Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00596/11.1BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/19/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL; RUIDO; SEGURADORA
Sumário:1 – Tendo o Município contratualizado um Seguro de Responsabilidade Civil com Seguradora, igualmente demandada, dificilmente esta se eximiria à responsabilidade de responder pelos danos verificados, dentro dos limites da correspondente apólice, mormente, atenta a manifesta violação dos deveres de cuidado, prudência e adequação por parte do Município ao atuar como atuou.

2 – Se é certo que a apólice de seguro contratualizada entre o Município e a Seguradora exclui a responsabilidade desta pelos danos decorrentes “da violação de leis, regulamentos ou normas técnicas ou de segurança aplicáveis a atividades do segurado”, tal norma de exclusão roça aquilo que poderíamos definir como uma Cláusula abusiva, pois que tende a esvaziar a responsabilidade da seguradora.

3 - Perante a transferência de responsabilidade Civil do Município para a Seguradora, por via da apólice contratualizada, até prova em contrário, sempre será esta responsável pelos danos e prejuízos causados na esfera jurídica dos Autores lesados em decorrência de uma omissão ilícita dos deveres de cuidado, prudência e adequação do Município.

4 - A seguradora só poderia pois ser absolvida do pedido caso tivesse demonstrado que os danos participados não haviam resultado da intervenção do seu segurado Município.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MUNICIPIO (...) E OUTRA
Recorrido 1:A. E OUTROS
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
1 - A. e cônjuge M.,
2- M. e cônjuge A.,
3- J. e cônjuge M.,
4- C. e cônjuge I.,
5- N. e cônjuge M.,
Intentaram Ação Administrativa Comum contra o MUNICÍPIO (...), e COMPANHIA DE SEGUROS (...), S.A, tendente, em síntese, a serem indemnizados dos danos verificados nos identificados prédios de que serão titulares, em decorrência de obras realizadas pelo Município nas imediações, e ainda a emergente condenação unitária de 5.000€ pelos danos não patrimoniais.
Veio o Tribunal de 1ª Instância, em 30 de abril de 2021, a decidir condenar solidariamente, o Réu MUNICÍPIO (...) e a Companhia de Seguros (...), SA, a pagar aos Autores as seguintes quantias:
a) Aos primeiros Autores, a quantia de €7.980 a título de danos patrimoniais e de €3.000, a título de danos não patrimoniais,
b) Aos segundos Autores, a quantia de €8.318 a título de danos patrimoniais e de €3.000, a título de danos não patrimoniais, sem prejuízo do direito de regresso, nos termos do artigo 524.º do Código Civil.
c) Aos terceiros Autores, a quantia de €6.243 a título de danos patrimoniais e de €3.000, a título de danos não patrimoniais,
d) Aos quartos Autores, a quantia de €9.053 a título de danos patrimoniais e de €3.000, a título de danos não patrimoniais, sem prejuízo do direito de regresso
e) Aos quintos Autores, a quantia de €5.550 a título de danos patrimoniais e de €3.000, a título de danos não patrimoniais.
Inconformada com a Sentença proferida em 1ª Instância, veio a Seguradora COMPANHIA DE SEGUROS (...), S.A, recorrer para esta instância, tendo concluído:
“1. Da sentença proferida resulta de forma clara e inequívoca que:
1.1. O Réu Município com recurso a meios próprios, consubstanciados num compressor a ar para perfuração de maciço rochoso e aplicação de gel amonite e consequente detonação, utilizando ainda máquina buldózer, cilindro de compactação e camiões.
1.2. Que a denotação desses explosivos ocorreu num maciço rochoso extenso e sobre o qual também se encontram construídas as habitações dos Autores, que, por efeito das vibrações produzidas com tais detonações, passaram a apresentar fissurações ou aumento de outras existentes, que se verificam também em elementos estruturais e na cobertura.
1.3. Que a aplicação de tais explosivos não obedeceu ao plano prévio, não foi devidamente registada a carga explosiva, como também não ocorreram testes prévios que permitissem apurar a adequação das cargas explosivas aplicadas, cerca de 50 Kg por detonação e durante o período compreendido entre 24/08/2009 e 19/03/2012, ou seja, durante quase 3 anos, não procedendo ainda à monitorização dos efeitos dessas detonações, nomeadamente junto às habitações dos Autores, procedimento que, além do mais resulta da experiência de vida e cuja necessidade está ao alcance de um homem médio.
1.4. Resultando ainda que tendo começado o réu Município a operar os explosivos a partir de 24/08/2009, a primeira autorização para a sua aquisição tem a data de 8 de outubro de 2009 – cfr. ponto 11 do probatório.
1.5. Isto é, o Município Réu procedeu à aplicação de explosivos em cargas que entendeu adequadas, sem se preocupar com os seus efeitos ou demonstrar que a sua atuação era adequada às circunstâncias do local onde ocorreu a aplicação de explosivos e que, efetivamente, tal atuação não foi propícia à fissuração que se verifica essas habitações.
1.6. Tal situação configura omissão ilícita do Réu dos deveres de cuidado, prudência e adequação acima discriminados, em violação de normas legais e regulamentares ou princípios gerais aplicáveis, bem como de regras de ordem técnica e de prudência comum.
2. Ora, estando excluídos pelo contrato de seguro, nos termos das condições gerais da apólice, os danos resultantes da violação de leis, regulamentos ou normas técnicas ou de segurança aplicáveis a atividades do segurado, e tendo ficado provado que isso se verificou, deve a ora recorrente ser absolvida dos pedidos, o que aqui se requer.
3. A sentença proferida fez, assim uma incorreta apreciação da matéria de facto, provada e consequentemente do direito aplicável, nomeadamente das condições gerais da apólice.
Termos em que deve revogar-se a sentença, substituindo-se por outra que absolva a recorrente dos pedidos, Assim se fazendo Justiça!”

