Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00129/03 - BRAGA
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/28/2007
Relator:Moisés Rodrigues
Descritores:CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO - FALTA DE APRESENTAÇÃO CERTIFICADO DE RESIDÊNCIA – ISENÇÃO DE RETENÇÃO DE IRC
Sumário:I - Os pressupostos da dispensa de retenção na fonte de IRC por pagamentos feitos a entidades sedeadas na França, Reino Unido, Itália e EUA, são os que constam das respectivas CDT’s celebradas entre Portugal e aqueles países.
II - A prova da residência da beneficiária não é elemento constitutivo dessa dispensa; e uma vez feita, não poderá deixar de retroagir os seus efeitos à data da ocorrência dos factos tributários, ou seja, o pagamento dos rendimentos em causa.
III - As circulares administrativas não vinculam os contribuintes, mas apenas os respectivos serviços e, na falta de legislação sobre a obrigatoriedade de apresentação do original do certificado de residência do beneficiário dos rendimentos, em país contratante de Convenção para evitar a Dupla Tributação, ou a apresentação tardia do referido certificado, não fazia precludir a aplicação do mecanismo da isenção de retenção.
IV - Só com a redacção introduzida pela Lei 32-B/2002, de 30 de Dezembro na norma do n.º 3 do art. 90º do CIRC, é que passou a ser obrigatório que o devedor fizesse prova dos requisitos formais, sob pena da retenção ser feita à taxa normal.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I
O magistrado do Ministério Público, não se conformando com a sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou procedente a presente impugnação judicial deduzida por Ribeiro , SA, pessoa colectiva nº , contra a liquidação de IRC, do exercício de 1999, no montante de € 9 218,24, dela veio recorrer, concluindo, em sede de alegações:
1. Além dos factos dados como provados na douta sentença recorrida, deveria ainda a M.ma Juiz "a quo " considerar provados mais os seguintes:
I - Quando o sujeito passivo foi notificado pela Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais para apresentar os certificados de residência fiscal das entidades a quem pagara os rendimentos mencionados na declaração mod. 130, juntou apenas os documentos de fls. 16/20 do apenso n.° 1775-03/400007-2;
II - Pelo conteúdo desses documentos verifica-se apenas o seguinte:
a) - O respeitante à firma La SARL Duaphicuir apenas certifica que a mesma tem entregue as suas declarações de imposto, nada dizendo se é residente ou não, muito menos que é considerada como residente face à CDT celebrada com Portugal;
b) - O respeitante à firma D D Footwear Ltd limita-se a confirmar o afirmado numa carta da própria empresa que a mesma é residente no Reino Unido, não referindo, no entanto, se o é ou não face à CDT celebrada com Portugal;
c) - O respeitante a firma Laser Services Di Pizzinelli Lamberto e C. SNC é apenas um certificado de registo para efeitos de IVA, nada referindo quanto a residência fiscal para efeitos da CDT celebrada com Portugal;
d) - O respeitante a firma Swanson Grace International Ltd não foi emitido segundo o modelo oficial dos Estados Unidos, o modelo 6166, e, além disso apenas se limita a certificar que a mesma efectua pagamento dos seus impostos e taxas, nada referindo quanto à residência fiscal para efeitos de aplicação da convenção celebrada com Portugal;
III - No ano de 1999, quando procedeu ao pagamento dos rendimentos às sociedades indicadas no n. 2 do probatório da douta sentença recorrida, a impugnante não tinha na sua posse certificados de residência fiscal daquelas entidades, emitidos pelo Estado da residência de acordo com a legislação desse Estado e de acordo com a Convenção para Evitar a Dupla Tributação.
