Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00323/18.2BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/26/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IABA;
FACTOS ATENDÍVEIS NA SENTENÇA;
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA;
Sumário:
I – O facto imediatamente dado como provado quando na sentença se transcreveu parte do RIA – a emissão do relatório como determinado conteúdo – é individual e concreto. O relato aí feito dos factos e as alusões aos documentos que o acompanham integram a fundamentação de facto e de direito do acto tributário impugnado, pelo que são parte integrante e indefectível desse único facto, julgado como provado.

II - De um ponto de vista formal, determinados factos descritos no Relatório da Inspecção e necessários para o juízo do tribunal sobre a legalidade dos actos impugnados deveriam ser especificados autonomamente como provados. Contudo isso resultaria numa fastidiosa transcrição do Relatório da Inspecção, pelo que, de um ponto de vista prático, é de considerar bastante a transcrição das partes daquele que contenham a referência desses factos.

III - Quando da prova de um facto, devidamente fundamentada, resulta logicamente a não prova de outro ou outos, também eles alegados, o que sucede, verdadeiramente, é haver pronúncia, tácita, mas clara, e até fundamentada, pela não prova destes, não sendo, assim, indispensável, para cumprir com o artigo 123º do CPPT, uma expressa referência à sua não prova.

IV – Na discriminação dos factos provados e não provados atendíveis, a sentença não tem de se pronunciar sobre a prova de alegações conclusivas, ou de objecto difuso o ou genérico, ainda que sobre matéria de facto. Tão pouco tem de se pronunciar sobre factos alegadamente complementares daqueles supostos factos, porque não é concebível, entre tais alegações e quaisquer factos, a relação de complementaridade entre factos concretos, representada no artigo 5º nº 2 alªs a) e b) do CPC.

V – Salva a alegação de factos objectiva ou subjectivamente supervenientes, o objecto da causa fixa-se com a Petição e a Contestação, pelo que a Sentença não tem nem deve pronunciar-se sobre questões suscitadas ex novo nas alegações escritas finais, como é o caso da alegação inédita de que no varejo não foram respeitadas regras técnicas.

VI - Os princípios da oralidade e imediação e da livre apreciação da prova (artigos 590º a 606º e 607º nº 5 do CPC) implicam que o julgamento do recurso em matéria de facto, quanto à apreciação de provas que não sejam prova legal, não é um julgamento, ex novo, em que se possa fazer tábua rasa do julgamento do juiz da 1ª instância que, esse sim, viu, ouviu e apreciou com imediação o depoimento de testemunhas e declarantes, antes deve ficar-se pela detecção do erros de julgamento revelados pelas “regras da experiência comum” ou logicamente demonstráveis.

VII - In casu, o Recorrente, embora sustente com racionalidade os motivos e as provas por que entende que o facto provado I) deva ter sido julgado não provado e o não provado 1 devia ter sido julga do provado, não logra demonstrar que fosse uma necessidade lógica a decisão oposta, ou que o Mª Juiz a quo tenha incorrido em flagrante ou grosseiro erro de valoração desses meios de prova documental e testemunhal invocados ao decidir como decidiu.

VIII - A força probatória reconhecida ao documento particular no artigo 376º nº 1 do CC tem por objecto as declarações atribuídas, no documento, aos sujeitos emissores, já não o objecto dessas declarações. Assim, quanto a estes factos o valor probatório do documento nº 5 junto com a Petição não era maior do que o do depoimento de quem o assinara.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – Relatório

AA, casado, vitivinicultor, residente na Avenida ..., ..., ... ..., contribuinte fiscal nº ..., interpôs o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 2 de Abril de 2009 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou improcedente a sua impugnação das liquidações oficiosas de Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA) e juros compensatórios, datadas de 26/8/2016, no valor total de 92 867,44 €.

Rematou a sua alegação com as seguintes conclusões:
V - CONCLUSÕES
1ª) O recurso vem interposto da decisão que julgou improcedente a impugnação, mantendo as liquidações oficiosas objecto dos autos, no valor de € 92.867, 44, e condenando o impugnante nas custas, versando matéria de facto e matéria de direito, e tendo ainda como fundamento as causas de nulidade da sentença, previstas nos arts.125º, nº 1 do CPPT, e 615º, nº 1, als. b) e d), 1ª parte do CPC, por a sentença a quo não especificar os fundamentos de facto da decisão e por se verificar falta de pronúncia sobre questão que o Juiz deva apreciar.
2ª) A sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, sendo que, no que respeita à matéria de facto, tal nulidade abrange a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigindo a lei que o Juiz enuncie, com todo o rigor e clareza, os factos considerados provados e não provados, indicando-os um a um, exigência esta que tem natureza imperativa, constituindo mesmo um princípio geral com consagração constitucional, e tem como escopo último, por um lado, impor ao Juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão por forma a persuadir os destinatários e a comunidade jurídica em geral, e, por outro, permitir, pela via do recurso, o reexame do processo lógico ou racional que lhe está subjacente – Arts.123º, nº 2, e 125º, nº 1 do CPPT, e 154º, nº 1, 607º, nºs 3 e 4, e 615º, nº 1, al. b) do CPC, e 205º, nº 1 da CRP.
3ª) Ora, a fixação da matéria de facto através da mera remissão, total ou parcial, para o conteúdo de certas peças do processo (por exemplo, do relatório inspectivo) ou, o que vai dar ao mesmo, a transcrição (e transposição) para o elenco factual relevante para
a apreciação jurídica da causa de largos excertos dessas peças processuais, sem nada se explicitar quanto ao respectivo conteúdo e alcance, não constitui, de forma alguma, base segura para uma decisão de direito.
4ª) E isto porque os documentos não são mais do que um meio de prova destinado a demonstrar a realidade de certos factos, donde, na descrição da matéria de facto só há que consignar os factos eventualmente provados por esses documentos.
5ª) Ademais, os documentos (mormente, os relatórios inspectivos) estão frequentemente pejados de conclusões de direito, pormenores anódinos e opiniões ou observações despiciendas para a decisão do processo, pelo que, se a sentença não indica exactamente quais os factos que deles se pretendem extrair, em caso de recurso da decisão
sobre a matéria de facto, e por forma a dar cumprimento cabal ao ónus do art. 640º, nº 1, al. a) do CPC, ao recorrente não restará outra alternativa senão adivinhar, de entre a “especificação a granel” levada a cabo pelo Tribunal a quo, quais os concretos factos que
terão sustentado a decisão escrutinada, tarefa esta que é incompatível com o seu estatuto processual e só vem dificultar, senão mesmo impossibilitar, o exercício do direito ao recurso.
6ª) Portanto, se o Julgador entender que os documentos contêm factos que, uma vez provados, relevam para a decisão de fundo, então deverá seleccioná-los cuidadosamente – e só os factos relevantes, extirpando o demais que se afigure supérfluo, inócuo ou irrelevante, bem como destrinçando-os das meras considerações de índole jurídica –, discriminando-os por alíneas ou números, reflectindo deste modo o dever que a lei impõe às partes na dedução dos factos por artigos – Arts.108º, nº 1 do CPPT, e 147º, nº 2, e 552º, nº 1, al. d) do CPC. Descendo agora ao caso concreto destes autos,
7ª) Da simples análise do que se fez constar da al. C) dos “factos provados” da sentença a quo, forçosamente se conclui que o Tribunal recorrido incumpriu, e gritantemente, em sede de especificação da matéria fáctica relevante, as exigências legais derivadas dos comandos dos arts.123º, nº 2 do CPPT, e 607º, nºs 3 e 4 do CPC, pois limitou-se aí o Mm.º Juiz a quo a remeter para documento – o relatório de inspecção aduaneira – junto ao processo e, bem assim, a transcrever, mecânica e acriticamente, excertos dispersos desse documento, mas sem nunca especificar, discriminar, concretizar ou particularizar quais os factos que através dele se devem considerar assentes, nem depurando as suas excrescências, podendo e devendo fazê-lo – Cf. pp. 4 a 13 da sentença a quo, com a ref.ª SITAF 006660033.

8ª) Com efeito, o Tribunal a quo levou ao acervo dos “factos provados” da sentença que “foi elaborado, com data de 18-07-2016, o respectivo Relatório de Inspecção Aduaneira (RIA) de cujo teor se destaca o seguinte…”, quando o que se lhe exigia era que tivesse especificado os concretos factos provados por esse documento – Cf. p. 4 da sentença a quo, com a ref.ª SITAF 006660033.

9ª) Esta técnica jurídica é aqui particularmente censurável, dado que o vertido no relatório de inspecção aduaneira não foi confirmado por nenhum outro meio de prova, máxime testemunhal, em razão de os senhores fiscais responsáveis pelo varejo e pela ulterior elaboração daquele relatório não terem comparecido na audiência de inquirição de testemunhas, que se desdobrou em mais do que uma sessão, tendo inclusivamente o Representante da Fazenda Pública, no início da primeira sessão, ditado para a acta que não prescindia da “testemunha BB por considerar ser importante para o esclarecimento do Tribunal e boa decisão da causa” – Cf. Actas de 21.02.2022,com a ref.ª SITAF 006547054, e de 28.02.2022, com a ref.ª SITAF 006550966.

10ª) Por conseguinte, não havendo tal especificação, tudo se passa como se a decisão estivesse desprovida de fundamentos fácticos, pelo que é nula a sentença recorrida, nulidade esta que é de conhecimento oficioso, devendo, por isso, os autos baixar à 1ª instância, a fim de ser suprida a nulidade atinente à falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão, cumprindo aí ao Julgador indicar/discriminar, um a um,
os factos que se consideram provados pelo relatório de inspecção aduaneira, destrinçando
nele o essencial do acessório – Arts.125º, nº 1 do CPPT, e 615º, nº 1, al. b), e 684º, nº 2
do CPC. Sem prescindir,

11ª) A sentença é, do mesmo passo, nula quando se verifica falta de pronúncia sobre questões que o Juiz deva apreciar – Arts.125º, nº 1 do CPPT, e 615º, nº 1, al. d), 1ª
parte do CPC.

12ª) As “questões que o Juiz deva apreciar” de que fala a lei são, não apenas todas
as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, desde que o seu conhecimento não esteja prejudicado, mas também todas as questões que não tenham sido
suscitadas pelas partes, mas cujo conhecimento oficioso a lei permita ou imponha – Art.608º, nº 2 do CPC.

13ª) Portanto, na sentença devem ter assento todos os factos alegados, conquanto se revelem pertinentes para a procedência da acção ou de alguma excepção, bem como todos os factos não alegados que, embora ainda essenciais, já não são os nucleares, antes mero complemento ou concretização dos alegados, impondo a lei a sua ponderação pelo Tribunal sempre que tenham resultado da instrução da causa e sobre eles tenha havido a possibilidade de as partes se pronunciarem, e ainda que nenhuma delas manifeste vontade de os aproveitar – Arts.5º, nº 2, al. b), in fine, e 608º, nº 2 do CPC. Posto isto,

14ª) O Tribunal recorrido entendeu que “o impugnante veio, em sede de alegações
pré-sentenciais, alegar matéria de facto nova (…) lidas as alegações pré-sentenciais, constata-se que o impugnante afirma que “as testemunhas explicaram que o varejo que sustentou a liquidação do imposto não foi efectuado correctamente, não se tendo usado as técnicas e ferramentas adequadas, quer no apuramento do grau alcoólico, quer na verificação das quantidades, o que tudo interferiu nos resultados obtidos” (art.º 5º das alegações); de seguida acrescenta que “tais deficiências – desconsideração do parâmetro “densidade”, não homogeneização do produto, etc. – (…) são susceptíveis de comprometer, irremediavelmente, a fiabilidade dos resultados obtidos (…) sendo certo que quem efectua o varejo é que tem a obrigação de zelar pela observância das regras técnicas” (art.º 6º das alegações) e conclui então do seguinte modo: “De modo que, demonstrado que ficou o incumprimento de regras técnicas, e não tendo a Impugnada demonstrado que daí não resultou qualquer prejuízo para os resultados obtidos, é manifesto que a liquidação enferma de ilegalidade por falta de demonstração dos factos que a poderiam legitimar” (art.º 7º das alegações) (…) a alegação – de que na recolha das amostras na cuba 8 não foram observadas as “regras técnicas” – constitui alegação nova, dado que em sede de petição inicial não lhe foi feita nenhuma alusão [e] a ter havido incumprimento das “regras técnicas” de recolha de amostras, tal constituiria um facto essencial que integra a causa de pedir, pelo que deveria o mesmo ter sido alegado na petição inicial, sob pena de preclusão (art.ºs 13º, nº 1, in fine [“factos que lhes seja lícito conhecer”] e 108º, nº 1, ambos do CPPT e art.º 5º, nº 1, do CPC [destarte] nunca tendo sido confrontada com um alegado incumprimento das “regras técnicas”, mormente em sede de petição inicial, não se vislumbra como poderia a impugnada ter “demonstrado que daí não resultou qualquer prejuízo para os resultados obtidos” [em face do que] não estando em causa factos subjectivamente supervenientes nem matéria de conhecimento oficioso, o Tribunal não tomará posição sobre a mesma, já que as alegações previstas no art.º 120º do CPPT destinam-se a discutir a matéria de facto e as questões jurídicas que são objecto do processo” – Cf. pp. 1 e 2 da sentença a quo, com a ref.ª SITAF 006660033.

15ª) Contudo, a materialidade fáctica reputada pelo Mm.º Juiz a quo de “alegação nova”, ao menos na sua essencialidade, já constava da petição inicial de impugnação, tendo aí sido alegada pelo recorrente, mais concretamente, nos arts. 9º, 11º, 13º, 14º, 15º, 16º e 38º – Cf. petição inicial de impugnação, com a ref.ª SITAF 005684255.

16ª) Materialidade fáctica esta que, por sua vez, foi complementada ou concretizada pelas testemunhas arroladas pelo recorrente em sede de audiência de inquirição de testemunhas.

17ª) Estes factos complementares ou concretizadores, através dos quais o recorrente pretendia demonstrar ao Tribunal a quo que os resultados dos varejos que suportaram as liquidações oficiosas impugnadas não davam garantias de serem os reais – o mesmo é dizer, não eram fiáveis –, em razão de não se ter lançado mão de determinados procedimentos técnicos, desde logo, no que respeita à recolha das amostras, e, bem assim, em virtude de as análises laboratoriais não contemplarem certos parâmetros tidos como essenciais para uma correcta determinação, por exemplo, do grau alcoólico dos vinhos, tinham, pois, a virtualidade de influir decisivamente no desfecho do processo.

18ª) Tendo resultado da instrução da causa e sobre eles se tendo produzido abundante prova, com respeito pelos princípios da imediação e do contraditório, não constituindo assim nenhuma surpresa para a recorrida, que dispôs de oportunidades, mais
do que suficientes, de os contraditar nas sessões da audiência de inquirição de testemunhas em que se fez representar.

19ª) Nesse sentido, competia ao Tribunal recorrido tomar posição sobre os mesmos, seja para os dar como assentes, seja para os considerar não assentes, por se tratar de matéria cujo conhecimento a lei permite ou impõe ao Juiz– Arts.608º, nº 2, e 5º, nº 2 al. b) do CPC.

20ª) Não o tendo feito, tal omissão conduz à nulidade da sentença a quo, nos termos dos arts.125º, nº 1 do CPPT, e 615º, nº 1, al. d) 1ª parte do CPC, que é de conhecimento oficioso e impõe a baixa do processo à 1ª instância – art.684º, nº 2 do CPC –, com vista ao suprimento, se possível pelo mesmo Juiz, da falta de pronúncia relativamente à materialidade contida nos arts. 9º, 11º, 13º, 14º, 15º, 16º e 38º da petição inicial de impugnação, e complementada ou concretizada pelas testemunhas em audiência.
Ainda sem prescindir,

21ª) Se se desatender a arguição da nulidade da sentença a quo por falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão, é inarredável, porém, que a al. C) dos “factos provados” terá de ser eliminada do quadro fáctico da sentença, pois que o Juiz se limita aí a remeter para o teor do relatório de inspecção aduaneira, que é um documento (portanto, um mero meio de prova de factos) e não um facto ou conjunto de factos, e a elaboração daquele quadro fáctico, como é sabido, só pode contemplar factos concretos.

22ª) Destarte, se o Julgador entendia que daquele documento extenso e prolixo resultavam factos devia então tê-los consignado – aos factos, e só a estes! – na matéria de facto (provada ou não provada), de forma concreta, individualizada e objectiva.

23ª) A eliminação da al. C) dos “factos provados” acarreta, automaticamente, a ilegalidade das liquidações adicionais impugnadas, por inexistirem os factos legitimadores das mesmas, e impõe a procedência da acção.