O MUNICÍPIO (...) não veio a Recorrer jurisdicionalmente da Sentença de 1ª Instância.

Os Autores vieram apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 30 de junho de 2021, tendo aí concluído:
“1. Atenta a factualidade provada nos autos, a responsabilidade do município não resulta só da violação de normas legais e regulamentares, mas também – essencialmente – da violação dos deveres de cuidado, prudência e adequação;
2. A referência do Tribunal a quo às “normas legais e regulamentares” e às “regras de ordem técnica” é de tal ordem genérica (Que normais legais? Que normas regulamentares? Que regras de ordem técnica?), que temos como certo que não se pretendeu, com tais afirmações, dizer mais do que os danos nas habitações resultaram da utilização de explosivos durante um longo período de cerca de 3 anos, compreendido entre 24/08/2009 e 19/03/2012, com as cargas que o Réu Município entendeu adequadas, sem se preocupar com os seus efeitos ou demonstrar que a sua atuação era adequada às circunstâncias do local ou insuscetível de provocar, como provocou, a fissuração que se verifica nas habitações dos AA.;
3. Outrossim, a Apelante só podia ser absolvida do pedido caso tivesse demonstrado que os danos resultaram única e exclusivamente da violação das leis, regulamentos ou normas técnicas ou de segurança aplicáveis e que, se estas normas tivessem sido observadas, nenhuns danos teriam advindo para os AA.;
4. A responsabilidade do Réu Município para com os AA. é indubitavelmente emergente da responsabilidade civil daquele, pelo que a Apelante, tendo garantido tal risco, responde também para com os AA.;
5. Sem prescindir, a responsabilidade civil dos Municípios, tal como da globalidade das pessoas singulares e coletiva, emana quase sempre da violação de leis, de regulamentos ou normas técnicas ou de segurança, destinadas a proteger interesses alheios, aliás, atente-se a redação do art.º 483.º, n.º 1 do Código Civil e do art.º 1.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro.
6. Como tal, a cláusula ínsita em contrato de seguro de responsabilidade civil extracontratual por danos causados pela atividade do Réu Município, que exclui da responsabilidade da seguradora (Apelante) os danos decorrentes “da violação de leis, regulamentos ou normas técnicas ou de segurança aplicáveis a atividades do segurado”, desrespeita o princípio fulcral de lisura contratual ao retirar, praticamente, a utilidade ao seguro contratado, arredando do âmbito da cobertura da apólice as causas mais comuns dos danos produzidos pela atividade do Município;
7. A referida cláusula de exclusão sempre consubstanciaria um atropelo à dinâmica de um adequado funcionamento do vinculo contratual estabelecido, desproporcional e violadora do princípio da boa-fé e, nessa medida, proibida e, como tal, nula (art.ºs 12.º, 15.º e 18.º, al. b), do DL 446/85, de 25-10).
8. Sendo tal nulidade de conhecimento oficioso – art.º 286.º do Código Civil – e tendo os AA. legitimidade para a invocar, uma vez que é invocável por “qualquer interessado”.
Termos em que, negando provimento ao recurso, deverá ser proferido douto acórdão que confirme integralmente a douta sentença recorrida.
Assim decidindo, farão V.ªs Ex.ªs, Venerandos Juízes Desembargadores, a habitual, JUSTIÇA.”
O Recurso Jurisdicional foi admitido por Despacho de 10 de outubro de 2021.
O Ministério Público junto deste Tribunal, tendo sido notificado em 19 de outubro de 2021, nada veio dizer requerer ou promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Vem recursivamente suscitada pela Seguradora, predominantemente que a sentença proferida terá feito uma incorreta apreciação da matéria de facto, provada e consequentemente do direito aplicável, nomeadamente das condições gerais da apólice, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como provada, a qual aqui se reproduz:
“1. Os 1.ºs AA. são donos e legítimos possuidores do seguinte prédio urbano, situado no lugar da (…), da comarca de (...):
- Casa coberta de telha, composta de rés-do-chão e primeiro andar, destinada a habitação, com a superfície coberta de 100 m2 e quintal com a área de 1200 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n° 00443/171298 e inscrito na matriz sob o artigo 344 – cfr. fls. 351 e ss. (SITAF).
2. Os 2.ºs AA. são donos e legítimos possuidores do seguinte prédio urbano, situado no lugar de (…), da comarca de (...):
- Uma morada de casas coberta de telha, composta de rés-do-chão com duas divisões destinadas a garagem e arrumos e primeiro andar com seis divisões destinadas a habitação, com a superfície coberta de 100 m2 e quintal com a área de 490 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 00500/101000 e inscrito na matriz sob o artigo 313 – cfr. fls. 351 e ss. (SITAF).
3. Os 3.ºs AA. são donos e legítimos possuidores do seguinte prédio urbano situado no lugar de (...), da comarca de (...):
- Uma morada de casas coberta de telha, composta de rés- do-chão com uma divisão ampla destinada a garagem e arrumos e primeiro andar com seis divisões destinadas a habitação e quintal, com a superfície coberta de 100 m2 e quintal com a área de 544 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n° 753/20080311 e inscrito na matriz sob o artigo 318 - cfr. fls. 351 e ss. (SITAF).
4. Os 4.ºs AA. são donos e legítimos possuidores do seguinte prédio urbano, situado no lugar de (...), comarca de (...):
- Uma morada de casas coberta de telha, composta de rés-do-chão com seis divisões destinadas a habitação e garagem e primeiro andar com cinco divisões destinadas a habitação e sótão com duas divisões para habitação, com a superfície coberta de 108 m2 e quintal com a área de 492 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 107/19880715 e inscrito na matriz sob o artigo 385 - cfr. fls. 351 e ss. (SITAF).
5. Os 5.°s AA. são donos e legítimos possuidores do seguinte prédio urbano, situado no lugar de (...), da comarca de (...):
- Uma morada de casas coberta de telha, composta de rés-do-chão com três divisões destinadas a habitação e garagem, primeiro andar com três divisões destinadas a habitação e garagem, primeiro andar com sete divisões destinadas a habitação, com a superfície coberta de 120 m2 e quintal com a área de 80 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 427/20020912 e inscrito na matriz sob o artigo 372 - cfr. fls. 351 e ss. (SITAF).
6. Com vista à reparação dos danos alegados pelos Autores, solicitaram à sociedade do ramo da construção civil, os orçamentos seguintes.
(Dão-se por reproduzidos os documentos fac-similados constantes da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
- Cfr- docs. De fls. 510 e ss. SITAF.
7. Entre o 1º Réu e a 2ª Ré foi celebrado acordo que denominaram contrato de seguro no Ramo de Responsabilidade Civil, com as seguintes condições:
(Dão-se por reproduzidos os documentos fac-similados constantes da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
8. O Réu Município, no período compreendido entre 24/08/2009 e 19/03/2012, levou a efeito, por recurso a meios próprios, trabalhos de movimentos de terra, incluindo desmonte de maciço rochoso com vista à implementação de Zona Industrial, recorrendo ao desmonte da estrutura rochosa a perfurações com martelo compressor e cargas explosivas - cfr. depoimento da testemunha L. e depoimento generalizado das testemunhas dos Autores e docs. de fls. 572 e ss. (SITAF), documentos estes elaborados já depois de iniciados os trabalhos como especificamente referiu a testemunha L..