2. No que toca à firma Vy ste D'Audit a impugnante não alegou qualquer facto, razão pela qual aceitou a correcção do IRC correspondente ao pagamento que lhe foi efectuado e que consta da declaração mod. 130;
3. No facto provado sob o n.° 2 deverá mais precisamente fixar-se que: em 23/12/03, a impugnante efectuou apenas o pagamento do imposto no montante de 9,219,24 €, ao abrigo do DL 248-A/02 - (fls. 14/16);
4. Quando fez os pagamentos às entidades referidas no ponto II destas conclusões, a impugnante não tinha na sua posse documentos comprovativos da residência fiscal dessas entidades, sendo que os documentos juntos a fls. 16/20 do apenso n.° 1775-03/400007-2 não são suficientes para comprovar tal facto;
5. A impugnante apenas apresentou certificado de residência comprovativo da residência fiscal da firma La SARL Duaphicuir no âmbito do exercício do direito de audição, sendo que tal certificado foi apenas emitido em 2002;
6. Administração Fiscal não exigiu o cumprimento de qualquer formalidade para comprovar a residência fiscal das entidades a quem foram pagos rendimentos pela impugnante e muito menos a apresentação de qualquer formulário, limitando-se a exigir que essa prova fosse feita de acordo com os elementos definidos no artigo 4.° de cada uma das Convenções celebradas entre Portugal e França, Reino Unido, Itália e Estados Unidos da América;
7. A impugnante não fez prova convincente de que as empresas beneficiárias dos rendimentos pagos no ano de 1999 tinham residência fiscal nos Estados com quem Portugal celebrou Convenções para evitar a Dupla Tributação;
8. Não tendo na sua posse certificados de residência passados de acordo com a respectiva Convenção, ou seja, que certificassem que as entidades a quem foram pagos os rendimentos tinham residência fiscal nos Estados indicados e aí se encontravam sujeitas a imposto sobre o rendimento, a impugnante estava obrigada a proceder a retenção de IRC, à taxa de 15%, de acordo com o art.° 69.°, n.° 2 al. f) do CIRC, vigente à época, (actual art.° 80.°, n.º 2 al. e.);
9. A M.ma Juiz "a quo" não apreciou correctamente a prova produzida nos autos, não atendendo designadamente ao conteúdo dos documentos de fls. 16/20 do apenso n.° 1775-03/400007-2 que nada referem quanto à residência fiscal das entidades neles indicadas nem quanto à sujeição a imposto sobre o rendimento nos respectivos Estados, violando o art.° 4.º da Convenção celebrada entre Portugal e França, Reino Unido, Itália e Estados Unidos da América para evitar a dupla tributação e ainda art.° 69.°, n.° 2 al. f) do CIRC, vigente à época.
Pelo que, revogando a douta sentença recorrida e julgando improcedente a impugnação e, consequentemente, mantendo a liquidação impugnada, VOSSAS EXCELÊNCIAS farão, agora como sempre, a costumada JUSTIÇA.

Foram produzidas contra-alegações, nas quais se concluiu:
1 - No presente processo, nunca esteve em causa a verificação dos requisitos substantivos de que depende a aplicação das Convenções: a Administração tributária sabe, e nunca questionou, da residência fiscal das empresas beneficiárias dos pagamentos, tanto mais que a recorrida possui e apresentou documentos comprovativos da residência fiscal das empresas beneficiárias, devidamente autenticados pelas respectivas autoridades fiscais que, porém, não foram aceites por não estarem cumpridas as formalidades exigidas por circulares internas das Administração.
2 - Ora, todos os pagamentos efectuados pela recorrida se referem a prestações de serviços efectuadas por entidades não residentes com domicílio fiscal em países com os quais Portugal celebrou convenções para evitar a dupla tributação, em vigor à data dos factos. Nos termos das CDTs aplicáveis, os rendimentos obtidos em Portugal por residentes em Estados Contratantes só podem ser tributados nesses Estados, pelo que não podem ser objecto de retenção na fonte em território nacional.
3 - A Recorrente, contudo, pretende que as liquidações impugnadas se mantenham por entender que os requisitos formais de que depende a aplicação das Convenções não se tinham verificado, considerando assim que não havia lugar à respectiva exclusão de incidência do imposto. Embora invoque que não se trata da observância de qualquer formalidade, a verdade é que a Recorrente defende que, por não terem sido atempadamente exibidos os certificados de residência fiscal à Administração fiscal, não se encontra provada a residência das beneficiárias.
4 - Acontece que o argumento de que a residência fiscal das beneficiárias não estava provada nunca foi utilizado pela Administração fiscal. Em vão se procurará no relatório que fundamenta a liquidação impugnada qualquer argumento que aponte no sentido de inviabilizar o funcionamento das CDT's por serem não residentes em Estados contratantes as entidades beneficiárias.
