem provas de ingresso;
Considerando que, não tendo sido apurados erros técnicos ou científicos nas provas, nem irregularidades no procedimento respectivo, há fortes motivos para atribuir ao excepcional conjunto de circunstâncias acima descrito a principal responsabilidade pelos resultados anormalmente baixos que se verificaram este ano naquelas disciplinas;
Considerando, assim, que os resultados verificados no processo de avaliação comprovam que as referidas circunstâncias excepcionais implicaram, efectivamente, um grave prejuízo para os alunos, com reflexo nas condições de sucesso das suas candidaturas ao ensino superior;
Considerando, em particular, que o circunstancialismo excepcional causador desta situação não é, de modo algum, da responsabilidade dos alunos que se apresentaram a exame;
Considerando, ainda, a anormal discrepância entre aqueles resultados e o quadro de resultados obtidos nos exames de Química (código 142) e Física (código 115) pelos alunos abrangidos pelos programas curriculares antigos;
Considerando, consequentemente, que os alunos que fizeram exame nas disciplinas de Química (código 642) e Física (código 615) foram colocados, por razões que lhes não são imputáveis, numa situação de objectiva e manifesta desvantagem, que ofende gravemente o princípio da igualdade das candidaturas no concurso de acesso e ingresso no ensino superior;
Considerando, por outro lado, que a situação verificada nas disciplinas de Química (código 642) e Física (código 615) não é igual à que se verificou em qualquer das outras disciplinas;
Considerando, em particular, que nas únicas outras duas disciplinas anuais que tiveram exames inicialmente não previstos, Biologia e Geologia, os resultados se mostraram em linha com o histórico, revelando que aí as dificuldades de adaptação aos programas novos e respectivos exames não tiveram nem intensidade, nem consequências semelhantes;
Em face de toda a situação excepcional descrita;
Considerando que se verificou no processo de avaliação referente aos exames de Química (código 642) e Física (código 615) um conjunto de circunstâncias excepcionais susceptíveis de prejudicar gravemente estes candidatos ao ensino superior e de pôr em causa o princípio da igualdade entre candidaturas;
Considerando que, para minimizar os prejuízos injustamente causados a estes candidatos e para salvaguardar o princípio da igualdade entre candidaturas, importa permitir, excepcionalmente, que os candidatos que na 1.ª fase dos exames nacionais realizaram exame nas disciplinas de Química (código 642) e Física (código 615) possam, já na 1.ª fase do concurso de acesso e ingresso no ensino superior, utilizar a classificação final do ensino secundário que integre melhorias de classificação resultantes de exames dessas disciplinas realizados na 2.ª fase de exames nacionais deste mesmo ano lectivo;
Considerando, finalmente, que, para efeitos da 1.ª fase do concurso de acesso e ingresso no ensino superior deste ano, está assegurado, pelo disposto no artigo 5.º da deliberação n.º 7/2006, da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior, de 26 de Julho, que relevando tais classificações da 2.ª fase dos exames nacionais para a classificação final do ensino secundário, relevam também, na mesma fase do concurso, como classificação das provas de ingresso previstas:
Ao abrigo da alínea c) do n.º 2 do artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 296-A/98, de 25 de Setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 99/99, de 30 de Março, 26/2003, de 7 de Fevereiro, 76/2004, de 27 de Março, 158/2004, de 30 de Junho, e 147-A/2006, de 31 de Julho, e da alínea b) do n.º 1.1 do despacho n.º 11 529/2005 (2.a série), de 29 de Abril, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 99, de 23 de Maio de 2005, determina-se o seguinte:
No presente ano, em razão de circunstâncias que gravemente prejudicaram os candidatos e puseram em causa o princípio da igualdade entre candidaturas na 1.ª fase dos concursos a que se refere o capítulo V do Decreto-Lei n.º 296-A/98, de 25 de Setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 99/99, de 30 de Março, 26/2003, de 7 de Fevereiro, 76/2004, de 27 de Março, 158/2004, de 30 de Junho, e 147-A/2006, de 31 de Julho, é permitida, excepcionalmente, aos candidatos que na 1.ª fase dos exames nacionais do ensino secundário do ano lectivo de 2005-2006 realizaram exame nas disciplinas de Química (código 642) e Física (código 615) a utilização da classificação final do ensino secundário que integre melhorias de classificação resultantes de exames dessas disciplinas realizadas na 2.ª fase de exames nacionais deste mesmo ano lectivo …".
XVI) A lista de colocações do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior foi publicada em 18/09/2006 (1.ª fase) e 16/10/2006 (2.ª fase).
XVII) A A. intentou o presente processo de Intimação para Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias em 06/11/2006.
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3.2. DE DIREITO
Considerada a factualidade supra fixada importa, agora, entrar na análise primeiramente das questões prévias suscitadas e de seguida, se for caso disso, apreciar dos fundamentos dos recursos jurisdicionais supra elencados.
*
3.2.1.
Da falta de objecto do recurso jurisdicional - infracção ao art. 690.º CPC
Sustenta a recorrida que o “MCTES” em sede da peça processual através da qual interpôs o recurso jurisdicional “sub judice” não atacou a sentença recorrida, não lhe assacou qualquer ilegalidade, infringindo, desta feita, o disposto no art. 690.º do CPC, pelo que aquele recurso não deveria ser conhecido.
Vejamos
De acordo com o que se disciplina no n.º 1 do art. 690.º do CPC “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual concluirá, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão”, prescrição que é complementada com o que se estatui no seu n.º 4 segundo o qual o desrespeito por tal regra impõe que se convide o recorrente a sintetizar as suas conclusões “sob pena de se não conhecer do recurso” tal como resulta igualmente ao art. 146.º, n.º 4 do CPTA.
As alegações de recurso jurisdicional são o instrumento processual onde o recorrente, que não concorda com uma sentença ou um despacho judicial, afronta a decisão recorrida, expondo os seus pontos de vista e os confronta com os ali explanados, procurando desmontar os argumentos em que a decisão se alicerça, caracterizando as ilegalidades de que padece, e, portanto, onde explana os verdadeiros fundamentos do recurso.
Têm necessariamente de culminar com conclusões com "... a indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão" devendo ainda indicar as "… normas jurídicas violadas".
Vistas as "alegações" em crise produzidas pelo “MCTES” temos que as mesmas, não sendo o “exemplo perfeito” do modelo idealizado pelo legislador processual, satisfazem, todavia, minimamente e com suficiência, o desiderato imposto pelo art. 690.º do CPC “ex vi” art. 140.º do CPTA, que, nessa medida, não se mostra infringido.
Com efeito, infere-se do seu teor as motivações da discordância quanto à decisão judicial impugnada, visto aquele recorrente discordar da fundamentação na qual assentou o julgamento quanto à verificação de certas ilegalidades como sejam a violação do princípio da igualdade, em especial, no acesso ao ensino superior público e do princípio da confiança e da segurança jurídicas, esgrimindo, então, os seus pontos de vista e de perspectiva, fazendo apelo e uso da argumentação que também já havia invocado em sede de articulado de oposição/resposta (cfr. pontos 2.º, 3.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 13.º, 14.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 22.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º e 27.º e consequentes conclusões).
Assim, cumprindo as "alegações" com suficiência os parâmetros mínimos exigíveis pelos comandos legais em referência para poderem validamente por em causa o que se decidiu na sentença impugnada julga-se improcedente esta questão prévia e, consequentemente, o recurso jurisdicional interposto será objecto de conhecimento por este Tribunal.
*
3.2.2.
Da falta de legitimidade activa para dedução do recurso jurisdicional por parte do “SE da Educação”
Invocou, ainda, a recorrida mas agora relativamente ao recurso jurisdicional interposto a fls. 399 e segs., que o mesmo não deveria ser apreciado porquanto foi interposto por ente ou sujeito que não era parte no processo “sub judice”, carecendo de legitimidade activa para o efeito.
Vejamos.
Decorre do n.º 1 do art. 141.º do CPTA que “pode interpor recurso ordinário de uma decisão jurisdicional proferida por um tribunal administrativo quem nela tenha ficado vencido e o Ministério Público, se a decisão tiver sido proferida com violação de disposições ou princípios constitucionais ou legais”.
Afigura-se-nos inequívoco que na expressão “quem nela tenha ficado vencido” se reporta às partes principais, ou seja, nomeadamente aos autor(es)/requerente(s) e aos réu(s)/requerido(s), nestes se incluindo clara e inequivocamente, caso os haja, os contra-interessados.
Dúvidas não temos que o “ME” é parte principal, enquanto demandado, e que o mesmo, face aos termos da sentença impugnada, é parte vencida e, nessa medida, assiste-lhe o direito de recorrer jurisdicionalmente.
Ocorre, porém, que no requerimento no qual se manifesta a vontade de recorrer jurisdicionalmente para este Tribunal e na peça processual contendo as respectivas e competentes alegações de recurso jurisdicional daquele ente público figura no cabeçalho “Secretário de Estado da Educação …”, mostrando-se as mesmas subscritas pela mesma consultora jurídica que havia sido nomeada nos autos e havia produzido todas as demais intervenções processuais sempre figurando como ente intimado “Ministério da Educação” (cfr. resposta/oposição de fls. 147 e segs., requerimento de junção de documentos de fls. 306 e segs., requerimento peticionando a suspensão da instância de fls. 602 e segs.; requerimento de resposta ao parecer do MP de fls. 621 e segs.).
Gerará tal intervenção nos termos em que o foi uma situação de ilegitimidade activa conducente ao não conhecimento do recurso jurisdicional?
Afigura-se-nos que a resposta a esta interrogação não pode ser positiva. Na verdade, estamos perante um erro/lapso de escrita cometido na elaboração/redacção do cabeçalho da peça processual em crise tal como se pode inferir dos próprios termos da mesma peça [cfr. fls. 399 e segs. e original de fls. 456 e segs. - elaborados em papel com timbre do “Ministério da Educação” - e na qual se faz referência sempre ao ente intimado como “Ministério da Educação” (cfr. pontos 02.º, 04.º) e se conclui no sentido de que “…não deve o Ministério de Educação ser intimado a …”], do ofício que a remeteu (cfr. fls. 398 - onde se faz referência à “Entidade Intimada” como sendo o “Ministério da Educação) e dos próprios termos do processo judicial de harmonia com o supra descrito em termos de conduta processual desenvolvida.
Tal realidade foi, aliás, invocada pelo recorrente em sede de resposta à questão prévia (cfr. fls. 647/648), sem que a aqui recorrida haja dito algo em oposição, sendo certo que tal entendimento já se inferia dos próprios termos do despacho do Mm.º Juiz “a quo” que procedeu à admissão do recurso jurisdicional em crise, despacho esse que notificado às partes não foi objecto de qualquer reparo (cfr. fls. 580 e segs.).
Nessa medida, o lapso ocorrido não se pode ter como gerador de situação de ilegitimidade activa na e para a dedução do recurso jurisdicional como sustenta a recorrida, porquanto se trata de “irregularidade” sanável e que, quanto muito, geraria a possibilidade do convite à correcção da mesma peça.
Improcede, por conseguinte, esta questão prévia.
*
Decididas as questões prévias e considerada a factualidade supra fixada que, aliás, não foi objecto de qualquer impugnação idónea importa, agora, entrar na análise dos fundamentos dos presentes recursos jurisdicionais.
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3.2.3.
Da excepção de inidoneidade do meio processual - art. 109.º CPTA
Argumenta o recorrente “ME” que o presente meio processual não é o idóneo para tutelar a situação em apreciação.