9. Os explosivos utilizados no desmonte da estrutura rochosa, eram traduzidos em cargas de cerca de 50Kg por detonação, do tipo gelamonite extra rouge de 20 cm de comprimento e 2,5cm de espessura e em várias perfurações previamente executadas - cfr. depoimento da testemunha L..
10. O manuseamento, cargas aplicadas e detonação de explosivos nos trabalhos levados a efeito pelo Réu Município, foi realizado pelo seu funcionário J., com a categoria de Marteleiro e a quem a Polícia de Segurança Pública atribuiu em 17 de junho de 2008, a Cédula de Operador de substâncias explosivas n. o 11571, válida até 17 de junho de 2014 - cfr. docs. de fls. 627 e ss. (SITAF).
11. Com vista à execução dos trabalhos de movimentos de terras para execução da Zona Industrial da Ranha, o Município Réu, obteve autorização para adquirir explosivos em 8 de outubro de 2009, 16 de março de 2011 e 13 de março de 2012, nos termos que seguem:
(Dão-se por reproduzidos os documentos fac-similados constantes da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
12. Na execução dos mesmos trabalhos, o Município Réu utilizou ainda outra maquinaria, como buldózer, retroescavadora, camiões para transporte dos produtos escavados e cilindro que utilizou na compactação de aterros - cfr. depoimento da testemunhas dos Autores.
13. Como medidas de segurança na detonação dos explosivos, os trabalhadores do Réu, procediam aviso de voz e procediam à proibição temporária do trânsito nas vias circundantes num raio de 150m, desde o início até à detonação dos explosivos - cfr. generalizado das testemunhas dos Autores.
14. O recinto onde decorriam os trabalhos levados a efeitos pelo Autor não se encontrava vedado - cfr. depoimento da testemunha L. e depoimento generalizado das testemunhas dos Autores.
15. Previamente à execução dos trabalhos, o Réu Município não deu lugar a vistorias às habitações que se situavam nas imediações do local onde levou a efeito a detonação de explosivos, nomeadamente às habitações dos Autores - cfr. depoimento das testemunhas do Réu Município J., A., L. e depoimento generalizado das testemunhas dos Autores.
16. O Município Réu para efeito de utilização dos explosivos não elaborou plano prévia da sua utilização, não procedeu a medições por sismógrafo, não procedeu a estudos geológicos do subsolo, não procedeu a registo das cargas deflagradas - cfr. doe. n. Os 3 junto com a contestação da r Ré (...) e depoimento da testemunha L.
17. Os Autores apresentaram reclamações e abaixo assinados junto do Réu Município por efeito da detonação de explosivos por recearem que a detonação dos explosivos levada a efeito pelo Réu Município viesse a causar danos nas suas habitações que se encontravam situadas a uma distância do local dos trabalhos entre 280 e 400 m - cfr. depoimento da testemunha L. e depoimento generalizado das testemunhas dos Autores.
18. O Réu Município participou junta da 2ª Ré os sinistros reclamados pelos Autores - cfr. depoimento da testemunha L. e depoimento generalizado das testemunhas dos Autores.
19. A segunda Ré procedeu a peritagem das habitações dos Autores, dela resultando o seguinte relatório:
(Dão-se por reproduzidos os documentos fac-similados constantes da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
20. Após a peritagem levada a efeito pela 2ª Ré, esta declinou a responsabilidade no âmbito do contrato de seguro que celebrou com o Réu Município, notificando-os, nos seguintes termos:
(Dão-se por reproduzidos os documentos fac-similados constantes da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
- cfr. docs. 3 a 8 juntos com a contestação da Ré (...).
21. Teve lugar perícia colegial às habitações dos Autores, dela resultando o seguinte relatório:
(Dão-se por reproduzidos os documentos fac-similados constantes da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
- cfr. fls. 238 e ss. (SITAF).
22. No âmbito da mesma perícia colegial, foram ainda prestados os seguintes esclarecimentos:
(Dão-se por reproduzidos os documentos fac-similados constantes da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
- cfr. fls. 304 e ss. (SITAF).
23. As habitações dos Autores encontram-se construídas há mais de 20 anos e antes do início dos trabalhos levados a efeito pelo Réu Município – cfr. declarações de parte dos Autores e depoimento generalizado das testemunhas arroladas pelos Autores e pelos Réus.
24. As habitações dos Autores encontram-se construídas em espaços cujo subsolo é constituído por maciço rochoso que abrange o que foi desmontando pelo Réu para a instalação da Zona Industrial (…) - cfr. declarações de parte dos Autores e depoimento generalizado das testemunhas arroladas pelos Autores e pelos Réus e ainda os esclarecimentos prestados pelos Peritos.
25. Com a detonação de explosivos levados a efeito pelo Réu, a estrutura das habitações do Autores estremecia devido às vibrações resultantes dessa detonação, provocando a queda de objetos que se encontravam sobre móveis – cfr. declarações de parte dos Autores e depoimento generalizado das testemunhas arrolados pelos Autores e ainda o depoimento da testemunha do Réu
26. Após o início da detonação de explosivos levados a efeito pelo Réu Município, ocorreu o aparecimento de fissuras nomeadamente nos elementos estruturais e o agravamento de outras existentes, os telhados das habitações cederam e partiram telhas, ocorrendo ainda o aparecimento de humidade e água dentro das habitações dos Autores – cfr. declaração de parte dos Autores e depoimento generalizado das testemunhas arroladas pelos Autores, esclarecimentos dos peritos.
27. A humidade, escorrências de água, fissuração dos elementos estruturais das habitações dos Autores, não são compatíveis com o decurso do tempo e uso dessas habitações, nem devido à proximidade de um rio – cfr. esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos.
28. Antes do início dos trabalhos com recurso à aplicação de explosivos levados a efeito pelo Réu Município, as habitações dos Autores não apresentaram as fissurações que apresentam, nomeadamente na sua estrutura e cobertura e com a extensão e dimensão que apresentam – cfr. declarações de parte dos Autores e depoimento generalizado das testemunhas arroladas pelos Autores.
29. As habitações dos Autores apresentavam fissuras nas paredes exteriores e visíveis do exterior das mesmas – cfr. declarações de parte dos Autores, depoimento generalizado das testemunhas arroladas pelos Autores
30. Perante a existência de fissurações, nomeadamente a nível da estrutura e cobertura e da cobertura, a necessidade de procederem à sua reparação e o receio de que as habitações fiquem debilitadas na sua estrutura, os Autores sentem-se tristes, ansiosos, nervosos e com o receio de segurança das suas habitações – cfr. declarações de parte dos Autores e depoimento generalizados das testemunhas arroladas pelos Autores.
31. A construção das habitações dos Autores foi licenciada pelo Réu Município e concedida a competente licença de habitação ou utilização – cfr. declarações de parte dos Autores, depoimento generalizado das testemunhas por si arroladas e ainda o depoimento das testemunhas arroladas pelo Réu.”

IV – Do Direito
Há desde logo uma questão incontornável do ponto de vista recursivo e que se prende com a circunstância do Município não ter recorrido da Sentença de 1ª instância e a Seguradora, aqui Recorrente, apenas questionar o facto de ter sido condenada solidariamente com o Município, pugnando assim recursivamente pela sua absolvição dos pedidos, em face do que os valores indemnizatórios fixados se mostram consolidados, estando apenas por esclarecer se o responsável pelo seu pagamento é exclusivamente o Município ou se a Seguradora responderá solidariamente pelos mesmos.
Assim, no que aqui releva, discorreu-se no discurso fundamentador da decisão recorrida:
“(…) Na presente ação, tal como configurada (…), o Autor pretende a efetivação de responsabilidade civil extracontratual, tendo por base a conduta do MUNICÍPIO (...), ao haver procedido a obras de construção de Zona Industrial de Rainha, para o que realizou movimento de terras e procedeu a desmonte de maciço rochoso com recurso a explosivos, circunstância que determinou o fissuramento das habitações dos Autores, a cuja reparação pretendem proceder mediante o pagamento de indemnização, o que constitui o pedido relativo a indemnização por danos patrimoniais, peticionando ainda indemnização por danos não patrimoniais.
(…)
Da culpa do lesado:
E quanto à culpa dos Autores na ocorrência do sinistro, na senda do que vem demonstrado, é por demais evidente que, por um lado e como resulta do probatório, os Autores construíram as suas habitações mediante licença emitida pelo Réu Município e obtiveram a competente licença de habitação/utilização, o que se traduz no cumprimento dos projetos aprovados, pelo que nenhuma culpa lhe pode ser imputada no evento e nos danos verificados.
(…)
Verificados os pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar, facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade, resta aferir a quantificação da indemnização reclamada e a atribuir.
Do probatório resulta que a segunda Ré procedeu a peritagem das habitações dos Autores na sequência de participação que o Réu lhe dirigiu, apurando os danos e fixando os montantes necessários à sua reparação.
Por outro lado, os Autores pediram orçamento para esse mesmo efeito e, por último, a perícia colegial fixou valores também para tal efeito.
Peticionam ainda os Autores indemnização a título de danos morais, no valor de €5.000 por cada Autor.
Nos termos do disposto no artigo 496º, n.º 1 do CC são suscetíveis de indemnização os danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
De acordo com o artigo 496º, n.º 1 do CC o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º, n.º 3 do CC: “grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
Atenta a matéria provada admite-se que os danos não patrimoniais merecem a tutela do direito – cfr. art.º. 496.º, n.º1 do Código Civil.
AUTORPEDIDOEMPREITEIRO2ª RÉPERÍCIA
A.7.980€12.497€5.160€10.197€
M.8.318€15.368€ -5.231€14.237€
J.6.243€14.237€4.220€9.717€
C.9.053€12.078€6.812€15.368€
N.5.550€12.078€3.125€12.078€
Estipula o art. 562.º do CC que havendo dano existe a obrigação de indemnizar devendo os obrigados “reconstituir a situação que existiria, se não tivesse verificado o evento que obriga a reparação”.
Por sua vez, o art. 563.º do mesmo diploma dispõe que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, sendo o seu cálculo efetuado nos termos do art. 564.º do CC.
Estabelece o artigo 9.º do Código do Processo Civil que “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.”