5 - Bem ao invés, do que ali se curava era de saber se a prova da residência havia sido feita no tempo e do modo exigido por circulares e outro direito interno. Por ser assim, não pode a Recorrente vir agora, já em sede de recurso, pretender aduzir fundamentos à liquidação que nunca antes foram usados. A questão que se pôs ao tribunal a quo era simples: pode ou não pode a Administração fiscal exigir que a prova da residência fiscal de beneficiários de pagamentos por empresas portuguesas se faça apenas de um determinado modo, num determinado momento, à revelia do espírito dos textos internacionais e das normas internas que regem a matéria.
6 - Ora, o Primado do Direito Internacional, consagrado no art. 8° da CRP, impede que as normas de direito interno reduzam, dificultem ou impossibilitem o alcance das Convenções. Face a este preceito, nunca poderia uma lei ordinária vir contrariar ou obstruir a eficácia de uma regra internacional.
7 - Por maioria de razão, tal não poderá ser feito por via de circular. É pacífico o entendimento segundo o qual as circulares não são fontes de direito. Soares Martinez afirma que elas "não têm por destinatários os particulares, os cidadãos, os contribuintes", nem vinculam "os Tribunais, que tratam de aplicar as leis fiscais sem qualquer dependência dos critérios adoptados pela Administração" (Direito Fiscal, Almedina, 1993, pag. 111). Também Alberto Xavier defende que as circulares desenvolvem "a sua eficácia exclusivamente na ordem interna da Administração de onde provêm. Não vinculam nem os contribuintes nem os tribunais", e que "delas não nascem direitos ou deveres extra ou contra legem" (Manual de Direito Fiscal, 1, Lisboa, 1981, pags. 139-140).
8 - Acresce que decorre do texto das Convenções que elas não habilitam a lei interna a condicionar o exercício dos direitos delas emergentes a ponto de ficarem os mesmos precludidos. Aliás, o legislador nacional foi de tal forma sensível ao primado do direito internacional que previu, na Lei n.° 32-B/2002 de 27 de Dezembro, para aqueles casos em que não é possível fazer a prova da residência das entidades beneficiárias nos termos prescritos por a mesma só poder ser obtida em momento posterior, um expedito mecanismo de reembolso das quantias pagas em excesso.
9 - Por outro lado, o facto de a referida alteração legislativa apenas ter tido lugar em momento posterior ao dos factos tributários aqui em causa é o suficiente para não haver dúvidas sobre o regime da prova dos requisitos substantivos de que depende a aplicação das convenções. Assim vigora, in casu, o princípio da liberdade de prova: ao contribuinte basta provar, por qualquer meio idóneo, o cumprimento dos requisitos materiais de que depende a limitação do imposto. Isso mesmo determinam o art. 115°, n.°1 do CPPT, bem como o art. 72° da LGT. Também o STA já reconheceu que, desde que a lei não exija uma prova específica, ela pode ser efectuada por qualquer meio admissível em direito (Acórdão do STA de 15-11-00, proferido no Proc. n.° 25481, sumário consultado in www.dgsi.pt).
TERMOS EM QUE DEVE MANTER-SE A SENTENÇA RECORRIDA

Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.

II
É a seguinte a factualidade declarada provada na 1ª instância:
1. A impugnante durante o ano de 1999 efectuou pagamentos de prestações de serviços a entidades não residentes em território Português - residentes em França, Reino Unido, Itália e Estados Unidos da América -, rendimentos não imputáveis a qualquer estabelecimento "sito" em território português, não tendo efectuado a retenção de IRC relativa a essas comissões.
2. A impugnante procedeu nas datas e pelos valores constantes dos documentos a seguir referenciados, cujos dizeres se dão por reproduzidos, ao pagamento das seguintes quantias:
EntidadeResidenteQuantia
Dauphicuir,
SARL
França5.049.702,0025 187,81
D.D. Footwear, LDtReino Unido642.313,003 203,84
Laser Services Di Pizzinelli Lamberto, Ec. SNC Itália2.962.062,0014 774,7
Swanson Grace International, LDTEstados Unidos3.299.754,0016 459,1
Vy ste D'Audit France366.759,001 829,39

3. O impugnante foi notificado a 13/2/03 da liquidação n° 2003 6420000279, efectuada a 5/2/03, no total de € 11.686,28 sendo € 9.219,24 e € 2.468,04 de juros compensatórios - FLS. 37 do Proc. Adm. e 15 do apenso, com termo de pagamento a 24/3/03.
4. Tal liquidação resultou da consideração por parte da administração fiscal de ser devida a retenção relativamente aos rendimentos pagos.