Alega, em suma, que “… o facto de a presente acção ter sido interposta só em 6 de Novembro de 2006, quando os resultados da 2.ª fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior foram afixados em 16 de Outubro de 2006, obstará, …, «à necessidade de tutela urgente», e, precisamente, atento o prazo decorrido desde a afixação dos resultados dessa 2.ª fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior, não se nos afigura como evidente a urgência dessa necessidade de tutela do pretenso direito da A..
(…), existindo urgência da necessidade da imposição de uma conduta positiva ou negativa, que se mostre indispensável para assegurar o exercício em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia (…), a A. deveria desde logo, em poucos dias, ter intentado a presente acção e não apenas tê-la intentado, como o fez, cerca de 3 semanas depois de serem afixados aqueles resultados.
(…), afigura-se-nos que o meio processual utilizado pela A. não é o adequado para a tutela dos seus pretensos interesses, dado que manifestamente não se encontram preenchidos os pressupostos cumulativos previstos no art. 109.º do CPTA …”.
Analisemos.
O meio processual de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, regulado nos artigos 109.º a 111.º do CPTA, constitui um processo autónomo que implica a emissão duma decisão definitiva e destina-se a dar cumprimento à exigência ditada pelo art. 20.º, n.º 5 da CRP quando nele se estatui que para “… defesa dos direitos liberdades e garantais pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter a tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”, normativo este que constitui uma das mais relevantes inovações introduzidas pela Lei Constitucional n.º 1/97 (cfr. Dr.ª M. Fernanda Maçãs em “As formas de tutela urgente previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos” publicado in: Revista do MºPº Ano 25, Out/Dez. 2004, n.º 100, págs. 41 e segs., em especial, págs. 48 a 53 e em: “Reforma da Justiça Administrativa” - in: “Boletim da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra - Stvdia ivridica 86”, págs. 209 e segs.; Prof. M. Aroso de Almeida in: “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição, pág. 283).
Note-se que no n.º 5 do referido normativo não está em questão a criação de um qualquer meio cautelar, porquanto o que se visa seria a concretização de um direito a processos céleres e prioritários, de molde a obter-se uma eficaz e atempada protecção jurisdicional contra ameaças ou atentados aos direitos, liberdades e garantias pessoais dos cidadãos.
Com efeito, do comando constitucional em referência decorre a exigência de um programa completo de instrumentos processuais que integralmente satisfaçam a necessidade da tutela efectiva de quaisquer direitos ou interesses legalmente protegidos.
O que essencialmente se pretende é que a justiça, no caso a justiça administrativa, tenha sempre resposta, em termos procedimentais, à solicitação de tutela de direitos ou interesses; trata-se, afinal, de fazer corresponder a todo o direito uma acção adequada a fazê-lo exercitar e reconhecer em juízo (cfr. art. 02.º, n.º 2 quer do CPTA quer do CPC).
Já, porém, o comando constitucional não condiciona o legislador, respeitado que se mostre o modelo organizatório judicialista e a tutela efectiva dos direitos dos administrados, na sua opção pelas fórmulas de instituição da justiça administrativa e, muito menos, na articulação dos diversos meios processuais que disponibiliza ao administrado ou na fixação de pressupostos processuais de cada um deles, de que eventualmente resulte a preferência por um determinado meio que, em concreto, assegure a tutela efectiva, reclamada, do direito ou do interesse.
Não pode e não se extrai da previsão do art. 20.º, n.º 5 na sua conjugação com o art. 268.º, n.ºs 4 e 5 ambos da CRP, que o legislador constitucional tenha pretendido uma duplicação dos mecanismos contenciosos utilizáveis, porquanto o que ressalta dos mesmos comandos é que qualquer procedimento da Administração que produza uma ofensa de situações juridicamente reconhecidas tem de poder ser sindicado jurisdicionalmente.
É nesta total abrangência da tutela jurisdicional que se traduz a plena efectivação das garantias jurisdicionais dos administrados, não se enquadrando necessariamente nesta ideia de total garantia jurisdicional uma duplicação ou alternatividade de instrumentos e/ou meios processuais de reacção a uma dada actuação da Administração.
Daí que seguindo os ensinamentos do Prof. J. Gomes Canotilho (in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 7ª edição, págs. 506 e 507) estamos em presença dum “… direito constitucional de amparo de direitos a efectivar através das vias judiciais normais …” (vide ainda do mesmo ilustre Professor “Estudos sobre Direitos Fundamentais”, 2004, pág. 79).
Segundo a doutrina desenvolvida nesta sede são pressupostos do pedido de intimação os seguintes:
a) A necessidade de emissão urgente de uma decisão de fundo do processo que seja indispensável para protecção de um direito, liberdade ou garantia;
b) Que o pedido se refira à imposição dum conduta positiva ou negativa à Administração ou a particulares;
c) Que não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, no âmbito de uma acção administrativa normal (comum ou especial) (cfr. Prof. J. C. Vieira de Andrade in: ob. cit., págs. 276 e 278; Prof. M. Aroso de Almeida e Juiz Cons. C. A. Fernandes Cadilha in: ob. cit., págs. 537 e 538; Prof. João Caupers in: “Introdução ao Direito Administrativo” 7ª edição, pág. 351; na jurisprudência, vide, por todos, Ac. do STA de 18/11/2004 - Proc. n.º 0978/04 - in: «www.dgsi.pt/jsta»).
Quanto ao primeiro requisito ou pressuposto e para a sua análise importa ter presente, tal como sustenta o Prof. J. C. Vieira de Andrade, o “… carácter relativo ou gradativo da urgência, que depende das circunstâncias do caso concreto, avaliadas de acordo com um critério composto, que, nas espécies radicais de «especial urgência», associa apreciações temporais de iminência a juízos de valor, num ponderação própria das situações de necessidade.
Em regra, bastará que haja perigo de uma lesão séria para os direitos do particular, mas, quando essa lesão seja iminente e irreversível, o juiz poderá acelerar o processo …” (in: ob. cit., pág. 276 e nota 608) (cfr. a este propósito ainda a Dr. ª Sofia David, in: “Das Intimações ….”., págs. 123 e 124).
Para além disso, e como defende a Dr.ª M. Fernanda Maçãs a propósito do aludido requisito da necessidade urgente de uma decisão de mérito indispensável para assegurar, em tempo útil, a protecção de um direito, liberdade e garantia quando “… o legislador fala em «decisão de mérito indispensável …» cremos que a indispensabilidade não equivale aqui a irreversibilidade ou iminência de lesão. Isto porque é no n.º 1 do artigo 111.º que o legislador faz equivaler as situações de especial urgência à possibilidade de lesão iminente e irreversível do direito, liberdade e garantia, (…).
Assim sendo, podemos dizer que em termos correntes e normais bastará, por conseguinte, a invocação da necessidade de assegurar o pleno e útil exercício do direito, liberdade e garantia em causa.
A indispensabilidade não constitui, pois, sinónimo de urgência qualificada, antes corresponde à necessidade de usar a intimação por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, assegurar o exercício de um direito, liberdade e garantia, em tempo útil, através de outro meio, designadamente o decretamento provisório de uma providência cautelar …” (in: loc. cit., pág. 51).
Quanto ao segundo requisito temos que o conteúdo do pedido do requerente (pessoa individual ou colectiva) a deduzir no âmbito deste meio contencioso será a condenação do requerido (Administração e particulares, em especial, concessionários) na adopção de uma conduta positiva ou negativa, que poderá, inclusivamente, traduzir-se na prática de um acto administrativo tal como resulta do disposto no art. 109.º, n.ºs 1 e 3 do CPTA como numa mera operação material (cfr. Prof. M. Aroso de Almeida e Juiz Cons. C.A. Fernandes Cadilha in: ob. cit., pág. 636, nota 5; Prof. J. Carlos Vieira de Andrade in: ob. cit., pág. 279; Dr.ª Sofia David in: ob. cit., págs. 122 e 135), pelo que este pedido tanto pode servir para reprimir como apenas para prevenir a lesão dum direito, liberdade e garantia.
Por fim, quanto ao último requisito ou pressuposto temos que importa ter presente, como tem sido aceite uniformemente na doutrina, que o meio normal de defesa ou de tutela dos direitos fundamentais reside no recurso às acções administrativas comuns ou especiais (nestas com predominância para as acções de condenação à prática do acto devido).
Nessa medida, a regra é o recurso ou o lançar mão daquelas formas de tutela principal não urgente para efectivação e defesa de direitos, liberdades e garantias, ficando a tutela principal prevista, enquanto forma de impugnação urgente, nos arts. 109.º e segs. do CPTA reservada apenas para as situações em que aquela via normal não é possível ou suficiente para assegurar o exercício em tempo útil e a título principal do direito, liberdade ou garantia que esteja em causa e cuja defesa reclame uma intervenção jurisdicional.
A este propósito referem o Prof. M. Aroso de Almeida e o Juiz Cons. C.A. Fernandes Cadilha “… O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é, assim, instituído como um meio subsidiário de tutela, vocacionado para intervir como uma válvula de segurança do sistema de garantias contenciosas, nas situações – e apenas nessas – em que as outras formas de processo do contencioso administrativo não se revelam aptas a assegurar a protecção efectiva de direitos, liberdades e garantias.
A opção afigura-se compreensível, não parecendo, na verdade, que o âmbito de intervenção desta forma de processo esteja configurado em moldes excessivamente restritivos. (…) Afigura-se, pois, justificado recorrer, por norma, aos processos não urgentes, devidamente complementados por um sistema eficaz de atribuição de providências cautelares, efectivamente apto a evitar a constituição de situações irreversíveis ou a emergência de danos de difícil reparação (…), e reservar os processos urgentes para situações de verdadeira urgência na obtenção de uma decisão sobre o mérito da causa, que são aquelas para as quais, (…), não é possível ou suficiente a utilização de um processo não urgente, ainda que complementado pelo decretamento – se as circunstâncias o justificarem, provisório (… cfr. artigo 131.º) – de providências cautelares …” (in: ob. cit., págs. 631 e 632).
E na concatenação da impugnação urgente na modalidade de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias com o art. 131.º do CPTA referem os citados autores que “… Cumpre, …, notar que o sentido do preceito é o de afirmar a existência, …, de uma relação genérica de subsidariedade entre este processo e os processos não urgentes (acção administrativa comum e acção administrativa especial). A referência específica ao decretamento provisório de providências cautelares, previsto no artigo 131.º, compreende-se, entretanto, porque a relação de subsidiariedade em relação aos processos não urgentes se estende, como não poderia deixar de ser, ao recurso à tutela cautelar – e, dentro desta, à mais incisiva das possibilidades que o regime da tutela cautelar oferece, a do decretamento provisório de providências cautelares, previsto no artigo 131.º, quando as circunstâncias o justifiquem.
(…) Quando, …, se afirma que o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias só deve intervir quando os processos não urgentes não se mostrem capazes de assegurar uma protecção adequada, esta afirmação tem necessariamente em vista os processos não urgentes, devidamente complementadas pelo sistema de tutela cautelar, com todas as possibilidades que ele comporta – com natural destaque para a mais efectiva de todas, que é a do decretamento provisório de providências cautelares …”.
E continuam os referidos autores o “… decretamento provisório de providências cautelares, tal como previsto no art. 131.º, consiste na possibilidade que, em situações de extrema urgência – e, em especial, quando esteja, …, em causa o exercício em tempo útil de direitos, liberdades e garantias -, é dada ao autor que desencadeie ou se proponha desencadear um processo não urgente, de obter, em ordem a assegurar a utilidade da decisão que pretende alcançar nesse processo, a adopção imediata de uma providência cautelar, ainda durante a própria pendência do processo cautelar. (…).