24ª) Efectivamente, se as liquidações tiveram por base os resultados do varejo realizado ao entreposto fiscal do impugnante, e se, a este respeito, nada de concreto, palpável – factual! – se fez verter nos factos dados por assentes, jamais poderia ter-se decidido como se decidiu, contra o impugnante!
No entanto,

25ª) Mesmo que não se expurgue dos “factos provados” da sentença a referenciada
al. C), ainda assim terá de ser dado provimento à impugnação, na medida em que o recorrente alegou factos no articulado inicial, por sua vez complementados ou concretizados por outros que resultaram da instrução da causa, com respeito pelo contraditório, factos estes que, no seu conjunto, vieram lançar incerteza sobre a fiabilidade dos resultados do varejo efectuado pela recorrida – os quais, como sabemos, serviram de sustentáculo às liquidações oficiosas –, importando, pois, incluir esses factos no objecto do processo.
26ª) Não foi essa a opção do Tribunal a quo, que considerou que se estava diante de alegação factual nova, a que não se fez qualquer alusão na petição inicial de impugnação, motivo pelo qual aquele Tribunal declinou apreciá-la, opção esta que, segundo o recorrente, fez enfermar a sentença do vício formal previsto nos arts.125º, nº 1 do CPPT, e 615º, nº 1, al. d), 1ª parte do CPC.
27ª) Caso não se atenda à arguição da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, é indubitável, porém, que houve um erro de julgamento da matéria de facto, já que, como se explicará de seguida, era imperioso que o Tribunal recorrido tivesse considerado aquela materialidade, dando-a como provada, o que, lá está, consequenciaria
a procedência da impugnação.
28ª) Da petição inicial de impugnação consta que “As conclusões da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT) assentam em pressupostos de facto errados e ainda numa errada interpretação e aplicação da lei” – art.9º –, que “Quanto aos 9800 Lts de bebida alcoólica com um teor alcoométrico superior a 54% vol. importa desde já esclarecer que esta bebida, com este teor de álcool nunca existiu no entreposto do Impugnante, nem sequer nada parecido” – art.11º –, que “O método utilizado pela AT não é o utilizado nem pelo IVDP, nem pelo IVV” – art.13º –, que “O método utilizado pela AT só é adequado para bebidas espirituosas, com elevada taxa de álcool e baixa quantidade de açucares” – art.14º –, que “Na análise em apreciação também faltam parâmetros para ter a certeza que o produto analisado foi um vinho licoroso ou qualquer outro tipo de bebida” – art.15º –, que “A prova de que a análise não está correcta resulta desde logo de nem sequer se perceber que produto foi analisado, uma vez que não é consistente nem com um vinho licoroso, nem com uma bebida espirituosa” – art.16º –, e, finalmente, que “Em relação às amostras e aos álcoois, esses álcoois são todos falsos, diferentes dos registos internos do Impugnante e sem qualquer validade devido ao método utilizado, tal como a análise da bebida espirituosa” – art.38º – Cf. petição inicial de impugnação, com a ref.ª SITAF 005684255.

29ª) Esta factualidade veio depois a ser complementada ou concretizada, ao menos, pelas testemunhas CC e DD, em audiência de inquirição de testemunhas, na qual a recorrida também se fez representar, tendo aí tido oportunidade de a contraditar, respeitando-se assim o contraditório.
30ª) Assim, ao abrigo dos arts.608º, nº 2, e 5º, nº 2, al. b) do CPC, aqueles factos podiam e deviam ter sido conhecidos pelo Tribunal a quo, por se tratar de matéria cujo conhecimento oficioso a lei permite ou impõe ao Juiz e na medida em que se revestem de claro interesse para a boa decisão da causa: demonstrando-se que os resultados obtidos através da acção inspectiva não dão garantias de serem os reais, face à inadequação do método utilizado e à incompletude das análises laboratoriais, que deixaram de avaliar parâmetros essenciais, e, repete-se, baseando-se as liquidações nesses mesmíssimos resultados, é indesmentível que estas não poderão prosseguir.
31ª) Enfim, o recorrente alegou os factos que integravam o núcleo essencial e estruturante da causa de pedir invocada na acção, reconduzível à “errónea qualificação e quantificação dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e outros factos tributários” – art.99º, al. a) do CPPT –, factos esses que, por sua vez, vieram a ser complementados ou concretizados por outros que resultaram da instrução da causa, com respeito pelo contraditório – art.5º, nº 2, al. b) do CPC –, e tais factos tinham potencialidade para influir decisivamente no desfecho do processo, sendo de molde a infirmar os pressupostos de facto em que assentaram as liquidações ora contestadas, pelo que devia o Mm.º Juiz a quo tê-los conhecido, dando-os como provados, atenta a prova testemunhal produzida em audiência.
32ª) Assim não tendo sucedido, na decorrência do que vem de se dizer, importa então aditar tais factos à matéria de facto provada.
33ª) São eles os seguintes:
a) O método utilizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira no varejo ao entreposto fiscal do impugnante não é nem o utilizado pelo IVDP nem o utilizado pelo IVV, afigurando-se menos exaustivo;
b) O método utilizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira só é adequado para bebidas espirituosas, com elevada taxa de álcool e baixa quantidade de açúcares, o que não é o caso das bebidas produzidas e comercializadas pelo impugnante;
c) As análises que tiveram por objecto as amostras de bebidas colhidas no entreposto fiscal do impugnante, designadamente a que se debruçou sobre a bebida contida na cuba nº 8, não avaliaram determinados parâmetros, tais como a densidade, o extracto seco e os açúcares redutores, que são importantes para se aferir do tipo de bebida que se está a analisar, nomeadamente para se determinar com maior precisão o seu teor alcoólico;
d) A análise laboratorial efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira à bebida contida na cuba nº 8 revelou um valor na substância “metanol” que é incomum em qualquer bebida de origem vitícola que se destine a ser introduzida no circuito comercial;
e) O vinho armazenado nas cubas vai estratificando com a passagem do tempo devido à diferente densidade dos seus compostos, com o mosto a depositar-se na parte inferior e o álcool, que tem menor densidade, a subir para a parte superior;
f) Os senhores fiscais alfandegários não procederam à homogeneização das cubas onde se encontravam armazenados os vinhos produzidos no entreposto fiscal previamente à recolha de amostras para análise laboratorial;
g) O impugnante dedica-se à comercialização de vinhos DOC Douro e vinhos licorosos cujo percentual alcoólico é bastante inferior a 54%.; e, por fim,
h) O entreposto fiscal do impugnante já foi objecto de outras inspecções, designadamente por parte do IVDP e do IVV, e nunca foi detectada uma bebida com as
características das apresentadas pela bebida analisada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, mormente ao nível do percentual alcoólico.

34ª) Os meios de prova que sustentam o aditamento factual pretendido reconduzem-se aos depoimentos das seguintes testemunhas, gravados no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, conforme Acta de 21.02.2022, com a ref.ª SITAF 006547054:
facto a) – CC (minutos 10:53, 11:59, 12:16, 12:57 e 24:42); DD (minutos 40:36 e 40:38); e EE (minutos 01:39:14, 01:39:24, 01:39:26 e 01:39:46);
facto b) – CC (minuto 20:04); e DD (minutos 50:42 e 01:06:45);
facto c) – CC (minutos 06:39, 10:53, 11:12, 11:43, 12:57, 24:42 e 27:17); e DD (minutos 50:42, 51:17, 51:40, 51:41, 51:43, 01:06:45 e 01:11:58);
facto d) – CC (minutos 07:29, 14:58 e 15:45); e DD (minuto 46:32);
facto e) – CC (minutos 17:26, 28:15, 28:19, 28:22, 28:34,
28:52 e 29:07); e DD (minutos 01:12:27, 01:12:32, 01:12:42, 01:14:01, 01:14:07, 01:14:18, 01:14:45 e 01:14:50);
facto f) – CC (minutos 28:34 e 29:07); e DD (minutos 49:20, 49:38, 49:42, 49:43, 49:44, 01:11:47 e 01:11:58);
facto g) – CC (minutos 05:20, 05:41, 06:08 e 06:10); DD
FF (minutos 37:41, 37:47, 37:50 e 37:54); e EE (minutos 01:40:42 e 01:40:46); e, finalmente,
facto h) – CC (minutos 05:41, 06:08 e 06:10); e DD (minutos 41:54 e 42:01).

35ª) E, reforça-se, a razão de ser do aditamento destes factos deriva da circunstância de os mesmos serem passíveis de gerar incerteza ou fundadas dúvidas acerca da fiabilidade/razoabilidade dos resultados do varejo que legitimou as liquidações adicionais de IABA, em virtude de no decurso do varejo se terem omitido determinados procedimentos técnicos, mostrando-se ainda incompletas e não elucidativas as análises realizadas às bebidas recolhidas no entreposto do recorrente (as quais desconsideram parâmetros importantes), com o que se visa atacar os pressupostos fáctico-jurídicos das liquidações impugnadas, demonstrando que o próprio procedimento inspectivo está inquinado, assim como o apuramento da pretensa dívida por parte da recorrida.

36ª) Provando-se, por exemplo, que no decurso do varejo não se procedeu correctamente à recolha das amostras das bebidas ou que as análises incidentes sobre estas bebidas deixaram de avaliar parâmetros essenciais para se poder aferir do tipo de bebida em causa e suas características marcantes (percentual alcoólico, à cabeça), pode e deve considerar-se comprometido o resultado do varejo, a menos que a recorrida tivesse demonstrado, por sua vez, a irrelevância daquelas omissões/falhas/deficiências, o que, de todo, não fez (nem tentou sequer fazer, confiante de que, porventura, bastaria acenar com um qualquer relatório de inspecção para lograr os seus intentos…), sendo que a falta desta demonstração tem de ponderar-se processualmente contra a recorrida – Art.74º, nº 1 da LGT.
Continuando sem prescindir, e concomitantemente,

37ª) Verifica-se que a factualidade constante da al. I) dos “factos provados” – “A cuba 8 referida no RIA continha, no dia 22-09-2015, 9.800 litros de uma bebida alcoólica com um teor alcoométrico superior a 54%”, bem como a vertida nos nºs 1 e 2 dos “factos não provados” – “Os 9.800 litros de líquido contido na cuba 8 a 22-09-2015 era um vinho licoroso branco com 17,4% de álcool; e “A quebra de 2.153 litros de aguardente vínica referida no RIA ficou a dever-se à realização, no dia 18-03-2016, de uma lota de refresco de 2.000 litros de aguardente na cuba 8E, tendo a respectiva conta corrente sido, por lapso, actualizada apenas em 22-03-2016” – da sentença a quo, atenta a prova documental e testemunhal produzida, foi incorrectamente julgada.

38ª) No que concerne à al. I) dos “factos provados” e ao nº 1 dos “factos não provados”, o Tribunal decidiu-se assim alicerçado, exclusivamente, nas “análises efectuadas no laboratório da impugnada”, cujos resultados “constituem informações oficiais na acepção dos art.ºs 76º, nº 1, da Lei Geral Tributária (LGT) e 115º, nº 2, do CPPT”, sucedendo que “a prova produzida [pelo recorrente] não logrou tornar os factos em causa duvidosos, não tendo abalado a credibilidade das análises” – Cf. p. 16 da sentença a quo, com a ref.ª SITAF 006660033.

39ª) O Tribunal recorrido sobrevalorizou o resultado das análises laboratoriais, bem como o relatório de inspecção aduaneira, de onde constam as análises, mas este relatório, tal como as análises, de resto, estão repletos de falhas e de erros de contabilização que quase iam custando ao recorrente algumas dezenas de milhares de euros, não fora o mesmo ter reclamado graciosamente e lhe ter sido dada razão (ainda que parcialmente), sendo que estes documentos não provam plenamente a verdade, sequer a validade ou eficácia, das declarações neles prestadas, apenas provando que elas foram feitas.

40ª) Por outro lado, o Tribunal recorrido desconsiderou olimpicamente o doc. nº 5 da petição inicial de impugnação – “Boletim de análises final interno” –, olvidando que este documento foi exibido às testemunhas na audiência de inquirição de testemunhas, as quais o confirmaram, referindo que o mesmo correspondia a um procedimento interno de controlo realizado, com regularidade, pelo pessoal técnico no entreposto fiscal, e atestando como verdadeiras, quer a data – 14.09.2015, precisamente uma semana antes do início do primeiro varejo realizado pela Alfândega ... –, quer a percentagem de álcool – 17, 4% – aí constantes, asseverando ainda respeitar o boletim interno a um vinho licoroso branco contido na cuba nº 8 – que foi, nem mais nem menos, de onde se retirou a amostra que depois fez o boletim analítico do laboratório da Autoridade Tributária e Aduaneira –, cabendo, por fim, notar que este doc. nº 5 que seguiu junto com o articulado inicial não foi impugnado pela recorrida na contestação, possuindo assim o valor probatório do art.376º, nº 1 do CC – Cf. depoimentos gravados no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, conforme Actas de 21.02.2022, com a ref.ª SITAF 006547054 (DD, minutos 00:32:29 a 01:30:09, e EE, minutos 01:31:16 a 01:56:21), e de 28.02.2022, com a ref.ª SITAF 006550966 (GG, minutos 00:09:02 a 00:26:40).

41ª) E, ainda por outro lado, foram indevidamente desvalorizados, e de forma demolidora, os depoimentos das testemunhas CC, DD, EE, GG e HH, “acusados” de falta de isenção, mas cujo único pecado, afinal, é o de terem conhecimento dos factos.

42ª) Tendo presente os excertos das transcrições dos depoimentos das testemunhas efectuados em II – D1) deste recurso, dos mesmos resulta inequivocamente que:
– CC (depoimento prestado na sessão de 21.02.2022 e gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em
uso no Tribunal, de 00:00:02 a 00:32:00, conforme Acta, com a ref.ª SITAF006547054) – que o impugnante não comercializa bebidas com o teor alcoólico – 54 % – surgido na análise laboratorial da Autoridade Tributária e Aduaneira e que, aliás, não existem muitos produtos no mercado, sobretudo de origem vitícola, com essas características; que a análise não tipificava um vinho licoroso normal, mas antes um produto destilado, quase farmacêutico, sendo que a análise também não permite aferir da qualidade do destilado; que a análise evidenciava um valor anormal ao nível da substância “metanol”, por via do que dificilmente poderia ser colocado no mercado; que a análise desconsiderou parâmetros analíticos relevantes como a densidade, o extracto seco, etc.; que a análise não é exaustiva, por comparação com as efectuadas pelo IVDP, que são de outra finura técnica; que se não se tiver cuidado na recolha da amostra, designadamente procedendo à prévia homogeneização da cuba, os resultados são falíveis; e que os vinhos armazenados em cubas têm tendência a estratificar com o decurso do tempo, devido às diferentes densidades do mosto e do álcool – minutos 05:41, 06:08, 06:10, 06:16, 06:39, 07:29, 10:53, 11:12, 11:43, 11:49, 11:59, 12:00, 12:16, 12:57, 14:58, 15:45, 17:26, 19:01, 19:15, 20:04, 24:22, 24:42, 25:35, 25:50, 25:51, 27:17, 28:22, 28:34, 28:52 e 29:07.
– DD (depoimento prestado na sessão de 21.02.2022 e gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em
uso no Tribunal, de 00:00:02 a 00:32:00, conforme Acta, com a ref.ª SITAF 006547054) – que é usual proceder-se a um controlo interno das bebidas contidas nas cubas do entreposto, sendo esta testemunha a pessoa responsável pelas análises internas; que, efectivamente, a 14.09.2015, a bebida contida na cuba nº 8, de onde veio a ser colhida pelos fiscais alfandegários a amostra para análise no laboratório da Autoridade Tributária e Aduaneira, tinha o percentual alcoólico de 17,4% e correspondia a um vinho licoroso branco que foi engarrafado e vendido, tendo-se emitido as competentes DIC`s e liquidado os impostos devidos; que o impugnante nunca possuiu no armazém uma bebida com as características da analisada pela Autoridade Tributária e Aduaneira; que o impugnante só comercializa vinhos de mesa, DOC Douro e vinhos licorosos; que para se produzir uma bebida com aquela percentagem de álcool – 54% – seriam necessários, pelo menos, 7.000 litros de aguardente vínica, que inexistiam no entreposto; que, tendo assistido ao varejo de Setembro de 2015 e acompanhado os fiscais, em nenhum momento estes procederam à prévia “remontagem” ou homogeneização da cuba, que se limitaram a “tirar e pronto”, o que tem reflexos na fiabilidade dos resultados (deixam de ser fiáveis); que se não for feita a homogeneização prévia da cuba podemos ter em cima percentagens altíssimas de álcool, pois o álcool tem menor densidade e sobe para a parte superior da cuba, ao contrário do mosto, que fica alojado no fundo, registando-se aí percentuais alcoólicos muito mais baixos; que a análise da Autoridade Tributária e Aduaneira desconsidera vários parâmetros analíticos, como a densidade e os açúcares redutores, por exemplo, essenciais para aferir com rigor, entre outras coisas, o teor alcoólico da bebida que se estiver a analisar – minutos 35:37, 35:42, 37:12, 37:17, 37:20, 37:30, 37:41, 37:47, 37:54,38:06, 38:16, 38:53, 39:21, 39:57, 40:09, 40:13, 40:15, 40:23, 40:36, 40:38, 41:54, 42:01, 45:43, 45:50, 46:27, 46:32, 48:22, 49:13, 49:20, 49:38, 49:42, 49:43, 49:44, 49:59, 50:00, 50:01, 50:42, 51:17, 51:40, 51:41, 51:43, 01:05:49, 01:05:51, 01:05:22, 01:06:08, 01:06:09, 01:06:17, 01:06:18, 01:06:26, 01:06:30, 01:06:32, 01:06:36, 01:06:42, 01:06:45, 01:11:36, 01:11:40, 01:11:58, 01:12:42, 01:14:01, 01:14:07, 01:14:14, 01:14:18, 01:14:45 e 01:14:50.
– EE (depoimento prestado na sessão de 21.02.2022 e gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em
uso no Tribunal, de 01:31:16 a 01:56:21, conforme Acta, com a ref.ª SITAF 006547054) – que é normal a elaboração de boletins internos de controlo das bebidas armazenadas nas cubas do entreposto e que é a testemunha DD o responsável por esse controlo analítico; que são analisados todos os produtos de todas as cubas existentes no armazém do impugnante; que este não se dedica à comercialização de destilados; que em termos de comparação, o método de varejo do IVDP é muito mais rigoroso do que o da Alfândega ... – minutos 01:34:30, 01:34:34, 01:34:35, 01:34:45, 01:34:46, 01:34:52, 01:38:52, 01:39:08, 01:39:11, 01:39:14, 01:39:24, 01:39:25, 01:39:26, 01:39:46, 01:40:03, 01:40:18, 01:40:42 e 01:40:46.
– GG (depoimento prestado na sessão de 28.02.2022 e gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em
uso no Tribunal, de 00:09:02 e 00:26:40, conforme Acta, com a ref.ª SITAF 006550966) – que a bebida armazenada na cuba nº 8 era um vinho licoroso branco; que as características deste vinho eram as que se encontravam ilustradas na ficha de controlo interno que foi exibida à testemunha; que é a testemunha DD o responsável por proceder a esses controlos internos; que o impugnante jamais possuiu em armazém uma bebida com um teor alcoólico de 54%; que não há explicação para o percentual alcoólico do vinho da cuba nº 8 ter passado, numa semana, dos 17,4 % para os 54 %; que os fiscais do IVDP, no segundo varejo, em Março de 2016, coincidente com o da Alfândega ..., também provaram vinhos e nunca se depararam com um produto com aquele teor alcoólico; que nenhum dos fiscais solicitou aos funcionários do entreposto qualquer documento nem lhes fizeram qualquer pergunta – minutos 13:20, 13:33, 13:45, 13:46, 13:48, 13:54, 14:04, 14:09, 14:11, 14:14, 14:16, 14:29, 17:10, 17:38,
17:39, 17:45, 17:49, 18:00, 20:59, 21:25, 21:26, 21:39, 21:49, 21:51, 22:09, 22:22 e 22:33.
– HH (depoimento prestado na sessão de 28.02.2022 e gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em
uso no Tribunal, de 00:27:22 e 00:48:30, conforme Acta, com a ref.ª SITAF 006550966) – que o impugnante nunca comercializou produtos destilados, vendendo essencialmente vinhos licorosos, que denotam características bem diversas das apresentadas pela bebida analisada pela Autoridade Tributária e Aduaneira – minutos 37:57 e 38:02.