A proibição de condenação em quantidade superior à do pedido, consignada naquele preceito legal, é justificada pela ideia de que compete às partes a definição do objeto do litígio, não cabendo ao juiz o poder de se sobrepor à vontade das partes, e de que não seria razoável que o demandado fosse surpreendido com uma condenação mais gravosa do que a pretendida pelo autor.
Com efeito, o valor peticionado pelos Autores é inferior ao que resulta indicado na perícia colegial, embora superior ao atribuído pela segunda Ré na peritagem que realizou.
Assim, com recurso ao critério da equidade, afigura-se justa a atribuição das seguintes indemnizações a cada um dos Autores, a título de danos patrimoniais, resultantes dos danos sofridos pelas suas habitações com a detonação de explosivos pelo Réu e com vista à respetiva reparação:
Ao Autor A. e mulher, a quantia de € 7.980,00.
Ao Autor M. e mulher, a quantia de € 8.318,00.
Ao Autor J. e mulher, a quantia de € 6.243,00.
Ao Autor C. e mulher, a quantia de € 9.053,00.
Ao Autor N. e mulher, a quantia de € 5.550,00.
Quanto aos danos não patrimoniais alegados e concretizados, julga-se justo e equitativo fixar, a título de danos não patrimoniais, a importância, de 3.000€ a cada um dos Autores, A. e mulher, M. e mulher, J. e mulher, C. e mulher e N. e mulher, sendo que dos pedidos formulados não resulta peticionado o pagamento de juros.
Quanto à responsabilidade da segunda Ré Companhia de Seguros (...), SA:
Prevê o artigo 320º do Código de Processo Civil que “A sentença que vier a ser proferida sobre o mérito da causa aprecia a relação jurídica de que seja titular o chamado a intervir, constituindo, quanto a ele, caso julgado”.
Decorre do probatório, que o primeiro réu celebrou com a segunda ré, um contrato de seguro, titulado pela apólice de n.º 13/13432, em vigor à data do mencionado acidente, através do qual transferiu a sua responsabilidade civil da atividade do Município Réu.
Estando nós perante uma ação de responsabilidade civil, é inequívoco que o lesado pode, por regra, exigir o pagamento da indemnização diretamente ao lesante. É o que decorre dos princípios gerais que vigoram nessa matéria (v.g. artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil).
Mas, havendo um contrato de seguro destinado a reparar danos decorrentes de responsabilidade civil do Réu Município, os lesados têm igualmente o direito de exigir o pagamento dessa indemnização diretamente ao segurador.
E, assim, o segurador é, por força de lei, titular solidário da obrigação de ressarcimento do lesado. Este pode “exigir o cumprimento do dever a qualquer um dos seus titulares, ou a ambos, em simultâneo, propondo a sua ação contra o segurado, contra o segurador ou em litisconsórcio passivo, consoante prefira”.
Por conseguinte, pressupondo a existência de tal contrato, todas as apontadas alternativas estavam em aberto para os Autores.
Este, no entanto, decidiu demandar o Réu Município e a Companhia de Seguros (...), SA. E, podia, como vimos, fazê-lo. Só que isso não invalida o direito de regresso que o Município possa ter em relação à seguradora para a qual diz ter transferido a responsabilidade pela reparação dos danos, ou entendendo a seguradora não estar abrangida a responsabilidade imputada ao município pela apólice de seguro entre ambos celebrada, terá o direito de exigir o reembolso da parte que suportar. O devedor que satisfizer o direito do credor para além da parte que lhe competir – estipula o artigo 524.º, do Código Civil – tem direito de regresso contra cada um dos codevedores, na parte que a estes compete.
Ante o expendido e em face da situação que nos é trazida, entende o Tribunal que a pretensão dos Autores terá de proceder, ainda que parcialmente, na medida em que o montante peticionado a título de indemnização é superior ao concedido no que aos danos não patrimoniais respeita.”

