Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00331/05.3BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/15/2013
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL; IVA; NULIDADE;
FALTA DE ESPECIFICAÇÃO DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Sumário:A falta absoluta de discriminação dos factos não provados é equiparável à falta da indicação da matéria de facto provada, para efeitos da nulidade prevista no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e importa a nulidade da sentença, se tiverem sido alegados factos que não tenha sido dados como provados nem não provados e que possam relevar para a decisão da causa.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:R...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

1.1. A Fazenda Pública recorreu da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou totalmente procedente a impugnação judicial interposta por R..., Lda., n.i.f. 5…, com sede indicada na Estrada Nacional…, Bragança, e anulou liquidações de imposto sobre o valor acrescentado de períodos de 2002 e 2003 e respetivos juros compensatórios.

Notificada da sua admissão, apresentou as respetivas alegações e formulou as seguintes conclusões:

A) A caracterização factual constitutiva da causa de pedir e motivadora do pedido final haveria de retirar-se, de modo expresso, preciso e claro, do teor da PI, e com base em elementos e factos objectivos e concretos, o que no caso, não sucede, ao contrário, é insuficiente, do tipo genérica, e com grau de concretização escasso face ao direito invocado, pelo que não estão suficientemente indicados, concretizados e explicitados os factos constitutivos e essenciais da causa de pedir, e, por efeito, do direito pretendido fazer valer na presente impugnação

B) A tal corresponde, genericamente, o incumprimento do principio do dispositivo previsto no art.264º do CPC e do comando normativo contido no nº1 do art.108º “in fine” do CPPT, que, ao enumerar os requisitos da petição inicial, estatui que “…e se exponham os factos e as razões direito que fundamentam o pedido.”

C) Cabe à impugnante/recorrida o ónus de prova da ilegitimidade do acto, leia-se, avaliação por métodos indiciários, alegando e demonstrando em conformidade, obrigação processual, que, de raiz, se mostra incumprida, pois não são feitos constar, em sede e momento processualmente devido, leia-se, PI, os factos fundamento da ilegitimidade do acto tributário em causa, achando-se violado o comando normativo contido no nº3 do art.74º “in fine” da LGT, que imputa ao sujeito passivo o ónus de prova, que subentende o ónus de alegação, que é prévio e objecto daquele, dos factos/elementos fundamentos da ilegalidade arguida

D) A fundamentação do douto julgado recorrido quanto a este aspecto, assenta no art.7º da PI conjugadamente com a transcrição do normativo contido no art.87ºLGT plasmado no art.3º da PI, vale por dizer, assenta em razões de direito, de mera natureza conclusivo-juridica, com remissão normativa expressa, sem contemplar, no mínimo que fosse, factualidade concreta, e reportada aos autos, suporte do entendimento jurídico-normativo assim expresso

E) O teor alegatório da PI e a fundamentação do douto julgado recorrido incumpre o dever de apontar e identificar, concretamente, e a partir e com base na matéria de facto constante dos autos quais os erros de facto, e/ou os erros de direito, ou as ilegalidades cometidas pela Administração Fiscal, na aplicação dos métodos de avaliação indirecta

F) Consequentemente, incumpre o especifico requisito legal obrigatório previsto no nº2 do art.117º do CPPT, seja, a identificação, na PI, do erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos

G) O teor alegatório da PI, e a fundamentação do douto julgado recorrido, são totalmente omissos quanto à concretização/densificação factual da, alegada na PI e fundamento da douta sentença recorrida, inexistência de motivo para aplicar os métodos indiciários, e do facto fundamento (erro/ilegalidade) da ilegitimidade do acto tributário em causa

H) Da fundamentação de facto da douta sentença recorrida consignada no nº4, referente à aplicação de métodos indiciários, resulta, por um lado, da omissão do legal dever de discriminação dos factos considerados como provados, traduzível, na mera remissão, para o relatório de inspecção, de teor meramente abstracto e teórico, e mesmo redutor, já que apela à sua reprodução literal, e na transcrição de um excerto-nº3 do Grupo IV- que é mera conclusão de direito

I) E, por outro lado, do ilegal modo de querer concretizar a fundamentação de facto, sabendo-se que os documentos não são factos, mas, antes, meios de prova dos factos, a remissão para um documento significa da prova da sua existência mas já não da prova da existência dos factos nele-documento-contidos