5. O impugnante efectuou o pagamento em 23/12/2003 - fls. 14 a 16) ao abrigo do D.L. 248-A/02.
6. A 21/3/03 apresentou reclamação graciosa.
7. O SP procedeu à entrega da declaração mod. 130 junta por cópia a fls. 27 do apenso.
8. Na sequência de acção inspectiva, notificado o SP para apresentar os certificados de residência fiscal, apresentou certificados considerados pela administração fiscal como não válidos. Fls. 25 do apenso.
9. O SP notificado para exercer o direito de audição prévia sobre o projecto de conclusões elaborado pelos serviços de Inspecção Tributária, exerceu tal direito, apresentando fotocópia do certificado relativo à SAS Dauphicuir emitido em 2002, reportado a 1999 - o de fls. 24.
10. Os certificados apresentados e considerados não válidos são os que constituem fls. 23 (Dauphicuir), 25 (DD Footwear), 26, (Laser Services Di Pizzinelli Lamberto, Ec. SNC), 27 ( Swanson); e fls. 20 do apenso (Vy ste D'Audit).

Não se provaram quaisquer outros factos.
Quanto aos factos provados, a convicção do tribunal alicerçou-se no teor dos documentos juntos aos autos, designadamente os referidos nos próprios factos.
*
Ao abrigo do disposto no art. 712º do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto, documentalmente provada, dado seu interesse para a decisão da causa:
11. Os serviços de inspecção fizeram constar do relatório o seguinte:
«Face aos elementos disponíveis nestes Serviços, constata-se que sujeito passivo pagou rendimentos no ano de 1999, resultantes de comissões e prestação de serviços, conforme consta da declaração modelo 130 prevista no artº 114º do C.I.R.S de que se anexa fotocopia, no montante de € 139.208,56 (27.908.810$00) sem qualquer retenção de imposto sobre o rendimentos de pessoas singulares (IRS) e pessoas colectivas (IRC).
A não sujeição dos referidos rendimentos ao imposto português depende não só de o beneficiário do rendimento ser residente de um Estado Contratante diferente do da proveniência do rendimento, mas também, de que seja solicitado pelo beneficiário em devido tempo a aplicação da CDT, através da apresentação do Certificado de Residência Fiscal que deve ser emitido e autenticado pelas autoridades tributárias do Estado de Residência.
Tendo o sujeito passivo sido notificado pela Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais para apresentar os certificados de residência fiscal válidos, apresentou certificados onde não constam todos os elementos necessários à correcta certificação de residência fiscal, para efeitos e ao abrigo do artº 4º da Convenção respectiva, pelo que não foi devidamente accionada a CDT com os respectivos países.
O sujeito passivo foi notificado nos termos e para os efeitos previstos nos artºs 60º da LGT e do RCPIT, tendo apresentado fotocopia dos certificados respeitantes a "Chazel Guy Styliste Modeliste Chaussures" e "SAS Dauphicuir", emitidos em 2002, reportados ao ano de 1999.
Respeitando os rendimentos ao ano de 1999, à data dos mesmos o sujeito passivo, para não proceder à retenção na fonte, deveria ter em posse os respectivos certificados de residência, entendimento reforçado no ofício circulado nº 20076 de 31/10/2002.
• Assim sendo, o sujeito passivo no ano de 1999 deveria ter procedido à retenção na fonte, do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) à taxa de 15% de acordo com o previsto na alínea b) do nº 4 do artº 71º do C.I.R.S (no ano em causa correspondia ao artº 74º), bem como, do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) também à taxa de 15% de acordo com a alínea e) do nº 2 do artº 80º do CIRC (no ano em causa correspondia ao artº 69º), pelo que deixou de liquidar e consequentemente entregar nos cofres do Estado imposto no montante de € 20.881,29 (4.186.322$00), propondo-se a respectiva liquidação, sendo 2.338.233$00 de IRS e 1.848.089$00 de IRC:

PERÍODO
RENDIMENTO
TAXA
IMPOSTO EM FALTA
DATA LIMITE PAGAMENTO
01/1999
23.599.984$00
15%
3.539.998$00
20/02/99
04/1999
3.299.754$00
15%
494.963$00
20/05/99
11/1999
1.009.072$00
15%
151.361$00
20/12/99

• A falta de entrega do imposto constitui infracção punível pelo nº4 do artº 29º, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, tendo sido levantado o respectivo auto notícia.» - cfr. fls. 8 e 9 dos autos;
12. A impugnante, ora Recorrida, apresentou a declaração mod. 130 do ano de 1999, acompanhada de diversos documentos, sendo certificados pelas autoridades fiscais de França, Reino Unido, Itália e Estados Unidos da América – fls. 10 e 24 destes autos e 16 a 20 do apenso com o nº 1775-03/4000007.2.
*
Reformula-se ainda o facto dado como provado sob o item 5. do probatório, nos seguintes termos:
5. Em 23/12/2002, a impugnante efectuou apenas o pagamento do IRC, no montante de € 9.218,24, ao abrigo do DL nº 248-A/02 – fls. 12 a 14 destes autos ou 14 a 16 do apenso.

III
As questões sob recurso, suscitadas e delimitadas pelas conclusões do Recorrente, são as de saber se:
- A sentença recorrida enferma de errado julgamento da matéria de facto (conclusões 1 a 3 e 9);
- A sentença recorrida violou o artigo 4º da Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e França, Reino Unido, Itália e Estados Unidos da América e ainda o artigo 69º, nº 2, al. f), do CIRC, vigente em 1999, ao não considerar que os documentos apresentados não eram certificados de residência passados de acordo com a respectiva Convenção (conclusões 4 a 8).
No que concerne à 1ª questão, são três as sub-questões a tratar, as quais iremos enfrentar de imediato:
O momento da apresentação e a forma dos documentos a apresentar, intitulados “certificados de residência fiscal”, como se encontra já decidido por diversos acórdãos do TCAS [ Acórdão de 03/11/2004, no Rec. 00151/04; de 05/07/2005, no Rec. 05675/01; de 09/05/2006, no Rec. 00436/05; de 16/05/2006, no Rec. 00504/05; de 14/11/2006, no Rec. 01424/06; de 24/04/2007, no Rec. 01704/07 e de 09/05/2007, no Rec. 01041/06, todos consultáveis na íntegra em www.dgsi.pt ], não encontra sustentação em qualquer norma ou Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT), antes fazendo parte de Circulares e Ofícios Circulados, através das quais a Administração Fiscal criou um conjunto de regras (formulários – certificados de residência) com base nos quais se podia accionar o mecanismo das CDT’s, mas essas regras não são obrigatórias para os particulares, a menos que a sua doutrina seja vertida em Lei ou Decreto-Lei, como é actualmente o caso do artigo 90º, nº 3, do CIRC. [ Tem este preceito a seguinte redacção dada pela Lei 32-B/2002, de 30/12: “3- Nas situações referidas no número anterior, os beneficiários dos rendimentos devem fazer prova perante a entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte, da verificação dos pressupostos legais de que depende a isenção ou dos que resultem de convenção destinada a eliminar a dupla tributação, consistindo neste último caso, na apresentação de um formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado de residência.”]
Improcede, pelo exposto, o constante das conclusões 1. e 9. das alegações de recurso.
Quanto à questão de a impugnante não ter alegado qualquer facto no que respeita ao pagamento efectuado à sociedade Vy ste D’Audit, não o fez, efectivamente, mas, por um lado, juntou documento comprovativo certificado pela autoridade fiscal do seu país e, por outro lado, no valor da liquidação impugnada inclui-se o rendimento que foi pago pela impugnante a esta empresa e esse valor foi o indicado pela impugnante na petição inicial.
Improcede, assim, a conclusão 2. das alegações de recurso.
No concernente à conclusão 3. das alegações de recurso, já se procedeu à reformulação no probatório [ Há manifesto lapso do Recorrente quando refere o “facto provado sob o nº 2”, pois se queria referir ao provado sob o nº 5.], reformulação essa que nenhuma implicação tem quanto ao fundo da causa, que será tratado em seguida.

Donde que a questão a apreciar e decidir seja a de saber se, no que tange à liquidação de retenções na fonte de IRC do exercício de 1999 derivada do facto de a AF considerar que a impugnante ao pagar serviços prestados por entidades estrangeiras, não efectuou a retenção na fonte, à taxa de 15%, sobre tais quantias, como estabelecia no ano em causa o artigo 69° do CIRC, e isso porque não foram cumpridos os requisitos formais que permitissem à impugnante aplicar as convenções para evitar a dupla tributação.
A Mmª Juiz fundamentou a decisão da procedência da impugnação, em termos que merecem a nossa inteira concordância.
Expende-se na sentença recorrida que:
«Questão a apreciar:
- Da necessidade de solicitação da aplicação das Convenções para evitar a Dupla Tributação;
- Relevância da posteriori apresentação de certificados e sua necessidade.
Da necessidade de solicitação da aplicação da CDT:
Invoca-se que os beneficiários dos rendimentos não solicitaram em devido tempo a aplicação da CDT através da apresentação do certificado de residência oficial, emitido e autenticado pela autoridade tributária do estado de residência.
Ora, a questão não é tanto essa, na verdade o sujeito passivo apresentou o modelo 130 apropriado, fazendo uso das convenções. O que está em causa é a alegada inexistência de certificados válidos. É de notar que dos autos não pode sequer concluir-se que os comprovativos de residência apresentados (à excepção do certificado de fls. 24), não estivessem já na posse do S.P. e desde 1999, o que quer dizer que não é possível concluir que os "beneficiários" da aplicação da convenção, os titulares de rendimentos, não tenham em tempo solicitado e invocado perante o SP o seu direito à não tributação em Portugal.
Ver despacho de fls. 42 ss do processo administrativo, e parecer de fls. 36 ss do apenso.
A questão prende-se com a falta do preenchimento do formulário referido numa circular, preenchido e certificado pelas autoridades fiscais do Estado de residência.
É esta exigência que tem de ser apreciada à luz do direito então vigente.
Não restam muitas dúvidas sobre a necessidade de "invocação" perante o "obrigado à retenção" e pelo titular do rendimentos, do seu direito à não tributação ao abrigo da CDT. Isto porque, não havendo comprovativo dos pressupostos para aplicação da CDT, deve proceder-se a retenção. A al. b) do n° 8 do artigo 7 do CIRC refere que nos casos de retenção a título definitivo o facto gerador se considera verificado na data em que ocorra a obrigação de efectuar aquela.
Esta é a regra geral de tributação dos referidos rendimentos. Só perante a invocação e prova de regra diversa pode a mesma ser afastada. E é, perante a invocação da regra constante da CDT -, que em sentido diverso e consagrando nessa medida uma excepção à regra -, atribui competência tributária exclusiva a outro estado.
Até porque, não é exigível a um país, que adivinhe que a tributação de determinados rendimentos está por força de uma Convenção atribuída de forma exclusiva a outro país. Por outro, quem invoca um facto do qual decorre um direito, tem que provar esse facto.
Em princípio, a empresa sujeita a reter na fonte, caso lhe seja solicitada ou pretenda não reter por força de CDT, deve precaver-se com prova relativamente aos pressupostos dessa aplicação. Ou seja, deve solicitar ao titular dos rendimentos documento oficial do Estado da residência deste, conforme referem as CDTs, onde se certifique a residência fiscal dos mesmos.
Mas será necessário o cumprimento do requisito formal - solicitação à data, da através de documento oficial do Estado da residência do credor dos rendimentos onde se certifique a residência do mesmo credor - e invocado pela AF?
Envolve esta pergunta duas questões. Uma delas tem a ver com o meio - consiste na exigência de um certificado emitido pelo estado Português e certificado pela autoridade estrangeira; e a outra tem a ver com o modo - exigência de solicitação à data em que deveria ocorrer a retenção.
Quanto ao meio:
Como já ficou dito a entidade pagadora, a fim de não proceder à retenção, devia obviamente ter conhecimento da situação de aplicabilidade da convenção ao titular do rendimento, e deve precaver-se com prova relativamente ao cumprimento dos respectivos pressupostos.
É certo portanto que deve existir prova, e prova documental relativamente à residência do titular.
Com o que não se concorda, e reportados à data da obrigação em apreço, é com a exigência de utilização de um certificado modelo, fornecido pelas autoridades portuguesas. Nada dispondo a lei portuguesa à data, a exigência não podia ir além da exigência de um comprovativo de residência emitido pela autoridade competente (de acordo com a CDT aplicável).
E nada dispondo a CDT - até por força do art. 8 da CRP -, há que entender-se como bastante qualquer documento que as próprias entidades fiscais atestadoras da residência do detentor dos rendimentos julguem suficiente e capaz.
Não compete ao estado terceiro, fazer exigências probatórias em dissonância com o direito interno do estado atestante. Quem atesta, atesta de acordo com o seu direito.
De outro modo poderiam criar-se desigualdades na aplicação da convenção, com consequente prejuízo dos seus objectivos, e com a injustiça que tal implicaria para os residentes de um dos estados contraentes que se encontrem em condições de dela beneficiar.
Relativamente a esta questão, a AF não aceitou as declarações certificativas referidas nos factos, afirmando estarem incompletas (não válidas), mas não pondo em causa a informação delas constante. Assim, e à data, na falta de disposição legal em contrário, a AF ou aceitava as mesmas como boas, ou solicitava esclarecimentos ao SP no sentido eventualmente de lhe permitir através dos meios de informação recíproca confirmar as mesmas. O que não se justificava em nosso entender era a pura desconsideração das mesmas, ao abrigo de uma circular.
É pois de concluir que o SP tinha prova capaz para justificar a não retenção.
Quanto ao modo:
Também aqui não se mostrava correcta a exigência, conforme aliás o TCA já decidiu. Assim Ac. TCAS de 5/7/05, www.dhsi.pt/jtcas, processo n° 05675/01.
Refere-se neste que, provado que seja a competência tributária exclusiva de outro país ao abrigo de CDT, ainda que em data posterior à da obrigação de retenção, não tem o estado Português o poder de tributar os rendimentos em causa.
Diz-se no acórdão:
" ....o Estado português, no âmbito da CDT .... reconhece ao Estado espanhol o poder exclusivo de tributar aqueles rendimentos ....ora... as CDTs, como diplomas de direito internacional que são, quando devidamente ratificados e publicados, sobrepõem-se à legislação ordinária interna...., atento o disposto no art. 8.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa....
O facto de a Impugnante, à data em que deixou de efectuar a retenção do imposto na fonte, não estar munida de qualquer documento comprovativo.... não significa que o Estado português possa, com base na falta de oportuno cumprimento desse requisito formal, tributar os rendimentos em causa. Quando muito, se para que a Impugnante deixasse de proceder à retenção do IRS na fonte era necessária a verificação de um requisito formal (dando de barato que assim seja) que não se encontrava verificado à data, qual seja a um certificado de residência emitido pelas autoridades tributárias espanholas, poderá a AT sancioná-la em sede contra-ordenacional; o que nunca poderá é tal falta dar origem à liquidação do imposto que comprovadamente se não mostra devido..."
No mesmo sentido, Ac. De 3/11/2004, www.dgsi.pt/jtcas.nsf, processo 00151/04, concordando com a irrelevância de eventuais incorrecções cometidas no preenchimento de documentação entregue aos serviços tributários, e ainda de que a não retenção dependia apenas da comprovação de que os indivíduos a que havia pago rendimentos tinham residência noutro estado com competência tributária nos termos de CDT.
Refira-se por último que sempre teria que se analisar as referidas exigências do ponto de vista do incumprimento por parte do estado Português das obrigações assumidas na convenção, na medida em que estas fossem de molde a limitar ou condicionar de forma grave a sua aplicação. Do que as convenções tratam, neste particular, não é de estabelecer benefícios fiscais, mas sim regular a competência tributária dos estados. Através das CDT reconhece-se a um dos estados o poder exclusivo de tributação destes rendimentos.
Assim e concluindo entendemos à data, não era exigível qualquer formalidade além da comprovação documental da residência fiscal do titular de rendimentos, da qual se pudesse concluir pela exclusão da competência tributária do estado Português.
Demonstrando-se a residência fiscal das entidades às quais foram efectuados pagamentos, procede a impugnação, por ilegalidade da liquidação.»
Destarte, todo o decisório e respectiva fundamentação da sentença recorrida é confirmado inteiramente e sem qualquer declaração de voto por este Tribunal, pelo que, nos termos dos arts. 713º, nº 5, 749° e 762°, nº 1, do CPC, este se limita a negar provimento ao recurso e a remeter para os fundamentos da decisão impugnada.

IV
Pelo exposto nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Sem custas, por o recorrente delas estar isento – artº 2º, nº 1, al. a), do CCJ.
Notifique e registe.
Porto, 28 de Junho de 2007.
Ass. Moisés Moura Rodrigues
Ass. José Maria Fonseca Carvalho
Ass. Aníbal Augusto Ruivo Ferraz