O decretamento provisório de providências cautelares permite, assim, obter, num prazo que, em situações de extrema urgência, pode ser, tal como na intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias (…), de 48 horas (…), a adopção de providências cautelares dirigidas a impedir a lesão iminente e irreversível de direitos, liberdades e garantias.
(…) o decretamento provisório de providências cautelares pode e deve intervir em todos os domínios em que faça sentido a concessão de providências cautelares, sem prejuízo da decisão que venha a ser proferida no processo principal e até sem prejuízo da decisão definitiva que, a propósito da manutenção ou não da providência provisoriamente decretada, venha a ser proferida no próprio processo cautelar. (…).
Pelo contrário, o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias há-de ser chamado a intervir em situações que não possam ser acauteladas deste modo, porque é urgente a obtenção de uma pronúncia definitiva sobre o mérito da causa. (…) O que em situações deste tipo é necessário, é obter, em tempo útil e, por isso, com carácter de urgência, uma decisão definitiva sobre a questão de fundo: a questão tem de ser definitivamente decidida de imediato, não se compadecendo com uma definição cautelar. O processo principal urgente de intimação existe precisamente para suprir as insuficiências próprias da tutela cautelar, que resultam do facto de ela ser isso mesmo, cautelar …” (in: ob. cit., págs.632 a 635) (cfr., também Dr.ª Sofia David in: ob. cit., págs. 179 e 180).
Nesta matéria não podemos ainda deixar de ter em atenção os ensinamentos colhidos da doutrina expendida pela Dr.ª Isabel Celeste Fonseca quando sustenta que da “… interpretação e da valoração dos conceitos imprecisos previstos no art. 109.º parece que fica clara a natureza subsidiária da intimação. (…), a necessidade da intimação urgente, sob a forma de decisão de fundo, afere-se pela impossibilidade ou insuficiência da intimação urgentíssima provisória, sob a forma de decisão cautelar, para assegurar uma protecção eficaz destes direitos.
(…) A intimação será absolutamente necessária quando não puder ser dispensada, ou seja quando, para proteger direitos fundamentais, a intensidade da necessidade de protecção imediata impeça, por não ser possível em tempo útil, o recurso a um outro meio processual (por exemplo a acção administrativa comum) que seria o meio adequado ou o meio próprio para resolver definitivamente a questão existente …” (in: “Dos Novos Processos Urgentes no Contencioso Administrativo (Função e estrutura)”, págs. 76 e 77).
E continua a citada autora “… para compreender o conceito de subsidiariedade estabelecido no art. 109.º, o que conta é a capacidade ou incapacidade da medida cautelar para regular definitivamente uma situação e não a urgência.
(…) de acordo com a letra da lei, subjacente à necessidade da intimação urgente definitiva existe uma situação de urgência, mas para a qual não servem as vias processuais comuns, porque são lentas demais, nem presta a medida cautelar urgentíssima. E esta não serve por uma razão: porque é uma medida cautelar e, por isso, porque é caracterizada pela provisoriedade. E, não satisfazendo no caso concreto o regulamento provisório, ela deve ser preterida perante o processo urgente que julgue definitivamente o mérito da causa.
(…) A forma como o factor tempo interfere com o direito que é objecto do processo e de como este só se realiza se a decisão do juiz for imediata são condições que obrigam à emissão de uma decisão que não pode ser provisória, porquanto qualquer que seja a decisão formal que o juiz emita, ao pronunciar-se sobre o pedido cautelar, ele decide sobre o objecto do processo principal (que vier a ser proposto, se entretanto o não foi), já que, nestes casos, o objecto medito dos processos se identifica com a referência à situação substancial a acautelar. E esta não se compadece com uma decisão provisória.
(…) Contudo, nem todas as situações de urgência se satisfazem sem que as decisões antecipatórias ultrapassem os limites da técnica da antecipação. São estas que cumpre identificar caso a caso. E sempre no caso concreto, através dum juízo de prognose, que estas se identificam: i) são de natureza improrrogável, que reivindica uma composição jurisdicional inadiável; ii) têm uma natureza que não se compadece com a provisoriedade jurisdicional e que obriga o juiz a pronunciar-se de modo definitivo. Definitivo, no sentido de solução fatal, já que ela matará a utilidade posterior de qualquer sentença de mérito que vier a ser emitida no âmbito de um processo principal que conheça sobre essa situação, de modo mais profundo …” (in: ob. cit., págs. 78 a 83).
Concluindo a referida autora sustenta que existem “… situações claras de urgência que são propícias a exigir decisões de fundo. De uma forma generalista, podemos dizer que a situação de urgência pode manifestar-se pela sua configuração em função do tempo: situações sujeitas a um período de tempo curto, ou que digam respeito a direitos que devam ser exercitados num prazo ou em datas fixas – questões conexas com uma eleição, incluindo campanhas eleitorais, situações decorrentes de limitações ao exercício de direitos num certo dia ou numa data próxima, actos ou comportamentos que devam ser realizados numa data fixa próxima ou num período de tempo determinado, como exames escolares ou uma frequência do ano lectivo. Podem configurar igualmente casos de urgência situações de carência pessoal ou familiar, em que esteja em causa a própria sobrevivência pessoal de alguém. Casos relativos à situação civil ou profissional de uma pessoa podem constituir igualmente uma situação de urgência.
(…) Este processo de intimação urgente definitiva permite ao juiz, no domínio de direitos, liberdades e garantias, decidir legitimamente a questão de fundo de modo definitivo, nos casos em que as situações concretas de urgência verdadeiramente o mereçam e o exijam.
Para compreender os pressupostos de admissibilidade da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, deve partir-se da consideração da absoluta necessidade de emissão de uma decisão de mérito pelo facto de uma medida cautelar se revelar, num certo caso, como impossível ou insuficiente.
Já o caso oposto, quando se deva entender que a questão subjacente, ainda que seja relativa a direitos, liberdades e garantias, possa provisoriamente ser composta por via cautelar, esta deve ser a escolha preferida em detrimento da intimação definitiva, podendo actuar cumulativamente com um outro instrumento de tutela principal …” (in: ob. cit., págs. 84 e 85).
Caracterizados os requisitos ou pressupostos importa frisar que não nos encontramos no domínio da tutela cautelar ou provisória visto que o pedido de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias proporciona uma tutela principal e que visa a obtenção pelo requerente, em tempo útil e por isso com carácter de urgência, duma pronúncia definitiva sobre a relação jurídico-administrativa em questão, formando-se sobre aquela pretensão/pedido caso julgado material (cfr. Prof. J. C. Vieira de Andrade, in: ob. cit., pág. 277; Prof. Mário Aroso de Almeida, in: ob. cit., págs. 283 e 284; Prof. João Caupers in: ob. cit., págs. 347 a 349; Dr.ª Sofia David in: ob. cit., pág. 135).
Todavia, importa ter presente que se trata de meio contencioso que se caracteriza pela sumariedade e urgência, de molde a que se obtenha o seu desiderato, ou seja, “uma protecção rápida e contundente ao legítimo exercício de um direito, liberdade ou garantia frente a qualquer tipo de ameaças, restrições, lesões ou violações, provenientes, designadamente, da actuação ou omissão da Administração” (vide citado Ac. do STA de 18/11/2004 - Proc. n.º 0978/04).
Impõe-se, no entanto, que o requerente ofereça, logo com o articulado inicial, prova sumária que sustente ou permita fundar os requisitos ou pressupostos necessários quer para a admissibilidade do pedido de intimação quer, depois, para a sua procedência.
Como última nota importa ter presente que o legislador não restringiu este meio processual aos direitos, liberdades e garantias pessoais como estabelece o art. 20.º, n.º 5 da CRP visto que o seu âmbito abarca os direitos, liberdades e garantias do Título II, da Parte I da CRP, incluindo os de natureza análoga (art. 17.º da CRP), pelo que se consideram abarcados no seu âmbito os direitos de natureza análoga dispersos na CRP e fora do catálogo (cfr. nesta matéria, Dr.ª Maria Fernanda Maçãs in: loc. cit., pág. 50; Prof. J. C. Vieira de Andrade in: ob. cit., pág. 275 e nota 605; Dr.ª Sofia David in: “Das Intimações ….”pág. 121; Prof. M. Aroso de Almeida e Juiz Cons. C. A. Fernandes Cadilha in: ob. cit., págs. 629 e 630, nota 1; Dr.ª Isabel Celeste Fonseca in: ob. cit., pág. 76).
Encerrada aqui esta incursão sobre a temática da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias e sobre a amplitude e contornos do direito/garantia constitucional à tutela jurisdicional efectiva, importa, agora, reverter ao caso em análise, aferindo da bondade do julgamento de improcedência feito na decisão recorrida quanto à excepção em referência.
E respondendo à questão em análise cumpre referir, desde já, que a mesma improcede porquanto efectivamente não assiste mínima razão ao recorrente “ME” na sua tese, tanto para mais que a sua alegação em nada contende com a idoneidade do meio processual para a obtenção da tutela judicial efectiva do direito em questão. Não é pela discussão em torno da propositura dum meio contencioso numa determinada data que se afere ou pode aferir da idoneidade ou não desse meio em termos processuais para a satisfação ou tutela jurisdicional desse direito subjectivo.
Na verdade, o que se pretende com o presente meio processual é salvaguardar o exercício de um direito, liberdade ou garantia em tempo útil e de forma definitiva.
A intimante reclama a violação da garantia de igualdade de oportunidades de acesso ao ensino, e concretamente, ao ensino superior, previstos nos arts. 74.º, n.º 1 e 76.º, n.º 1 da CRP, sendo que não se nos colocam dúvidas quanto à qualificação do direito à igualdade de oportunidades no acesso ao ensino e no regime de acesso ao ensino superior como um direito, liberdade e garantia de natureza análoga e, por conseguinte, beneficia o mesmo do regime espraiado nos arts. 17.º, 18.º e 19.º da CRP.
Para efectivação e tutela daquele direito o presente meio contencioso mostra-se ser o idóneo e o adequado, não se descortinando em que é que a propositura do mesmo (06/11/2006), menos de um mês após o conhecimento dos resultados da 2.ª fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior (afixados em 16/10/2006), influa para a inidoneidade, para o erro no uso deste meio contencioso em termos de tutela jurisdicional da situação em crise.
A necessidade de urgência na obtenção de tutela através mediante uma reacção contenciosa a uma lesão e dedução dum meio de impugnação em nada contende com a idoneidade do mesmo, com a sua adequabilidade e correcção em termos do leque de formas de processo legalmente previstas no âmbito do contencioso administrativo para lograr aquela tutela. A data, o “timing” de interposição dum meio processual não contende com a sua idoneidade ou adequabilidade geradora de excepção dilatória do erro do meio contencioso empregue, mas antes se pode prender com questões como a da utilidade e interesse processual em agir, como a da eficácia, ou ainda até como a da tempestividade do exercício direito que se pretende ver assegurado através daquele processo (cfr. neste sentido, Ac. deste TCAN de 05/07/2007 - Proc. n.º 2834/06.3BEPRT ainda inédito).
