Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00306/19.5BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/19/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ANULAÇÃO DO ACTO DE DEFERIMENTO DO SUBSÍDIO DE DOENÇA REFERENTE A INCAPACIDADES TEMPORÁRIAS PARA O TRABALHO;
FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO;
ACUMULAÇÃO DE ATIVIDADE PROFISSIONAL COM A ATRIBUIÇÃO DO SUBSÍDIO DE DOENÇA;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA» instaurou acção administrativa de impugnação de acto administrativo contra o Instituto da Segurança Social, I.P., ambos melhor identificados nos autos, visando a impugnação do Despacho proferido, em 5 de dezembro de 2018, pela Directora de Núcleo de Prestações de Doença e Parentalidade do Centro Distrital de ... da Segurança Social, que determinou a anulação do acto de deferimento do subsídio de doença referente às incapacidades temporárias para o trabalho, nos períodos de 01/06/2014 a 14/10/2014, 09/01/2017 a 09/07/2017 e 13/10/2017 a 08/12/2017.
Concluiu, pedindo a anulação do Despacho impugnado.
Por decisão proferida pelo TAF de ... foi julgada procedente a acção e anulado o acto administrativo praticado pela Directora do Núcleo de Prestações de Doença e Parentalidade do Centro Distrital de ... da Segurança Social, em 05.12.2018, que determinou a anulação do acto de deferimento do subsídio de doença referente às incapacidades temporárias para o trabalho, nos períodos de 01/04/...44 a 14/10/2014, 09/01/2017 a 09/07/2017 e 13/10/2017 a 08/12/2017.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Réu formulou as seguintes conclusões:
1. O ato administrativo encontra-se totalmente fundamentado, quer de facto, quer de direito, já que, no que toca à clareza e suficiência, tendo como padrão um destinatário normal, ficou o Autor habilitado a defender conscientemente os seus direitos e interesses legítimos/legalmente protegidos.

2. Sendo a fundamentação um conceito relativo, que depende de vários fatores, designadamente do tipo legal de ato, dos seus antecedentes e de tudo aquilo que possibilite aos seus destinatários ficar a saber a razão de ser dessa decisão, considera-se suficiente quando o seu destinatário demonstra ter compreendido os motivos determinantes daquele, dos quais se limita a discordar, isto é, quando permite que se aperceba do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.

3. Na verdade, sendo indiscutível que a fundamentação se destina a exteriorizar as razões que levaram a proferir uma decisão, pretendendo-se que os destinatários dos atos administrativos os compreendam e deles possam discordar, pelo que a mesma deve ser clara, coerente, suficiente e concreta. Também é verdade, que se admite que essa fundamentação se realize por remissão, ou seja, como se diz no artigo 153º, n.º 1 do CPA, a fundamentação pode consistir em “mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato”.

4. No presente caso, o ato recorrido, ao concordar com a informação precedente e constante de fls. 31 do PA, apropriou-se dos respetivos fundamentos, que remetem essencialmente para os processos da equipa de Gestão de Remunerações e do Serviço de Fiscalização, onde constam, assim, todas as razões de facto da anulação do deferimento do subsídio de doença, já que este resultou, precisamente, de o Autor ter exercido atividade profissional de gerente da sociedade em causa.

5. O que é decisivo num ato é que o seu conteúdo permita a um destinatário normal, apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo do ato, permitindo-lhe optar pela sua aceitação ou impugnação esclarecida.

6. Pois, não restam dúvidas que o ato se encontra expresso e devidamente fundamentado e o Autor entendeu, e bem, os fundamentos que nortearam o Réu a anular a sua pretensão.

7. Mais, o Autor foi sabendo das razões da Administração para ter decidido como decidiu durante todo o procedimento, estando perfeitamente ciente de toda a motivação factual e legal que suportou a anulação da atribuição do subsídio de doença, tanto mais que se foi defendendo através de exposições, onde expressamente menciona os atos que praticou como MOE enquanto beneficiário do subsídio de doença.

8. É, pois, manifesto, até pela mera leitura dos articulados apresentados pelo Autor que este percecionou perfeita e cabalmente, o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo Recorrente para ter decidido como decidiu, podendo discordar do mesmo, o que sendo legitimo, é, no entanto, diverso e não determina a anulação do ato.