43ª) Desta forma, e quanto aos depoimentos das identificadas testemunhas, temos, no essencial e a relevar, que o impugnante não vende bebidas (destiladas) com o teor alcoólico de 54 %; que os fiscais da Alfândega ... não efectuaram a prévia homogeneização da cuba, limitando-se a retirar a amostra da cuba estratificada; que as análises do laboratório da Autoridade Tributária e Aduaneira deixam de parte certos parâmetros analíticos, tais como a densidade, extracto seco, açúcares redutores, fundamentais para se apurar, além do mais, o exacto e rigoroso teor de álcool do produto, ou seja, basicamente, que o método utilizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira não é o adequado e as respectivas análises não são elucidativas, tal como alegado na petição inicial de impugnação.

44ª) Pelo exposto, têm que ser alteradas as respostas dadas aos pontos de facto constantes da al. I) dos “factos provados” – que deve dar-se como “não provado” – e do nº 1 dos “factos não provados” – que deve dar-se como “provado” –, tudo com fundamento na conjugação da prova documental identificada na conclusão 40ª) e da prova
testemunhal referenciada na conclusão 42ª).

45ª) Quanto ao ponto nº 2 dos “factos não provados”, também se impõe a sua alteração para “provado”.

46ª) Com efeito, ao contrário do que o Mm.º Juiz do Tribunal recorrido referiu na sentença – de que, a este propósito, se tinha verificado “ausência de prova” e que “o impugnante arrolou testemunhas e juntou documentos, nomeadamente os documentos nºs 6, 7 e 8 da petição inicial, prova esta que não logrou convencer o Tribunal da realidade do alegado” –, resulta da prova documental e testemunhal dos autos o seguinte:
– Docs. nºs 6, 7 e 8 juntos com a petição inicial de impugnação – que o Mm.º Juiz a quo não procedeu ao seu exame crítico, já que se limitou a aduzir, na motivação da decisão sobre a matéria de facto, em termos genéricos, que se tratam (SIC) de “documentos particulares elaborados pelo próprio impugnante [insusceptíveis de] criar no Tribunal uma convicção segura quanto à realidade do alegado”; que estes documentos, todavia, também não foram impugnados pela recorrida na contestação (o que só vem atestar, uma vez mais, a sua inércia probatória e confiança cega no relatório de inspecção aduaneira, como se tal relatório, conforme se viu, não contivesse erros de palmatória, daqueles que custam, ou quase iam custando, milhares e milhares de euros ao contribuinte…); que, não tendo sido impugnados, estes documentos têm o valor probatório do art.376º, nº 1 do CC; que os documentos em questão, ao invés do relatório de inspecção aduaneira, foram confirmados pelas testemunhas em sede de audiência de inquirição de testemunhas, atestando-se aí a sua correspondência com a realidade – Cf. depoimentos gravados no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, conforme Actas de 21.02.2022, com a ref.ª SITAF 006547054 (EE) e de 28.02.2022, com a ref.ª SITAF 006550966 (HH).
– DD (depoimento prestado na sessão de 21.02.2022 e gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, de 00:32:39 a 01:30:09, conforme Acta, com a ref.ª SITAF 006547054) – que sempre que era necessário corrigir o álcool num qualquer vinho se procedia à elaboração de uma “lota de refresco”; que a feitura da “lota de refresco” era precedida de uma ordem de serviço, elaborada normalmente por esta testemunha, que a entregava a quem viesse depois a executar a tarefa, sendo que, usualmente, era a testemunha HH a fazê-lo; que uma vez executada a tarefa, o trabalhador assinava a ordem de serviço e devolvia-a à testemunha, a fim de que esta, posteriormente, a entregasse à testemunha EE, que era a responsável pela gestão das contas-correntes do entreposto; que se um vinho fosse “beneficiado” com aguardente vínica, teriam de ser registados dois movimentos antagónicos, de saída e de entrada, nas respectivas contas da aguardente e do vinho que fosse “beneficiado”; que a quebra de aguardente vínica apurada no varejo de Março de 2016 teve uma justificação, que não passou pela sua introdução irregular no consumo; que o que aconteceu foi que esta testemunha se esqueceu de entregar à testemunha EE o papel da ordem de serviço, relativo à feitura de uma “lota de refresco” no dia 18.03.2016, em virtude de se encontrar atarefado com os preparativos da viagem que iria fazer até ao Algarve, onde iria ficar até dia 23.03.2016, a promover vinhos do impugnante numa feira da especialidade; que quando regressasse do Algarve contavam proceder à actualização das contas-correntes da aguardente e do vinho licoroso, mas que, como os fiscais chegaram no dia 21.03.2016, naturalmente, que a contabilidade ainda não havia sido acertada, só por esse motivo e nada mais; que no regresso do Algarve, o entreposto estava a ser objecto de uma outra fiscalização, por parte do IVDP, o que também contribuiu para que a actualização das contas-correntes apenas tivesse sido comunicada à Alfândega uns dias mais tarde, dia 25.03.2016, isto porque os inspectores do IVDP ficaram com as pastas das contas-correntes e o impugnante não tinha, até àquela data, acesso às contabilizações a granel; que inexistem registos posteriores a 18.03.2016, data em que foi efectuada a tal “lota de refresco”, realçando-se que as contas-correntes, quer da aguardente, quer do vinho licoroso não se encontravam rasuradas – minutos 53:06, 53:24, 53:32, 53:35, 56:17, 56:50, 57:09, 57:20, 58:07, 59:11, 59:18, 01:00:57, 01:01:09, 01:01:21, 01:01:23, 01:03:04, 01:03:10, 01:03:49, 01:03:51, 01:17:38, 01:17:42, 01:17:46, 01:17:48, 01:18:45, 01:18:57, 01:19:12, 01:19:21, 01:19:34, 01:19:38, 01:19:43, 01:19:46, 01:19:48, 01:20:00, 01:20:15, 01:20:34, 01:20:36, 01:21:14, 01:21:28, 01:21:34 e 01:21:26.
– EE (depoimento prestado na sessão de 21.02.2022 e gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em
uso no Tribunal, de 01:31:16 a 01:56:21, conforme Acta, com a ref.ª SITAF 006547054) – que quem faz a gestão das contas-correntes é esta testemunha; que foi confirmada a explicação avançada pela testemunha DD no sentido de justificar a actualização, a posteriori, das contas-correntes da aguardente e do vinho licoroso; que tal ficou a dever-se à realização de uma “lota de refresco”, no dia 18.03.2016, véspera da viagem desta testemunha, que acompanhou o DD, até ao Algarve e que, como estavam todos numa azáfama a preparar a viagem, não lhe fizeram chegar o papel da ordem de serviço a dar nota da feitura da “lota de refresco”, o que implicou que a testemunha não tivesse, logo nesse dia, procedido à actualização da contabilidade, tendo-o feito após o regresso do Algarve, assim que lhe foi possível, pois aquando do regresso do Algarve o entreposto também estava a ser fiscalizado pelo IVDP, cujos fiscais retiveram as capas com as contas-correntes, só as tendo devolvido no dia 24.03.2016 e no dia seguinte, 25.03.2016, fizeram a comunicação à Alfândega da actualização das contas-correntes da aguardente e do vinho licoroso – minutos 01:35:20, 01:35:34, 01:35:47, 01:36:49, 01:36:51, 01:37:16, 01:37:18, 01:37:20, 01:37:31, 01:41:10, 01:41:33, 01:41:49, 01:42:25, 01:42:33, 01:42:49, 01:43:04, 01:43:07, 01:43:58, 01:44:17, 01:44:51, 01:44:53, 01:45:37, 01:45:41, 01:45:58, 01:46:02, 01:47:28, 01:48:00, 01:48:06, 01:54:54, 01:55:56, 01:55:58 e 01:56:01.
– GG (depoimento prestado na sessão de 28.02.2022 e gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em
uso no Tribunal, de 00:09:02 e 00:26:40, conforme Acta, com a ref.ª SITAF 006550966) – que, efectivamente, no dia do segundo varejo da Alfândega ..., 21.03.2016, não se encontravam presentes no entreposto, quer a testemunha DD, quer a testemunha EE – minuto 20:59.
– HH (depoimento prestado na sessão de 28.02.2022 e gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em
uso no Tribunal, de 00:27:22 e 00:48:30, conforme Acta, com a ref.ª SITAF 006550966) – que é esta testemunha quem executa as “lotas de refresco”, a ordens do DD; que recebe um papel – ordem de serviço – do DD, executa o trabalho, assina a ordem de serviço e volta a entregá-la àquele; que no varejo de 21.03.2016 não estavam no entreposto as testemunhas DD e EE; que a folha de serviço respeitante à “lota de refresco” de aguardente vínica do dia 18.03.2016 lhe foi entregue pelo DD de manhã, tendo o trabalho ficado terminado a meio tarde, após o que devolveu a ordem de serviço ao DD – minutos 34:24, 34:28, 34:34, 34:36, 34:42, 34:43, 34:49, 35:06, 35:17, 35:29, 35:30, 35:34, 35:53, 36:04, 36:05, 41:12, 41:14, 41:20, 41:22, 42:56, 43:02, 43:13, 43:15, 43:25, 43:29, 43:41, 43:53, 46:54, 47:18, 47:23, 47:24, 47:27, 47:33, 47:35, 47:38, 47:41, 47:47 e 48:03.

47ª) Deste modo, ainda que aquando da realização do varejo, em 21.03.2016, as contas-correntes da aguardente vínica e do vinho licoroso não se encontrassem actualizadas com os respectivos movimentos, de saída e entrada, respectivamente, a verdade é que tal teve uma explicação, que foi atestada pelas identificadas testemunhas, e que não é por ser simples que deixa de ser menos verdadeira, cabendo realçar que a quebra de aguardente registada pelos fiscais não teve como destino a introdução no consumo de forma fraudulenta.

48ª) Existindo, de facto, um “erro de processamento”, que o recorrente desde o início assumiu, o certo é que existiu também uma justificação válida para tal “erro”, justificação esta que foi confirmada pelas testemunhas, cuja credibilidade e isenção não pode ser posta em causa apenas por se tratar de trabalhadores do impugnante.

49ª) Por conseguinte, tem que ser alterada a resposta dada ao nº 2 dos “factos não
provados” – que deve dar-se como “provado” –, tudo com fundamento na conjugação da prova documental e da prova testemunhal referidas na conclusão 46ª).

50ª) A eliminação da al. C) dos “factos provados”, o aditamento à matéria de facto
provada dos pontos de facto elencados na conclusão 33ª), bem como a alteração das respostas à al. I) dos “factos provados” e aos nºs 1 e 2 dos “factos não provados”, no sentido pugnado pelo recorrente, impõem que se conclua pela inverificação dos pressupostos fáctico-jurídicos das liquidações adicionais impugnadas ou, no limite, resultando daí incerteza ou fundadas dúvidas sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverão anular-se aquelas liquidações, procedendo assim a impugnação – Arts.99º, e 100º, nº 1 do CPPT.

51ª) A sentença recorrida violou, por incorrecto julgamento da matéria de facto e incorrecta interpretação e aplicação da lei, entre outras, as normas dos arts.99º, 100º, nº 1, 123º, nº 2, e 125º, nº 1 do CPPT, 74º, nº 1 da LGT, 5º, nº 2, al. b), 607º, nºs 3 e 4, 608º, nº 2, e 615º, nº 1, als. a) e d), 1ª parte do CPC, e 205º, nº 1 da CRP.

Nestes termos e conforme o direito, deve dar-se provimento ao recurso e, nessa sequência, julgar-se procedente a arguição do vício de nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão, ordenando-se a baixa do processo à 1ª instância, a fim de ser suprido tal vício, ou, assim não se entendendo, julgar-se procedente a arguição do vício de nulidade da sentença por falta de pronúncia sobre questões que o Juiz deva conhecer, ordenando-se a baixa dos autos à 1ª instância, a fim de que seja proferida nova decisão a extirpar esse vício, ou, ainda assim não se perspectivando, eliminar-se a al. C) do elenco dos “factos provados”, o que implica a anulação das liquidações adicionais aqui contestadas, ou, também assim não se decidindo, aditar-se ao quadro fáctico provado os pontos de facto indicados na conclusão 33ª), e alterar-se as respostas dadas à al. I) dos “factos provados” e aos nºs 1 e 2 dos “factos não provados” no sentido pugnado pelo recorrente, o que tudo determina, do mesmo modo, que as liquidações não possam prosseguir, devendo antes ser anuladas, assim se cumprindo a Lei e se fazendo Justiça!

Notificada, a Recorrida não respondeu à alegação.

Na primeira instância, a Juiz entretanto tornada titular do processo, sustentou a inexistência das invocadas nulidades da sentença e admitiu o recurso.

O Digníssimo Procurador-geral Adjunto neste Tribunal emitiu parecer np sentido da improcedência do recurso, louvando-se essencialmente no parecer do MP na primeira instância e na contestação da ATA.:

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II- Questões a apreciar
Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações, interpretadas, como é lógico, em função daquilo que se pretende sintetizar, isto é, o corpo das alegações.
Assim sendo, as questões a resolver em ordem à apreciação do recurso são as seguintes, por ordem lógica de precedência:

1ª Questão
A sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 125º nº 1 do CPPT e 615º nº 1 al. b) do CPC, por lhe faltar a especificação dos fundamentos de facto da decisão, na medida em que não especifica que factos constantes do relatório da Inspecção, transcrito na alínea C) da discriminação dos factos provados, são tomados como provados e como relevantes para a decisão?

2ª Questão
A sentença recorrida também é nula por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 125º nº 1 do CPPT e 615º nº 1 alª d) do CPC, por ter expressamente declinado pronunciar-se relativamente à alegação de que na recolha das amostras da cuba 8 não foram observadas as regras técnicas?