Estando, como se disse já, aqui apenas em causa aferir da responsabilidade da Seguradora, importa analisar e decidir o invocado.

É incontroverso e assente que o Município executou a controvertida obra com recurso a meios próprios, designadamente, através da utilização de um compressor a ar para perfuração de maciço rochoso, recorrendo ainda à detonação de explosivos, o que terá determinado os danos reclamados.

A utilização de explosivos, para além de não ter obedecido a um plano previamente definido e registado, prolongou-se por um período de cerca de três anos (De 24/08/2009 a 19/03/2012), não sendo assim difícil de percecionar que, para além dos danos verificados nas habitações dos Autores, a situação de insustentabilidade de vivência dos mesmos ao longo do referido período.

A atuação do Município foi qualificada pela Sentença do Tribunal a quo como, nomeadamente, configurando uma omissão ilícita dos deveres de cuidado, prudência e adequação, em violação de normas legais e regulamentares aplicáveis, bem como de regras de ordem técnica e de prudência comum, o que aqui se ratifica.

Tendo o Município contratualizado um Seguro de Responsabilidade Civil com a Seguradora aqui igualmente demandada, dificilmente esta se eximiria à responsabilidade de responder pelos danos verificados, dentro dos limites da correspondente apólice, mormente, atenta a manifesta violação dos deveres de cuidado, prudência e adequação por parte do Município ao atuar como atuou.
É certo que a apólice de seguro contratualizada entre os demandados, exclui a responsabilidade da seguradora pelos danos decorrentes “da violação de leis, regulamentos ou normas técnicas ou de segurança aplicáveis a atividades do segurado”.

Em qualquer caso, a referida cláusula de exclusão de responsabilidade da seguradora roça aquilo que poderíamos definir como uma Cláusula abusiva, pois que quase esvazia a responsabilidade da seguradora, sendo que, na situação em apreciação, não deixa a mesma de ser responsável em face das verificadas e já descritas violações dos deveres de cuidado, prudência e adequação por parte do Município.

Aliás, mal se compreende a utilização reiterada de explosivos nas imediações de edificações ao longo de três anos, sem que, nomeadamente, tenha previamente sido feita uma verificação do estado em que se encontravam os edificados circundantes, exatamente para cautelar os eventuais futuros pedidos indemnizatórios.

Com efeito, independentemente do cumprimento das leis e regulamentos aplicáveis, perante a prolongada exposição dos edificados e das pessoas aí residentes a explosões ao longo de três anos, sempre os Autores poderiam ser potencialmente ressarcidos nos termos da Responsabilidade civil extracontratual, ainda que por factos lícitos.

Como o próprio STA afirmou, designadamente, no seu acórdão de 19/12/2012, proferido no processo n.º 01101/12, “O Estado e demais pessoas coletivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante atos administrativos legais ou atos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais.”

O mesmo STA tem uniformemente balizado a referida questão, aludindo-se, a titulo de exemplo, ao Acórdão de 21.01.03, proferido no recurso 990/02, onde se afirmou que "Por prejuízo especial entende-se o que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma relativa posição específica; por prejuízo anormal aquele que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a atividade lícita da Administração".

“O ressarcimento dos danos provocados por atuações administrativas lícitas tem seguramente um carácter evolutivo podendo dizer-se que quanto mais evoluída e próspera é uma sociedade maior deverá ser a sua capacidade indemnizatória em relação às vítimas das suas intervenções, tomadas, afinal, em proveito de todos” (Vg. Acórdão STA de 9.12.08, proferido no recurso 1088/02).

Assim, perante a transferência de responsabilidade Civil do Município para a Seguradora, por via da apólice contratualizada, até prova em contrário, sempre será esta responsável pelos danos e prejuízos causados na esfera jurídica dos Autores.

A seguradora só poderia pois ser absolvida do pedido caso tivesse demonstrado que os danos participados não haviam resultado da intervenção do seu segurado Município, o que não logrou alegar e menos ainda demonstrar.

Assim, bem andou o Tribunal a quo ao decidir que, tendo o Município transferido para a Seguradora a responsabilidade civil decorrente da sua atividade, e dentro dos limites do contratualizado e atenta a franquia adotada, ocorre uma situação de responsabilidade solidária dos demandados relativamente aos AA.

Atenta a natureza dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais fixados pelo tribunal a quo, não logrou pois a seguradora demonstrar ser aplicável à controvertida situação qualquer das exceções constantes do contratualizado, pois que o ocorrido sempre constituiria uma violação dos deveres de cuidado, prudência e adequação do Município, não constante das exceções contratualizadas.

Efetivamente, nos termos do art.º 483.º, n.º 1 do Código Civil, “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem, ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

Em face de tudo quanto supra ficou expendido, em função do objeto do Recurso, não se vislumbra que a decisão de 1ª Instância mereça censura.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.

Custas pela Recorrida/Seguradora

Porto, 19 de novembro de 2021

Frederico de Frias Macedo Branco
Isabel Jovita (em substituição)
Paulo Ferreira de Magalhães