J) A douta sentença recorrida inobservou o dever legal de especificar o conteúdo do documento remissivo (relatório), não discriminando quais os factos provados por documentos e, assim, violou o disposto no nº2 do art.659º do CPC, conjugado com o nº2 do art.123º do CPPT, de que resulta a nulidade da sentença recorrida prevista na al. b) do nº 1 do art. 668º do C.P.C. conjugado com nº1 do art.125º do CPPT, devendo por isso ser declarada nula

L) A fundamentação da sentença omite, em absoluto, a discriminação/especificação dos factos não provados com relevância para a decisão da causa, o que viola o previsto no nº2 do art.123º do CPPT, o que é equiparável à falta de indicação da matéria de facto provada, para efeitos de nulidade prevista no art.125º nº 1 do CPPT

M) Ao contrário do considerado na douta sentença recorrida, (e que vai no sentido de que a AT se bastou com a mera constatação da insuficiência/erros dos elementos da contabilidade para fundar o recurso aos métodos indiciários Não especificando nem comprovando dos motivos de impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável), a AT baseia-se na factualidade especificada nos nºs 1 e 2 do Grupo IV do relatório de inspecção, toda ela constitutiva da especificação, e da motivação, formal e material, de facto e de direito, e do percurso cognoscitivo e valorativo, conducente, não só à formulação de um juízo da inidoneidade e falta de credibilidade da escrita contabilística da recorrida, mas também, de um juízo legitimador da impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável, juízos que constam da conclusão expressa no nº3 do Grupo IV do relatório.

N) A fundamentação de facto e de direito da douta sentença recorrida omite, não a equacionando no seu juízo decisório, dos factos e elementos, em concreto e de modo preciso, constantes do relatório referentes à impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável

O) A fundamentação de facto e de direito da douta sentença recorrida faz liminar tábua rasa das alegações contidas na Contestação na qual, e com fundamento exclusivo no relatório de inspecção, a FP procurou demonstrar, precisamente, da verificação dos pressupostos legais vinculativos da actuação da AT (aplicação de métodos indiciários), enunciando a fundamentação formal e material, de facto e de direito, para o efeito, e, designadamente, atenta a falha imputada à AT pela douta sentença recorrida, a especificação, a motivação, e o percurso cognoscitivo e valorativo conducente ao juízo legitimador da impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável, que não apenas dos erros/irregularidades contabilísticos, e, mais além, do critério e fundamentação, formal e material, utilizado na determinação da matéria tributável,

P) Donde, a douta sentença recorrida fez errónea interpretação dos factos constantes do relatório e, concomitante e indissociavelmente, errónea Valoração da factualidade dada Provada.

Q) E, por consequência, incorreu em manifesto Erro de Julgamento da matéria de facto e de direito, face à total desconsideração, na fundamentação de facto e de direito da douta sentença em crise, da factualidade suporte, e da motivação jurídica, da impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável, e, mais além, do critério utilizado na sua determinação

Termos em que, e nos melhores de Direito aplicáveis, deve:

· Ser, o presente recurso, Julgado procedente, e a Douta sentença recorrida ser revogada,

· Ser julgado válido, regular e legal, a aplicação de métodos indirectos na determinação da matéria tributável em sede de IVA referente aos exercícios de 2002 e 2003

· E, bem assim, as correspectivas liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios devidamente notificadas ao sujeito passivo/Impugnante

Assim se fazendo inteira JUSTIÇA

1.2. A Recorrida contra-alegou e formulou, por sua vez, as seguintes conclusões:

1.ª O Recorrido/Impugnante havia já apontado a falta de fundamentos ou motivos para a FP lançar mão dos métodos de avaliação indirecta.

2.ª Em sua modesta opinião, não merece qualquer censura a fundamentação de facto e de direito expendida na douta sentença.

3.ª A FP não logrou provar que as alegadas anomalias e incorrecções da contabilidade do Recorrido impediam ou inviabilizavam o apuramento da matéria tributável por quantificação directa e que o recurso aos métodos indirectos era a única forma de a determinar.

4.ª Mais não apresentou a FP o iter ou itinerário cognoscitivo que permitisse ao Recorrido perceber porque é que a FP decidiu de uma forma e não de qualquer outra.

5.ª Ou seja, cabe à FP o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos da sua actuação, isto é, cabe-lhe o ónus de provar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso a métodos indiciários se tornou a única forma de calcular o imposto a liquidar.

6.ª E deve também expor os elementos que a levaram a concluir nesse sentido, para, assim ser possível ao Tribunal analisar se ela (FP) enunciou factos objectivos e concretos, que verificados, permitem concluir pela existência dos pressupostos legais dos quais depende o apuramento do imposto pelo referido método.