3ª Questão
A sentença padece ainda de nulidade nos termos do artigo 125º nº 1 do CPPT e 615º nº 1 alª d) do CPC, por ter omitido qualquer pronúncia sobre a prova de factos alegados nos artigos 9º, 11º, 13º, 14º, 15º, 16º e 38º da Petição e factos complementares e ou concretizadores destes, que resultaram da discussão da causa, designadamente da inquirição das testemunhas e sobre os quais a Impugnada teve toda a possibilidade de se pronunciar ao longo das várias sessões do julgamento, pelo que era devida a pronúncia do Tribunal, conforme artigos 608º nº 2 e 5º nº 2 alª b) do CPC ?

4ª Questão
A improcederem as alegações de nulidade da sentença, então, haverá que eliminar da decisão em matéria de facto a alínea C), que contém apenas a transcrição do relatório da Inspecção, pois não se afirma, ali, qualquer juízo de prova sobre qualquer facto concreto, já daí resultando a ilegalidade das liquidações, por inexistência de facto tributário?


5ª Questão
Caso improceda a alegação de nulidade da sentença por falta de pronúncia sobre os factos a que se refere a questão 3ª (os alegados e os complementares e ou concretizadores) então ter-se-á de concluir que essa mesma falta de selecção de factos provados e a todos os títulos relevantes para a decisão da causa consiste outrossim num erro de julgamento e em violação dos artigos 608º nº2 e 5º nº 2 alª b) do CPC, importando aditar à discriminação da matéria de facto as proposições constantes da conclusão 33ª?

6ª Questão
Caso proceda a alegação de que está em falta na sentença recorrida uma pronúncia sobre a prova ou não prova dos factos a que se refere a questão 3ª, estão, os mesmos, provados pelos segmentos dos depoimentos das testemunhas indicados na conclusão 34?

7ª Questão
Em face das causas de nulidade da sentença a que se referem as questões 1ª a 3ª, deve o processo baixar à 1ª instância, nos termos do artigo 684º nº 2 do CPC, com vista ao suprimento, se possível pelo mesmo juiz, das apontadas faltas de pronúncia?

8ª Questão
Em consequência da prova dos factos alegados nos artigos 9º, e 11 a 16º e 38º da Petição Inicial e dos factos complementares ou concretização deles, enunciados na conclusão 33ª do recurso, em conjugação com o documento constituído pelo “boletim de análise final interno” (doc. 5 da petição inicial), que não foi impugnado e foi confirmado pelas testemunhas mencionadas nas conclusões 40ª a 42ª, pelo que tem o valor probatório do artigo 376º nº 1 do CC, conclui-se que o Tribunal a quo sobrevalorizou indevidamente o relatório das análises laboratoriais feitas pela Inspecção – repleto de erros de cálculo que valeram a revisão graciosa das liquidações em dezenas de milhares de Euros – em consequência do que errou no julgamento de matéria de facto ao dar como provado o facto da alª I) da discriminação dos factos provados e ao dar como não provado o facto 1 da discriminação dos factos não provados?

9ª Questão
Atenta a prova dos mesmos factos referidos na 3ª questão, em conjugação com os documentos nºs 6, 7 e 8 da Petição Inicial, que não foram impugnados e portanto têm a força probatório atribuída pelo artigo 376º nº 1 do CC, e com os depoimentos das testemunhas referidas na conclusão 46ª, que, entre o mais, confirmam a cabal explicação ab initio dada para a grande quebra na conta corrente da aguardente vínica que se verificava aquando do “varejo” de 21/3/2016, é forçoso concluir que o Tribunal a quo também errou no julgamento de facto ao dar como não provado o facto 2 da discriminação dos factos não provados, já que a decisão devia ter sido a de o dar como provado?

10ª Questão
Em consequência dos erros de julgamento de facto objecto das anteriores questões, a Sentença recorrida errou no julgamento de direito ao confirmar na ordem jurídica a ocorrência do facto tributado e as liquidações impugnadas, pelo que deverá ser revogada e substituída por acórdão deste tribunal a determinar a anulação daquelas?

III - Apreciação do objecto do recurso
Convém reproduzir aqui o segmento da sentença que resulta nas decisões em matéria de facto. Tal é o que passamos a fazer.
«Com relevância para a decisão da causa, atentas as várias soluções plausíveis da questão de direito, consideram-se provados os seguintes factos:
A) O impugnante dedica-se à produção de vinhos comuns e licorosos, possui o estatuto de depositário autorizado e exerce a sua actividade no entreposto fiscal de produção (EF) PT..............03, localizado no Parque Industrial ..., lote ...4, ... (cfr. pág. 2 do RIA de fls. 170-200 do SITAF);
B) O impugnante foi submetido, ao abrigo da ordem de serviço n° ...72, a um procedimento inspectivo de âmbito parcial (IABA) relativo aos períodos de 2013, 2014, 2015 e 2016 (até 21- 03-2016) (cfr. pág. 1 do RIA de fls. 170-200 do SlTAF);
C) Na sequência da realização do procedimento inspectivo referido na alínea anterior foi elaborado, com data de 18-07-2016, o respectivo Relatório de Inspecção Aduaneira (RIA) de cujo teor se destaca o seguinte:
CAPÍTULO IV - Controlos Efectuados
Este controlo inspectivo foi iniciado com o varejo executado em 22-09-2015, o qual tinha como principal objectivo o controlo da aguardente vínica detida pelo entreposto fiscal e quantificar existência de bebidas alcoólicas em plena vindima. No sentido de permitir avaliar a exactidão da quantidade e qualidade das bebidas alcoólicas produzidas na campanha foi efectuada nova quantificação de existências em 21-03-2016. Em ambos os varejos efectuados ao entreposto fiscal PT ...03 foram obtidas amostras de bebidas alcoólicas sujeitas a taxa positiva de IABA e efectuada a correspondente análise pelo nosso laboratório. Procedemos então à reconstituição de existências com base nos elementos obtidos suportados em controlos cruzados e pedidos de elementos efectuados a terceiros.
1. Realização de Varejo ao entreposto PT..............03 - 22-00-2011;
Em 22-09-2015 foi realizada a quantificação de todos os produtos objecto de tributação em sede de IABA existentes no entreposto fiscal do operador registado AA.
Resultaram as seguintes quantidades totais de bebidas alcoólicas:
Quadro 1- Resumo Inventário 22-09-2015
ProdutoQts(Lts)
Ag. Vínica 77%15.600
Bebida Alcoólica 54%9.800
Licoroso284.109
Moscatel170.719
Espumante1.125
Glogg22.020
Vinho Mesa933730
Mosto688.350
UVASI54.OOO
Borras24.OOO
Total Geral2.303.453

2. Amostras do Varejo de 22-09-2015
No decurso do varejo foram retiradas amostras às cubas que continham bebidas alcoólicas sujeitas a taxa positiva de IEC.
Da análise aos resultados das análises obtidas no dia 01-12-2015 foi detectado:
(...)
> Licoroso Branco - cuba 8 - teor alcoólico detectado igual a 54,4%, teor alcoométrico adquirido superior ao estipulado para um vinho licoroso, como identificado por AA, tratando-se de facto de uma bebida alcoólica espirituosa.
Relativamente à bebida alcoólica Licoroso Branco detectada na cuba 8, no dia 22-09-2015, conclui-se que o depositário autorizado AA detinha no seu estabelecimento uma bebida espirituosa com um teor alcoométrico adquirido superior a 54%. Mais se refira que:
❖ no varejo posterior efectuado no dia 21-03-2016 esta cuba estava vazia;
❖ no decurso desse varejo não foi detectada, dentro do entreposto fiscal de AA, qualquer bebida alcoólica com graduação similar;
❖ não existe nenhuma ficha de controlo (conta corrente) relativa à bebida alcoólica detectada no dia 22- 09-2015 na cuba 8;
❖ no período compreendido entre varejos, ou seja, de 22-09-2015 a 21-03-2016, não saiu de forma legitima do entreposto fiscal, quer via introdução no consumo, quer via circulação em suspensão, nenhuma bebida alcoólica classificada como bebida espirituosa.
(...)
Face ao supra exposto, conclui-se pela introdução irregular no consumo de 9.8oo lts de uma bebida espirituosa com 54% de título alcoométrico adquirido.

3. Realização de Varejo ao Entreposto PT..............03 - 21-03-2016
Em 21-02-2016 foi realizada a quantificação de todos os produtos objecto de tributação em sede de IABA existentes no entreposto fiscal do operador registado AA.
A necessidade de proceder a um novo varejo resultou da quantidade significativa de uvas e mosto quantificadas no primeiro varejo, não permitindo a efectiva classificação da qualidade das bebidas alcoólicas em que seriam transformadas.
Resultaram as seguintes quantidades por bebida alcoólica, já considerando as alterações requeridas pelo enólogo do depositário autorizado AA, tanto no dia 25 de Março como no dia 5 de Abril de 2016, devidamente confirmadas pelo IVDP.
Mais se refira que, o inventário por nós efectuado foi acompanhado pelo IVDP sendo as quantidades apuradas coincidentes com as quantificadas pelo IVDP no Auto de Verificação Física de Existências 1062/2016.
Quadro 2- Resumo Inventário 21-03-2016
ProdutoQts(Lts)
Ag. Vínica 77%2.300
Licoroso233-097
Moscatel155.036
VPorto43.000
Espumante900
Glogg31.004
Vinho Mesa1.639.738
Borras63.888
Total Geral2.168.962

4. Amostras do Varejo de 21-03-2016
No decurso do varejo foram retiradas amostras a 6 cubas do entreposto fiscal de produção de AA de bebidas alcoólicas sujeitas a taxa positiva de IEC. As amostras foram enviadas para o laboratório da Autoridade Tributária e Aduaneira no dia 22-03-2016.
Da análise aos resultados das análises obtidas no dia 05-05-2016 foi detectado: (...)

5. Comparação Contabilidade de Existências vs varejo 21-03-2016
De acordo com os mapas de existências que se encontravam no entreposto fiscal na data do varejo - denominadas "fichas de controlo" verificaram-se as divergências apresentadas no quadro 3.
Quadro 3 - Contabilidade de Existências vs Varejo 21-03-2016
Dif_Quantidades_EF
ProdutoCont Exist.VarejoDiferença
LtsLtsLts%
Aguardente Vínica4.3112.300-2.011-47%
Vinho Licoroso223.155233 0979.9424%
Moscatel143.905155.03611.1328%
VPorto42.71643.0002841%
Glogg-16.02731.00447.031.293%
Vinho Mesa1.414.0171.639.738225.72116%
Espumante68290021832%
Borras63.888
Total Existências1.812.7572.168.g62356.20520%

A posteriori, o depositário autorizado AA efectuou registos /correcções aos mapas de existências - denominados "fichas de controlo", que haviam sido por nós fotocopiados no dia do varejo. Da comparação efectuada a estes mapas apurámos as divergências que se encontram evidenciadas no quadro infra.
Quadro 4 - Contabilidade de Existências Corrigida vs Varejo 21-03-2016
Dif_Quantidades_EF
ProdutoCont Exist.VarejoDiferença
LtsLtsLts96
Aguardente Vínica2.3112.300-110%
Vinho Licoroso225.155233-0977-9424%
Moscatel143.905155.03611.1328%
VPorto42.71643.0002841%
Glogg27.01331.0043-99i15%
Vinho Mesa1-3740171.639.738265.72119%
Espumante68290021832%
Borras63.888
Total Existências1.815.7982.i68.g62353-16519%

Análises às divergências detectadas:
Aguardente Vínica
No varejo de 21 de Março de 2016 foram inventariados 2.300 Its de aguardente vínica na cuba 6 do armazém A do entreposto fiscal de produção de AA, quantidade coincidente com a inventariada na mesma data pelo IVDP. Esta era a única existência de aguardente vínica que o depositário AA detinha nessa data em todo o entreposto fiscal.
De acordo com a conta corrente em uso pelo depositário autorizado o entreposto fiscal devia possuir 4.311 Its de aguardente vínica. O último movimento registado correspondia à entrada de 3.970 Its de aguardente vínica não classificada efectuado no dia 22-01-2016. Esta entrada corresponde à factura de compra n.° de 2016/3, com data de 22-01-2016, no valor 5.161€, da sociedade «X» Lda, à qual corresponde o Documento Administrativo Electrónico com o ARC ..PT....................90.
Conclui-se então pela existência de uma falta de 2.011 Its de aguardente vínica não classificada. (...)
O depositário autorizado, a posteriori, justificou a diferença enviando nova ficha de controlo do produto aguardente vínica do qual consta a saída por incorporação como "lota de refresco" de 2.000 Its no dia 18-03-2016 (dia útil anterior à realização do varejo). Refira-se que, também a posteriori, foi alterada a ficha de controlo do produto vinho licoroso, reflectindo documentalmente o movimento de entrada dos 2.000 Its de aguardente vínica. Saliente-se no entanto que a conta corrente do produto vinho licoroso obtida no dia do varejo apresenta registo de um movimento de saída efectuado no dia 18-03-2016, não tendo registado nenhum movimento de entrada. Ou seja, nada justifica que a respectiva conta corrente tenha sido actualizada no dia 18-03-2016 com um movimento de saída e não tenha sido registado o movimento de entrada da lota de aguardente vínica.
Refira-se que a conta corrente de Vinho Moscatel do Douro também regista movimentos efectuados no dia 18-03-2016. (...)
Ressalve-se ainda que:
■ Questionados os funcionários que acompanharam o varejo do dia 21-03-2016 sobre a existência de algum movimento recente de aguardente vínica responderam não ter ocorrido.
■ Que não obstante a alegada saída de aguardente vínica para incorporação no vinho licoroso ter ocorrido no dia 18 de Março de 2016 apenas nos foi "comunicada" no dia 25 de Março. 4 dias após o varejo.
■ Não obstante ter sido solicitada a existência de um qualquer registo documental que comprove a alegada movimentação interna foi-nos referido não existir nenhum documento de produção que confirme a movimentação entre cubas.
■ Das 6 cubas que no varejo continham vinho licoroso (6E, 8E, 10,11,15 e 17) quatro destas cubas (8E, 10, 15 e 17) foram objecto de análises laboratoriais. Da súmula do grau alcoólico das análises efectuadas conclui-se que o grau alcoólico médio é de 14,1%, claramente inferior ao teor alcoométrico estipulado para um vinho licoroso. (...)
Da análise efectuada aos registos documentais de existências do entreposto fiscal de AA, contas correntes, concluímos que este modus operandi é recorrente, tendo o depositário autorizado procedido por diversas vezes ao registo documental de alegadas movimentações de aguardente vínica através da sua inscrição nas contas correntes, ou no decurso do controlo executado pela Alfândega - varejo, ou nos dias posteriores, relativos a alegados movimentos que teriam ocorrido ou no dia ou imediatamente antes do varejo.
Consubstanciando,
I. Primeira correcção 22-06-2014 - inscrição no dia do controlo na contabilidade de existências da saída de 2.200lts de aguardente vínica.
No dia 22-06-2014. durante a realização do varejo, após ter sido quantificada a quantidade física de aguardente vínica existente no entreposto fiscal em 900 lts (existência real) o depositário autorizado AA corrigiu a existência documental de aguardente vínica registando nesse dia a saída de 2.200lts como "lota de Refresco de Vinho Licoroso", movimento que alegou ter ocorrido em 22-05-2014, de forma a que, o saldo na conta corrente perfizesse 800 lts e assim a diferença face ao varejo fosse materialmente irrelevante, 100lts.
Esta inscrição foi reflectida na conta corrente do vinho licoroso. (...)
II. Segunda correcção 22-09-2015 - inscrição a posteriori na contabilidade de existências da saída de 9.500 Its de aguardente vínica.
No dia 22-09-2015, o dia da realização do varejo, o depositário autorizado AA alega terem sido movimentados 9.500 litros de aguardente vínica. Saliente-se que, no inicio da realização do varejo o enólogo foi questionado especificamente relativamente à movimentação nessa campanha de aguardente vínica tendo respondido não ter efectuado qualquer movimento. Saliente-se também o facto de ter sido questionado relativamente aos locais e quantidades de aguardente vínica que possuía em entreposto. Respondeu apenas ter aguardente vínica no armazém fora da Região Demarcada do Douro [RDD] (cuba 6 = 2.900 Its e cuba 7 = 6.000 Its), cuba por nós controlada de imediato, não referindo a cuba 6gF, localizada no armazém dentro da RDD. Isto, não obstante: a cuba 60F conter 6.700 Its de aguardente vínica e nesse mesmo dia ter alegadamente movimentado 9500 Its de aguardente vínica para a cuba 7ºF (que continha moscatel Douro). Refira-se que o principal objectivo do controlo de existências executado do dia 22-00-2015 era o controlo da aguardente vínica, tendo após a nossa credenciação e leitura da carta aviso, o nosso controlo incidido de forma efectiva na aguardente vínica. Pelo facto de o depositário autorizado não ter declarado a existência de uma cuba que acondicionava 6.700 Its de aguardente vínica, nem que, nesse mesmo dia teria ordenado a movimentação de 9 500 Its de aguardente vínica para a produção de um produto intermédio, e de não ter registado este movimento na respectiva conta corrente o enólogo do depositário autorizado impediu o controlo efectivo da quantidade de aguardente vínica existente no entreposto fiscal.
Ressalve-se que, no decurso do varejo, quando detectámos que a cuba 69F continha aguardente vínica nem o enólogo nem os funcionários do entreposto conseguiram apresentar qualquer motivo que justificasse o facto de esta cuba não ter sido mencionada. Posteriormente, quando nos foi referido que tinham nesse dia movimentado 9 500 Its de aguardente vínica pedimos que fossem identificados os funcionários que procederam à referida movimentação, não tendo sido possível confirmar pessoalmente quer pormenores da movimentação, quer quantidades movimentadas, recusando-se os funcionários a responder às nossas questões. Perante a insistência das questões colocadas foi-nos entregue o documento infra: (...)
No sentido de procurar comprovar a respectiva movimentação foram por nós retiradas duas amostras à cuba 70F, à parte inferior e à parte inferior da cuba. Esta cuba, quando por nós inventariada no dia do varejo, continha 50.000 Its do produto intermédio Moscatel do Douro. Ora, se considerarmos o movimento de 9.500 Its de aguardente vínica deduz-se que no início do dia existiam na cuba 70F 40.500 Its de Moscatel do Douro.
A graduação alcoólica resultante das análises retiradas concluiu que no fundo da cuba o teor alcoólico era de 15,3% e que no topo da cuba de 20,5%. (...)
No mesmo dia, foi retirada uma amostra ao produto, também identificado como Moscatel, existente na cuba 71F, tendo da análise laboratorial resultado o teor alcoólico de 15,5%.
Assim sendo, vejamos:
> Admitindo que a quantidade de vinho moscatel inicialmente existente na cuba 70F - 40.500 Its apresentava um volume alcoólico de 15,3%.
> Ao adicionar a quantidade de 9.500 Its de aguardente vínica com 76,4% obter-se-ia [(40.500 Its x 15,3% + 9.500 Its x 76,4%)/50.000 Its] um produto intermédio com um volume alcoólico de 27%, valor claramente divergente do teor alcoólico máximo da cuba 70F, quantificado em 20,5%.
Mais se refira que, mesmo considerando como graduação prévia dos 40.500 Its existentes na cuba 70F12%, a adição de 9.500 Its de aguardente vínica a 76,4% originaria um produto intermédio com mais de 24% de volume alcoólico. Refira-se que o título alcoométrico adquirido de um vinho licoroso, de acordo com o disposto no Regulamento (CE) 479/2008 não pode ser superior a 22%.
Face ao supra exposto conclui-se que, no dia 22-09-2015 não foram adicionados à cuba 70F 9.500 Its de aguardente vínica como alega o depositário autorizado AA.
No entanto, por não ser possível apurar de forma efectiva a quantidade de aguardente vínica adicionada à cuba 70F. nem aferir com exactidão a percentagem do teor alcoólico do produto intermédio acondicionado na cuba 70F antes da adição de aguardente vínica, ou seja, perante a inexistência de um critério objectivo de quantificação, de elementos concretos e objectivos, procedeu-se a novo varejo em 21-03-2016, cuja abordagem inicial visou especificamente controlar de forma directa e efectiva toda a aguardente vínica existente no entreposto fiscal. Desse varejo resultou o apuramento de uma perda de 2.153 Its a qual será objecto de liquidação no presente controlo, (ver ponto 3 do Capítulo V)
Saliente-se que, de forma sistemática, em todos os controlos efectuados pela Alfândega às bebidas alcoólicas em entreposto fiscal o depositário autorizado AA tem sempre uma quantidade física de aguardente vínica em suspensão de imposto inferior à quantidade registada na sua contabilidade de existências.
Com o objectivo de regularizar stocks documentalmente, ou durante o varejo ou imediatamente após, "acerta" a contabilidade de existências, procedimento que consiste no mero preenchimento de uma linha dos mapas manuscritos da sua contabilidade de existências.
Mais se refira que não existe qualquer suporte, qualquer evidência documental, dos movimentos alegadamente efectuados (ordens de produção, transferências, analises a suportar a realização de lotas, etc.), não existe correspondência entre a data de inscrição na contabilidade de existências e as datas em que terão ocorrido as movimentações de aguardente vínica, não sendo identificadas as cubas de origem e de destino, nem se a aguardente é certificada ou não.
Claro está que, se forem consideradas as inscrições efectuadas por AA na "contabilidade de existências" posteriores à realização do controlo deixam de existir divergências materialmente relevantes entre as quantidades inventariadas e as inscritas na contabilidade de existências da bebida espirituosa aguardente vínica.
Do presente controlo também se conclui a recorrente existência de produtos intermédios em quantidade superior à inscrita na contabilidade de existências e que o teor alcoométrico dos produtos intermédios produzidos por AA é, praticamente sempre, inferior ao teor alcoométrico indicado no rótulo das respectivas embalagens, sendo mesmo muitas vezes inferior ao teor alcoólico legalmente estabelecido para os produtos serem classificados como produtos intermédios, concluindo-se pela não declaração da totalidade da produção de produtos intermédios efectuada e pela incorporação no processo produtivo de quantidades insuficientes de aguardente vínica.
Considerando o supra exposto concluímos que, os sentidos das divergências detectadas são coincidentes. Refira-se ainda que nas respectivas contas correntes - fichas de controlo, não se encontra quantificado o respectivo saldo, sendo muitas vezes violada a sequência cronológica das inscrições o que denota a falta de credibilidade e rigor do sistema de contas correntes implementado no entreposto fiscal.
Face ao supra exposto, propõe-se a liquidação da quebra da aguardente vínica de 2 153 lts quantificada no varejo efectuado no dia 21-03-2016. (...)

8. Reconstituição dos movimentos de existências
Reconstituição Existências 21-12-2012 a 22-06-201A
(...)
Reconstituição Existências 22-06-201A a 22-00-2011;
(...)
Reconstituição Existências 22-00-2011; a 21-07-2016
(...)
Da análise efectuada à reconstituição de existências conclui-se:
❖ Pela existência de uma diferença negativa de 2.153 lts da bebida espirituosa aguardente vínica do varejo face à reconstituição documental - divergência que representa um desvio de 11%;
Em complemento ao exposto no ponto 6 do capítulo IV do presente relatório, com base na reconstituição da contabilidade de existências a quebra efectiva da aguardente vínica é de menos 2.153 Its. Quebra enquadrada fiscalmente no ponto II do capítulo V.
❖ Em 21-03-2015 o entreposto fiscal PT ...03 não detinha nenhum dos 9.800 Its da bebida alcoólica com 54% detectados no varejo de 22-09-2015, encontrando-se a cuba 8 vazia;
❖ Dos produtos intermédios assume particular relevância a divergência detectada na bebida alcoólica moscatel. Do varejo entre 22-09-2015 verifica-se uma quebra de 41.520 lts. Quebra enquadrada fiscalmente no ponto III do capítulo V. (...)
Em suma conclui-se que em 21-03-2016 o entreposto fiscal detinha quantidades de bebidas alcoólicas superiores às resultantes da reconstituição documental, concluindo-se que o entreposto fiscal de AA produziu de forma não declarada 502.763 Its de bebidas alcoólicas - produção em excesso não declarada documentalmente - desvio correspondente a 21 %.
Em suma, conclui-se que, de forma recorrente o entreposto fiscal PT ...03 do depositário AA produz bebidas alcoólicas de forma não declarada, não registando as quantidades efectivamente produzidas na contabilidade de existências. (...)

CAPITULO V - Descrição das Irregularidades Constatadas
1- Cuba 8 - dia 22-09-2015; - 9.8oo Its de uma bebida espirituosa com 54%
Da contabilização de existências efectuada no dia 22 de Setembro de 2015, constatou-se que o depositário autorizado AA detinha no seu entreposto fiscal 9.800 Its de uma bebida alcoólica com um teor alcoométrico superior a 54%.
Conforme exposto no ponto 2 do capítulo IV, concluiu-se na sequência da análise efectuada no âmbito do presente controlo, que esse produto foi irregularmente introduzido no consumo, uma vez que não saiu do entreposto fiscal de forma documentada.
Nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 90 do CIEC, considera-se introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto a saída, mesmo irregular, desses produtos do regime de suspensão de imposto. Torna-se desta forma exigível, de acordo com o n.° 1 do artigo 8º do CIEC, o montante de imposto que incide sobre os produtos em causa. Nos termos do n.° 2 do mesmo artigo, a taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor à data da exigibilidade que, na situação em apreço, é a da constatação das perdas tributáveis, ou seja, a data do segundo varejo, 21-03-2016.
Deve ser excluída da tributação, de acordo com o n.º 4 do artigo 9º do CIEC, a percentagem máxima de perdas inerentes à natureza dos produtos admissível nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 48º do mesmo diploma legal (0,30%/ano de acordo com o despacho n.º ...58, de 27-10-2014 do Director da Alfândega ...), que corresponde a 59 litros (9.800 Its x 0,30€ x 2 anos 2015 e 2016), a diferença para menos perfaz 9.741 litros, pelo que é devido IABA no montante de 69.694 €. (...)

2 - Cuba 6 - dia 21-03-2016 - 2.153 Its de aguardente vínica com 77%
De acordo com o exposto no ponto 6 e 8 do capítulo IV, no dia 21-03-2016 verificou-se uma falta de 2.153 Its de aguardente vínica, com um teor alcoométrico de 77%, no entreposto fiscal de AA.
A diferença tributável corresponde à diferença para menos entre o saldo contabilístico e as existências em entreposto, quantidade deduzida das perdas inerentes à natureza dos produtos de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 48º do CIEC (no caso concreto deste entreposto fiscal 0,30%/ano de acordo com o despacho n.º ...58, de 27-10-2014 do Director da Alfândega ...), que corresponde a 19 litros [6.270 Its (quantidades de aguardente vínica existentes em entreposto em 21-03-2016 = 2.300 Its + quantidades entradas após último varejo = 3.970 Its) x 0,30c), do que se conclui que a diferença para menos perfaz 2.134 litros.
Em suma, nos termos da alínea a) do n.º 1 e no n.º 4 do artigo 9º do CIEC, considera-se introdução no consumo a saída não documentada dos 2.134 lts de aguardente vínica do regime de suspensão de imposto, quantidade que ultrapassa o limite das perdas legitimamente admitidas para o entreposto fiscal.
Torna-se desta forma exigível, de acordo com o n.º 1 do artigo 8º do CIEC, o montante de imposto que incide sobre os produtos em causa. Nos termos do n.° 2 do mesmo artigo, a taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor à data da exigibilidade que, na situação em apreço, é a da constatação das perdas tributáveis, ou seja, a data do segundo varejo, 21-03-2016. (...)
3 - Saída ilícita de 41 520 Its de Moscatel entre 22-09-2015 e 21-02-2016
No varejo efectuado em 22-09-2015 apurou-se uma diferença para mais de 48.86,50 litros de Vinho Moscatel, ou seja, existia fisicamente em entreposto mais vinho moscatel do que seria expectável face aos movimentos documentados ocorridos no período em análise.
Partindo desta existência física e reconstituindo os restantes movimentos ocorridos e devidamente documentados, bem como registados na contabilidade de existências, até ao varejo seguinte, 21-03-2016, conclui-se pela existência de uma diferença para menos de 41.519,50 litros. Ou seja, ao contrário do verificado no varejo anterior, em 21-03-2016 apurou-se a existência de um stock físico inferior ao contabilístico. Conclui-se, assim, que entre 22-09-2015 e 21-03-2016 saíram do entreposto fiscal de AA 41.519,50 litros de vinho moscatel sem o respectivo suporte documental e pagamento do imposto devido. Esta quantidade de vinho moscatel foi então introduzida irregularmente no consumo, tornando-se exigível o montante de imposto respectivo que corresponde a 30.251€ (41.519,50*72,86/100=30.251,11€). (...)
Em suma, nos termos da alínea a) do n.º 1 e no n.º 4 do artigo 9º do CIEC, considera-se introdução no consumo a saída não documentada de 30.251 Its do produto intermédio moscatel.
Torna-se desta forma exigível, de acordo com o n.º 1 do artigo 8o do CIEC, o montante de imposto que incide sobre os produtos em causa. Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, a taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor à data da exigibilidade que, na situação em apreço, é a da constatação das perdas tributáveis, ou seja, a data do segundo varejo, 21-03-2016. (...)

CAPÍTULO VI - Demonstração dos Montantes de Dívida Apurados
Os montantes de dívida de imposto calculados, a liquidar pela estância aduaneira competente, e que decorrem do capítulo anterior, são os seguintes:
> Cuba 8 - dia 22-00-2015 - 9.800 Its de uma bebida espirituosa com 54%
No dia 22 de Setembro de 2015, o depositário autorizado AA detinha no seu entreposto fiscal 9.800 lts de uma bebida alcoólica com um teor alcoométrico superior a 54%. Esta bebida espirituosa saiu do entreposto fiscal de AA de forma irregular, concluindo-se, no decurso do presente controlo, pela sua introdução irregular no consumo.
Pela introdução irregular no consumo dos 9.741 Its da bebida espirituosa detectada na cuba 8 no dia 22-09- 2015 é devido IABA no montante de 69.852 € (sessenta e nove mil oitocentos e cinquenta e dois euros) [i3,2794€/lt (artigo 76º do CIEC com a redacção dada pela Lei 7-A/2016, de 30 de Março) x 0,54 x (9.800 lts- 59lts].
> Cuba 6 - dia 21-03-2016 – 2 153 lts de aguardente vínica com 77%
Pelo apuramento da quebra de 2.153lts de aguardente vínica apurada no varejo efectuado no dia 21-03- 2016, com base no disposto no n.º 1 do artigo 8o do CIEC torna-se exigível IABA referente aos 2.134 Its de aguardente vínica detectados em falta, sendo devido o montante de 21.820 € (vinte e um mil oitocentos e vinte euros) [13,2794€/lt (artigo 76º do CIEC com a redacção dada pela Lei 7-A/2016, de 30 de Março) x 77% x 2 134lts].
> Saída ilícita de 41 520 Its de Moscatel entre 22-09-2015 e 21-03-2016
Entre 22-09-2015 e 21-03-2016 saíram do entreposto fiscal de AA 41.519,50 litros de vinho moscatel sem o respectivo suporte documental e pagamento do imposto devido.
Com base no disposto no n° 1 do artigo 8º do CIEC torna-se exigível IABA referente ao moscatel detectado em falta, sendo devido o montante de 30.251€ (trinta mil duzentos e cinquenta e um euros) [0,7286€/lt (artigo 74º do CIEC com a redacção dada pela Lei 7-A/2016, de 30 de Março) x 41.519,50 lts = 30.251,11c].
O cálculo do montante de IEC exigível pela saída irregular de produtos sujeitos a imposto do regime de suspensão, perfaz no total de 121.923 e (cento e vinte e um mil novecentos e vinte e três euros). (...)

CAPITULO IX - Direito de Audição Prévia
O depositário autorizado AA foi notificado do Projecto de Conclusões do Relatório em 01-07-2016, conforme previsto no n.º 1 do artigo 60º do RCPITA. Exerceu o seu direito de audição por escrito, em 15-07-2016, declarando o que se expõe nos pontos seguintes:
Ponto 1 - "As conclusões anunciadas assentam em pressupostos de facto errados e ainda numa errada interpretação e aplicação do Direito". Ou seja, profere uma afirmação genérica despida de conteúdo, não suportada em qualquer dado ou elemento objectivo, não concretizando a qual das sete infracções objectivamente enquadradas de facto e de direito no projecto de conclusões se refere, nem consubstanciando qual a "errada interpretação e aplicação do Direito" que consta do projecto de conclusões enviado.
Ponto 2 - "É falso que o expoente tenha incorrido na prática de qualquer infracção" afirmação genérica desprovida de qualquer elemento de defesa objectivo ou de uma interpretação efectiva da legislação em vigor. Face ao exposto, conclui-se que o depositário autorizado AA no decurso do exercício do direito de audição não invocou qualquer facto objectivo (não juntou qualquer documento, não se pronunciou de forma concreta relativamente às diferenças apuradas, nem invocou qualquer facto novo) ou fundamentação de direito, pelo que, produz efeitos o presente relatório do procedimento inspectivo.
(cfr. RIA de fls. 170-200 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

D) Em 25-08-2016 foi elaborada, na Conferência Final da Alfândega ..., com fundamento no RIA referido na alínea anterior, uma proposta de cobrança “a posteriori”, de cujo teor se destaca o seguinte:
7. O valor da dívida ascende a € 123.513,06, discriminado da seguinte forma:
ProdutoQuantidade
-litros
Teor
alcoólico
Taxa/hl "Divida (IABA)-€DiasJuros
compensatórios 11
Total
Bebida
espirituosa
9.741,0054%1.327,94€69 851,50119€910,94€70.762,44
Aguardente
vínica
2.134,0077%1.327,94€21.820,44119€ 284,56€ 22.105,00
Moscatel41.519,5072,86€ 30 251,11119€ 394,51€ 30.645,62
TOTAL€ 121.923,05€ 1.590,01€123.513,06
f,JC=lABA*4%n.0 dias (21/03(2016 a 1MJ7/2Q16J/365

Proponho
Que o valor em dívida, no montante de € 123.513,06 seja cobrado "a posteriori", com base nas competências atribuídas às alfândegas, nomeadamente pela alínea j) do n.° 1 do art. 37º da Portaria 320-A/2011, de 30 de Dezembro, liquidando-se a dívida apurada, nos termos do disposto no n.°3 do art. 11º do CIEC, aprovado pelo DL 73/2010, de 21 de Junho e notificando-se o sujeito passivo, para efectuar o pagamento no prazo de 15 dias, em conformidade com o preceituado no n.º 2 do art.º 12º do mesmo diploma legal.
(cfr. fls. 19-21 do PA a fls. 40-87 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

E) Sobre a informação referida na alínea anterior recaiu, em 26-08-2016, despacho de concordância proferido pelo Director da Alfândega ..., na sequência do que foi efectuado o respectivo registo de liquidação com o n° 2016/....42 (cfr. fls. 19 e 22 do PA de fls. 40-87 do SITAF);

F) Por requerimento recepcionado na Alfândega ... em 20-12-2016, o impugnante deduziu reclamação graciosa contra as liquidações de IABA referidas nas alíneas anteriores (cfr. fls. 36-46 do PA de fls. 89-168 do SITAF);

G) Em 31-10-2017 foi elaborada, na Conferência Final da Alfândega ..., uma proposta de deferimento parcial da reclamação graciosa, de cujo teor se destaca o seguinte:
Do articulado 36° ao 43°
• No varejo de 22/09/2015, efectuado em plena vindima, foi considerado que a cuba 70F continha o produto intermédio vinho moscatel, que se encontrava em processo produtivo. Da análise efectuada ao período subsequente, de 22/09/2015 a 21/03/2016, foi contabilizada a produção do produto intermédio moscatel declarada pelo entreposto fiscal de AA na Declaração de Colheita e Produção (DCP) enviada ao IVDP;
• Não obstante, considerando o documento n.° 6 anexo à reclamação graciosa, conclui-se que efectivamente deverá estar incluída na DCP efectuada a produção do vinho moscatel que se encontrava armazenado na cuba 70F, de onde se conclui que, por lapso, essa quantidade foi considerada de forma duplicada;
• Perante estes factos, a liquidação do valor de €30.251,11 de IABA e de €394,51 de juros compensatórios, relativos à introdução irregular no consumo de 41.519,50 Its do produto intermédio moscatel, deverá ser objecto de anulação;
• Os restantes pontos da reclamação, dizem respeito a factos que integram o processo contra-ordena- cional, pelo que não poderão ser alvo de análise em sede de reclamação graciosa, que apenas se cinge ao acto de liquidação.
6. Em 2017/10/06, o mandatário da reclamante, foi devidamente notificado para exercer o direito de audição (n/ oficio ...45 de 2017/10/03), no prazo de quinze dias, tendo optado por não se pronunciar no prazo concedido para tal, que culminou em 2017/10/23.
7. Destarte e analisados os argumentos de facto acima elencados, conclui-se que a dívida deverá ser rectificada para menos, no montante de €30.645,62, passando a ascender a €92.867,44, sendo € 91.671,94, em sede de IABA e €1.195,50, em sede de juros compensatórios.
Proponho
1. Que a presente reclamação graciosa, seja parcialmente deferida, notificando-se o operador em conformidade.
2. Que se proceda à rectificação do registo de liquidação n.° ...42 de 2016/08/26.
3. Que se dê conhecimento ao Serviço de Finanças ..., do novo montante em dívida.
(cfr. fls. 83-88v. do PA a fls. 89-168 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

Mais se provou o seguinte.
I) A cuba 8 referida no RIA continha, no dia 22-09-2015, 9.800 litros de uma bebida alcoólica com um teor alcoométrico superior a 54% (cfr. resultado das análises laboratoriais - pág. 4 do RIA de fls. 40-87 e 170-200 do SITAF);

FACTOS NÃO PROVADOS
Consideram-se não provados os seguintes factos:
1) Os 9.800 litros de líquido contido na cuba 8 a 22-09-2015 era um vinho licoroso branco com 17,4% de álcool;
2) A quebra de 2.153 litros de aguardente vínica referida no RIA ficou a dever-se à realização, no dia 18-03-2016, de uma lota de refresco de 2.000 litros de aguardente na cuba 8E, tendo a respectiva conta corrente sido, por lapso, actualizada apenas em 22-03-2016;
3) No varejo de 22-09-2015 foi feita uma aplicação de 9.500 litros de aguardente da cuba 69F na cuba 70F.
MOTIVAÇÃO
A matéria de facto dada como provada foi a considerada relevante para a decisão da causa e resultou das posições assumidas pelas partes nos respectivos articulados e da análise crítica do teor dos documentos e informações oficiais juntos aos autos e constantes do PA, conforme discriminado em cada alínea do probatório.
No que se refere à matéria de facto não provada, ficou a mesma a dever-se à ausência de prova a seu respeito.
Vejamos com mais detalhe.
Os técnicos aduaneiros deslocaram-se às instalações do impugnante em duas ocasiões distintas: 22-09-2015 e 21-03-2016.
Aquando da primeira visita (22-09-2015) foram recolhidas amostras em diversas cubas tendo em vista a sua posterior análise laboratorial.
Realizada a análise laboratorial apurou-se que o líquido contido na cuba 8 continha uma bebida alcoólica com um teor alcoométrico superior a 54%.
0 resultado da análise efectuada no laboratório da AT, e bem assim o RIA e as informações prestadas no âmbito da reclamação graciosa, constituem informações oficiais na acepção dos art.°s 76°, n° 1, da Lei Geral Tributária (LGT) e 115°, n° 2, do CPPT.
As informações oficiais “fazem fé e possuem força probatória plena quanto aos factos afirmados como sendo praticados peia administração tributária ou com base na percepção dos seus órgãos ou agentes, ou factos determinados a partir dessa percepção com base em critérios objectivos, desde que devidamente fundamentadas' (cfr. acórdão do TCAN de 23-05-2019, proferido no processo n° 02673/18.9BEPRT).
Segundo disposto no art.° 347° do Código Civil (CC), “a prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que deia for objecto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas na Lei'.
Esta especial força probatória não se estende, no entanto, a factos concernentes à existência e quantificação do facto tributário, relativamente aos quais não é necessário provar o contrário, mas apenas gerar dúvidas fundadas a seu respeito, já que o art.° 100°, n° 1, do CPPT estatui que “sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado' (cfr. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, LGT Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4a ed., pp. 669-670). Vale aqui, portanto, a regra do art.° 346° do CC, segundo a qual “à prova que for produzida peia parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova’.
0 impugnante alegou que o líquido contido na cuba 8 era um vinho licoroso branco com 17,4% de álcool, e não um líquido com teor alcoométrico superior a 54% tendo, para o demonstrar, arrolado testemunhas e juntado documentos, nomeadamente o documento n° 5 da petição inicial.
Ou seja, o impugnante procurou produzir contraprova a respeito dos factos alegados pela administração tributária (AT), destinada a torná-los duvidosos. Sucede, no entanto, que a prova produzida não logrou tornar os factos em causa duvidosos, não tendo abalado a credibilidade das análises efectuadas no laboratório da impugnada, pelos motivos que mais adiante se explicitarão com maior detalhe.
Relativamente ao facto não provado 2), importa começar por esclarecer que o impugnante reconhece que a sua contabilidade padecia de um "erro processual'. Isto significa que não há nenhuma controvérsia entre as partes quanto aos pressupostos de facto em que a impugnada fez assentar a sua actuação: a impugnada afirma que detectou uma divergência entre as existências físicas e a contabilidade de existências e o impugnante confirma que tal divergência existia. O impugnante avança, no entanto, com uma justificação para tal divergência: foi feita uma lota de refresco de 2.000 litros na cuba 8E, não tendo os respectivos movimentos sido imediatamente reflectidos nas respectivas contas correntes, dada a azáfama com a preparação de uma viagem para promoção de vinhos no distribuidor do Algarve.
Para prova do alegado, o impugnante arrolou testemunhas e juntou documentos, nomeadamente os documentos n°s 6, 7 e 8 da petição inicial, prova esta que também não logrou convencer o Tribunal da realidade do alegado.
Vejamos porquê.
CC, enólogo de profissão, disse conhecer e prestar serviços de consultadoria ao impugnante há mais de 10 anos. Esta testemunha demonstrou não ter conhecimento directo dos factos controvertidos nos autos: não esteve presente nos varejos, nem na lota de refresco alegadamente realizada no dia 18-03-2016. 0 seu depoimento assumiu um carácter genérico e, em boa medida, pericial. A testemunha referiu, a propósito do resultado da análise feita ao líquido contido na cuba 8, que os valores do metanol são muitos baixos para uma bebida alcoólica comercial e que a análise não apresenta resultados para o parâmetro densidade, sendo que as análises do IVDP são mais exaustivas. A testemunha não deixou, no entanto, de referir que o nível de exaustividade das análises do IVDP “provavelmente não é o que se pede aqui' e acrescentou ainda que, em face dos resultados da análise, o líquido em causa poderia ser uma bebida embora não lhe fosse possível, na ausência de outros parâmetros de análise, determinar que tipo de bebida de origem vitícola seria em concreto.
DD, enólogo de profissão, funcionário do impugnante desde 2005, disse ter acompanhado o varejo realizado em Setembro de 2015. Esta testemunha também referiu que o líquido contido na cuba 8 apresentava grande pureza em metanol, que as análises do IVDP são mais complexas e que a análise efectuada pelo laboratório da AT não continha certos parâmetros, tal como a densidade. No que se refere à quebra de 2.153 litros de aguardente vínica referida no RIA, a testemunha disse que deu ordem para ser realizada uma lota de refresco e que por lapso se esqueceu, porque estava a preparar uma viagem de promoção de vinhos ao Algarve, de entregar a ordem de serviço à pessoa responsável pela actualização das contas correntes. No que se refere ao facto não provado 3), nada disse.
EE, engenheira agrícola, funcionária do impugnante desde 2010, referiu que acompanhou o varejo de Setembro de 2015, mas não o de Março de 2016 porque tinha ido a uma feira no Algarve. A testemunha explicou que é a responsável pela gestão das contas correntes e que não procedeu ao lançamento dos movimentos referentes à lota de refresco porque ninguém lhe deu a informação acerca da sua realização. Mais esclareceu que também elabora as DIC Declaração de introdução no consumo: artigo 10º do CIEC (nota do relator) e os e-DA Documento de Acompanhamento electrónico: cf. artigo 25º do CIEC (nota do relator).
GG, adegueira, funcionaria do impugnante desde 2008, referiu que acompanhou o varejo de Março de 2016, mas não o de Setembro de 2015. A testemunha explicou, de um modo geral, as suas funções e o modo de funcionamento do entreposto. Com referência aos factos 2) e 3), nada disse.
HH, empregado de armazém, funcionário do impugnante desde 2004, referiu que prepara o vinho para ser engarrafado e que era ele quem realizava as lotas de refresco mediante as instruções que lhe eram dadas pelo Eng.° DD. Mais referiu que foi ele quem realizou a lota de refresco no dia 18-03-2016, embora não tenha sido capaz de identificar as cubas em causa pelos respectivos números.
Vista a prova testemunhal no seu conjunto, temos então que, relativamente ao líquido contido, em 22-09-2015, na cuba 8, apenas DD poderia ter conhecimento concreto e directo acerca do mesmo (nomeadamente por ter procedido à sua análise uns dias antes), já que todas as restantes testemunhas apenas demonstraram ter um conhecimento geral acerca do tipo de produtos existentes no entreposto do impugnante; e quanto à lota de refresco, só DD e HH poderiam ter conhecimento concreto e directo acerca da sua realização (note-se, a este propósito, que a testemunha EE apenas disse que procede ao registo da informação que lhe é comunicada pelo DD, ou seja, não tem intervenção directa na realização das lotas de refresco).
Ora, a prova testemunhal, sendo proveniente exclusivamente de pessoas que apresentam uma relação de dependência económica face ao impugnante, bem como a prova documental, consistente em documentos particulares elaborados pelo próprio impugnante, não é de molde, dada a ausência de outra prova corroborante (testemunhal, documental ou outra) proveniente de pessoas ou entidades independentes face ao impugnante, a criar no Tribunal uma convicção segura quanto à realidade do alegado, o que é ainda reforçado pela circunstância dos depoimentos prestados, e especialmente o depoimento da testemunha DD, não se terem mostrado isentos e descomprometidos.
Ademais, no que se refere ao documento n° 5 da petição inicial, a sua credibilidade fica ainda abalada não só pela circunstância de nunca ter sido apresentado durante o decurso do procedimento inspectivo, mas, sobretudo, por o impugnante sempre ter dito aos técnicos aduaneiros que não dispunha de elementos que permitissem classificar qualitativamente as bebidas alcoólicas, nem tão-pouco ter referido a existência de análises laboratoriais internas (cfr. a informação prestada pelos SIT no âmbito da reclamação graciosa, inserta a fls. 117-118 do SITAF; esta informação constitui, pelos motivos que já se expuseram, um documento autêntico, cuja força probatória não foi abalada, dado que nem sequer foi alegado que o descrito na informação não correspondesse à verdade).
Por outro lado, o impugnante refere na petição inicial que “para se produzir uma bebida espirituosa com este valor de álcool seriam necessários cerca de 7000L de aguardente vínica (...), que inexistiam no entreposto (note-se que de acordo com o varejo a aguardente estava correcta)". Ora, não é verdade que de acordo com o varejo a aguardente estivesse correcta. De facto, atentos os factos descritos no RIT, relativamente aos quais nada em contrário foi referido pelas testemunhas, há dúvidas fundadas de que a aguardente estivesse correcta, nomeadamente quanto à movimentação, em 22-09-2015, de 9.500 litros de aguardente Vínica da cuba 69F para a cuba 70F (motivo pelo qual também se deu o facto 3) como não provado).
Foram estes, em suma, os motivos que levaram o Tribunal a dar os factos 1) a 3) como não provados.
A restante matéria alegada não foi julgada provada ou não provada por não ter relevância para a decisão da causa ou por não ser susceptível de prova, por se tratar de considerações pessoais ou de conclusões de facto ou de direito.»

Voltemos ao objecto do recurso:

1ª Questão
A sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 125º nº 1 do CPPT e 615º nº 1 al. b) do CPC, por lhe faltar a especificação dos fundamentos de facto da decisão, na medida em que não especifica quais factos constantes do relatório da Inspecção, transcrito na alínea C) da discriminação dos factos provados, são julgados como provados e como relevantes para a decisão?

Nesta alegação, o Recorrente labora numa confusão entre o facto efectiva e imediatamente dado como provado, por um lado – a saber, a emissão do relatório inspectivo, com determinado conteúdo – e, por outro lado, os factos que nesse relatório foram noticiados ou até dados como provados, pela ATA, em ordem à emissão, pela mesma ATA, das liquidações impugnadas.
Ora, o facto imediatamente dado como provado – a emissão do relatório como determinado conteúdo – é individual e concreto. Os factos aí noticiados e dados como provados e as provas documentais aí elencadas, ou melhor, o relato aí feito dos factos e as alusões aos documentos que o acompanham, integram a fundamentação de facto e de direito dos actos impugnados, são parte integrante e indefectível desse único facto, julgado como provado.
Portanto, não há aqui qualquer generalidade ou falta de especificação de fundamentos de facto da sentença.
É certo que determinados factos relatados no Relatório da Inspecção Aduaneira (RIA) são também necessários para o juízo do Tribunal sobre a legalidade dos actos impugnados. Também convimos em que, de um ponto de vista formal, à mera transcrição do RIA deveria a acrescer uma enunciação desses factos. Contudo isso resultaria numa fastidiosa re-transcrição do RIA, pelo que, de um ponto de vista prático, é de considerar bastante a transcrição das partes do RIA que contenham a referência do direito supostamente aplicado pela Inspecção e dos factos julgados relevantes para a apreciação da legalidade do acto impugnado.
Ora a sentença recorrida faz isso mesmo e vai, até, mais longe, pois não só selecciona as partes do RIA que contêm as noticias e as invocações dos meios de prova dos factos julgados relevantes, quer mediata quer medianamente, quer directa quer contextualmente, para a decisão pela improcedência da impugnação, como especifica autonomamente como provado, em alínea própria, o facto no qual em último termo se baseia uma parte substancial das liquidações impugnadas: a existência de 9 800 l, na cuba 8, aquando do varejo de 22/9/2015, de uma bebida alcoólica com mais de 54%.
Tanto basta para improceder a arguição de nulidade da sentença subjacente a esta questão.

2ª Questão
A sentença recorrida também é nula por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 125º nº 1 do CPPT e 615º nº 1 alª d) do CPC, por ter declinado pronunciar-se relativamente à alegação de que na recolha das amostras da cuba 8 não foram observadas as regras técnicas?

Tem sido jurisprudência uniforme deste TCAN que não incorre em nulidade por omissão de pronúncia a sentença que declinar expressa e fundamentadamente a apreciação de certa questão submetida pelas partes.
Na verdade, dizer que determinada questão não será apreciada (é dizer, quanto ao mérito) por esta ou aquela razão de direito, já constitui uma pronúncia sobre a mesma. Pode, isso sim, haver erro de julgamento em matéria de direito ou de facto na decisão de não apreciar essa questão. Isso, veremos.
Como assim, a arguição de nulidade da sentença recorrida por expressamente ter recusado a apreciação da questão inerente à alegação de que na recolha das amostras da cuba 8 não foram observadas regras técnicas, improcede.

3ª Questão
A sentença padece, ainda, de nulidade, nos termos dos artigos 125º nº 1 do CPPT e 615º nº 1 alª d) do CPC, por ter omitido qualquer pronúncia sobre a prova de factos alegados nos artigos 9º, 11º, 13º, 14º, 15º, 16º e 38º da Petição e factos complementares e ou concretização destes, que resultaram da discussão da causa, designadamente da inquirição das testemunhas e sobre os quais a Impugnada teve toda a possibilidade de se pronunciar ao longo das várias sessões do julgamento, pelo que era devida a pronúncia do Tribunal, conforme artigos 608º nº 2 e 5º nº 2 alª b) do CPC ?

Quanto a esta alegação, de nulidade da sentença por omissão de pronuncia relativamente e factos alegados e não alegados mas atendíveis pelo Juiz na sentença, nos temos do artigo 5º nº 2 do CPC, quid juris?
Temos vindo a entender, no encalço de, entre outros, Jorge Lopes de Sousa Cf. anotação ao artigo 125º do CPPT, no CPPT anotado, 6ª edição, II volume, pág. 360:
“8 - Omissão ou deficiência parcial na indicação da matéria de facto.
Como se deduz do que ficou referido, quanto à falta de indicação da matéria de facto provada ou deficiência, obscuridade ou contradição, a nulidade existirá mesmo que se trate de uma omissão ou deficiência parcial.”, que a falta de especificação como provados ou não provados, com a respectiva fundamentação, de factos atendíveis para a discussão da causa em alguma solução plausível desta constitui nulidade da sentença, nos termos do nº 1 do artigo 125º do CPPT, por falta parcial da fundamentação de facto da decisão, embora possa ser nulidade apenas parcial e ou suprível nos termos dos artigos 662º nº 1 e ou 665º nº 1 do CPC.
Assim, entendemos que não está em causa, na questão ora sub judices, uma nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre questões que devessem ter sido apreciadas, mas sim uma nulidade da sentença – que pode ser parcial, se não afectar o sentido do dispositivo – por falta parcial de especificação fundamentada de alguns dos factos atendíveis pelo tribunal na discussão e na decisão da causa, nulidade, aliás, nem sempre determinante da baixa do processo à 1ª Instância, atentos os poderes/deveres conferidos ao Tribunal de recurso pelo disposto nos artigos 662º nº 1 e 665º nº 1 do CPC.
Mas que factos são esses, em abstracto, que o Tribunal deve atender e, portanto, especificar, na sentença, como provados ou não provados?
Nos termos do artigo 123º nº 2 do CPPT, na sentença tributaria o juiz “discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões”.
Matéria provada e não provada a discriminar haverá de ser, logicamente, aquela que, alegada pelas partes, releva para a discussão da causa em qualquer das soluções plausíveis do litígio, designadamente as soluções sustentadas pelas partes. Tal é o que decorre do artigo 5º nºs 1 e 2 do CPC. Da norma constituída por estes dois números resulta, também, que o juiz deve ter ainda em consideração e, portanto, discriminar como provados nos termos do sobredito artigo 123º, factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos alegados, desde que, quanto a estes últimos, as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar.
Não se diga que basta a menção dos factos provados suficientes para a decisão preconizada pelo tribunal.
Na verdade, se o direito ao contraditório é um direito processual que acaba por se filiar num direito liberdade e garantia constitucional (artigo 20º nº 1 da Constituição) é dever do juiz pronunciar-se fundamentadamente sobre a prova de todos os factos alegados e relevantes, ainda que só do ponto de vista de uma parte, de modo a que esta possa exercer o contraditório também quanto à solução jurídica por si preconizada para o litígio.
Esta afirmação carece, contudo, de uma advertência sobre o que não é silêncio da sentença em matéria de facto: assim, quando da prova de um facto, devidamente fundamentada, resulta logicamente a não prova de outro, também ele alegado, o que sucede, verdadeiramente, é haver pronúncia, tácita, mas clara, e até fundamentada, pela não prova deste, não sendo, assim, indispensável, para cumprir com o artigo 123º citado, uma expressa referência à sua não prova.
Já os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por integrarem a própria tramitação do processo, esses, não carecem de ser discriminados, dado que a sua prova é do conhecimento de qualquer das partes e não carece de contraditório.
Assim, para que o tribunal recorrido se deva pronunciar sobre a prova ou a não prova de quaisquer factos é necessário que os mesmos tenham sido alegados ou que ao menos sejam instrumentais, complementares ou concretização dos alegados, tendo a sua prova resultado da instrução da causa e, sendo complementares ou concretização, tenham as partes tido a possibilidade de quanto a eles se pronunciarem.
In casu, segundo o Recorrente, a omissão de especificação de factos teria como objecto um conjunto de factos provados constituído, desde logo, pelos alegados nos artigos 9º, 11º, 13º, 14º, 15º, 16º e 38º da Petição e factos complementares e ou concretizadores destes, que resultaram da discussão da causa, designadamente da inquirição das testemunhas (em confronto com documentos juntos com a Petição).
O teor daqueles invocados artigos da Petição é o seguinte:
“9º) As conclusões da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT) assentam em pressupostos de facto errados e ainda numa errada interpretação e aplicação da lei.”
“11°) Quanto aos 9800 Lts de bebida alcoólica com um teor alcoométrico superior a 54% vol. importa desde já esclarecer que esta bebida, com este teor de álcool nunca existiu no entreposto do Impugnante, nem sequer nada parecido.”
“13°) O método utilizado pela AT não é o utilizado nem pelo IVDP, nem pelo IVV.
14°) O método utilizado pela AT só é adequado para bebidas espirituosas, com elevada taxa de álcool e baixa quantidade de açúcares.
15°) Na análise em apreciação também faltam parâmetros para ter a certeza que o produto analisado foi um vinho licoroso ou qualquer outro tipo de bebida.”
“16°) A prova de que a análise não está correcta resulta desde logo de nem sequer se perceber que produto foi analisado, uma vez que não é consistente nem com um vinho licoroso, nem com uma bebida espirituosa.”
“38º) Em relação às amostras e aos álcoois, esses álcoois são todos falsos, diferentes dos registos internos do Impugnante e sem qualquer validade devido ao método utilizado, tal como com a análise da bebida espirituosa.”
Ora:
O objecto do artigo 9º é todo ele uma afirmação conclusiva, uma proposição de proposição, pelo que não se impunha nem era sequer possível qualquer raciocínio ou juízo probatório. Assim, não está em falta a sua discriminação como provado ou não provado.
Por sua vez, a prova do objecto do artigo 11º está directamente prejudicada pelo juízo probatório expresso na alínea I) da discriminação dos factos provados, pelo que tão pouco se pode dizer em falta a pronúncia sobre a sua prova.
Os artigos 11º, a 14º têm por objecto afirmações conclusivas, em matéria de facto. Na verdade, afirma-se a conclusão de que os métodos são diferentes, sem se indicar em que consiste cada método, de maneira que ninguém pode sindicar a validade ou acerto dessa conclusão. Portanto, tão pouco o respectivo teor é susceptível de um juízo probatório.
O artigo 15º padece da mesma inocuidade em matéria de facto: sem se saber que parâmetros foram medidos e que parâmetros, segundo a ciência e a técnica, deviam ter sido medidos trata-se de uma afirmação meramente conclusiva, insusceptível de um juízo probatório.
A prova do único facto contido no artigo 16º (o de que a análise do conteúdo da cuba 8 não está correcta) ficou prejudicada pela prova do já referido facto provado I) e pela sua fundamentação especifica, que reza, assim, recordemo-lo:
“A cuba 8 referida no RIA continha, no dia 22-09-2015, 9.800 litros de uma bebida alcoólica com um teor alcoométrico superior a 54% (cfr. resultado das análises laboratoriais - pág. 4 do RIA de fls. 40-87 e 170-200 do SITAF);”
Por fim, no artigo 38º alega-se genericamente, com referência a todas as amostras colhidas, se bem entendemos, o erro ou a falsidade deliberada dos teores alcoólicos dos líquidos armazenados e “varejados”, o que não só é uma alegação genérica, ainda que em matéria de facto, como está prejudicado pela prova do facto I).
Assim, face ao que acima adiantamos em tese geral, não há, na sentença recorrida, falta de especificação ou discriminação como factos provados ou não provados, do objecto dos sobreditos artigos da Petição.
Os restantes factos alegadamente ignorados pelo Mº Juiz a quo seriam, no dizer do Recorrente os que vêm discriminados na conclusão 33ª, a saber:
“a) O método utilizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira no varejo ao entreposto fiscal do impugnante não é nem o utilizado pelo IVDP nem o utilizado pelo IVV, afigurando-se menos exaustivo;
b) O método utilizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira só é adequado para bebidas espirituosas, com elevada taxa de álcool e baixa quantidade de açúcares, o que não é o caso das bebidas produzidas e comercializadas pelo impugnante;
c) As análises que tiveram por objecto as amostras de bebidas colhidas no entreposto fiscal do impugnante, designadamente a que se debruçou sobre a bebida contida na cuba nº 8, não avaliaram determinados parâmetros, tais como a densidade, o extracto seco e os açúcares redutores, que são importantes para se aferir do tipo de bebida que se está a analisar, nomeadamente para se determinar com maior precisão o seu teor alcoólico;
d) A análise laboratorial efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira à bebida contida na cuba nº 8 revelou um valor na substância “metanol” que é incomum em qualquer bebida de origem vitícola que se destine a ser introduzida no circuito comercial;
e) O vinho armazenado nas cubas vai estratificando com a passagem do tempo devido à diferente densidade dos seus compostos, com o mosto a depositar-se na parte inferior e o álcool, que tem menor densidade, a subir para a parte superior;
f) Os senhores fiscais alfandegários não procederam à homogeneização das cubas onde se encontravam armazenados os vinhos produzidos no entreposto fiscal previamente à recolha de amostras para análise laboratorial;
g) O impugnante dedica-se à comercialização de vinhos DOC Douro e vinhos licorosos cujo percentual alcoólico é bastante inferior a 54%.; e, por fim,
h) O entreposto fiscal do impugnante já foi objecto de outras inspecções, designadamente por parte do IVDP e do IVV, e nunca foi detectada uma bebida com as características das apresentadas pela bebida analisada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, mormente ao nível do percentual alcoólico.”
Segundo o próprio Recorrente, a razão por que tais factos deviam ter sido objecto de pronúncia como provados residiria em que, não só ficaram provados pela prova testemunhal em conjugação com os documentos por si juntos com a Petição como eram complementares e concretizadores daqueles outros, efectivamente alegados, constantes dos sobreditos artigos da PI.
O recorrente em lado algum explica e discrimina de que factos “principais” – alegados – considera ser complementar ou concretização, cada um destes outros.
De qualquer modo:
Quanto aos factos efectivamente alegados – os contidos nos artigos 11 a 16 e 38 – já vimos que houve pronuncia no sentido da sua não prova, por a sua prova ficar prejudicada pela prova de outro, pelo que também ficou prejudicada a relevância de qualquer facto que deles fosse, alegadamente, complementar ou concretização.
Quanto aos demais artigos, que, como vimos, não contêm factos concretos, mas conclusões insindicáveis em matéria de facto, precisamente porque não se trata de factos, tão pouco é possível estabelecer qualquer relação de complementaridade ou de concretização entre factos.
Tanto basta para se ter de concluir que tão pouco relativamente a estes outros factos ocorreu omissão na sua discriminação, como provados ou não provados, e respectiva fundamentação.
Pelo exposto, é negativa, também, a resposta a esta 3ª questão.



4ª Questão
A improcederem as alegações de nulidade da sentença, então, haverá que eliminar da decisão em matéria de facto a alínea C), que contém apenas a transcrição do relatório da Inspecção, pois não se afirma, ali, qualquer juízo de prova sobre qualquer facto concreto, já daí resultando a ilegalidade das liquidações, por inexistência de facto tributário?

Pelas mesmas razões, substantivas, por que concluímos que a alª C) da matéria de facto provada não padecia da indefinição apontada pela Recorrente, é negativa a reposta a esta questão.
Como vimos, o facto imediatamente julgado como provado é individual e concreto – a emissão de um RIA com determinado conteúdo – e na transcrição foi seleccionada a parte do RIA que continha a referência dos factos ali noticiados, considerados, pela AT, como provados e relevantes como pressuposto da legalidade das liquidações impugnadas, além de que se articulou autonomamente o facto I) fundamental para a legalidade das mesmas liquidações, tanto do ponto de vista da Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA) como do ponto de vista da Sentença que sindicou essa legalidade.

5ª Questão
Caso improceda a alegação de nulidade da sentença por falta de pronúncia sobre os factos a que se refere a questão 3ª (os alegados e os complementares e ou concretizadores) então ter-se-á de concluir que essa mesma falta de selecção de factos provados e a todos os títulos relevantes para a decisão da causa consiste outrossim num erro de julgamento e em violação dos artigos 608º nº2 e 5º nº 2 alª b) do CPC, importando aditar à discriminação da matéria de facto as proposições constantes da conclusão 33ª?

Na apreciação da questão 2ª não divergimos da qualificação, como nulidade da sentença, de uma eventual falta de pronúncia sobre a prova de factos atendíveis pelo juiz a quo para a decisão do pleito.
Concluímos, porém, que essa alegada falta de pronúncia não ocorria, por a pronúncia não ser devida.
Assim sendo, a resposta a esta questão está prejudicada pela resposta dada à questão 2ª.

6ª Questão
Caso proceda a alegação de que está em falta, na sentença recorrida, uma pronúncia sobre a prova ou não prova dos factos a que se refere a questão 3ª, estão, os mesmos, provados pelos segmentos dos depoimentos das testemunhas indicados na conclusão 34?

Esta questão está imediatamente prejudicada pela resposta dada à questão 3ª.

7ª Questão
Em face das causas de nulidade da sentença a que se referem as questões 1ª a 3ª, deve o processo baixar à 1ª instância, nos termos do artigo 684º nº 2 do CPC, com vista ao suprimento, se possível pelo mesmo juiz, das apontadas faltas de pronúncia?

