Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01028/20.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/22/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; LICENCIAMENTO URBANO; PERICULUM IN MORA; EFEITO SUSPENSIVO DO RECURSO.
Sumário:1 – Com a nova redação do CPTA, deixou de existir o critério da evidência que permitia decretar, só por si, a providência requerida.Há que averiguar agora, desde logo, a existência do periculum in mora, a constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.
Continua a recair sobre o requerente o ónus de fazer prova sumária dos requisitos do periculum in mora, enquanto receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e, se for caso disso, do fumus boni iuris, enquanto sumária avaliação da probabilidade de existência do direito invocado.
Ao referido acresce ainda a eventual necessidade de ser feita uma ponderação de todos os interesses em presença (públicos e/ou privados).

2 - No que respeita à atribuição de efeito suspensivo ao Recurso, por força do disposto no n.º2 do art. 143º do CPTA, os recursos interpostos de decisões respeitantes à adoção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo, não se encontrando legalmente consagrada a possibilidade de ser atribuído efeito suspensivo.

3 - Impõe-se ao tribunal que, mediante um juízo de prognose, avalie se, face a uma eventual sentença, proferida no processo principal, que conceda provimento à pretensão do requerente, a mesma virá a revelar-se inútil em virtude de, entretanto, se ter criado uma situação de facto consumado com a mesma incompatível, isto é, se se tornar impossível a reintegração da situação conforme à legalidade, ou se essa reintegração for muito difícil, ou se entretanto se produzirem prejuízos de difícil reparação para os interesses do Requerente, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica, devendo atender-se a todos os prejuízos, quer estes respeitem a interesses públicos, comunitários ou coletivos, quer estejam em causa apenas interesses individuais. A prova do “fundado receio” a que a lei faz referência deverá ser feita pelo requerente, o qual terá que invocar e provar factos que possam levar o tribunal a concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação, justificando-se por isso a concessão da providência solicitada. Em suma, para que se tenha por preenchido este requisito, não basta um mero juízo de probabilidade; necessário se torna a existência de um receio fundado.

4 - Num processo de natureza Cautelar e perante a mera alegação de um facto, tal não determina que o tribunal tenha de o dar por assente, uma vez que alegar não é provar, como decorre do brocardo latino - Allegatio et non probatio quasi non allegatio - Alegar e não provar é quase não alegar.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:C., e Outros
Recorrido 1:Município de (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório

C., J., J., e F., vieram apresentar contra o Município de (...), a presente Providência Cautelar, na qual requereram a suspensão de eficácia do ato de licenciamento da obra de edificação identificada nos autos, tendo como contrainteressadas a C., Ld.ª e D., Ld.ª.
Os Requerentes, inconformados com a Sentença proferida no TAF de Braga em 10 de novembro de 2020, que julgou “improcedente o presente processo cautelar, por inverificação do periculum in mora”, vieram em 23 de novembro de 2020, apresentar Recurso para esta instância, no qual concluíram:

“I. Não se conformam os Recorrentes com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a providência cautelar interposta considerando não ter sido demonstrado o preenchimento do requisito do periculum in mora pelo que, consequentemente, absolveu o Município Recorrido.
II. A ser reconhecida a ilegalidade do licenciamento em crise nos autos, a obra já erigida terá, potencialmente, de ser totalmente demolida, o que importa várias consequências para as construções adjacentes (muitas delas, antigas), ambientais e financeiras (quer para o erário público, quer para os próprios particulares que procederem à construção e os que venham a adquirir as frações autónomas).
III. Os danos para o urbanismo, para o ambiente e para a comunidade em se manter a execução desta obra serão irreversíveis, não sendo possível o restabelecimento da situação que deveria existir se a final, na causa principal, como se crê, o ato impugnado seja considerado ilegal e nulo.
IV. A acrescer, sendo uma das condições do licenciamento a execução de obras de demolição, construção e ampliação e estando as mesmas em execução é certo que o edificado se alterará de modo irreparável.
V. Somente com a suspensão de eficácia do ato impugnado até à decisão na ação principal é possível impedir a produção de prejuízos irreparáveis que ocorrerão bem antes de ser proferida decisão nos autos principais.
VI. Salvo diferente e melhor entendimento, ocorreu erro de julgamento do Tribunal a quo, na medida em que considerou não verificada a existência de periculum in mora, e não provados os factos indicados, errando na aplicação da norma do art. 120º/1 do CPTA,
VII. O erro de julgamento estende-se à matéria de facto pois Tribunal a quo, na elaboração da matéria de facto dada por provada não teve, desde logo, em consideração factos relevantes para a decisão da causa e documentos que os demonstram tais como: artigo 27º alegados no RI e demonstrados pelos docs 4, 5, 6, 7, 8 e 9 juntos com o mesmo articulado e, ainda, doc. 5 junto com a oposição; artigo 38º demonstrado pelo próprio PA; artigo 40º demonstrado pelo próprio PA; artigo 56º demonstrado pelo próprio PA; artigo 67º demonstrado pelos documentos 6 e 7 juntos com o RI; artigo 74º demonstrado pelo próprio PA; Artigo 75º demonstrado pelo próprio PA; artigos 84º e 85º demonstrado pelo documento 15 junto com o RI; artigo 95º relativo à demolição como sendo, perfunctoriamente, a única medida de tutela urbanística possível, o que se presume dos factos provados 6 (índice de impermeabilização de 94,9%) e 7 (vistoria de demolição para – apenas – três dos cinco prédios) pois não se poderá manter na ordem jurídica este ato de licenciamento e é, inclusivamente, admitido pelo Julgador na motivação da decisão sub iudice; artigo 96º conquanto resulta dos documentos juntos aos autos e da própria oposição do Requerido e Contra- Interessados que o local da obra se situa no centro histórico da cidade de (...); Artigo 97º e 98º na medida em que os trabalhos de demolição no centro de uma cidade requerem trabalhos complexos e implicam impactos ambientais e nos edifícios contíguos.
VIII. Vai, assim, à luz do disposto nos arts. 607º/4 e 640º/1 do CPC, impugnada a decisão sobre a matéria de facto nos termos concretamente indicados pugnando-se pela sua inclusão na referida matéria com interesse para a discussão dos autos.
IX. O requisito do periculum in mora ter-se-á por preenchido sempre que exista fundado receio de que, quando o processo principal termine, a sentença aí proferida já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas em litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
X. No caso sub iudice, o não decretamento da providência acarreta a constituição de uma situação de facto consumado, na medida em que a construção cujo licenciamento está em crise sendo terminada tornará muito difícil ou mesmo impossível a reconstituição da situação conforme à legalidade.
XI. “Na verdade, se a obra prosseguir conforme o projeto aprovado, vindo a declarar-se a nulidade do correspondente licenciamento, a reposição da legalidade tornar-se-á um facto muito mais oneroso para todos os intervenientes no litígio. Para os requerentes da providência, a execução do projeto com a construção do edificado em desconformidade com os preceitos legais pode constituir um facto consumado. Por seu turno, para o requerido particular, o promotor da obra, a prossecução do projeto irá seguramente implicar o dispêndio do dinheiro inerente à respetiva construção. Por conseguinte, vindo a declarar-se a nulidade do licenciamento, se daí resultar a obrigação de demolir – parcial ou totalmente – o edifício construído, essa mesma circunstância irá provocar-lhe danos acrescidos e relevantes. Por último, a prossecução da obra conforme o projeto aprovado poderá implicar para o Município (...) os danos necessariamente decorrentes da violação de um interesse público de garantia da legalidade urbanística, para além de poder agravar os deveres indemnizatórios que lhe possam ser assacados a título de responsabilidade civil pela prática de atos ilícitos. Em conclusão, se a obra vier a prosseguir conforme o projeto aprovado, vindo a declarar-se no processo principal a nulidade do ato de licenciamento, ocorrerão certamente prejuízos relevantes e de difícil reparação para os interesses de todos os intervenientes neste litígio. Ponderados todos os interesses públicos e privados em presença, verifica-se, igualmente, que a suspensão de eficácia do ato de licenciamento trará, para todos esses interesses, danos inferiores àqueles que podem resultar da não adoção da providência.” in o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 24/01/2019.
XII. O Tribunal recorrido, quando considerou a existência de um “eventual prejuízo/dano para o interesse público” mas, ao mesmo tempo, não vislumbrou um custo/prejuízo direto dos Recorrentes parece ter olvidado que estes agem, neste autos, na qualidade de Autores populares, logo em defesa do interesse público, in casu, do ordenamento do território e do urbanismo, pelo que, o interesse a ponderar é o interesse público popular e não um qualquer interesse privado.
XIII. Ao considerar a existência de prejuízo para o interesse público (desde logo, financeiro) o tribunal a quo, mais uma vez, admite uma situação de facto consumado pelo que sempre teria de ter julgado procedente a providência requerida, o que se invoca.
XIV. O Tribunal recorrido incorreu, ao longo da motivação e no dispositivo, em erro de julgamento, errando na aplicação da norma do art. 118º do CPTA, 20º da CRP e 5º, 6º e 411º do CPC.
XV. O impacto da impermeabilização dos solos constitui matéria que releva para a vida em comunidade, logo, para o ordenamento do território e urbanismo, sendo que, no caso sub iudice, uma das ilegalidades invocadas reporta-se, exatamente, à violação do índice de impermeabilização do solo regulado no PDM;
XVI. Em 2012, a Comissão Europeia publicou, a título informativo, um documento de trabalho, que denominou “Orientações sobre as melhores práticas para limitar, atenuar ou compensar a impermeabilização dos solos”, o qual, embora não constitua uma vinculação legal, compila uma análise relevante no que concerne à relação entre a água (recurso escasso e indispensável à vida) e a ocupação urbana pelo Homem, e os riscos decorrentes da segunda para a primeira.
XVII. Segundo a noção de impermeabilização apresentada nesse estudo: “impermeabilização dos solos é a cobertura permanente de uma dada superfície de terreno e do seu solo com materiais artificiais impermeáveis, como o asfalto e o cimento. Na Estratégia Temática para os Solos (COM(2006) 231) da Comissão Europeia e no último relatório da Agência Europeia do Ambiente acerca do estado do ambiente europeu (EEE, 2010b), este e considerado um dos principais processos de degradação do solo”.
XVIII. Adiantando que o processo de urbanização implica o seguinte: “É prática corrente remover o solo superficial, que fornece a maior parte dos serviços ecossistémicos do solo, e instalar fundações solidas no subsolo e/ou na rocha subjacente, para apoiar a construção ou as infraestruturas, antes de passar a fase da construção. Em geral, esta pratica tem por efeito isolar o solo da atmosfera, impedindo a infiltração das águas pluviais e as trocas de gases entre o solo e o ar. Assim, a impermeabilização resulta literalmente em consumo do solo (a menos que o solo seja reutilizado adequadamente noutro lugar). E um motivo de grande preocupação, uma vez que a formação do solo e um processo muito lento, sendo necessários séculos para formar um centímetro.”
XIX. O solo, uma vez escavado e retirado para construir fundações, como ocorreu já no caso dos autos, implica que aquela porção de território fique isolada da atmosfera, impedindo a infiltração das águas pluviais e as trocas de gases entre o solo e o ar.
XX. A impermeabilização do solo decorrente da ocupação urbana altera o ciclo hidrológico e importa efeitos nocivos no solo, no ordenamento do território, na sustentabilidade, no urbanismo, nas pessoas.
XXI. In casu, o índice de impermeabilização aprovado por este licenciamento é de 94,9% (vide Ponto 6 da Matéria de Facto Provada), tendo os Recorrentes alegado e demonstrado, nos artigos 84 e 85 do RI, que estava em curso a construção do edifício licenciado pelo que fica demonstrado o perigo de uma situação de facto consumada e de prejuízo de difícil reparação, concretamente quanto ao ordenamento do território.
XXII. Neste caso, a demonstração da ilegalidade (violação do disposto no art. 67º/1 do PDM) importa a verificação de periculum in mora pois constituir-se-á uma situação de facto irreversível quanto à perda de solo.
LEGISLAÇÃO VIOLADA
Com a sua apreciação a sentença dos autos violou, entre outras, as seguintes disposições legais: art. 5º, 6º, 411º e 607º/4 do CPC, art. 118º e 120º do CPTA e art. 20º da CRP.
TERMOS EM QUE Deve o presente Recurso ser julgado procedente, por provada, com as legais consequências, só assim se fazendo JUSTIÇA!”