7.ª Assim, devem seguir-se de perto os acórdãos referidos supra do TCAN publicados em www.dgsi.pt, e o acórdão citado na douta sentença recorrida, que são, actualmente, entendimento jurisprudencial unânime e uniforme nesta matéria.

NESTES TERMOS e nos melhores em direito aplicáveis que V.ª Ex.ª se dignará suprir, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado e, em consequência, mantida a douta sentença recorrida que anulou as liquidações impugnadas.

Com o que se fará a costumada JUSTIÇA!

1.3. Neste Tribunal, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer e pronunciou-se no sentido de ser dado provimento integral ao recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Do Objeto do Recurso

É sabido que o objeto do recurso é delimitado, antes de mais, pelas respetivas conclusões. Como refere António Santos Abrantes Geraldes (in «Recursos em Processo Civil – Novo Regime», pág. 91), «constitui entendimento corrente e uniforme que, em resultado do que se encontra previsto no art. 685.º-A» do Código de Processo Civil, na redação do Decreto-Lei n.º 303/07, de 24 de Agosto «as conclusões delimitam a área de intervenção do tribunal ad quem (…). Salvo quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que, além disso, não se encontrem cobertas pelo caso julgado, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal, sob cominação de nulidade, nos termos dos arts. 716.º e 668.º» do referido Código.

Analisando, pois, as conclusões com que a Recorrente remata as doutas alegações de recurso (fls. 129 e seguintes dos autos), verificamos que nele se apontam à decisão recorrida diversos vícios, que assim sistematizamos:

1º. Erro no julgamento da questão prévia, suscitada na contestação, porque não estão suficientemente indicados, concretizados e explicitados os factos constitutivos da causa de pedir (conclusões “A-)” a “G-)”);

2º. Nulidade da sentença recorrida por omissão do legal dever de discriminação dos factos considerados provados e não provados (conclusões “H-)” a “L-)”);

3º. Erro na aplicação do direito aos factos, visto que a administração tributária especificou e concretizou os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável (conclusões “M-)” a “Q-)”).

3. Da Questão Prévia

Entre os fundamentos do recurso encontra-se o erro de julgamento da questão prévia suscitada pela Fazenda Pública na douta contestação.

Considera a Recorrente que a causa de pedir na douta petição inicial não se encontra corporizada em elementos e factos objetivos e concretos, suscetíveis de identificar as ilegalidades cometidas pela administração tributária na aplicação dos métodos de avaliação indireta. Como que considera violados os artigos 108.º, n.º 1 e 117.º, n.º 2, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

O primeiro destes dispositivos legais impõe que na impugnação seja identificado o ato impugnado e a entidade que o praticou, e sejam expostos os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido. O segundo, impõe que na impugnação em que se pretenda invocar erro na fixação da matéria tributável se identifique o erro de que padece esse ato. Em qualquer destas normas – e no que para o caso interessa – se atribui ao impugnante o dever de indicar na petição inicial os fundamentos da causa (a causa de pedir).

No processo de impugnação judicial, a concreta identificação e consubstanciação da causa de pedir inclui a identificação do ato a anular e sua localização no procedimento, bem como dos vícios de que padece, sendo estes através da exposição dos factos e/ou das razões de direito que o integram. Os factos são o concreto comportamento da administração tributária que viola uma norma jurídica e as razões de direito são a indicação da norma jurídica violado e o modo como deve ser interpretada.

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, verificamos que, na douta petição inicial, a ora Recorrida identificou o ato impugnado (as liquidações de imposto sobre o valor acrescentado dos exercícios de 2002 e 2003 constantes dos documentos de cobrança que junta) e o vício de que – no seu entendimento – esse ato padece (o recurso indevido e ilegal aos métodos indiretos porque «não existem motivos para proceder à correcção/apuramento do I.V.A. por presunções ou estimativas» (artigos 19.º e 16.º daquele douto articulado).

Também foram explicadas as razões porque a Recorrida ali entendia que o recurso a esse método de avaliação era ilegal: o facto de não terem sido invocadas «quaisquer omissões quantitativas, que, aliás, a administração fiscal não reclama em momento algum» (artigo 14.º do mesmo douto articulado). Razões que, acrescente-se, não careceriam de melhor concretização, por terem subjacente um facto negativo.

Assim sendo, a Recorrida não deixou de explicitar as razões porque entende que o ato impugnado deve ser anulado. Tendo, por isso, sido suficientemente especificada a causa de pedir.