Nessa medida e tal como se concluiu naquele acórdão o presente meio contencioso é o idóneo para tutelar a situação em discussão visto o deferimento da pretensão da requerente, admitindo-se a mesma a realizar exame de Química e a ingressar no curso de Medicina, apenas se justifica se o for a título definitivo. É que, tendo em conta o carácter anual dos concursos de acesso ao ensino superior, o facto de estar em causa o ingresso num curso superior e ainda a circunstância de a requerente ter de abandonar o curso no qual foi admitida, forçoso é concluir que se impõe que a decisão a proferir relativamente à pretensão que a mesma formulou seja uma decisão de fundo e não provisória.
São demasiado importantes os valores em causa para que os mesmos possam ser acautelados com uma simples decisão provisória, que pode ser alterada pela decisão a proferir no processo principal. Mal se compreenderia que a requerente fosse admitida a fazer o exame de Química e, caso obtivesse a nota necessária, ingressasse no curso de Medicina, deixando de frequentar o curso no qual foi admitida, tudo isso provisoriamente, correndo o risco de futuramente poder ter de abandonar o mesmo e refazer o seu percurso universitário desde o início.
Não colhe o argumento aduzido pelo Ministério da Educação no sentido de que não se mostra verificado o pressuposto da urgência posto que a presente acção apenas foi instaurada em 6/11/2006, pela simples razão de que esse requisito deve ser aferido por referência ao ano lectivo de 2006/2007, dado que a urgência no exercício do direito fundamental da requerente de acesso ao ensino superior em condições de igualdade reporta-se àquele ano lectivo, no qual a mesma se candidatou e no qual, segundo defende, não foi observado aquele seu direito fundamental.
Não nos merece, por conseguinte, qualquer reparo neste segmento a decisão judicial impugnada.
Diverso desta questão é já a verificação do requisito ou pressuposto enunciado no art. 109.º, n.º 1 do CPTA que se traduz no não ser possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa normal, mercê da tutela cautelar conjuntamente com a tutela principal normal assegurarem a tutela efectiva e em tempo útil do direito da aqui recorrida.
Temos, para nós, que também este requisito se mostra preenchido no caso vertente.
De facto, face aos contornos da situação em crise e direito em questão, à tutela que pelo mesmo é reclamada por parte da requerente, aqui ora recorrida, temos, para nós, que o recurso a processos/meios contenciosos não urgentes (acções administrativas comum – art. 37.º, n.º 2. al. c) do CPTA – ou especiais) devidamente complementados pelo sistema de tutela cautelar, com todas as possibilidades que ele comporta [providências cautelares quer conservatórias ou quer antecipatórias (adopção ou a abstenção de conduta ou da prática de determinados actos - art. 112.º, n.ºs 1 e 2, als. a), d) e f) do CPTA), com recurso ao decretamento provisório de providências cautelares nos termos do art. 131.º do CPTA], não permite claramente a defesa efectiva, eficaz e em tempo útil daquele direito invocado.
Na situação de urgência alegada e descrita nos autos pela requerente, à luz e configurada em função do tempo reclamado em termos de tutela, estamos perante situação sujeita a um período de tempo curto ou a direito que deva ser exercitado num prazo limitado e que reclama a necessidade da emissão duma decisão judicial de mérito que assegure e tutele em termos definitivos o reconhecimento do direito visto a medida cautelar se revelar, no caso, insuficiente tal como supra já aludimos.
*
3.2.4.
Do erro de julgamento em violação dos arts. 02.º, 13.º, 18.º, n.º 3, 74.º, n.º 1 e 76.º, n.º 1 da CRP
Sustentam os aqui recorrentes que a decisão judicial foi proferida em violação dos normativos aludidos em epígrafe já que, em suma, a actuação legislativa (publicação do DL n.º 147-A/06, de 31/07, alterando o regime fixado pelo DL n.º 296-A/98, de 25/09) e administrativa (despacho do Sr. Secretário de Estado da Educação n.º 16078-A/2006 datado de 01/08/2006 e publicado em 02/08/2006) desenvolvida observou os comandos constitucionais e legais, pelo que não seria aplicável o regime decorrente do n.º 3 do art. 18.º da CRP.
Analisemos.
Presentes os considerandos de enquadramento quanto ao meio contencioso em presença supra tecidos importa agora fazer o cotejo dos normativos a ter em linha de conta para a apreciação da questão em discussão e, assim, aferir da pertinência da tese sustentada pelos recorrentes.
Decorre do art. 02.º da CRP sob a epígrafe de “Estado de direito democrático”, que “A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.”
No art. 13.º da Lei Fundamental, com a epígrafe de “Princípio da igualdade”, estipula-se que:
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”
Por sua vez prevê-se no art. 17.º (Regime dos direitos, liberdades e garantias) que o “… regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga”, sendo que por força dos n.ºs 2 e 3 do art. 18.º a “… lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos …” e as “… leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.”
Resulta do n.º 1 do art. 74.º que “… Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar …“.
Por fim decorre do art. 76.º, sob a epígrafe de “Universidade e acesso ao ensino superior”, que:
1. O regime de acesso à Universidade e às demais instituições do ensino superior garante a igualdade de oportunidades e a democratização do sistema de ensino, devendo ter em conta as necessidades em quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do país.
2. As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira, sem prejuízo de adequada avaliação da qualidade do ensino.”
Exposto o quadro normativo a ter em mente na análise do caso vertente importa, agora, fazer seu enquadramento jurídico, sendo certo que a questão sobre a qual cumpre emitir pronúncia não é nova na jurisprudência.
Com efeito, em dois recursos jurisdicionais que penderam neste Tribunal foram emitidas outras tantas decisões nas quais, por unanimidade, foi desatendida pretensão em tudo similar àquela que ora constitui objecto de recurso.
Em ambos os acórdãos se conclui pela improcedência dos recursos jurisdicionais ali formulados, tendo sido confirmadas as decisões de intimação do “ME” e do “MCTES” e o julgamento de inconstitucionalidade ali vertido (cfr. acórdãos deste TCAN, proferidos em casos similares ao “sub judice”, de 25/01/2007 - Proc. n.º 00678/06.1BECBR, de 01/03/2007 - Proc. n.º 00683/06.8BECBR in: «www.dgsi.pt/jtcn», de 05/07/2007 - Proc. n.º 2834/06.3BEPRT e de 12/07/2007 - Proc. n.º 1042/06.8BECBR ainda inéditos).
Chamado a pronunciar-se sobre questão em tudo idêntica o TCA Sul emitiu acórdão datado de 03/05/2007 (Proc. n.º 02402/07 in: «www.dgsi.pt/jtca») no qual concluiu em idêntico sentido.
Ora não obstante a argumentação desenvolvida nas alegações dos recursos jurisdicionais em presença não vislumbramos nas mesmas razões válidas que nos levem a afastar a jurisprudência supra aludida já firmada por este Tribunal e que aqui se reitera, o que conduz à improcedência na totalidade de ambos os recursos.
Estriba-se este nosso julgamento de improcedência na fundamentação vertida nas citadas decisões que aqui se acompanham e reproduzem.
Assim, na sua dimensão material ou substancial, o princípio constitucional da igualdade vincula em primeira linha o legislador ordinário.
Tal princípio, contudo, não impede o órgão legislativo de definir as circunstâncias e os factores tidos como relevantes e justificadores de uma desigualdade de regime jurídico num caso concreto, dentro da sua liberdade de conformação legislativa. Nessa medida, o princípio constitucional da igualdade não pode ser entendido ou considerado de forma absoluta, em termos tais que impeça o legislador de estabelecer uma disciplina diferente quando diversas forem as situações que as disposições normativas visam regular.
Daí que o princípio da igualdade, enquanto entendido e considerado como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções, proíbe-lhe, ao invés, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional.
O princípio da igualdade traduz, no fundo, a ideia geral de proibição do arbítrio.
Tal como tem vindo a ser sucessivamente sustentado pelo Tribunal Constitucional o “(…) princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13.º (…)” ou ainda que “(…) acerca do sentido e alcance do princípio da igualdade, na sua função 'negativa' de princípio de 'controle'..., tudo estará em saber se, ao estabelecer a desigualdade de tratamento em causa, o legislador respeitou os limites à sua liberdade conformadora ou constitutiva ('discricionariedade' legislativa), que se traduzem na ideia geral de proibição de arbítrio. Ou seja: tudo estará em saber se essa desigualdade se revela como 'discriminatória' e arbitrária, por desprovida de fundamento racional (ou fundamento material bastante), atenta a natureza e a especificidade da situação e dos efeitos tidos em vista (e logo o objectivo do legislador) e, bem assim, o conjunto dos valores e fins constitucionais (isto é, a desigualdade não há-de buscar-se num 'motivo' constitucionalmente impróprio) (…).”
Por outro lado, temos para nós que o legislador ordinário não está impedido de conferir eficácia retroactiva a um determinado diploma legal. Não existe uma proibição geral de retroactividade.
De facto, a retroactividade da lei só é expressamente decretada na Constituição como excepcional (cfr. arts. 18.º, n.º 3, 29.º, n.º 4 e 103.º, n.º 3 da CRP) e mesmo a lei constitucional só determina a produção de efeitos da declaração de inconstitucionalidade de normas anteriores a partir do seu início de vigência (vide art. 282.º, n.º 2 da CRP).
A retroactividade é uma solução legislativa que necessita de se compatibilizar com os valores constitucionais e nunca uma solução absolutamente disponível pelo legislador ordinário.
Nessa medida, as limitações constitucionais à retroactividade hão-de ser compreendidas a partir da prevalência, em certas situações e circunstâncias, dos valores da segurança, da igualdade e da protecção dos direitos fundamentais, relativamente aos interesses prosseguidos pelas normas retroactivas [cfr., entre outros, Acs. do Tribunal Constitucional n.ºs 786/96 (Proc. n.º 445/92 de 19/06/1996), n.º 408/99 (Proc. n.º 590/98 de 29/06/1999), n.º 269/01 (Proc. n.º 149/95 de 20/06/2001), n.º 306/01 (Proc. n.º 762/00 de 27/06/2001), n.º 467/03 (Proc. n.º 125/03 de 14/10/2003), in: «www.tribunalconstitucional.pt/acordaos»].
Domina na doutrina jurídica nacional, que se atém à concepção de retroactividade emanada do CC (cfr. art. 12.º), a ideia de que a retroactividade de qualquer lei, em sentido próprio, é apenas a que pretende atingir os factos anteriores à sua entrada em vigor, de modo que as leis que regulam apenas o conteúdo das situações jurídicas já constituídas, abstraindo dos factos que as originaram, não serão verdadeiramente retroactivas (cfr., por todos, Prof. J. Baptista Machado in: “Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil”, 1968, págs. 213 e segs. e 306 e segs., e “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 1990, págs. 231 e segs.).
Sustenta o Prof. J. J. Gomes Canotilho que “(…) Retroactividade consiste basicamente numa ficção: (1) decretar a validade e vigência de uma norma a partir de um marco temporal (data) anterior à data da sua entrada em vigor; (2) ligar os efeitos jurídicos de uma norma a situações de facto existentes antes da sua entrada em vigor. No primeiro caso (1), fala-se em retroactividade em sentido restrito (efeito retroactivo); no caso (2) alude-se a conexão retroactiva quanto a efeitos jurídicos.
… Diferentemente, fala-se de retroactividade inautêntica quando uma norma jurídica incide sobre situações ou relações jurídicas já existentes embora a nova disciplina jurídica pretenda ter efeitos para o futuro.
Os casos de retroactividade autêntica em que uma norma pretende ter efeitos sobre o passado (eficácia ex tunc) devem distinguir-se dos casos em que uma lei, pretendendo vigorar para o futuro (eficácia ex nunc), acaba por «tocar» em situações, direitos ou relações jurídicas desenvolvidos no passado mas ainda existentes. Podem apontar-se vários exemplos: normas modificadoras dos pressupostos do exercício de uma profissão; regras de promoção nas carreiras públicas; normas que regulam, de forma inovadora, relações jurídicas contratuais tendencialmente duradouras (…); normas reguladoras dos regimes pensionísticos da segurança social. Nestes casos, a nova regulação jurídica não pretende substituir ex tunc a disciplina normativa existente, mas ela acaba por atingir situações, posições jurídicas e garantias «geradas» no passado e relativamente às quais os cidadãos tem a legítima expectativa de não serem perturbados pelos novos preceitos jurídicos. … Nestas hipóteses pode ou não ser invocado, para a obtenção de uma norma de decisão, o princípio da confiança? A resposta, em geral, aponta para uma menor intensidade normativa do princípio nas hipóteses de «retroactividade inautêntica» (também chamada retrospectividade) do que nos casos de verdadeira retroactividade. O problema que se coloca é o de delimitar com rigor a valores negativos da retroactividade. Em primeiro lugar, devem trazer-se à colação os direitos fundamentais: saber se a nova normação jurídica tocou desproporcionada, desadequada e desnecessariamente dimensões importantes dos direitos fundamentais (…) ou se o legislador teve o cuidado de prever uma disciplina transitória justa para as situações em causa. (…)” (in: ob. cit., págs. 261 e 262).
Ora o princípio do Estado de Direito Democrático garante seguramente um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas suas expectativas juridicamente criadas e, consequentemente, a confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica.
Daí não deriva que toda a norma retroactiva deva reputar-se inconstitucional, mas só aquela que viola de forma intolerável a segurança jurídica e a confiança que as pessoas e a comunidade têm obrigação (e também o direito) de depositar na ordem jurídica que as rege. Ou seja, só quando a retroactividade não for arbitrária ou opressiva e a nova situação jurídica não for de todo imprevisível ou improvável, se poderá dizer não saírem aqueles princípios violados
Tal como se pode ler no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 559/98 “… pouco importa que a norma sub iudicio, com a interpretação apontada, seja retroactiva ou apenas retrospectiva. Tratando-se de um domínio em que a retroactividade da lei não está constitucionalmente vedada (ela é apenas proibida no domínio penal, e, ainda assim se a retroactividade não for in melius; no domínio fiscal e no das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias), quer a lei seja retroactiva, quer seja retrospectiva, ela só é inconstitucional, se violar princípios constitucionais autónomos. E isso é o que sucede, quando a lei afecta, de forma ‘inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa’, direitos ou expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos. Num tal caso, com efeito, a lei viola aquele mínimo de certeza e de segurança que as pessoas devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de Direito. A este impõe-se, na verdade, que organize a ’protecção da confiança na previsibilidade do direito, como forma de orientação de vida’ ….
Por conseguinte, apenas uma retroactividade intolerável, que afecte, de forma inadmissível e arbitrária, os direitos ou as expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos, viola o princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito, consagrado no artigo 2º da Constituição da República …”.
Ora, se é certo que o art. 12.º do CC não tem que condicionar o sentido da retroactividade utilizado pelo legislador constitucional em todas as manifestações de proibição de retroactividade, nomeadamente quanto à chamada retroactividade inautêntica ou retrospectividade, temos, por outro lado, que não é de excluir, em certos casos, por razões garantísticas, uma concepção mais ampla de retroactividade.
O princípio do Estado de Direito Democrático garante seguramente um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas suas expectativas juridicamente criadas e, consequentemente, a confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica.
Não podemos deixar de ter sempre como presente que o homem para além de liberdade carece de segurança para poder conduzir, planificar, estruturar e conformar de forma autónoma e responsável a sua vida.
Nessa medida, a vida num Estado de Direito Democrático terá de estar ancorada necessariamente nos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança.
O princípio da segurança jurídica, enquanto implicado no princípio do Estado de Direito Democrático, comporta duas ideias basilares. Uma, a de estabilidade, no sentido de que as decisões estatais, incluindo as leis, «não devem poder ser arbitrariamente modificadas, sendo apenas razoável a alteração das mesmas quando ocorram pressupostos materiais particularmente relevantes». Outra ideia é a da previsibilidade que, no essencial se «reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos actos normativos».
Daí que a realização e efectivação do princípio do Estado de Direito, no nosso quadro constitucional, impõe que seja assegurado um certo grau de calculabilidade e previsibilidade dos cidadãos sobre as suas situações jurídicas, ou seja, que se mostre garantida a confiança na actuação dos entes públicos.
É, assim, que o princípio da protecção da confiança e segurança jurídica pressupõe um mínimo de previsibilidade em relação aos actos do poder, por forma a que a cada pessoa seja garantida e assegurada a continuidade das relações em que intervém e dos efeitos jurídicos dos actos que pratica.
Assiste às pessoas o direito de poderem confiar que as decisões sobre os seus direitos ou relações/posições jurídicas tenham os efeitos previstos nas normas que os regulam e disciplinam.
Sobre isto a jurisprudência constante do Tribunal Constitucional tem-se pronunciado no sentido de que ‘… apenas uma retroactividade intolerável, que afecte de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos, viola o princípio da protecção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático …”, sendo que o “… direito à não frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados. Ao legislador não está vedado alterar o regime do casamento, do arrendamento, do funcionalismo ou das pensões, por exemplo (…). Cabe saber se se justifica ou não na hipótese da parte dos sujeitos de direito ou dos agentes um ‘investimento na confiança’ na manutenção do regime legal (…)” (cfr. acórdão n.º 287/90).
Ou seja, não será consentânea com tal princípio a aplicação de uma lei nova a efeitos decorrentes de factos anteriores se “a confiança do cidadão na manutenção da situação jurídica com base na qual tomou as suas decisões for violada de forma intolerável, opressiva ou demasiado acentuada. Num tal caso, com efeito, a confiança na situação jurídica preexistente haverá de prevalecer sobre a medida legislativa que veio agravar a posição do cidadão. E isso porque, tendo tal confiança, nesse caso, maior ‘peso’ ou ‘relevo’ constitucional do que o interesse público subjacente à alteração legislativa em causa, é justo que o conflito se resolva daquela maneira” (cfr. acórdão n.º 232/91). Por outras palavras, será inconstitucional se “atingir de forma inadmissível, intolerável, arbitrária ou desproporcionadamente onerosa aqueles mínimos de segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar” (acórdão n.º 486/97).
E no citado acórdão TC n.º 287/90 (reiterado no acórdão n.º 285/92) sustentou-se ainda que depois de se apurar se foram afectadas expectativas legitimamente fundadas havia ainda que averiguar se essa afectação é inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa, ou seja, a “ideia geral de inadmissibilidade” deveria ser, no seu entender, aferida pelo recurso a dois critérios: “… a) Afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição desde a 1ª revisão).
Pelo primeiro critério, a afectação de expectativas será extraordinariamente onerosa. Pelo segundo, que deve acrescer ao primeiro, essa onerosidade torna-se excessiva, inadmissível ou intolerável, porque injustificada ou arbitrária …”.
Reportando-nos, agora, ao enquadramento do “direito ao ensino” (art. 74.º, n.º 1 da CRP) temos que o mesmo, nas palavras dos Profs. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, significa um “… direito de acesso à escola …” o qual “… é um direito negativo, um direito de liberdade semelhante aos «direitos, liberdades e garantias», pelo que lhe é aplicável o respectivo regime específico …” (in: “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4.ª edição, revista, 1º Volume, Coimbra Editora, 2007, pág. 896).
Por outro lado e reportando-nos já ao regime constitucional relativo ao acesso à Universidade (cfr. art. 76.º) os referidos Professores sustentam que o direito de acesso aos graus mais elevados do ensino “… está intimamente conexionado com a liberdade de escolha de profissão …” (in: ob. cit., pág. 913), sendo certo que a garantia de igualdade de oportunidades inerente ao regime de acesso ao ensino superior constitui uma dimanação forte do princípio da igualdade enunciado no art. 13.º da CRP, cuja função de protecção anda associada ao papel do princípio da igualdade como «direito subjectivo público» (cfr. referidos Profs. in: ob. cit., pág. 343).
Como é afirmado igualmente pelo Prof. Jorge Miranda e pelo Dr. Rui Medeiros “… Pode falar-se, pois, num direito de acesso ao ensino superior relativamente àqueles que possuam e revelem capacidade (…).
(…), as normas constitucionais sobre educação devem aproximar-se de outras que, em diversas áreas, se dirigem para o mesmo rumo de uma igualdade concreta, material (…). Há-de, ser em conjugação com estas regras que as desigualdades perante a educação, mormente perante o ensino superior, hão-de ser combatidas …” (in: “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, 2005, pág. 739).
Considerou a decisão judicial recorrida, aderindo integralmente à jurisprudência deste TCAN, que o DL n.º 147-A/06, de 31/07 [que veio alterar a al. c), n.º 2, do artigo 42.º do DL n.º 296-A/98, de 25/09], ao determinar no seu art. 02.º (reportado à sua vigência) que produzisse efeitos a partir do início de candidatura ao ensino superior no ano lectivo de 2006/2007, veio alterar as regras do procedimento concursal no decurso do mesmo, pelo que consubstancia retroactividade legislativa interditada pelo art. 18.º, n.º 3 da CRP, pondo em causa os princípios da protecção da confiança, da segurança jurídica, corolários do Estado de Direito Democrático, bem como do princípio da igualdade e, em especial, de acesso ao ensino superior em igualdade de oportunidades (cfr. arts. 02.º, 13.º, 74.º, n.º 1 e 76.º, n.º 1 todos da CRP).
Inconformados argumentam os recorrentes que a decisão em crise não consegue preencher os requisitos da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, não estando justificada, nem sendo procedente o entendimento de que no caso ocorra qualquer situação restritiva de direitos, liberdades e garantias visto estar afastada a possibilidade de aplicação do regime decorrente do n.º 3 do art. 18.º da CRP.
Sustentam terem ocorrido circunstâncias excepcionalmente gravosas para os alunos que fizeram os exames de Química e Física na 1.ª chamada/fase que os colocaram na situação de objectiva e manifesta desvantagem gravemente ofensiva do principio da igualdade de candidaturas no concurso de acesso e ingresso ao ensino superior do presente ano, o que motivou a justifica o despacho do Sr. Secretário de Estado da Educação n.º 16078-A/2006 datado de 01/08/2006 e publicado no DR de 02/08/2006.
Assim, nas circunstâncias aludidas referem que as mesmas decorreram do facto de se terem tratado de disciplinas com novos programas, tardiamente aprovados, implicando significativas dificuldades na adaptação dos manuais escolares e dos próprios docentes às novas exigências, sendo disciplinas anuais, sujeitas a um procedimento de exames inicialmente não previsto, que não pôde beneficiar da experiência anterior e para a qual não foi assegurada preparação, sendo que, não só os candidatos da 1.ª chamada/fase não sabiam quando realizaram os exames que iriam ter uma segunda oportunidade, e, consequentemente, sofreram esse stress inicial, como os que apenas se candidataram à 2.ª chamada/fase beneficiaram do facto de nessa fase já terem disponível, ao invés dos da 1.ª chamada/fase, o modelo ou arquétipo da 1.ª prova ocorrida, como tiveram mais tempo para estudarem. Concluem no sentido de que não existiu qualquer restrição de direitos, liberdades e garantias.
Como supra já fomos avançando não procede esta argumentação dos recorrentes.
De facto, temos que, desde logo e de harmonia com os ensinamentos atrás recolhidos, estamos perante defesa ou tutela da garantia de igualdade de oportunidades de acesso ao ensino, especificamente, ao ensino superior nos termos dos arts. 74.º, n.º 1 e 76.º, n.º 1 da CRP, preceitos esses incluídos na Parte I (referente aos “Direitos e Deveres Fundamentais), Título III (Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais) e Capítulo III (relativo aos “Direitos e Deveres Culturais), garantia essa que constitui uma dimanação do próprio princípio da igualdade enunciado no art. 13.º da nossa Lei Fundamental cuja função de protecção tem sido caracterizada como “direito subjectivo público”, pelo que deve caracterizar-se ou qualificar-se como um direito, liberdade e garantia de natureza análoga.
Nessa medida, aplica-se-lhe o regime legal dos direitos, liberdades e garantias (cfr. arts. 17.º e 18.º da CRP), podendo ser tutelado e efectivado legitimamente através do presente meio contencioso, tal como já anteriormente concluímos sob o ponto 3.2.3).
Por outro lado, temos que os arts. 02.º, 13.º, 74.º e 76.º da CRP são dotados de aplicabilidade directa, não obstante caber ao legislador ordinário a tarefa de assegurar a sua efectividade e concordância com os direitos constitucionalmente protegidos sendo que as leis que os restrinjam têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do seu conteúdo essencial (cfr. n.º 3 do art. 18.º).
Cabe, agora, aferir se através do DL n.º 147-A/06 e despacho do Sr. Secretário de Estado da Educação n.º 16078-A/2006 ocorreu violação do princípio da igualdade e da confiança constitucionalmente previstos e aqui directamente aplicáveis, como vimos.
Ora dúvidas não temos que “in casu” ocorreu aquela violação.
Com efeito, como vimos supra o princípio da igualdade dirige-se directamente ao órgão que legisla de molde a que este, vinculadamente, trate de igual forma os que se acham em situações semelhantes e desigualmente os que se encontram em situações essencialmente desiguais, sendo que a qualificação das várias situações como iguais ou desiguais está dependente do carácter idêntico ou distinto dos seus elementos essenciais.
Nesta sede o que releva é, portanto, a existência de uma proibição do arbítrio legislativo, ou seja, de uma inequívoca falta objectiva de apoio material constitucional para a diferenciação ou não diferenciação efectuada pela medida legislativa, sendo certo, contudo, que a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação do legislador.
A margem de livre apreciação do legislador todavia não pode é corresponder a meros “impulsos momentâneos ou caprichosos, sem sentido e consequência”.
Resultava da al. c), n.º 2 do art. 42.º do DL n.º 296-A/98, de 25/09 (com a redacção introduzida pelo DL n.º 158/04, de 30/06) que em “… cada ano lectivo, a classificação final do ensino secundário utilizada na primeira fase dos concursos a que se refere o capítulo V só pode integrar melhorias de classificação resultantes de exames realizados: … c) Na segunda fase dos exames nacionais do ensino secundário desse ano lectivo, quando o estudante não tenha realizado o mesmo exame na primeira fase.”
O DL n.º 147-A/06, de 31/07, no seu art. 01.º veio alterar o referido regime legal passando a referida alínea a ter a seguinte redacção “Na 2.ª fase dos exames nacionais do ensino secundário desse ano lectivo, quando o estudante não tenha realizado o mesmo exame na 1.ª fase ou quando tal seja permitido, por despacho fundamentado do membro do Governo com a tutela sobre o ensino secundário, em razão de circunstâncias excepcionais verificadas no processo de avaliação e susceptíveis de prejudicar gravemente os candidatos ou de pôr em causa o princípio da igualdade entre candidaturas.”
E no art. 2.º, sob a epígrafe de “Vigência”, veio a estipular que o “… presente decreto-lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, produzindo efeitos a partir do início do período de candidatura ao ensino superior no ano lectivo 2006-2007.”
A fundamentação para a alteração legislativa operada pelo aludido DL resulta do seu próprio preâmbulo do diploma em análise. Aí se refere que “… o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 296-A/98, …, alterado pelo Decreto-Lei n.º 158/2004, …, permite que, em certas condições, a classificação final do ensino secundário utilizada na 1.ª fase do concurso de acesso e ingresso no ensino superior possa integrar melhorias de classificação obtidas na 2.ª fase dos exames nacionais.
Justifica-se, todavia, que essa possibilidade se aplique também em certas circunstâncias excepcionais verificadas no processo de avaliação e que sejam fundamentadamente reconhecidas como susceptíveis de prejudicar gravemente os candidatos ou de pôr em causa o princípio da igualdade entre candidaturas …”.
Por sua vez o Sr. Secretário de Estado da Educação proferiu o despacho em referência determinando que “… No presente ano, em razão de circunstâncias que gravemente prejudicaram os candidatos e puseram em causa o princípio da igualdade entre candidaturas na 1.ª fase dos concursos a que se refere o capítulo V do Decreto-Lei n.º 296-A/98, de 25 de Setembro …, é permitida, excepcionalmente, aos candidatos que na 1.ª fase dos exames nacionais do ensino secundário do ano lectivo de 2005-2006 realizaram exame nas disciplinas de Química (código 642) e Física (código 615) a utilização da classificação final do ensino secundário que integre melhorias de classificação resultantes de exames dessas disciplinas realizadas na 2.ª fase de exames nacionais deste mesmo ano lectivo. …”
Ressuma do ora reproduzido que o DL em referência foi publicado no DR de 31/07/2006 e prevê a sua aplicação às candidaturas ao ensino superior que estavam já em decurso, porquanto na referida data vários candidatos ao ensino superior tinham efectuado a sua inscrição nos exames e haviam seleccionado as datas em que preferiam fazer os respectivos exames, sendo que é o despacho do Sr. Secretário de Estado da Educação datado de 01/08/2006 que, admitindo a possibilidade de obtenção de melhoria de nota à disciplina de Química apenas para os alunos que realizaram a prova dessa disciplina na 1.ª fase/chamada, veda essa mesma oportunidade aos que como o aqui ora recorrido realizaram o exame na 2.ª fase/chamada.
Ora é para nós inequívoco que a alteração introduzida, na data em que o foi e com efeitos retroactivos, prejudicou os candidatos que optaram por realizar o exame de Química apenas na 2.ª chamada/fase de candidaturas, constituindo, no caso concreto, uma “discriminação ou desigualdade” arbitrária ou desrazoável.
Como bem se sustentou no acórdão deste Tribunal de 25/01/2007 (Proc. n.º 678/06.1BECBR), que aqui secundamos e passamos a citar “… a possibilidade de realizar melhoria na 2.ª fase já existia, conforme decorre da alínea d) do ponto 12 do Despacho n.º 3 971/2006, de 20 de Fevereiro.
Mas, essa melhoria não podia ser contabilizada para acesso ao ensino superior apenas podendo contar para média de escola.
E, o referido despacho, ao permitir excepcionalmente, a utilização de tal resultado na 1.ª fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior, provocou uma completa alteração das regras de concurso.
Na verdade os candidatos à primeira fase acabam por beneficiar de possibilidades de acesso acrescidas em função da escolha da melhor entre duas notas aumentando a probabilidade de entrada no curso que pretendem, desaparecendo a lógica instituída e com que os candidatos podiam contar.
É que os exames de acesso ao ensino superior não são apenas exames de aproveitamento ou não aproveitamento, são exames que graduam os candidatos e que, em função de mais ou menos uma centésima, lhes permitem aceder às vagas existentes para cada curso.
Pelo que, as notas não têm só um valor absoluto, mas também um valor relativo em comparação com as notas dos restantes candidatos.
E, não há dúvida, a nosso ver, que permitir a uns alunos a realização de duas hipóteses de obtenção da melhor nota, é manifestamente violador da igualdade de oportunidades de acesso à Universidade.
É que, segundo a lei das probabilidades quem tem duas hipóteses tem mais possibilidades de obter o que pretende, sendo relevante principalmente num universo de alunos em que não se coloca a hipótese da nota negativa mas médias elevadíssimas em que são elementos sobretudo de natureza subjectiva que, na maioria dos casos, determinam as centésimas a mais que permitem a entrada no curso que pretendem.
Pelo que, apenas há que aferir se está em causa um motivo para a diferenciação com carácter razoável e objectivo em função do direito em causa.
… Não existe, a nosso ver, no caso concreto, qualquer justificação válida para tal discriminação.
É que, em abstracto, qualquer aluno que opta pela 1.ª fase sabe sempre que quem vai à 2.ª fase já tem acesso ao exame feito na 1.ª fase, sendo essa mais valia sempre inerente a quem opta por esta segunda fase.
Mas, …, há vários exames a realizar, e cada aluno estabelece o seu programa de exames, e faz opções entre as várias disciplinas e essas opções são sempre da sua responsabilidade.
Quem opta pela 1.ª chamada a Química, por certo terá optado pela 2.ª fase a outras disciplinas, é uma questão de calendário para cada aluno, que faz as suas opções e corre o risco de, relativamente a cada opção que faz, ter mais sorte ou menos sorte conforme a facilidade do exame em causa.
Mas tal é apenas uma responsabilidade sua, estando todos os estudantes em igualdade de circunstâncias e de responsabilidade nas opções que tomam.
É um dos inconvenientes da obrigatoriedade da decisão, das constantes opções que a vida exige, às quais é sempre inerente uma margem de sorte ou de azar.
Mas, completamente diferente, e ao revês de qualquer justificação válida, coerente ou consistente, é alterar as regras normais do sistema com que todos os alunos contam e responsavelmente se determinaram, e criar uma situação de desigualdade, permitindo a uns uma opção entre a melhor nota de dois exames e a outros apenas uma opção, a nota do único exame que lhes foi permitido fazer.
Quanto ao facto de se tratar de disciplinas com programas novos que introduziram rupturas com a experiência anterior, nos programas tardiamente aprovados e nas consequentes dificuldades da adaptação dos manuais escolares e dos docentes, todos os alunos o sabiam!
Na verdade os novos programas tanto valiam para os alunos da 1.ª fase, como para os alunos da 2.ª fase!
Foram tardiamente aprovados tanto para os alunos da 1.ª fase como para os da 2.ª fase e as dificuldades de adaptação dos manuais e dos próprios docentes às novas exigências foram as mesmas para uns e para outros.
O procedimento de exames foi o mesmo para os alunos da 1.ª fase como para os da 2.ª fase.
E quanto ao facto de os alunos da 2.ª fase terem tido acesso ao enunciado do exame da 1.ª fase, o qual passou a constituir, objectivamente, um paradigma, ou modelo, do qual puderam extrair dados, orientações e outras achegas, tal e como vimos é um facto inquestionável a priori e sempre que existem duas fases!
Sendo que esse conhecimento não constitui uma certeza relativamente ao tipo de exame que vai ser feito e que pode até nem ter nada a ver com o modelo da 1.ª fase.
De qualquer forma sempre em qualquer circunstância os alunos de uma 1.ª fase não podem beneficiar da existência de uma prova!
E, no caso sub judice, mesmo sabendo que estavam em causa programas novos tardiamente aprovados, mesmo assim, e tendo consciência de todos esses riscos os alunos que foram à 1.ª fase quiseram correr esse risco sendo que podiam ter optado por ir à 2.ª fase!
Mas não quiseram ver o tipo de exame, não quiseram ter mais tempo para estudar quiseram fazer o exame na 1.ª fase e têm que assumir as responsabilidades das suas opções tendo em conta os inconvenientes que conheciam e que puderam ponderar aquando da sua decisão.
Não se venha, também, com o argumento de que houve notas muito baixas nos referidos exames da 1.ª chamada de Física e de Química.
E, também não se diga que os resultados obtidos na 1.ª fase dos exames nacionais de 2006 implicariam a exclusão liminar de 80% dos alunos de Química e 67% dos alunos de Física.
E que as notas médias das classificações destes últimos foram muito superiores e a percentagem de notas negativas destes mesmos alunos muito inferiores, em relação aos alunos que fizeram apenas os exames na 1.ª fase.
É que, tal facto, só por si não significa nada já que existem muitos imponderáveis.
Quem, no caso concreto optou pela 1.ª chamada em maioria? Os melhores ou os piores alunos?
E essa minoria de melhores alunos que foram à 1.ª chamada não podiam ter sido beneficiados por isso!
E, será que as notas da 2.ª chamada foram assim tão diferentes das da 1.ª?
Era razoável que os alunos não contassem com aquele tipo de exame?
E porquê? Desajustamento dos programas à prova? Excessiva dificuldade?
E qual a interferência dos critérios de correcção?
E qual a média das notas na referida 2.ª chamada?
E qual a média dos exames dos alunos que só foram à 2.ª fase?
Conforme resulta de consulta ao site www.dgidc.min-edu.pt/jneweb/estat/ES ... a média dos exames de Química código 642 (programa novo) na 1.ª fase foi de 6,9 para um total de 19374 provas realizadas correspondentes a 26% de reprovações enquanto que a média dos exames de Química (programa novo) da 2.ª fase foi de 8,8 para 20.218 provas realizadas a que corresponde 18% de reprovações.
E, não nos podemos esquecer que 12.857 alunos foram repetir as provas da 2.ª fase! (…).
Pelo que, atendendo a que na 2.ª fase mais de metade das provas correspondiam a melhorias de nota, e mesmo assim a média apenas foi de apenas 8,8 valores, não podemos tirar grandes conclusões relativamente a diferenças de médias entre a 1.ª fase e a 2.ª fase.
E analisando o quadro das médias relativas a outras disciplinas vemos por exemplo que a média da 2.ª fase de Física (programa novo) foi de 7,3 (sem grande diferença com a 1.ª fase) a que correspondeu uma reprovação de 25%, que na 1.ª fase a média de Matemática foi de 5,9 % a que correspondeu 40% de reprovações enquanto a média de Matemática (programa novo) também da 1.ª fase foi de 7,3% a que correspondeu 29% de reprovações!
Pelo que, não se nos afigura qualquer discrepância diferente da que ocorre com outras disciplinas e que tem ocorrido noutros anos.
E, mesmo que as provas da 1.ª fase tivessem um maior grau de exigência, é um risco, inerente à escolha, que de forma alguma justifica a reacção do Ministério, porque provas de dificuldade acrescida acontecem sempre pontualmente, todos os anos, com esta ou aquela disciplina, e apenas devem servir para evitar erros futuros, nunca tendo até ao presente merecido reacção idêntica.
De qualquer forma e se houve erro por parte do Ministério em todo o procedimento (o que não foi assumido como tal) sempre poderia ter dado a todos os estudantes a oportunidade de realizarem duas provas de exame, só dando disso conhecimento aos que se apresentaram à 2.ª fase em momento ulterior ao da realização da prova, para que a igualdade de condições com os que se apresentaram à 1.ª fase se mantivesse …”.
Este juízo de inconstitucionalidade veio, entretanto, a ser confirmado pelo Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 353/2007, datado de 12/06/2007 (Proc. n.º 347/07 - 2.ª Secção in: «www.tribunalconstitucional.pt/acordaos»), no qual se decidiu “… Julgar inconstitucionais, por contrariarem, conjugadamente, o princípio da segurança jurídica derivado do artigo 2.º e o princípio da igualdade, em particular da igualdade de oportunidades no acesso ao ensino superior, consagrado nos artigos 13.º e 76.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa, as normas constantes dos artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 147-A/2006, de 31 de Julho, integradas pelo despacho do Secretário de Estado da Educação n.º 16078-A/2006, de 2 de Agosto, na medida em que permitem, no concurso de acesso ao ensino superior no ano de 2005-2006, a melhoria de classificação que decorra da repetição, na 2.ª fase, de exames nacionais finais do ensino secundário aos candidatos que já haviam realizado exame, na 1.ª fase, nas disciplinas de Física (código 615) e Química (código 642), sem que tais provas se mostrem como inquinadas por erro técnico ou irregularidade …”.
Estriba-se este acórdão na seguinte linha argumentativa (que se acompanha já que havia sido utilizada em parte na fundamentação das decisões do TCAN nesta matéria) “… Dispõe o art. 76.º, n.º 1, da Constituição que “o regime de acesso à Universidade e às demais instituições do ensino superior garante a igualdade de oportunidades e a democratização do sistema de ensino, devendo ter em conta as necessidades em quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do país”.
Não resulta, directamente, deste preceito constitucional o reconhecimento da existência de um direito fundamental ou de natureza análoga de acesso ao ensino superior. Ele limita-se a estabelecer as regras, directivas e objectivos a que deve subordinar-se o regime de acesso ao ensino superior, na definição que dele venha a fazer o legislador infraconstitucional: o respeito pela igualdade de oportunidades, a democratização do sistema de ensino, que de acordo com o n.º 3 do art. 74.º da Lei Fundamental abrange o ensino pré-escolar, o ensino básico e outros graus mais elevados de ensino, as necessidades em quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do país.
Nesta perspectiva, poderá afirmar-se que o art. 76.º, n.º 1, da Constituição se limita a reconhecer a existência de um direito institucional de ensino superior e os princípios a que o regime da sua prestação, a efectuar pelo legislador infraconstitucional, deve obedecer.
O reconhecimento de um direito ou garantia constitucional de acesso ao ensino superior, relativamente àqueles que possuam e revelem capacidade, poderá, todavia, ser inferido do disposto nos n.ºs 1 e 3, alínea d) do art. 74.º da Constituição, ao disporem, respectivamente, que “todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e de êxito escolar” e que, “na realização da política de ensino incumbe ao Estado”, “garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados de ensino, da investigação científica e da criação artística” (…).
Mas a sua previsão constitucional surge essencialmente como tarefa constitucional de que o Estado deve desonerar-se e como enunciação dos princípios a que o mesmo deve obedecer na acção política da sua respectiva realização ou prestação, como os princípios da igualdade de oportunidades e da democratização do ensino e de “garantir a todos, segundo a sua capacidade, o acesso aos graus mais elevados de ensino”.
É, apenas, dentro deste recorte constitucional que é feito de tal direito que deverá operar a força jurídica conferida pelos arts. 17.º e 18.º da Constituição aos direitos, liberdades e garantias constitucionais e direitos fundamentais de natureza análoga.
Ora, tendo em conta a configuração do direito de acesso ao ensino superior, tal qual se mostra efectuada nos referidos preceitos constitucionais, não pode haver-se como correspondendo a uma restrição retroactiva, proibida pelo n.º 3 do art. 18.º, o regime legal que vem sindicado constitucionalmente.
Na verdade, o sentido dos preceitos impugnados não é o de restringir, comprimir ou diminuir o conteúdo essencial de tal direito, “mas antes de o regulamentar procedimentalmente, condicionando-o, através da estatuição de um regime para o procedimento concursal” de avaliação das capacidades dos concorrentes, consubstanciado na realização dos exames de acesso ao ensino superior.
Poderemos dizer que a intenção do regime em causa “não é restringir, mas pelo contrário, assegurar praticamente o direito fundamental constitucionalmente consagrado” (cf. José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2.ª edição, p. 216) sendo que esta tarefa, precisamente, por este seu escopo, não afecta o conteúdo do direito fundamental e não é, constitucionalmente, vedada.
Ponto é que não saiam violados os princípios constitucionais a que a previsão desse direito ou garantia constitucional se encontram expressamente submetidas, como o princípio da igualdade, ou outros princípios constitucionais, como o da tutela da confiança e da segurança jurídica.
O Tribunal Constitucional já teve ocasião de se pronunciar sobre uma questão de constitucionalidade com manifesta analogia, na perspectiva da aplicação destes princípios constitucionais, com o caso sub judicio.
Fê-lo no Acórdão n.º 1/97, publicado no Diário da República I Série-A, de 5 de Março de 1997, em que se pronunciou, em sede de fiscalização preventiva, pela inconstitucionalidade de preceito legal que, com efeitos “retrospectivos”, visava alterar a regulamentação do concurso nacional de acesso ao ensino superior no ano lectivo de 1996-1997, determinando que os exames da 2.ª fase dariam acesso a qualquer curso e estabelecimento de ensino, desde que os candidatos obtivessem notas superiores à do último candidato neles colocado na 1.ª fase, e promovendo, do mesmo passo, uma alteração do número de vagas originariamente fixado por portaria. Considerou, então, o Tribunal que um tal regime violava, “conjugadamente, o princípio da segurança jurídica derivado do artigo 2.º da Constituição e o princípio da igualdade, em particular da igualdade de oportunidades no acesso ao ensino superior, consagrado nos artigos 13.º e 76.º, n.º 1, da Constituição”.
Discreteando, sobre a matéria, diz este Acórdão:
«… As alterações introduzidas pelo artigo 1.º do decreto da Assembleia da República nos critérios de acesso ao ensino superior (definidos anteriormente pelo Decreto-Lei n.º 28-B/96) para os candidatos que realizaram os exames de Setembro poderão produzir discriminações - positivas e negativas - inaceitáveis em face do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição?
A objecção à constitucionalidade salienta, em primeiro lugar, a falta de fundamentação razoável para que os candidatos que fizeram os exames da época de Setembro sejam beneficiários de um critério de acesso não condicionado pelo número de vagas, mas só pela classificação, diferentemente dos que apenas realizaram as suas provas em Julho. Em segundo lugar, invoca uma discriminação negativa dos candidatos que somente foram opositores à primeira fase e não vieram a ser colocados no curso e estabelecimento de ensino da sua primeira opção.
É verdade, porém, que a classificação que assegura, nos termos do artigo 1.º do Decreto n.º 58/VII, o direito de ingresso no ensino superior aos candidatos à 2.ª fase relativamente a cada par curso/estabelecimento de ensino é necessariamente superior à do último candidato colocado no mesmo par curso/estabelecimento de ensino na primeira fase. Não se registaria, por isso, um manifesto privilégio dos candidatos à segunda fase, ponderando apenas o factor classificação.
E, aliás, o problema nem sequer se colocaria se não estivesse em causa uma situação de retroactividade inautêntica ou retrospectividade. Com efeito, uma vez que todos os candidatos puderam ser opositores à segunda fase, eles estariam numa óbvia posição de paridade desde que as regras de colocação houvessem sido previamente definidas. A circunstância de as regras de colocação na segunda fase terem sido determinadas já depois de os candidatos terem realizado as respectivas provas e, sobretudo, terem manifestado as suas preferências por cursos e estabelecimentos de ensino é que gera, potencialmente, um tratamento discriminatório dos candidatos que não concorreram à segunda fase e até mesmo daqueles que, tendo-o feito, não escolheram os cursos e estabelecimentos de ensino que, em absoluto, preferiam, por saberem que não tinham sobrado vagas da primeira fase.