O Município Recorrido veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 14 de dezembro de 2020, nas quais concluiu:

“I. Os Recorrentes requereram, nos termos do disposto no art.º 18º da Lei nº 83/95, a atribuição, ao recurso, de efeito suspensivo, a fim de “evitar dano irreparável ou de difícil reparação.” com base no facto de a obra estar em execução e só, desta forma, é possível evitar uma situação de facto consumada.
II. Só com a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, na ótica dos Recorrentes, “mantendo-se a proibição de execução dos atos em crise determinada pelo disposto no art.º 128º do CPTA.”, se permite evitar a demolição, construção e ampliação da obra em condições ilegais.
III. Os Recorrentes invocam de forma manifestamente insuficiente os elementos que consubstanciam o alegado periculum in mora, reportando-se somente a uma alegada inundação do arruamento público que terá ocorrido no decurso da obra e, de um modo geral, o evitar a demolição da obra, e de tudo o que for edificado.
IV. O que os Recorrentes pretendem é obter o efeito suspensivo que decorreria do decretamento da presente providência, nesta sede de recurso, subvertendo, desta forma, a decisão proferida e a sindicância efetuada adjetiva e substantivamente.
V. No âmbito do processo administrativo, o decretamento de uma providência cautelar envolve, nos termos dos nºs. 1 e 2 do artigo 120.º do CPTA, que sejam tomados em consideração os três critérios, o fumus bonus iuri, o periculum in mora, e uma ponderação entre todos os interesses em presença.
VI. Não obstante os Recorrentes alegarem o preenchimento dos requisitos/critérios tendentes ao decretamento da providência por si requerida, certo é tal não se verifica in casu, mormente, como a decisão judicial aqui em análise considerou, o periculum in mora, porquanto bastaram-se com uma alegação genérica, escassa, insuficiente e inconcludente.
VII. Analisado o requerimento inicial constata-se que a única argumentação oferecida pelos aqui Recorrentes a este propósito (do periculum in mora) reconduz-se tão só a uma alegada inundação do arruamento público aquando das obras de demolição e ao evitar de se realizarem obras de demolição com inerentes encargos para o erário público, em função da procedência da ação principal, bem como assegurar o efeito útil desta.
VIII. Os Recorrentes sustentam, erradamente, que o receio da conclusão da construção representa em si um facto consumado, pelo que, na sua ótica, se verifica o periculum in mora, i.e., vêm sustentar que se a providência não for decretada estamos perante um facto consumado, a construção de edifício destinado a habitação multifamiliar, comércio e serviços, fundamento para que se venha a deferir a sua pretensão.
IX. No que se refere ao periculum in mora ensinam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, “que se exige antes de mais um “fundado receio “quanto às circunstâncias específicas de cada caso. Significa isto que o Juízo sobre o risco de ocorrência deve ser sustentado numa apreciação das circunstâncias específicas de cada caso, baseado na análise de factos concretos, que permitam a um terceiro imparcial concluir que a situação de risco é efetiva, e não uma mera conjetura de verificação eventual.”
X. Para Vieira de Andrade “O juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica.
XI. Ora, dos factos dados invocados pelos Recorrentes verifica-se que estes apenas aduzem que o perigo de a única medida de reposição da legalização urbanística ser a demolição de um edifício com elevada volumetria em pleno centro histórico da cidade de (...); a ter de ocorrer uma demolição desta natureza é mister que se construa o menos possível, daí, também, o presente requerimento, de modo a evitar que a cidade seja, daqui a uns anos, alvo de um processo de demolição complexo e intenso, acarretando sérios prejuízos para a qualidade do ar devido aos potenciais detritos decorrentes de uma demolição; mais pondo em causa os prédios contíguos.
XII. O Tribunal a quo pronunciou-se, ponderada e fundamentadamente, sopesando os interesses públicos e privados em causa, bem andando ao considerar que “(…) não basta alegar que há um risco de produção de danos de difícil reparação para os interesses que os Requerentes visam acautelar no processo principal ou de existência de fundado receio na verificação de uma situação de facto consumado; importa, pois, que tal seja devidamente concretizado, por reporte a efetiva factualidade nesse domínio.”
XIII. Não estamos perante um fundado receio, mas perante meras conjeturas; pois para estarmos perante um facto consumado, para efeitos de se poder deferir a uma providência cautelar, temos de estar perante uma situação onde seja impossível restabelecer a situação anterior.
XIV. No caso sub judice, da hermenêutica da sentença aqui posta em crise pelos Recorrentes, decorre que o Tribunal a quo, atento o quadro o conspecto fáctico em causa, o teor das normas invocadas e o juízo a adotar nesta sede - que terá sempre de ser um juízo indiciário, de verosimilhança e de probabilidade, sob pena de se estar a entrar no domínio da apreciação de mérito - fundamentou e justificou, de forma clara e suficiente, o seu entendimento jurídico, de modo a concluir pela falta de verificação de um dos pressupostos de que depende a tutela cautelar, in casu, o periculum in mora.
XV. Em face de tudo quanto se expendeu supra, não se reconhece a verificação de quaisquer prejuízos de difícil reparação que pudessem ser evitados com a suspensão do ato em questão.
XVI. Em consequência do exposto, deve manter-se, na íntegra, a decisão recorrida.
Termos em que, deve ser negado provimento ao recurso apresentado pelos recorrentes e, em consequência, ser mantida, in totum, a decisão recorrida, como é de direito e assim se fazendo Justiça!”