Mesmo que assim não fosse entendido, da insuficiência de concretização dos fundamentos da impugnação nunca poderia resultar, sem mais, o indeferimento da impugnação: impunha-se então que o ali impugnante fosse convidado a aperfeiçoar a petição inicial explicitando os factos concretos integradores do vício imputado ao ato impugnado. O que, de alguma forma, acabou por fazer precisamente na resposta que apresentou a coberto do n.º 2 do artigo 113.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Razões porque se entende que o julgamento em primeira instância não merece censura, neste segmento, e deve ser confirmado.

4. Do Julgamento de Facto

4.1. Foi o seguinte o julgamento de facto em primeira instância:

«Com interesse para a decisão julgo provados os seguintes factos:

1. A Impugnante exerce a actividade de comércio de materiais de construção/Prestação de Serviços de Construção Civil, CAE - 52463 - Fls. 15 do PA;

2. A Impugnante foi objecto de uma acção de fiscalização tributaria em sede de IRC (anos 2001 a 2003) e de IVA (anos de 2002 e 2003) com base na ordem de serviço 10752 de 13/3/2004 e que originou um Relatório datado de 6/10/2004 - Fls. 14 e 15 do PA;

3. Nessa sequência e em data que não se pode precisar foi o impugnante notificado das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios respeitantes a vários períodos dos anos de 2002 e 2003 e com data limite de pagamento em 30/11/2005 - Fls. 12 a 27, que se dão aqui por reproduzidas.

4. Para o que aqui interessa a matéria colectável foi apurada através de métodos de avaliação indirecta, conforme o Relatório referido e que se dá aqui por reproduzido, merecendo destacar o seguinte:

“IV - Motivos e exposições dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos:// (...) 3 - O conjunto das situações referida no ponto anterior põem a nu a fragilidade das demonstrações contabilísticas evidenciadas, rodeadas de contornos pouco claros que indiciam deforma determinante e irrefutável que a contabilidade não reflecte a verdadeira situação patrimonial nem os resultados efectivamente obtidos, o que inviabiliza a tributação directa e obriga à utilização de métodos indirectos de tributação o mais próximo possível da realidade empresarial, de harmonia com o art.°s 87.º a 90.° da Lei Geral Tributária relativamente aos anos de 2001, 2002 e 2003”

Considero estes factos provados fundamentando-me nos documentos juntos aos autos, principalmente os que já se identificaram.

4.2. Entre os fundamentos do recurso encontra-se a nulidade da decisão recorrida por omissão do dever legal de discriminação dos factos considerados como provados.

Alega a Recorrente, nesta parte, que se desconhece em concreto qual a matéria de facto provada e considerada porque o tribunal recorrido se limita ali a operar a remissão para o relatório de inspeção tributária e a transcrever um excerto do documento que não contém os factos relevantes para a decisão da causa. E que, por isso, foi violado o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, conjugado com o artigo 659.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Tem-se entendido, com efeito, que não é tecnicamente correta a seleção de factos com mera remissão para o teor de documentos (por exemplo: “Dou por reproduzido o documento x”). Porque a resposta à matéria de facto é o local adequado para dar como provados (ou não provados) os factos documentados, e não os documentos em si mesmos.

Deve, porém, contrapor-se desde já que o M.mº Juiz a quo não se limita, no ponto 4 da douta sentença recorrida (que é o que aqui está em causa), a remeter para o conteúdo do relatório. Também dá como provado que a matéria coletável (a que deu origem às correções, naturalmente) foi apurada com base no teor desse relatório.

Por outro lado, nem o artigo 123.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário nem outra norma processual impedem que, quando se pretenda dar como provado que foram prestadas determinadas informações escritas que suportaram a decisão impugnada, se transcreva parcialmente o teor do documento onde foram inseridas e se remeta, no mais, para o restante conteúdo do mesmo, quando se encontre incorporado nos autos. Até porque, muitas vezes, a transcrição total não é possível, é demasiado redutora ou é inútil.

Não se concede, por isso, que o M.mº Juiz a quo tenha ali incorrido em tal nulidade. Que, de qualquer modo, nunca conduziria à anulação do julgamento, porque o tribunal de recurso teria poderes para aditar a parte que tivesse sido omitida, a coberto do artigo 712.º do Código de Processo Civil.

Concede-se, no entanto, que a expressão ali utilizada «…a matéria colectável foi apurada através de métodos de avaliação indirecta…» tem natureza conclusiva, visto que a identificação do método de avaliação utilizado não dispensa o confronto das razões que o justificam com a norma que o prevê.

Razão porque, ao abrigo do artigo 646.º, n.º4, do Código de Processo Civil, se decide considerar não escrita a expressão ali inserida com o seguinte teor: «… através de métodos de avaliação indirecta…».