Estes candidatos foram, na realidade, surpreendidos por uma mudança de regras superveniente. O tratamento discriminatório não resulta apenas de um favorecimento dos opositores à segunda fase (ou, de entre eles, dos que se candidataram a cursos e estabelecimentos sobrelotados, por ter sido essa a sua primeira candidatura ou por terem investido na possibilidade remota de surgimento de novas vagas por desistência de candidatos colocados na primeira fase). Esse tratamento discriminatório resulta, outrossim, de um prejuízo dos outros candidatos (não opositores à segunda fase ou opositores à segunda fase que não escolheram os cursos e estabelecimentos de ensino da sua absoluta preferência).
Assim configurado, este é um problema constitucional de violação da segurança jurídica e da igualdade, conjugadamente, abrangendo uma dimensão de discriminação negativa de uns e o reflexo favorecimento de outros. Na realidade, não é possível deixar de considerar que, para os candidatos não colocados na primeira fase no curso e estabelecimento de ensino da sua primeira opção, o leque de perspectivas de colocação no curso e estabelecimento de ensino da sua preferência seria diferente se o concurso da segunda fase não fosse restrito às vagas sobrantes.
Com efeito, perante cursos e estabelecimentos de ensino em que as vagas sobrantes são inexistentes ou exíguas, a realização do exame da segunda fase para melhoria de nota e a candidatura a tais cursos e estabelecimentos de ensino (jogando fora uma das seis opções) não é uma aposta natural e exigível aos candidatos. E, por outro lado, os candidatos à segunda fase acabam por beneficiar de possibilidades de acesso acrescidas em função do aumento das vagas, desaparecendo a lógica instituída e com que os candidatos podiam contar - a do carácter mais vantajoso de uma candidatura à primeira fase em conexão com os riscos de uma candidatura circunscrita à segunda fase.
… Mas não será justificável a discriminação positiva dos candidatos à segunda fase, anteriormente sublinhada?
A resposta tem de ser negativa, porquanto a razão invocada - compensar as deficiências dos exames da primeira fase - não se verifica adequadamente. Na realidade, uma compensação efectiva exigiria uma regulamentação prévia à realização dos exames da segunda fase. Só assim os candidatos atingidos pelos problemas da primeira fase poderiam equacionar devidamente o seu interesse em concorrer à segunda fase e obter, por essa via, a reparação de prejuízos sofridos anteriormente. Além disso, não se compreende como poderá funcionar como compensação de anteriores prejuízos um sistema que também abrange os candidatos que apenas foram opositores à segunda fase e ainda aqueles que, tendo concorrido à primeira fase, não foram vítimas das deficiências das provas ou beneficiaram da segunda chamada.
O sistema delineado pelo Decreto n.º 58/VII da Assembleia da República institui, deste modo, um favorecimento dos candidatos à segunda fase carecido de razoabilidade e adequação ao fim de compensação de prejuízos, ao abranger candidatos que não sofreram qualquer prejuízo anterior e, sobretudo, ao ser editado num momento em que os efectivamente prejudicados - ou, pelo menos, parte deles - não puderam já aproveitar as novas possibilidades oferecidas.
… A discriminação negativa dos candidatos à primeira fase que não foram opositores da segunda fase do concurso nacional será uma discriminação lesiva da igualdade?
Poder-se-á pensar que neste caso, como em outros que foram anteriormente objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade não será violado quando apenas um grupo de sujeitos é abrangido por um benefício enquanto outra categoria não o é. O benefício de uns (se não justificado) não seria verdadeiramente o prejuízo de outros, mas corresponderia somente a um não benefício (…).
Todavia, as normas em apreço não geram exclusivamente um não benefício de um grupo de indivíduos, mas redundam numa efectiva diminuição das possibilidades de acesso ao ensino superior daqueles que, segundo as suas expectativas razoáveis, não teriam nada a ganhar com a candidatura à segunda fase.
O facto de os estudantes que se candidataram à primeira fase (e não foram colocados no curso e estabelecimento da sua primeira opção) não poderem prever as possibilidades de colocação em cursos e estabelecimentos de ensino sem vagas ou com um número exíguo de vagas sobrantes, qualquer que fosse a classificação obtida na segunda fase - possibilidades que, todavia, passaram a existir retroactivamente, no sistema do Decreto n.º 58/VII -, corresponde a uma comparativa subtracção de possibilidades de acesso a um grupo de candidatos, precisamente aqueles que se justificaria beneficiar. E isto acontece numa matéria em que a Constituição exige do Estado uma promoção da igualdade (condições de acesso ao ensino superior - artigo 76.º, n.º 1) e não lhe atribui apenas um papel de guardião da igualdade formal, numa matéria, em suma, em que estão em causa projectos de vida dos jovens portugueses.
… Em face do anteriormente exposto, conclui-se que as normas em apreço contradizem o princípio da igualdade, consagrado, genericamente, no artigo 13.º e, no que se refere à igualdade de oportunidades no acesso ao ensino superior, no artigo 76.º, n.º 1, da Constituição.
Esta conclusão radica no pressuposto de que aquelas normas criaram retroactivamente um quadro legal que, se fosse conhecido anteriormente, teria modificado a representação das possibilidades de acesso ao ensino superior pelos candidatos à primeira fase. Deste modo, a violação da igualdade é determinada por uma violação da segurança jurídica, que a modificação retroactiva das regras de avaliação dos resultados de um concurso público implica. […]
… Poder-se-á ainda considerar que as normas agora fiscalizadas também atingem, em si mesmo, o princípio da confiança emanado do artigo 2.º da Constituição?
A uma resposta afirmativa opor-se-á o entendimento de que não merecem protecção expectativas meramente negativas, isto é, no caso concreto, as expectativas dos candidatos à primeira fase (que não realizaram os exames da segunda fase) de que não teriam acesso ao ensino superior os candidatos à segunda fase que, pelo sistema retroactivo das vagas adicionais, o viriam a ter.
Porém, se é verdade que uma tal protecção de expectativas não decorre do princípio do Estado de direito democrático, não será de modo algum correcto afirmar-se que não há nenhumas outras expectativas afectadas pelas alterações das condições de acesso instituídas pelas normas do Decreto n.º 58/VII. São ainda postas em causa as expectativas que se referem ao conhecimento prévio das regras de um concurso público e à manutenção de tais regras até à produção de todos os efeitos legais desse concurso. Não são as expectativas negativas, relativamente a benefícios alheios, ou positivas, relativamente a benefícios próprios com que não se poderia contar, mas as expectativas associadas à manutenção do quadro legal em que se opera um concurso público até ao seu termo, que decorrem da própria segurança jurídica característica do Estado de direito democrático.
… Deslocada a questão da violação da confiança para a referida dimensão da segurança jurídica, não tem qualquer cabimento a objecção de que não terá de se verificar qualquer tutela da confiança, porque já se prefigurava a alteração legislativa antes da realização dos exames da segunda época, em virtude das recomendações feitas ao Governo pela Assembleia da República.
A confiança em que um concurso realizado segundo um determinado quadro legal obedecerá, até ao apuramento dos candidatos, a esse quadro não é uma mera expectativa, abalável por factos sociológicos ou políticos, mas corresponde a uma dimensão concreta do direito à segurança jurídica. Não seria, assim, exigível a ninguém que não confiasse na manutenção do quadro legal e que esperasse uma alteração retroactiva das regras, critérios e finalidades do concurso nacional de acesso ao ensino superior.
… A questão da violação do princípio da confiança é, deste modo, transposta para a dimensão da segurança jurídica derivada do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição), devendo entender-se, nesses termos, que as normas questionadas do Decreto n.º 58/VII violam o artigo 2.º da Constituição.
Assim, há-de concluir-se que os princípios da igualdade e da segurança jurídica, em conjugação, são abalados imediatamente pelo artigo 1.º do Decreto n.º 58/VII da Assembleia da República, decorrendo da inconstitucionalidade desta norma a inconstitucionalidade consequencial de todas as restantes normas do mesmo decreto, que têm uma função concretizadora e instrumental relativamente à primeira.».
Ora, estas considerações são inteiramente transponíveis para o caso sub judicio. Na verdade, também as normas, aqui, sindicadas constitucionalmente, procedem a uma alteração substancial das regras atinentes ao procedimento concursal de acesso ao ensino superior, na medida em que possibilitam, com base numa ponderação efectuada pela Administração sobre os respectivos resultados, nos termos da qual a notação atribuída aos candidatos, foi tida como muito inferior à média dos últimos concursos nas disciplinas de Física (código 615) e Química (código 642), a repetição, na 2.ª fase, de provas validamente efectuadas na 1.ª fase, ou “não inquinadas por erro técnico ou irregularidade”, mas com eficácia jurídica limitada, retrospectivamente, a quem se apresentara a fazer exame, nessa 1.ª fase, por virtude de, à altura da sua edição, já haverem decorrido esses exames da 1.ª fase, e porquanto facultam, no concurso de acesso ao ensino superior, ao leque da candidatos ao ensino superior que se haviam apresentado a exame nacional final do ensino secundário, na 1.ª fase, a opção pela melhor classificação obtida em uma ou outra dessas fases, sendo que uma tal opção não é aberta em relação aos demais candidatos …”.
Flui, pois, da jurisprudência ora acabada de citar e daquela que já havia sido firmada por este Tribunal igualmente reproduzida, que colhe plena valia ao caso “sub judice”, e bem assim dos considerandos supra tecidos em sede de enquadramento jurídico da causa, que a alteração legislativa e despacho proferido, pelo seu teor e âmbito temporal de vigência, pôs em causa os princípios basilares da protecção da confiança e da segurança jurídica no qual assenta o Estado de Direito Democrático, bem como ainda o princípio da igualdade e, em especial, no acesso ao ensino superior em igualdade de oportunidades (cfr. arts. 02.º, 13.º, 74.º, nº 1 e 76.º, n.º 1, todos da CRP), não assistindo, por conseguinte, razão à tese sustentada pelos aqui recorrentes nos autos e que reiteraram com a interposição dos recursos jurisdicionais.
Com efeito, sendo a situação de facto a mesma ou similar e tendo o tratamento sido diferente é manifesto o acerto da decisão judicial recorrida ao concluir que, no caso, a aqui recorrida viu a sua esfera jurídica lesada porquanto ocorreu violação dos aludidos direitos e princípios já que o tratamento dado à questão se traduziu na consagração de soluções e de medidas arbitrárias e intoleráveis à luz do que constituem os ditames impostos pelos comandos legais em referência.
Terá, pelos fundamentos e razões ora explanados, que improceder a pretensão dos recorrentes, impondo-se a confirmação do julgado porquanto o mesmo não enferma das ilegalidades que lhe foram assacadas.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes deste Tribunal em negar provimento a ambos os recursos jurisdicionais e, consequentemente, manter a decisão judicial recorrida.
Sem custas dada a isenção objectiva legal [cfr. al. c), do n.º 2, do art. 73.º-C, do CCJ e art. 189.º do CPTA].
Notifique-se. D.N..
Restituam-se aos ilustres representantes judiciários das partes os suportes informáticos gentilmente disponibilizados.
Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. art. 138.º, n.º 5 do CPC “ex vi” art. 01.º do CPTA).
Porto, 19 de Julho de 2007
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho
Ass. Maria do Céu Dias Rosa das Neves
Ass. José Luís Paulo Escudeiro