As Contrainteressadas D., LDA e C. LDA, vieram apresentar as suas contra-alegações de Recurso igualmente em 14 de dezembro de 2020, sem conclusões, afirmando, a final, que “se deve julgar o presente recurso totalmente improcedente”.

Por Despacho de 17 de dezembro de 2020 foi admitido o Recurso interposto.

Mais se refere no referido Despacho relativamente ao requerido efeito suspensivo do Recurso, o seguinte:
“Efeito suspensivo do recurso
Os Recorrentes requerem a atribuição de efeito suspensivo ao recurso interposto, ao abrigo do artigo 18º da Lei 83/95, uma vez que a própria natureza dos atos de execução do licenciamento, em causa, importa a constituição de situação de facto consumado, dado que essa mesma execução permite a demolição, construção e ampliação dos imóveis, o que, atendendo até à localização da obra, coloca sérias dificuldades ou mesmo impossibilidade de reconstituição da situação conforme à legalidade (caso esta venha a obter procedência). Mais aduziram que o artigo 18º da Lei 83/95 prevê um regime especial de eficácia dos recursos, desde que seja para evitar dano irreparável ou de difícil reparação.
O Recorrido pugnou pelo indeferimento de tal pedido.
Ora, cotejado o requerimento dos Recorrentes, verifica-se que os mesmos sustentam a atribuição de efeito suspensivo, ao seu recurso, em circunstancialismos, no geral, já invocados e analisados na sentença, pelo que não se antevê motivo para reponderar tais pontos nesta fase. Além do mais, o artigo 18.º da Lei 83/95 dispõe que: Regime especial de eficácia dos recursos Mesmo que determinado recurso não tenha efeito suspensivo, nos termos gerais, pode o julgador, em ação popular, conferir-lhe esse efeito, para evitar dano irreparável ou de difícil reparação. Uma vez mais, considerando que a alegação, ora aventada, para a atribuição, deste efeito, ao recurso, é a já analisada e que ditou, inclusivamente, a improcedência do processo cautelar, nada há que justifique o acolhimento do alegado. Por ser assim, indefere-se a requerida atribuição de efeito suspensivo ao recurso.”

O Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal, notificado em 22 de dezembro de 2020, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Com dispensa de vistos prévios (art.º 36º, nº 2, do CPTA), cumpre decidir.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, o que se consubstancia na necessidade de verificar se se verificará periculum in mora,

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte matéria de facto relevante para a apreciação da questão controvertida, cujo teor infra se reproduz:

1. Os Contrainteressados apresentaram, em 13.08.2018, junto do Requerido pedido de licenciamento de obras de demolição, alteração e ampliação de um edifício destinado a habitação multifamiliar, comércio e serviços, num terreno localizado na Rua (...), freguesia de (...) – cfr. doc. 1 junto com a oposição;
2. Declararam os Contrainteressados que a área total de intervenção da operação urbanística era de 1.109 m2 (mil cento e nove metros quadrados) e que a mesma era composta pelos prédios descritos sob os n.ºs 561/(...), 337/(...) e 417/(...) – cfr. doc. 1 junto com a oposição;
3. A área destes três prédios totaliza 963 metros quadrados, dado que, o prédio 561/(...) (doravante 561), pertencente ao Contrainteressado C., Lda. e a D., Lda. tem uma área total de 836 m2; o prédio 337/(...) (doravante 337), pertencente a C., Lda. tem área total de 55 m2; o prédio 417/(...) (doravante 417), pertencente a D., Lda. tem uma área total de 72 m2 – cfr. docs. 1, 2 e 3 juntos com o requerimento inicial;
4. Mais declararam os Contrainteressados que:
“A presente proposta incide sobre vários prédios, assim, esclarece-se que o promotor está a proceder á unificação dos mesmos, comprometendo-se a entregar nova descrição predial até á emissão do alvará de licença de construção” – cfr. doc. ARQ_MD_V1 junto no PA, CD 1;
5. A construção diz respeito a 5 pisos, 1 abaixo da cota da soleira e 4 acima – cfr. doc. ARQ_QS_V1 junto no PA, CD 1;
6. Encontra-se previsto como área de impermeabilização 1.052,30m2, o que equivale a um índice de impermeabilização de 94,9% – cfr. doc. ARQ_QS_V1 junto no PA, CD 1;
7. Em 20.09.2018, foi elaborada informação, com aposição de despacho “Comunique-se”, da qual se extrai, o seguinte – cfr. fls. 86 do PA em processo físico:
“[…]
2- É referido que se vai anexar os 3 prédios da intervenção. Não vemos inconveniente, devendo, no entanto, ser esclarecida a divergência das áreas uma vez que a soma das áreas das 3 descrições é 902,45 m2 e a área total do terreno da intervenção indicada é 1109 m2. […]”;
8. Por despacho datado de 21/01/2019, proferido pelo Vereador Eng.º J., no uso de competências atribuídas pelo Presidente da Câmara, através do despacho n.º 16/2018, de 13 de abril, foi aprovado o projeto de arquitetura, o qual foi notificado por ofício datado de 22.01.2019, pelo Chefe de Divisão de Planeamento Urbanístico e Ambiente Hugo Lomba – cfr. docs. 4 e 5 juntos com o requerimento inicial;
7. Em 21.01.2019 foi proferido despacho de aprovação do projeto de arquitetura, aposto sob informação da mesma data, da qual se extrai o seguinte:
“A pretensão consiste num pedido de licenciamento de obras de demolição, alteração e ampliação de um edifício destinado a habitação multifamiliar, comércio e serviços, num terreno localizado na Rua (...), freguesia de (...), concelho de (...), [...]
1 - É referido que está a procederá anexação dos prédios da intervenção e a retificara área total do prédio da intervenção. Não vemos inconveniente, devendo ser apresentada a certidão de registo retificada antes do deferimento do pedido. A área total dos prédios indicada no projeto de arquitetura é de 1109,00 m2.
[...].
4. Refere-se que a demolição total ou parcial de edifícios localizados em espaço central nível I só poderá acontecer, em caso de ruína eminente, comprovada através de vistoria municipal, de acordo com o previsto no n.°2 do artigo 77° do Regulamento do PDM. Em 15/11/2018 foi efetuada uma vistoria aos edifícios da intervenção para esse efeito, tendo sido referido o seguinte:
“- nos edifícios existentes nos prédios descritos na conservatória do registo predial de (...) sob os n.º 561 /(...) e 417/(...), toda a estrutura da cobertura dos mesmos se encontra colapsada, tendo a estrutura de madeira que constituía os pavimentos apodrecido e entrada também em colapso, pelo que, o interior do edifício é um amontoado de escombros [...]
- no edifício existente no prédio descrito na conservatória do registo predial de (...) sob o n.º 337/(...), a estrutura do mesmo encontra-se em estado razoável de conservação [...].
Assim, parece-nos que as demolições previstas no projeto de arquitetura poderão ser autorizadas (...) ”
8. Em 02.08.2019, foi outorgada procuração por H. a D., C., Ld.ª e F., conferindo poderes para conjunta ou separadamente e junto da Câmara Municipal de (...) e no âmbito do processo de licenciamento GUD40718, respeitante ao prédio urbano sito na Rua (...), nº 16, em (...), descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número 756 e inscrito na matriz respetiva sob o artigo 2655, apresentar pedidos de informação prévia, projetos, requerer licenças, assim como quaisquer documentos, alvarás, vistorias, requerer viabilidade de construção ou loteamento, pagar taxas ou impostos, fazer transferências e averbamentos a projetos, podendo ainda requerer quaisquer informações ou certidões referentes ao processo de licenciamento que será apresentado na sequência do deferimento do pedido de informação prévia assinando tudo quanto for necessário aos indicados fins – cfr. procuração junta no PA, CD 6;
9. Em 20.08.2019, foi outorgada procuração por D. e R., a D., C., Ld.ª e F., conferindo poderes para junto da Câmara Municipal de (...) e no âmbito do processo de licenciamento GUD40718, respeitante ao prédio urbano sito na Rua (...), nº 26, em (...), descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número 540 e inscrito na matriz respetiva sob o artigo 443, apresentar projetos, requerer licenças, assim como quaisquer documentos, alvarás, vistorias, requerer viabilidade de construção ou loteamento, pagar taxas ou impostos, fazer transferências e averbamentos a projetos, podendo ainda requerer quaisquer informações ou certidões referentes ao processo de licenciamento assinando tudo quanto for necessário aos indicados fins – cfr. procuração junta no PA, CD 6;
10. Em 03.09.2019, a Contrainteressada C. apresentou as procurações referidas no ponto antecedente e certidões do registo predial no processo GUD40718, passando a constar deste a identificação total dos prédios a abranger pelo projeto – cfr. pasta “requerimento” no PA, CD 6;
11. Por despacho datado de 09/09/2019 proferido pelo Vereador da Câmara do Requerido Eng.º J., no uso de competências atribuídas pelo Presidente da Câmara, através do despacho n.º 16/2018, de 13 de Abril, foi deferido o licenciamento de obras de demolição, alteração e ampliação de edifício destinado a habitação multifamiliar, comércio e serviços, o qual foi autuado nessa Câmara com o n.º GUD40718, e que foi notificado aos Contrainteressados pelo Chefe de Divisão do Requerido, H., por ofício datado de 13.09.2019 – cfr. docs. 6 e 7 juntos com o requerimento inicial e doc. 5 junto com a oposição;
12. Essas obras tinham sido isentadas de taxas através de despacho do Presidente da Câmara de (...), datado de 30/04/2019, e notificado aos Contrainteressados pelo Chefe de Divisão do Requerido, H. – cfr. doc. 7 junto com o requerimento inicial;
13. A obra está em plena execução – cfr. doc. 15 junto com o requerimento inicial;
14. Em 20.11.2019, foi emitido alvará de licenciamento – cfr. fls. 63 do PA em processo físico;
15. Os Requerentes são residentes e eleitores efetivos no concelho de (...), Portugal – cfr. docs. 1 a 4 juntos a fls. 78 e seguintes da numeração SITAF;
16. O requerimento inicial que motiva os presentes autos deu entrada neste Tribunal em 20.07.2020 – cfr. registo SITAF.