4.3. Entre os fundamentos do recurso encontra-se também a falta de discriminação/especificação dos factos não provados com relevância para a decisão da causa (cfr., em particular, o artigo 45.º das doutas alegações).

Dispõe a este respeito o n.º 2 do artigo 123.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que o juiz discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.

«A razão da exigência de indicação da matéria de facto não provada, além da provada, que não aparece no art. 659.º, n.º 2, do CPC, «está em que, no contencioso tributário, não há lugar à decisão da matéria de facto, por meio de acórdão ou despacho, próprios e autónomos, como acontece no processo civil - artº 653º nº 2 -, em que se exige a indicação dos "factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados". No contencioso tributário, é na própria sentença que se opera tal julgamento.
Aí, pois, a exigida discriminação dos factos provados e não provados é absolutamente essencial pois que não existe outra peça processual que concretize tal julgamento da matéria de facto. Compreende-se assim a não referência, no artº 659º do CPCivil, aos factos não provados pois que, ai, na sentença, não resta se não aplicar o direito aos factos provados, já que, como é óbvio, os não provados não interessam para o efeito.
É, pois, a necessidade absoluta de julgamento da matéria de facto efectuada, no contencioso tributário, na própria sentença, que leva directamente à exigência da predita discriminação entre "a matéria provada da não provada"» (JORGE LOPES DE SOUSA, «Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado», II volume, Áreas Editora 2011, pág. 320 – citando a declaração de voto do Senhor Conselheiro Dr. Brandão de Pinho proferida no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2003-05-07, no processo n.º 0869/02, disponível em redação integral
in www.dgsi.pt).

Ora, é incontroverso que o tribunal recorrido não deu cumprimento a este comando legal, visto que nem sequer fez alusão, na douta sentença, matéria de facto não provada.

É certo que foi especificada a matéria de facto que, de acordo com aquele douto aresto, tem «interesse para a decisão». Parecendo daí decorrer que a restante não tem interesse, nem para dar como provada nem para dar como não provada.

Mas em tal não se poderia conceder, atendendo ao teor dos artigos 29.º a 31.º e 43.º e seguintes, todos da douta resposta, aditados precisamente para colmatar a insuficiência de alegação que foi apontada na douta contestação e cujo interesse para a impugnação dos factos-índice mencionados no relatório de inspeção tributária não pode ser liminarmente afastado, considerando todas as soluções plausíveis da questão de direito que deva considerar-se controvertida.

Não temos dúvidas em concluir que estão contidos naqueles artigos alguns factos relevantes para a decisão que, tendo sido alegados, devem ser considerados no julgamento de facto, dando-os como provados ou não provados.

De salientar que a sua alegação está contida no âmbito da resposta à questão prévia suscitada e que, de qualquer modo, não poderia tal questão ser decidida em sentido favorável à parte contrária sem que à ali impugnante fosse dada a oportunidade de aditar os factos cuja falta suscitou precisamente a sua arguição. Dito de outro modo: se a parte pode e deve ser convidada a explicitar a causa de pedir aditando factos que a consubstanciem, também pode adiantar-se ao despacho que reconheça a insuficiência de alegação respetiva apresentando, na resposta à arguição deste vício, os factos correspondentes, a ter em conta no julgamento da causa.

Abre-se aqui um parêntesis para anotar que o tribunal de recurso não está autorizado a pronunciar-se – por não fazer parte do seu objeto – sobre se à parte contrária deve ser dada a oportunidade de responder-lhe, para a salvaguarda do princípio do contraditório genericamente consagrado no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

Fechado o parêntesis e retornando à questão suscitada, estando nesse articulado alegados factos relevantes para a decisão, considerando todas as soluções plausíveis da questão de direito, e devendo os mesmos ser tidos em conta na decisão, a falta de referenciação os mesmos nos factos provados ou não provados integra a nulidade prevista nos artigos 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Ficando, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.

5. Conclusão

A falta absoluta de discriminação dos factos não provados é equiparável à falta da indicação da matéria de facto provada, para efeitos da nulidade prevista no artigo 125.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e importa a nulidade da sentença, se tiverem sido alegados factos que não tenha sido dados como provados nem não provados e que possam relevar para a decisão da causa.

6. Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte conceder provimento ao recurso, anulando a sentença recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que não padeça da nulidade apontada, se nada mais a tal obstar.

Sem custas.

Porto, 15 de Novembro de 2013

Ass. Nuno Bastos

Ass. Irene Neves

Ass. Pedro Marques