Como vimos, não ocorreu qualquer falta de concretização (designadamente na alínea C) nem qualquer falta de selecção de factos relevantes para a decisão da causa. Assim, no que toca, antes de mais, às causas de nulidade pressupostas nas questões 1ª e 3ª, esta questão está liminarmente prejudicada.
Já assim não será quanto à dita causa da nulidade arguida na questão 2ª, à qual subjaz a alegação de uma omissão de pronúncia sobre a alegação de que de que na recolha das amostras da cuba 8 não foram observadas as regras técnicas.
É que, se é certo que o Mº Juiz a quo se pronunciou sobre a questão supostamente emergente da alegação de que “na recolha das amostras da cuba 8 não foram observadas as regras técnicas?” decidindo não a apreciar, também é certo que deixou de a apreciar de meritis, com o que pode ter incorrido em erro de direito, designadamente por, diversamente do seu entendimento, a pronuncia ser juridicamente devida.
Assim, há que retomar, segundo a melhor hermenêutica da declaração negocial, o ponto de vista do Recorrente, o que conduz a interpretar esta questão no sentido de que ela se refere, aqui, não à omissão de pronúncia, como a entendemos supra – omissão que não aconteceu – mas à falta de apreciação de meritis, daquela alegação.
Esta falta de apreciação, a constituir, tal alegação, efectivamente uma questão – e de uma questão que cumpria, afinal, apreciar – resultaria num erro de direito, não na nulidade da sentença, mas nem por isso deixaria de ter de ser atendida e remediada por este tribunal de apelação, fosse mediante a decisão em substituição do tribunal recorrido, nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 665º do CPC, fosse nos termos pretendidos pelo recorrente, ocorrendo qualquer das situações previstas no nº 2 do artigo 662º, ambos do mesmo diploma.
Assim, importa ver, antes de tudo, se era devida a apreciação, de meritis, da alegação de que na recolha das amostras da cuba 8 não foram observadas as regras técnicas.
O Mº Juiz a quo fundamentou a sua decisão em sentido negativo, nos seguintes termos:
“Importa, no entanto, fazer notar que o impugnante veio, em sede de alegações pré-sentenciais, alegar matéria de facto nova. Efectivamente, lidas as alegações pré-sentenciais, constata-se que o impugnante afirma que as testemunhas explicaram que o varejo que sustentou a liquidação do imposto não foi efectuado correctamente, não se tendo usado as técnicas e ferramentas adequadas, quer no apuramento do grau alcoólico, quer na verificação das quantidades, o que tudo interferiu nos resultados obtidos" (art.° 5o das alegações); de seguida acrescenta que “tais deficiências - desconsideração do parâmetro “densidade", não homogeneização do produto, etc. (...) são susceptíveis de comprometer, irremediavelmente, a fiabilidade dos resultados obtidos (...) sendo certo que quem efectua o varejo é que tem a obrigação de zelar pela observância das regras técnicas (art.° 6° das alegações) e conclui então do seguinte modo: “De modo que, demonstrado que ficou o incumprimento de regras técnicas, e não tendo a impugnada demonstrado que daí não resultou qualquer prejuízo para os resultados obtidos, é manifesto que a liquidação enferma de ilegalidade por falta de demonstração dos factos que a poderiam legitimar” (art.° 7° das alegações).
Esta alegação - de que na recolha das amostras na cuba 8 não foram observadas as "regras técnicas” - constitui alegação nova, dado que em sede de petição inicial não lhe foi feita nenhuma alusão.
Adicionalmente, a ter havido incumprimento das “regras técnicas" de recolha de amostras, tal constituiria um facto essencial que integra a causa de pedir, pelo que deveria o mesmo ter sido alegado na petição inicial, sob pena de preclusão (art.°s 13°, n° 1, in fine ['factos que lhes seja lícito conhecer'] e 108°, n° 1, ambos do CPPT e art.° 5°, n° 1, do CPC).
É que no contencioso tributário de anulação a causa de pedir consiste nos “vícios específicos que se invocam para obter o pretendido efeito invalidante do acto impugnado'. Assim, sabendo-se que “os vícios do acto tributário são simples formas específicas de ilegalidade, será sempre de atentar que, em contencioso de anulação, a causa de pedir consiste no facto ou factos integradores do vício ou vícios imputados ao acto impugnado, ou seja, consiste na concreta realidade de facto subsumível à invocada ilegalidade inquinadora da validade do acto impugnado. Daí que o tribunal, sendo embora livre na qualificação jurídica dos factos, só possa conhecer de vícios do acto impugnado cujos factos constitutivos tenham sido alegados pelo impugnante, sob pena de cometer a nulidade [de excesso de pronúncia]' (cfr. acórdão do TCAS de 14-05-2002, proferido no processo n° 1707/99, em que foi relatora Dulce Neto; vd., em sentido idêntico, o acórdão do STA de 21-01-2015, proferido no processo n° 0152/13, em que também foi relatora Dulce Neto: “Com efeito, decorre do preceituado na parte final n° 1 do art. 1080 do CPPT, que é na petição inicial do processo de impugnação que o autor tem de expor as razões de facto e de direito que fundamentam o pedido, salvo se supervenientes ou de conhecimento oficioso. É nessa peça processual que tem de alegar os factos integrantes da causa de pedir (que no contencioso de anulação consiste no comportamento concreto da Administração violador das normas jurídicas, nos factos integradores dos vícios imputados ao acto impugnado) e de delinear o pedido que dessa causa de pedir decorra’).
Diga-se, ainda, que nunca tendo sido confrontada com um alegado incumprimento das "regras técnicas”, mormente em sede de petição inicial, não se vislumbra como poderia a impugnada ter “demonstrado que daí não resultou qualquer prejuízo para os resultados obtidos”.
Em face do exposto, não estando em causa factos subjectivamente supervenientes nem matéria de conhecimento oficioso, o Tribunal não tomará posição sobre a mesma, já que as alegações previstas no art.° 120° do CPPT destinam-se a discutir a matéria de facto e as questões jurídicas que são objecto do processo (cfr. acórdão do STA de 25-09-2013, proferido no processo n° 0895/13; vd., em idêntico sentido, Jorge Lopes de Sousa, in CPPT Anotado e Comentado. Vol. II, Áreas Editora, 6a ed., pp. 297-298).»
O CPPT não dispõe exaustivamente sobre o que deve ser a forma e a substância de uma sentença tributária (cf. o artigo 123º). Portanto – artigo 2º do CPPT – em tudo o ali não previsto rege o CPC. No artigo 608º nº 2 deste diploma, sob a epígrafe “questões a resolver – ordem do julgamento” dispõe-se que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Muito se tem escrito na doutrina e na jurisprudência sobre o que é e não é uma questão, para os efeitos desta norma.
No encalço de, entre outros, José Alberto dos Reis, (CPC, anotado, I Vol. págs. 284, 285 e V Vol. pág. 139) “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”. tem havido neste TCAN consenso no sentido de que nem toda a alegação que suporta o pedido constitui uma questão para aqueles efeitos.
Em desenvolvimento dessa jurisprudência, entendemos que “questão” é uma parte do objecto da acção, em último termo, uma destacável causa de pedir fáctico-jurídica: não se pode confundir com cada argumento aplicado na apologia da solução que a parte preconiza para uma questão, nem com cada facto individual que constitua seu pressuposto.
Por outro lado, a resposta a uma questão de direito suscitada pela parte impugnante pode residir tanto numa resposta directa como na solução dada à causa e sua fundamentação. Por isso, embora não apenas por isso, é que o acima citado artigo 608º nº 2 exclui do dever de pronúncia expressa as questões “cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Também importa ter presente algo que nem a recorrente discute, a saber: é nos articulados que se delimita o objecto do processo, pelo que é neles – não já nas alegações finais, sejam escritas ou verbais – que se há de encontrar as questões que compõem esse objecto.
Aplicando estes conceitos ao caso concreto, há que ver, antes de mais, revisitada a Petição Inicial, se a matéria de facto e de direito aí alegada constitui em questão autónoma, a se stante, a alegação de que na recolha das amostras da cuba 8 não foram observadas as regras técnicas.
A questão alegadamente ignorada vem exposta, nas alegações escritas finais, nos seguintes termos:
“5ª
No que concerne à “bebida espirituosa”, as testemunhas explicaram que o varejo que sustentou a liquidação do imposto não foi efectuado correctamente, não se tendo usado as técnicas e ferramentas adequadas, quer no apuramento do grau alcoólico, quer na verificação das quantidades, o que tudo interferiu nos resultados obtidos.

Tais deficiências - desconsideração do parâmetro “densidade”, não homogeneização do produto, etc. -, claramente apontadas pelas testemunhas, nomeadamente pelos Engenheiros CC e DD, pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos na matéria, são susceptíveis de comprometer, irremediavelmente, a fiabilidade dos resultados obtidos aquando da acção inspectiva de 22.09.2015, desde logo, no que contende com a determinação do grau alcoólico da “bebida espirituosa” armazenada na cuba n° 8, sendo certo que quem efectua o varejo é que tem a obrigação de zelar pela observância das regras técnica e, naturalmente, é quem está em melhores condições de demonstrar que tais regras foram observadas, respondendo, pois, pela fiabilidade dos resultados finais.

De modo que, demonstrado que ficou o incumprimento de regras técnicas, e não tendo a Impugnada demonstrado que daí não resultou qualquer prejuízo para os resultados obtidos, é manifesto que a liquidação enferma de ilegalidade por falta de demonstração dos factos que a poderiam legitimar.”
Segundo o Recorrente, a “questão” ignorada encontrar-se-ia contida, ao menos substancialmente, nos artigos 9º, 11º, 13º, 14º, 15º, 16º e 38º, que já transcrevemos.
Vejamos:
Nos artigos 9º, 11º e 12º impugna-se, digamos assim, o facto dado como provado pela AT com fundamento nas análises em causa, de que a cuba 8 continha 9 800 l de uma bebida espirituosa com mais de 54 graus, sustentando-se que o resultado é errado ou “falso”, mas não se alega que tal se deva a não terem sido respeitadas quaisquer regras técnicas no varejo, mais concretamente na recolha das amostras da cuba 8.
No artigo 12º alega-se um facto que, como já vimos, ficou prejudicado pela prova do facto I) e que em si mesmo nada tem a ver com a alegação de que não terão sido respeitadas quaisquer regras técnicas na recolha das amostras da cuba 8.
No artigo 13º alega-se que o método usado pela ATA não é o utilizado pelo IVDP Instituto dos Vinhos do Douro e Porto, I.P., nem pelo IVV Instituto da Vinha e do Vinho, I.P., o que não implica a violação de regras técnicas no método utilizado pela Inspecção.
No artigo 14º alega-se que o método utilizado só é adequado para bebidas espirituosas com determinadas características (alta graduação alcoólica e baixa quantidades de açúcares) mas não que na recolha das amostras da cuba 8 não tenham sido seguidas quaisquer regras técnicas.
No artigo 15º alega-se que na análise do conteúdo da cuba 8 faltam indeterminados parâmetros, mas não que na recolha das amostras ou até na análise das mesmas não tenham sido respeitadas quaisquer regras técnicas.
No artigo 16º insiste-se em que a análise não está correcta, pois o produto não é consistente, quer com um vinho licoroso quer com uma bebida espirituosa, mas tão pouco se alega que não foram seguidas quaisquer regras técnicas na recolha do objecto.
No artigo 38º alega-se genericamente, com referência a todas as amostras colhidas, se bem entendemos, a falsidade dos teores alcoólicos obtidos mediante as análises, devido ao ignoto método utilizado, mas tão pouco aqui se alega que não tenham sido seguidas quaisquer regras técnicas na recolha das amostras.
Sendo assim, temos de concluir que a alegação de que não foram respeitadas (ignotas) regras técnicas na recolha das amostras da cuba 8 não constituía uma questão suscitada na devida sede processual (a petição inicial), em termos de dever ser apreciada especificadamente na sentença recorrida.
Note-se que, quanto à alegação, próxima desta outra, de uma inadequação e do consequente erro nos resultados do (indeterminado) método utilizado na análise do conteúdo da cuba 8 (alegadamente, apenas vinho moscatel com 17.5 graus e não a bebida espirituosa com teor alcoólico superior a 54 graus), pronunciou-se a sentença, designadamente na discussão da matéria de facto, expondo os motivos por que o Mº Juiz a quo entendeu que a prova testemunhal e documental produzida nesse sentido pelo Recorrente não abalara suficientemente a prova de que os resultados da análise feita pela inspecção eram correspondentes à realidade: cf. a alª i) dos factos provados, a “Motivação” da decisão de facto, acima transcrita, parágrafos 8º a 9º e, depois, a apreciação analítica e sintética dos depoimentos das testemunhas.
Pelo exposto, julgamos que bem andou o Tribunal a quo em não ter apreciado especificamente a alegação de que que na recolha das amostras da cuba 8 não foram observadas as regras técnicas, pelo que a resposta a esta questão é negativa.

8ª Questão
Em consequência da prova dos factos alegados nos artigos 9º, e 11 a 16º e 38º da Petição Inicial e dos factos complementares e ou concretizadores deles, enunciados na conclusão 33ª do recurso, em conjugação com o documento constituído pelo “boletim de análise final interno” (doc. 5 da petição inicial), que não foi impugnado e foi confirmado pelas testemunhas mencionadas nas conclusões 40ª a 42ª, pelo que tem o valor probatório do artigo 376º nº 1 do CC, conclui-se que o Tribunal a quo sobrevalorizou indevidamente o relatório das análises laboratoriais feitas pela Inspecção – repleto de erros de cálculo que valeram a revisão graciosa das liquidações em dezenas de milhares de Euros – em consequência do que errou no julgamento de matéria de facto ao dar como provado o facto da alª I) da discriminação dos factos provados e ao dar como não provado o facto 1 da discriminação dos factos não provados?

É mister notar, antes de tudo, que o RIA não está em discussão na parte e na medida do erro de aritmética (não propriamente técnico ou bioquímico) em boa hora suprido pela decisão que apreciou a reclamação graciosa conforme vem descrito nas alíneas F) e G) da discriminação doa factos provados.
Depois, uma parte dos pressupostos desta questão – que estariam provados e seriam atendíveis os sobreditos e assim chamados factos – está prejudicada pela resposta à questão 3ª. Daqui não decorre, porém, que a presente questão não possa ser apreciada, se bem que apenas em função da parte não prejudicada dos seus pressupostos.
Assim, há que apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento em matéria de facto, designadamente de apreciação das provas produzidas quanto aos factos “I)” provado e “1” não provado, atenta a força probatória do documento 5 junto com a petição, não impugnado e reconhecido como correspondente à realidade pelas testemunhas DD, minutos 00:32:29 a 01:30:09, e EE, minutos 01:31:16 a 01:56:21), e de 28.02.2022, com a ref.ª SITAF 006550966 (GG, minutos 00:09:02 a 00:26:40), assim “demolidoramente” desvalorizados.
Como este TCAN tem vindo uniformemente a entender, os princípios da oralidade e imediação e da livre apreciação da prova (artigos 590º a 606º e 607º nº 5 do CPC) implicam que o julgamento do recurso em matéria de facto, quanto à apreciação de provas que não sejam prova legal, não é um julgamento, ex novo, em que se possa fazer tábua rasa do julgamento do juiz da 1ª instância que, esse sim, viu, ouviu e apreciou com imediação o depoimento de testemunhas e declarantes, antes deve ficar-se pela detecção do erros de julgamento revelados pelas “regras da experiência comum” ou logicamente demonstráveis.
Em coerência com este entendimento e para obviar à perplexidade de não haver um objecto concreto e definido para a crítica da decisão de facto, o artigo 640º do CPC, aqui aplicável ex vi artigo 281º do CPPT, faz impender sobre o recorrente em matéria de apreciação da prova o ónus de delimitar positivamente factos indevidamente provados ou indevidamente não provados, decisão que devia ter sido tomada e meios de prova determinantes, chegando ao ponto de lhe impor, no caso da prova verbal gravada (com é o caso) sob pena de “imediata rejeição (…) do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº 2 alª a).
Sucede in casu que, conforme se pode retirar da própria enunciação da questão, o Recorrente, embora sustente com racionalidade os motivos e as provas por que entende que o facto provado I) deveria ter sido julgado não provado e o não provado 1 devia ter sido julgado provado, não logra demostrar, com a invocação dos sobreditos meios de prova, que fosse uma necessidade lógica a decisão oposta, ou que o Mª Juiz a quo tenha incorrido em flagrante ou grosseiro erro de valoração desses meios de prova documental e testemunhal invocados, ao decidir como decidiu. No fundo, apenas se discorda da valoração feita e da desvalorização dos testemunhos, expressamente assumida e fundamentada, aliás, na motivação.
Também não procede qualquer alegação de violação de força probatória legal do doc. 5 junto com a PI que se possa considerar vir feita na invocação do artigo 376º nº 1 do CC. Como não pode deixar de ser, a força probatória aí reconhecida ao documento particular não impugnado tem por objecto as declarações atribuídas, no documento, aos sujeitos emissores, já não o objecto das declarações ou da narrativa declarada ou subscrita por aqueles. Assim, quanto a estes factos o valor probatório do documento 5 não era maior do que o do depoimento de quem o assinara.
Pelo exposto, é negativa a resposta a esta questão.

9ª Questão
Atenta a prova dos mesmos factos referidos na 3ª questão, em conjugação com os documentos nºs 6, 7 e 8 da Petição Inicial, que não foram impugnados e portanto têm a força probatório atribuída pelo artigo 376º nº 1 do CC, e com os depoimentos das testemunhas referidas na conclusão 46ª, que, entre o mais, confirmam a cabal explicação ab initio dada para a grande quebra na conta corrente da aguardente vínica que se verificava aquando do “varejo” de 21/3/2016, é forçoso concluir que o Tribunal a quo também errou no julgamento de facto ao dar como não provado o facto 2 da discriminação dos factos não provados, já que a decisão devia ter sido a de o dar como provado?

Valem aqui, mutais mutandis, todas as considerações feitas em fundamentação da resposta negativa à questão anterior, que apenas diverge desta no facto concreto e nos meios concretos de prova invocados, mas já não na insuficiência dos mesmos para se ter de concluir por um erro lógico ou por um flagrante erro de valoração dos meios de prova invocados.

10ª Questão
Em consequência dos erros de julgamento de facto objecto das anteriores questões, a Sentença recorrida errou no julgamento de direito ao confirmar na ordem jurídica a ocorrência do facto tributado e as liquidações impugnadas, pelo que deverá ser revogada e substituída por acórdão deste tribunal a determinar a anulação daquelas?

Atenta a resposta negativa a todas as alegações de erro de facto, e posto que a alegação do erro no julgamento de direito se apoiava exclusivamente em erros em matéria de facto, a resposta a esta final questão também só pode ser negativa.

Conclusão
Face a tudo o exposto, o recurso improcede totalmente.

Dispositivo
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente, em ambas as instâncias: artigo 527º do CPC.
Porto, 26/10/2023

Tiago Afonso Lopes de Miranda
José António Oliveira Coelho
Maria da Conceição Pereira Soares