IV - Do Direito
No que ao “direito” concerne, discorreu-se em 1ª instância:
“De acordo com a redação atual do artigo 120º do CPTA os critérios de decretamento das providências cautelares prendem-se com o periculum in mora e o fumus boni iuris, aos quais deve acrescer a ponderação de interesses em presença.
(...)
Os pressupostos que cabe avaliar referem-se a um requisito de perigosidade – periculum in mora – assente na existência de fundado receio na verificação de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa acautelar no processo principal, sendo que, para a concretização destes conceitos não vale já o critério da insuscetibilidade de avaliação pecuniária dos prejuízos invocados, mas antes o da impossibilidade de reintegração da esfera jurídica do requerente ou da maior ou menor dificuldade em concretizar essa reintegração, no caso do prejuízo de difícil reparação; e um requisito da existência de fumus boni iuris, na sua formulação positiva, ou seja, na demonstração de que é provável que a ação principal venha a ser julgada procedente.
Caso se mostrem verificados estes requisitos, impõe-se, ainda, ao julgador, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 120º, a ponderação de todos os interesses em jogo, para que seja assegurado o princípio da proporcionalidade na tomada de decisão sobre a adoção da providência.
No presente processo, está em causa um ato de licenciamento, cuja suspensão de efeitos os Requerentes pretendem, que permitiu a realização de obras de demolição, alteração e ampliação de um edifício destinado a habitação multifamiliar, comércio e serviços, na Rua (...), em (...).
No que concerne ao requisito do fumus boni iuris, os Requerentes invocam a divergência de áreas entre o requerido e a realidade existente, a falta de legitimidade dos requerentes do licenciamento, a usurpação de funções, por não ter sido verificada e sanada tal ilegitimidade e divergência de áreas, a ocorrência de desvio de poder e a violação do RPDM de (...), ao nível de índice de impermeabilização e cércea e volumetria.
Ao nível do periculum in mora, os Requerentes aduzem que pretendem a suspensão de uma obra ilegal, que, a final, poderá que ter que ser demolida, o que é um custo e risco para a zona histórica onde se situa.
O Requerido e os Contrainteressados, além de impugnarem o aduzido em sede de fumus boni iuris, sustentam nas respetivas oposições que os Requerentes não alegam factualidade suscetível de preencher o requisito do periculum in mora.
Principiando por este requisito do periculum in mora, e concretizando, a alegação do Requerentes assenta nos seguintes argumentos (pontos 81 e seguintes do requerimento inicial):
o presente procedimento cautelar dirige-se à suspensão de eficácia do ato de licenciamento da operação urbanística supra melhor identificado, o qual viabiliza a construção e ampliação de edifício, em violação de regras legais imperativas e das regras do Código de Procedimento Administrativo, quer do PDM; a obra está em plena execução; os contrainteressados já procederam à demolição do edificado existente nos cinco prédios, tendo já erigido as fundações do edifício licenciado; ao que acresce que, na obra não existe qualquer alvará afixado o que indicia que o mesmo não foi sequer entregue pelo Requerido; pretendem assegurar a utilidade da ação administrativa tendente a obter a declaração de nulidade; ainda assim, os contrainteressados iniciaram a obra e procederam ao encerramento da via pública que atravessa a Rua (...) sem qualquer procedimento autorizativo prévio; a 30 de junho, durante os trabalhos de construção, ocorreu no local da obra rebentamento de condutas de água que inundaram e danificaram a via pública, impedindo a circulação no local; uma sentença favorável proferida no processo principal será insuficiente para acautelar os interesses que defendem, uma vez que se verificarão prejuízos irreparáveis, decorrentes da demora inerente à ação principal; caso os atos sindicados não sejam objeto de suspensão, essa circunstância causará prejuízos não apenas de difícil reparação, mas mesmo de natureza irreparável, afetando de modo intolerável a legalidade urbanística e do ordenamento do território preenchendo, por isso, o pressuposto previsto no n° 3 do artigo 120° do C.P.T.A.; no caso em concreto, a procedência de todos ou qualquer um dos vícios invocados supra implica a adoção de medidas de reposição da tutela urbanística, desde logo, a demolição da construção assim erigida, a qual, em bom rigor, ainda nem sequer se deveria ter iniciado atenta a falta de título de alvará; a não suspensão da eficácia dos atos administrativos postos em crise terá, pelo menos, a consequência nefasta de permitir que o ato nulo produza efeitos de facto, ou seja, in casu, que o edifício seja construído; é real, efetivo e existente, o perigo de a única medida de reposição da legalização urbanística ser a demolição de um edifício com elevada volumetria em pleno centro histórico da cidade de (...); a ter de ocorrer uma demolição desta natureza é mister que se construa o menos possível, daí, também, o presente requerimento, de modo a evitar que a cidade seja, daqui a uns anos, alvo de um processo de demolição complexo e intenso, acarretando sérios prejuízos para a qualidade do ar devido aos potenciais detritos decorrentes de uma demolição; mais pondo em causa os prédios contíguos (trata-se de uma zona urbanizada e consolidada, integrada por vários edifícios vetustos); com a continuidade da execução do ato, cuja probabilidade de ser declarado nulo se reputa de séria, os Requerentes vêm o enquadramento urbanístico do Centro Histórico de (...) irremediavelmente lesado e, por conseguinte, violados os interesses tutelados pela ação popular.
Ora, analisando os vários argumentos, pode afirmar-se, desde já, que se afigura que a razão está do lado do Requerido e Contrainteressados. É que os vários argumentos ou são conclusivos ou relativos à ilegalidade do ato e não à urgência da decisão cautelar, ou meramente irrelevantes neste domínio. Senão, atente-se.
Os Requerentes referem-se a violações do PDM e CPA e que a obra já está em curso, sem o competente alvará e que foi encerrada uma rua sem autorização – tudo argumentos tendentes a demonstrar a ilegalidade, o fumus boni iuris e não a urgência.
Além disso, os Requerentes relatam uma inundação que terá ocorrido no decurso da obra – não se compreende em que medida tal circunstância, situada num determinado momento e da qual não se extraem quaisquer consequências, releva no âmbito deste requisito de periculum.
Por fim, sustentam os Requerentes que, numa obra desta envergadura, a levar a cabo em zona histórica, deve ser construído o mínimo possível, de modo a que, caso venha a ser procedente a ação principal, tenha que se proceder à demolição do mínimo possível; que tal demolição poderá afetar os demais edifícios e também a qualidade do ar; e que, a não ser de imediato suspensa a obra, haverá prejuízos de natureza irreparável, afetando de modo intolerável a legalidade urbanística e do ordenamento do território.
No que concerne aos riscos de uma eventual demolição, os mesmos são potenciais e, ainda que tal demolição, tenha que vir a ser efetuada, não é, de todo, impossível que a mesma suceda e que, mesmo sendo onerosa, não se faça; além de que, os custos inerentes à mesma terão que ser suportados pelo erário público, não se estabelecendo, aqui, um custo/prejuízo direto dos Requerentes, mas antes um eventual prejuízo/dano para o interesse público – não havendo, assim, prejuízos de difícil reparação.
Acresce que, quanto à ilegalidade urbanística e ordenamento do território, o prosseguimento e conclusão da obra, não implica, necessariamente, que a construção tenha que ser mantida para sempre. Na verdade, há medidas de tutela urbanística a posteriori que serão, se preciso, adotadas; a conclusão da construção não impede a sua adoção, não havendo, na verdade, a criação de facto consumado. Poderá ser mais ou menos difícil a reconstituição da situação inicial, mas não é impossível, nem se afigura, atenta a alegação dos Requerentes e a factualidade provada, que seja desproporcionadamente difícil.
Em suma, não basta alegar que há um risco de produção de danos de difícil reparação para os interesses que os Requerentes visam acautelar no processo principal ou de existência de fundado receio na verificação de uma situação de facto consumado; importa, pois, que tal seja devidamente concretizado, por reporte a efetiva factualidade nesse domínio. Ora, como se deixou, já, assente, acima, tal não foi objeto da devida alegação pelos Requerentes, nem, de modo algum, resulta da factualidade em causa.
Por ser deste modo, considerado todo o expendido, julga-se não estar preenchido o pressuposto do periculum in mora.
Destarte, sendo as providências cautelares decretadas mediante o preenchimento, cumulativo, dos três pressupostos elencados no artigo 120º do C.P.T.A. – fumus boni iuris, periculum in mora e ponderação de interesses, falhando um, não pode o processo ser procedente, não podendo ser decretadas as providências requeridas.
Assim, julga-se improcedente o presente processo cautelar, por inverificação do periculum in mora, ficando prejudicada a análise dos demais pressupostos.