9. No caso em apreço, o ato recorrido datado de 05.12.2018, constante de fls. 31 e 32, bem como a notificação da decisão de 10.12.2018, contêm os fundamentos de facto que motivaram a decisão, referindo expressamente que “(...) devido a um processo de fiscalização (...) foram registadas remunerações oficiosas, nos períodos de 6/2014 a 10/2014, 01/2017 a 8/2017 e 10/2017 a 12/2017, na [SCom01...], LDA, (...). Tendo em consideração a competência dos gerentes, definida no ponto 1, art. 192º do Código das Sociedades Comerciais (...), e que refere que a administração e a representação da sociedade compete aos gerentes, e ao disposto no n.º 4, do arti.º 260º do CSC, que refere que os “gerentes vinculam a sociedade em actos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade”, o beneficiário, ao assinar documentos, praticou atos de gerência (...)”.

10. Aliás, durante o processo de averiguações tomou o Autor conhecimento, não só através da audiência de interessados, mas também do resultado de apuramento de contribuições pela não inclusão como MOE nas declarações de remunerações referentes aos anos de 2014 e de 2017.

11. E, posteriormente, na sequência da ação inspetiva acima exposta, foram registadas oficiosamente as declarações de remunerações na [SCom01...], LDA., nos períodos de 06/2014 a 10/2014, de 01/2017 a 07/2017 e de 10/2017 a 12/2017, comunicadas em 09.08.2018, como consta da notificação a fls. 15 do PA, facto do qual a entidade empregadora não reclamou.

12. Logo, também desta forma, como MOE daquela entidade, teve o Autor conhecimento dos factos prévios que fundamentaram a decisão, já que daquele procedimento, resultou o registo de remunerações na sua carreira contributiva dos mesmos períodos e, consequentemente, a sobreposição daqueles com a atribuição do subsídio de doença.

13. Constatada a acumulação de atividade profissional com a atribuição do subsídio de doença, foi o Autor notificado em 13.12.2018 da decisão definitiva de revogação/anulação do ato de deferimento do subsídio de doença, fundamentado no exercício de atividade profissional nos meses de 07/2014 a 10/2014, 01/2017 a 07/2017 e 10/...17 a 12/2017, nos termos do previsto no artigo 24º, n.º 1, alínea c) do DL n.º 28/2004, de 04-02, vide fls. 33 e 34 do PA, após resposta à audiência prévia que lhe foi realizada em 10.10.2018 e da obrigatoriedade de restituição das prestações indevidamente auferidas, conforme determina o artigo 1º e 2º, n.º 1, alíneas a) e c) do DL n.º 133/88, de 20-04.

14. Assim, de todos os trâmites processuais realizados desde o início da ação inspetiva, bem como de todo o procedimento administrativo do caso a quo, resulta evidente que o Autor era conhecedor de todas as circunstâncias, de todos os pormenores e de todos os factos concretos que originaram a decisão, estando esta dotada de fundamentação suficiente.

15. E, face ao teor e termos do ato objeto de impugnação, do seu encadeamento com os elementos insertos no PA, para os quais remete e sobre os quais o Autor emitiu pronúncia, mostra –se o mesmo dotado da fundamentação legalmente devida e imposta.

16. Um destinatário normal como é o Autor, no âmbito do concreto procedimento em presença e no qual teve sucessiva participação, pode apreender o itinerário cognoscitivo e valorativo constante do ato em causa, ficando em condições de saber o motivo pelo qual foi anulada a atribuição do subsídio de doença, bem assim, os concretos factos e funções de gerente que praticou, como se infere inclusive da sua própria pronúncia em sede de resposta à audiência prévia, quando ali refere “(...) limitou-se a assinar 9 cheques e duas atas, para que a sociedade não tivesse de encerrar portas (...)”.

17. E, do ato em causa, das suas remissões para os elementos insertos no procedimento, e do inteiro e pleno conhecimento do Autor, resulta a motivação do mesmo e o seu concreto objeto, realidades que aquele sabe e conhece inequivocamente e isso demonstrou no próprio procedimento.

18. Tanto mais que o Autor, alvo de procedimento inspetivo e do procedimento administrativo tendente à reposição da legalidade administrativa, e uma vez notificado das decisões neles proferidas, sempre revelou haver apreendido quais os atos praticados enquanto único gerente da sociedade, designadamente, a aposição da sua assinatura em documentos societários, permitindo a vinculação da sociedade, quer internamente, quer perante terceiros, assim como a passagem de cheques, todos conducentes à prossecução do objeto social, por isso, puros atos de administração.

19. Conclui-se, com toda a certeza, ao contrário do defendido na douta sentença proferida, que o dever de fundamentação foi absolutamente cumprido e a transparência da atividade administrativa, importante sustentáculo da sua legalidade e instrumento fundamental da respetiva garantia contenciosa, completamente transmitida para a interpretação do ato administrativo em causa.

20. O mesmo resulta, ademais, do facto do ato administrativo, constante de fls. 31 e 32 do PA, remeter expressamente para as conclusões alcançadas no processo de fiscalização n.º ...25, concretamente para o relatório exaustivo e minucioso quanto aos atos de gerência praticados pelo Autor, quanto à atividade profissional por ele exercida enquanto beneficiário de subsídio de doença e, assim, para a fundamentação que levou ao sentido do decidido.

21. E, também por essa via, per relationem, se cumpriu o dever de fundamentação, não havendo qualquer equívoco sobre o relatório e propostas que o ato punitivo aprova e incorpora, tornando a respetiva fundamentação acessível ao seu destinatário, não pondo em causa o direito do Autor, caso tivesse pretendido, a obter a consulta desse processo, a sua reprodução ou a passagem de certidões.

22. Portanto, a decisão de anulação da concessão do subsídio de doença não vale, só de per se em abstrato, antes resulta da correspondente proposta que a acompanha, que por sua vez assenta na fundamentação aduzida no procedimento da Equipa de Gestão de Remunerações, de fls. 11 a 16 do PA, esta coincidente com a resultante do processo de fiscalização que lhe deu origem, a fls. 1 e seguintes do PA.

23. Não restam dúvidas que, desta forma, o Autor pode analisar a decisão e ponderar o seu acordo ou desacordo, também por essa via, ficou munido dos elementos essenciais para poder impugnar a decisão, por isso pode argumentar se os pressupostos se verificavam ou não, e valorá-los da forma que bem entendeu.

24. Pelo exposto, e com o devido respeito que se impõe, a douta sentença proferida estribou-se numa errónea apreciação da matéria de Direito relevante para a boa decisão da causa, nomeadamente, ao considerar que o ato administrativo não preenchia os requisitos legais de fundamentação previstos no artigo 153º do CPA, o que, de resto, como se demonstrou, é completamente infundado, estando a decisão clara e suficientemente alicerçada em fundamentos de facto e de direito.
TERMOS EM QUE,
DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, SUBSTITUINDO-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA POR OUTRA DECISÃO, QUE ABSOLVA TOTALMENTE O RECORRENTE DO PEDIDO, FAZENDO-SE DESTA FORMA INTEIRA JUSTIÇA.
Não foram juntas contra-alegações.
O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

a) Em 05/12.2018, foi proferido, pela Directora do Núcleo de Prestações de Doença e Parentalidade, sob informação técnica, despacho com o seguinte teor:
“ (...) Tendo em consideração a competência dos gerentes definida no ponto 1, art. 192º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), aprovado pelo DL 262/86, de 02 de Setembro, e que refere que a administração e a representação da sociedade competem aos gerentes e o disposto no nº 4, do art. 260º do CSC, que refere que “os gerentes vinculam a sociedade, em atos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade”, ao assinar documentos praticou atos de gerência e, encontrando-se com interrupção temporária para o trabalho, violou as disposições constantes na alínea d), nº 2, art. 28º, do DL 28/2004, de 4 de fevereiro.
Na sequência da acção inspectiva foram registadas remunerações oficiosas, nos meses de 06/2014 a 10/2014, de 01/2017 a 07/2017 e 10/2017 a 12/2017. (...)”, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido”;

b) Por ofício, datado de 10 de Dezembro de 2018, foi ao Autor comunicado o teor do acto referido em a), mediante carta registada em 12.12.2018;

c) Em 18 de Fevereiro de 2019, o Autor instaurou a presente acção.

DE DIREITO
É objecto de recurso a sentença que acolheu a leitura do Autor.
É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, com consagração nos artigos 635.º, n.º(s) 4 e 5, 639.º, n.º(s) 1 e 2 e artigos 1.º, 140.º, n.º 3 e 146.º, n.º 4 do CPTA que o objeto do recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, pelo respetivo recorrente, o que se traduz no impedimento do tribunal ad quem de conhecer de matéria que aí não tiver sido invocada, exceto as situações de conhecimento oficioso, seja de mérito ou de natureza adjetiva.
Assim, vejamos,
Decidiu-se na sentença recorrida que o ato impugnado padece do vício de falta de fundamentação.
Como é sabido, o dever de fundamentação cumpre, essencialmente, duas funções: a de propiciar a melhor realização e defesa do interesse público; a de facilitar o controlo da legalidade administrativa e contenciosa do acto.
Conforme decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05-12-2002, proc. n.º 01130/02, “fundamentar um acto administrativo é enunciar expressamente os motivos de facto e de direitos que determinaram o seu autor à prolação do mesmo, elucidando com suficiente clareza sobre os motivos determinantes do acolhimento, pela Administração, de determinada posição decisória.”
A fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas de acordo com o estabelecido no n.º 1 do artigo 153º do Código do Procedimento Administrativo, a fundamentação deve ser expressa, através da sucinta exposição dos motivos de facto e direito da decisão.
A fundamentação consiste, assim, em deduzir expressamente a resolução tomada das premissas em que assenta ou em exprimir os motivos porque se resolve de uma maneira e não de outra.
É pacífico o entendimento de que um acto estará devidamente fundamentado sempre que um destinatário normal possa ficar ciente do sentido dessa mesma decisão, das razões que a sustentam.
Nos termos do n.º 2 do artigo 153º do Código do Procedimento Administrativo “equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que por obscuridade, contradição, não esclareçam concretamente a motivação do acto”.
A fundamentação é obscura, quando não se percebe em que consistem, ou seja, a concreta motivação do acto. É insuficiente quando não permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. E é contraditória ou incongruente quando os fundamentos invocados são contraditórios entre si, em relação à decisão tomada no procedimento.
Relativamente ao dever de fundamentação dos actos administrativos constitui linha doutrinal e jurisprudencial dominante que, não obstante se tratar de uma imposição constitucional, não constitui um direito de natureza fundamental cuja ofensa possa determinar a nulidade do acto (cfr. entre outros, o Acórdão do TCA Sul de 21-01-2021, no processo 2278/19.7BELSB.
No caso sub judice, o ato impugnado mostra-se devidamente fundamentado.
O ato administrativo impugnado, constante de fls. 31 e 32 do PA, praticado por quem tinha competência para o fazer, é válido e expresso, contendo todos os fundamentos de facto e de direito que orientaram a respetiva decisão.
Tal ato encontra-se totalmente fundamentado, quer de facto, quer de direito, já que, no que toca à clareza e suficiência, tendo como padrão um destinatário normal, ficou o Autor habilitado a defender conscientemente os seus direitos e interesses legítimos/legalmente protegidos.
Com efeito, no caso em apreço, o ato recorrido datado de 05.12.2018, bem como a notificação da decisão de 10.12.2018, contêm os fundamentos de facto que motivaram a decisão, referindo expressamente que “(...) devido a um processo de fiscalização (...) foram registadas remunerações oficiosas, nos períodos de 6/2014 a 10/2014, 01/2017 a 8/2017 e 10/2017 a 12/2017, na [SCom01...], Lda., (...). Tendo em consideração a competência dos gerentes, definida no ponto 1, art. 192° do Código das Sociedades Comerciais (...), e que refere que a administração e a representação da sociedade compete aos gerentes, e ao disposto no n.° 4, do arti.° 260° do CSC, que refere que os “gerentes vinculam a sociedade em actos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade”, o beneficiário, ao assinar documentos, praticou atos de gerência (...)”.
Quanto às razões de direito invocadas, as mesmas constam expressamente transcritas no referido ato administrativo e também naquela notificação, ou seja, “anulação do ato de deferimento do subsídio de doença, por exercício de atividade profissional, quando se encontrava com incapacidade temporária para o trabalho, nos termos da alínea c), do n.° 1, do art.° 24° do DL 28/2004, de 4 de fevereiro, existindo a obrigatoriedade de restituir as prestações de doença, nos termos do art.° 1 e alíneas a) e c), do n.° 1, do art.° 2°, do DL 133/88, de 20 de abril”.
E resulta claramente subsumível no citado normativo legal o comportamento do Autor, que cumulou o recebimento de prestações de doença com a atividade profissional de gerente.
Assim, verifica-se que as razões de facto acolhidas na motivação são claras e simples permitindo a qualquer destinatário normal interpretá-las e concordar, ou não, com elas. Também as razões de direito são claras e simples, permitindo a um destinatário normal o seu perfeito conhecimento, podendo pôr em causa a sua aplicação ao presente caso, ou a sua deficiente interpretação. Pois, não restam dúvidas que o ato se encontra expresso e devidamente fundamentado, adequadamente transcrito na notificação do mesmo, e o Autor entendeu e bem os fundamentos que nortearam o aqui recorrente a anular a sua pretensão.
Verificou-se que, no âmbito de uma averiguação realizada pelo Departamento de Fiscalização à entidade empregadora [SCom02...], Lda., onde o Autor consta como único representante, e da análise ao seu espólio contabilístico, foram detetados inúmeros documentos com aposição da assinatura do membro do órgão estatutário (MOE) que demonstram a prática de atos de gerência, conforme se poderá verificar do Relatório Final constante de fls. 1 a 10 do PA.
Com base na documentação coligida nos autos, designadamente do pacto social assinado em 18.10.2017, resulta que a supracitada empresa foi criada em 01.11.2017, durante o período de incapacidade temporária por doença do Autor.
Das declarações do próprio Autor e da documentação analisada no âmbito daquele processo de averiguações - Proave ...14 -, advém ainda, a execução de atos próprios de gerência, tais como, deliberação de não remuneração do MOE, evidenciada na respetiva ata, endosso de cheque e transferência bancária do capital social da sociedade, vide fls. 8 do PA.
Concluiu-se também, ser o Autor igualmente MOE da empresa [SCom01...], Lda., com a atividade de comércio de automóveis. Em referência a esta última sociedade, foi inquirido um trabalhador e, das suas declarações, resulta confirmada a presença do MOE «AA», aqui Autor, nas instalações do stand de automóveis de 13.10.2017 a 08.12.2017, durante o período em que se encontrava de baixa médica subsidiada.
Analisada a contabilidade desta última empresa, foi também possível a recolha de documentos assinados pelo gerente, nomeadamente, atas e cheques nos períodos em que o Autor se encontrava de ITPT.
Aliás, no processo de averiguações tomou o Autor conhecimento, não só através da audiência de interessados, mas também do resultado de apuramento de contribuições pela não inclusão como MOE nas declarações de remunerações referentes aos anos de 2014 e de 2017. Posteriormente, na sequência da ação inspetiva acima exposta, foram registadas oficiosamente as declarações de remunerações na [SCom01...], Lda., nos períodos de 06/2014 a 10/2014, de 01/2017 a 07/2017 e de 10/2017 a 12/2017, comunicadas em 09.08.2018, como consta da notificação a fls. 15 do PA, facto do qual a entidade empregadora não reclamou.
Logo, também desta forma, teve o Autor conhecimento dos factos prévios que fundamentaram a decisão, já que daquele procedimento, resultou o registo de remunerações na sua carreira contributiva daqueles mesmos períodos e, consequentemente, a sobreposição daqueles com a atribuição do subsídio de doença.
Constatada a acumulação de atividade profissional com a atribuição do subsídio de doença, foi o Autor notificado, em 13.12.2018, da decisão definitiva de revogação/anulação do ato de deferimento do subsídio de doença, fundamentado no exercício de atividade profissional nos meses de 07/2014 a 10/2014, 01/2017 a 07/2017 e 10/...17 a 12/2017, nos termos do previsto no artigo 24º, n.º 1, alínea c) do DL n.º 28/2004, de 04-02, vide fls. 33 e 34 do PA, após resposta à audiência prévia que lhe foi realizada em 10.10.2018 e da obrigatoriedade de restituição das prestações indevidamente auferidas, conforme determina o artigo 1º e 2º, n.º 1, alíneas a) e c) do DL n.º 133/88, de 20-04. Ou seja, face ao teor e termos do ato objeto de impugnação, do seu encadeamento com os elementos insertos no PA, para os quais remete e sobre os quais o Autor emitiu pronúncia, mostra-se o mesmo dotado da fundamentação legalmente devida e imposta.
Mais, o ato administrativo remete expressamente para as conclusões alcançadas no processo de fiscalização n.º ...25, concretamente para o relatório quanto aos atos de gerência praticados pelo Autor, quanto à atividade profissional por ele exercida enquanto beneficiário de subsídio de doença, e, assim, para a fundamentação que levou ao sentido do decidido.
E, também por essa via, per relationem, se cumpriu o dever de fundamentação, não havendo qualquer equívoco sobre o relatório e propostas que o ato punitivo aprova e incorpora, tornando a respetiva fundamentação acessível ao seu destinatário, não pondo em causa o direito do Autor, caso tivesse pretendido, obter a consulta desse processo, a sua reprodução ou a passagem de certidões. Portanto, a decisão de anulação da concessão do subsídio de doença não vale, só de per se em abstrato, antes resulta da correspondente proposta que a acompanha, que por sua vez assenta na fundamentação aduzida no procedimento da Equipa de Gestão de Remunerações, de fls. 11 a 16 do PA, esta coincidente com a resultante do processo de fiscalização que lhe deu origem, a fls. 1 e seguintes do PA.
Temos, assim, que no caso sub judice, o ato impugnado se mostra devidamente fundamentado, de um ponto de vista formal, com suporte em factos concretos e não meramente conclusivos, fundamentos esses que vieram a ser, no geral, compreendidos pelo Autor.
O que não obsta, claro está, a que o Autor discorde desses fundamentos e dos pressupostos de facto e de direito que estiveram na base do ato sindicado, mas tal prende-se já com a fundamentação substancial/material da decisão, e não com o vício de forma por falta de fundamentação.
Assim, não pode deixar de se considerar que a decisão se encontra devidamente fundamentada, à luz do disposto no n.° 1 do artigo 153° do Código do Procedimento Administrativo.
O dever de fundamentação dos atos administrativos é imposto pelo artigo 268.° n.° 3 da CRP e concretizado nos artigos 152.° e 153.° CPA, sendo que, de acordo com estes preceitos e a jurisprudência maioritária, a fundamentação, ainda que sucinta, deve ser expressa, acessível, e suficiente, de molde a permitir ao administrado o controlo de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão, devendo o destinatário ficar ciente do modo e das razões por que se decidiu em determinado sentido.
In casu, reitera-se, o ato administrativo posto em crise acha-se sobejamente fundamentado, de direito e de facto.
Em suma,
Fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado ato - cfr. Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido Pinho, in Código do Procedimento Administrativo;
Tal como tem sido jurisprudência uniforme do STA, a fundamentação do acto administrativo é um conceito relativo, devendo concluir-se pela sua existência quando um destinatário normal, na posição do interessado em concreto, não tenha dúvidas acerca das razões que motivaram a decisão - cfr., por todos, o Acórdão do Pleno de 14/05/97, segundo o qual, a fundamentação, “(...) varia consoante o tipo legal de acto administrativo em concreto, havendo que entender a exigência legal em termos hábeis, dados a funcionalidade do instituto e os objectivos essenciais que prossegue: habilitar o destinatário a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respectiva lesividade (objectivo endo-processual) a assegurar a transparência, a serenidade, a imparcialidade e a reflexão decisórias (objetivos exa ou extra-processuais)”;
A fundamentado não tem que ser prolixa, basta que seja suficiente;
Dito de outro modo, é de considerar suficiente a fundamentação do acto quando o seu destinatário demonstra bem ter compreendido os motivos determinantes daquele, dos quais se limita a discordar, isto é, a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação - cfr. o Prof. Vieira de Andrade, em “O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos”, pág. 138;
No caso posto, tal como alegado, o vício assacado ao acto não se descortina o que concorre para que a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente o vício de falta de fundamentação da decisão impugnada, incorra em erro de julgamento quanto à interpretação do disposto nos artigos 268.° n.° 3 da CRP e nos artigos 152.° e 153.° CPA.
Procedem, assim, as Conclusões das alegações o que culminará com a revogação da sentença sob escrutínio.

DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida e julga-se improcedente a acção.
Custas pelo Autor, sem prejuízo de eventual benefício de apoio judiciário e, nesta instância, sem custas, atenta a ausência de contra-alegações.
Notifique e DN.

Porto, 19/01/2024

Fernanda Brandão
Rogério Martins
Nuno Coutinho