Vejamos:
Com a nova redação do CPTA, deixou de existir o critério da evidência que permitia decretar, só por si, a providência requerida.

Há que averiguar agora, desde logo, a existência do periculum in mora, a constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.

Continua a recair sobre o requerente o ónus de fazer prova sumária dos requisitos do periculum in mora, enquanto receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e, se for caso disso, do fumus boni iuris, enquanto sumária avaliação da probabilidade de existência do direito invocado.
Ao referido acresce ainda a eventual necessidade de ser feita uma ponderação de todos os interesses em presença (públicos e/ou privados).

Analisemos então com a necessária perfunctóriedade o suscitado:

Desde logo, e no que respeita à requerida atribuição de efeito suspensivo ao Recurso, cita-se o sumariado no Acórdão deste TCAN, nº 00159/20.0BEMDL, de 31.08.2020, no qual se refere que “Por força do disposto no n.º 2 do art. 143º do CPTA, os recursos interpostos de decisões respeitantes à adoção de providências cautelares têm efeito meramente devolutivo, não se encontrando legalmente consagrada a possibilidade de ser atribuído efeito suspensivo.”

Idêntico entendimento havia já sido adotado no Acórdão deste TCAN nº 00773/17.1BEAVR, de 28-06-2018, e nos Acórdãos de 30.10.2014 no processo n.º 681/14, do TCAN, de 15.06.09 no processo n.º 1411/08, e do TCAN de 16.01.2015 no processo nº. 690/14.7BEAVR.

Assim, sem necessidade de acrescida argumentação, não se reconhece a necessidade de infletir o referido entendimento, devendo ser mantido o efeito devolutivo ao presente recurso nos termos do artigo 143.º, n.º 2 alínea b) do CPTA.

Do periculum in mora
Entendeu o Tribunal a quo não decretar a requerida providência, por não estar preenchido o periculum in mora, tendo julgado prejudicada a análise dos restantes requisitos, uma vez que a Providência cautelar só será decretada perante o preenchimento cumulativo de todos os requisitos.

Com efeito, no âmbito do processo administrativo, o decretamento de uma providência cautelar envolve, nos termos dos nºs. 1 e 2 do artigo 120.º do CPTA, que sejam tomados em consideração três critérios:
i) o fumus bonus iuri;
ii) o periculum in mora, e
iii) uma ponderação entre todos os interesses em presença.

Como reiteradamente tem sido afirmado, designadamente no acórdão deste TCAN nº 1003/16.9BEPNF, de 24-02-2017, “impõe-se ao tribunal que, mediante um juízo de prognose, avalie se, face a uma eventual sentença, proferida no processo principal, que conceda provimento à pretensão do requerente, a mesma virá a revelar-se inútil em virtude de, entretanto, se ter criado uma situação de facto consumado com a mesma incompatível, isto é, se se tornar impossível a reintegração da situação conforme à legalidade, ou se essa reintegração for muito difícil, ou se entretanto se produzirem prejuízos de difícil reparação para os interesses do Requerente, que obstam à reintegração específica da sua esfera jurídica, devendo atender-se a todos os prejuízos, quer estes respeitem a interesses públicos, comunitários ou coletivos, quer estejam em causa apenas interesses individuais. A prova do “fundado receio” a que a lei faz referência deverá ser feita pelo requerente, o qual terá que invocar e provar factos que possam levar o tribunal a concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumado ou a produção de prejuízos de difícil reparação, justificando-se por isso a concessão da providência solicitada. Em suma, para que se tenha por preenchido este requisito, não basta um mero juízo de probabilidade; necessário se torna a existência de um receio fundado.”

Em concreto e no que respeita ao periculum in mora, os aqui Recorrentes cingiram-se a uma alegação genérica, insuficiente e conclusiva.

Está aqui em causa a suspensão de um ato de licenciamento de obras de demolição e correspondente alteração e ampliação de edifício destinado a habitação, comércio e serviços, de 09/09/2019.

Os Requerentes centram a sua argumentação em questões de direito as quais irrelevam para a apreciação do periculum in mora, apontando singelamente quanto ao requisito em apreciação que terá havido uma inundação do arruamento público e que as eventuais obras de demolição das edificações entretanto concretizadas, perante a procedência da Ação principal, determinarem encargos para o erário público.

Entendem os Recorrentes, que se verificará ainda um facto consumado decorrente da circunstância da obra estar em curso, sendo que esse facto, só por si não permite concluir pelo preenchimento do periculum in mora, pois que, como os recorrentes reconhecem, se for caso disso, sempre a obra seria suscetível de ser demolida.
Entendem pois os Recorrentes que a potencial conclusão da construção representa só por si um facto consumado, em face do que se verificaria o periculum in mora.

Se fosse alegado e perfunctoriamente demonstrado, designadamente, que a demolição tendente à concretização da construção de edifício destinado a habitação multifamiliar, comércio e serviços, incidia sobre edifício relevante arquitetonicamente, poder-se-ia verificar uma situação de facto consumado, que não face à edificação em causa.

Com efeito, nos termos do artigo 120º, n.º 1 do CPTA, as providências cautelares são adotadas, “quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.

Como referem a este propósito Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, exige-se “(...)
antes de mais um “fundado receio” quanto às circunstâncias específicas de cada caso. Significa isto que o Juízo sobre o risco de ocorrência deve ser sustentado numa apreciação das circunstâncias específicas de cada caso, baseado na análise de factos concretos, que permitam a um terceiro imparcial concluir que a situação de risco é efetiva, e não uma mera conjetura de verificação eventual.”
Mais referem os mesmos Autores que “se não falharem os demais pressupostos, a providência deve ser concedida se dos factos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade”.

Refere igualmente Vieira de Andrade (In “A Justiça Administrativa” 4º ed. p. 298), que “O juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica.
Neste juízo, o fundado receio há-de corresponder a uma prova, em princípio a cargo do requerente de que tais consequências são suficientemente prováveis para que se possa considerar” compreensível” ou “justificada a cautela que é solicitada”.

A argumentação dos Recorrentes é pois insuficiente e predominantemente conclusiva relativamente aos factos e circunstâncias que poderiam concorrer para a verificação do Periculum in mora, mormente quando se afirma que “uma sentença favorável proferida no processo principal será insuficiente para acautelar os interesses que defendem, uma vez que se verificarão prejuízos irreparáveis, decorrentes da demora inerente à ação principal”.

O alegado Periculum in mora, na perspetiva dos Recorrentes, consubstanciar-se-ia pois no “(…) o perigo de a única medida de reposição da legalização urbanística ser a demolição de um edifício com elevada volumetria em pleno centro histórico da cidade de (...); a ter de ocorrer uma demolição desta natureza é mister que se construa o menos possível, daí, também, o presente requerimento, de modo a evitar que a cidade seja, daqui a uns anos, alvo de um processo de demolição complexo e intenso, acarretando sérios prejuízos para a qualidade do ar devido aos potenciais detritos decorrentes de uma demolição; mais pondo em causa os prédios contíguos (trata-se de uma zona urbanizada e consolidada, integrada por vários edifícios vetustos).”

A ideia é pois a de construir o menos possível, para que, se for caso disso, se tenha de demolir a menor volumetria possível, argumentário que se mostra insuficiente para a verificação do almejado Periculum in mora.

Como afirmou o Tribunal a quo, “(…) não basta alegar que há um risco de produção de danos de difícil reparação para os interesses que os Requerentes visam acautelar no processo principal ou de existência de fundado receio na verificação de uma situação de facto consumado; importa, pois, que tal seja devidamente concretizado, por reporte a efetiva factualidade nesse domínio.”
Como se afirmou já, uma vez que a verificação dos requisitos da Providência Cautelar, se mostra cumulativa, e dependente da invocação e demonstração de correspondentes factos, incumbia aos aqui Recorrentes, o ónus de alegar e provar a matéria de facto integradora do periculum in mora, não cabendo ao tribunal substituir-se aos Requerentes.

Como se sumariou no recente Acórdão deste TCAN, proferido no processo nº 03317/19.7BEPRT, de 16-10-2020 “Recai sobre o requerente de Providência Cautelar o ónus de fazer prova sumária dos requisitos do periculum in mora, enquanto receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e do fumus boni iuris, enquanto sumária avaliação da probabilidade de existência do direito invocado.
Cabe pois ao Requerente da Providência alegar e provar a existência do periculum in mora, não bastando a mera invocação de considerações genéricas e conclusivas, de uma situação de facto consumado ou de produção de prejuízos de difícil reparação.
Impende sobre o Requerente o ónus de alegação de factos concretos que permitam ao Tribunal perspetivar a existência de prejuízos de difícil reparação ou de uma situação de facto consumado.
(...)
Por maioria de razão, num processo de natureza Cautelar e perante a mera alegação de um facto, tal não determina que o tribunal tenha de o dar por assente, uma vez que alegar não é provar, como decorre do brocardo latino - Allegatio et non probatio quasi non allegatio - Alegar e não provar é quase não alegar.”

Em face de tudo quanto se expendeu supra, tal como decidido em 1ª Instância, não se reconhece o preenchimento do requisito do Periculum in mora, em face do que improcederá o Recurso interposto.

IV - DECISÃO
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.
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Custas pelos Recorrentes
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Porto, 22 de janeiro de 2021

Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa