Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00002/23.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/03/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL;
QUESTÃO NOVA; ADMISSIBILIDADE DA JUNÇÃO DE DOCUMENTOS COM O RECURSO;
VIOLAÇÃO DE ESPECIFICAÇÃO TÉCNICA;
Sumário:
1-Os recursos são mecanismos processuais que têm como objetivo permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, constituindo, assim, um instrumento processual para reapreciar questões concretas, de facto ou de direito, que se consideram mal decididas e não para conhecer questões novas, não apreciadas e discutidas nas instâncias, sem prejuízo das que são de conhecimento oficioso.

2-Tendo a decisão recorrida apreciado a questão colocada pela Autora na petição inicial, de saber se a proposta por si apresentada no âmbito do concurso público aberto pela Entidade Adjudicante para a aquisição de sistema laser para fotocoagulação, lâmpada de fenda e mesa de elevação cumpria as especificações técnicas estabelecidas nas Cláusulas 27.ª e 28.ª do CE, sem se socorrer dos elementos de certificação, tal não tem como reverso da medalha que a Apelante não possa colocar em crise a decisão assim proferida assacando-lhe erro de julgamento na subsunção jurídica efetuada por o julgador. Trata-se da invocação de um mero argumento ou fundamento para assacar à decisão recorrida erro de julgamento quanto à questão que foi apreciada, o que não constitui uma questão nova, antes um raciocínio jurídico dirigido à explanação do erro de julgamento.

2- Após o encerramento da discussão em 1ª Instância, não é admitida a junção aos autos de documentos, exceto em caso de recurso e nos termos limitados previstos nos arts. 425º e 651º, n.º 1 do CPC, os quais admitem a junção aos autos, com as alegações de recurso, de documentos em duas situações excecionais, a saber: a) a junção do documento não ter “sido possível até àquele momento”, isto é, até ao encerramento da discussão em 1ª Instância, por impossibilidade objetiva ou subjetiva do apresentante, com o sentido e o alcance já supra enunciados; ou b) a junção do documento se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido pela 1ª Instância.

3- O facto de a mesa motorizada de uma só coluna lateral que a Apelante se propôs fornecer conter uma barra metálica na base da mesma, que é necessária para conferir estabilidade à mesa, não impede a utilização desse equipamento por pacientes em cadeira de rodas, de diferentes modelos e alturas, uma vez que, conforme se conclui pela observação das fotografias juntas com a p.i., os pedais das cadeiras de rodas estão colocados a um nível superior ao dessa barra metálica, e sendo a referida mesa motorizada e com rodas, o seu tampão também pode subir ou descer conforme a altura das cadeiras de rodas, ou seja, pode ser adaptada aos pacientes com mobilidade reduzida.

4- A existência de uma barra metálica na referida mesa não configura, sem mais, de per se, um obstáculo. É obvio que a existência da referida barra metálica constitui um obstáculo para que qualquer outro artefacto ocupe o espaço já ocupado por si, mas daí não decorre que seja um obstáculo para toda e qualquer outra finalidade.

5-Um dos fins nucleares que a regulamentação da contratação pública visa, é assegurar que os procedimentos de contratação respeitem o princípio da concorrência, permitindo a mais ampla participação dos agentes económicos que estejam em condições de ir ao concurso, e a sua permanência no procedimento, estando as causas de exclusão das propostas previstas no CCP ( artigo 70.º), em termos que apenas permitem a exclusão de uma proposta quando a mesma seguramente não observe as exigências constantes das peças do procedimento e do CCP.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Norte:

I.RELATÓRIO
1.1.[SCom01...] LDA., pessoa coletiva n.° ...16, com sede na Rua ..., em ... – ..., moveu o presente processo de contencioso pré-contratual contra o ESTADO , MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL – ESTADO -MAIOR-GENERAL DAS FORÇAS ARMADAS, pessoa coletiva n.° ...80, com sede na Avenida ..., em ..., indicando como contrainteressado, [SCom02...], LDA., pessoa coletiva n.°...39, com sede Rua ..., ..., no ..., e na qual formulou o seguinte pedido:
“(...) 1. Ser anulado o ato de adjudicação e igualmente o contrato, caso já tenha sido celebrado o contrato entre a ré e a contrainteressada [SCom02...], LDA, por serem manifestamente ilegais e inválidos. 2. Ser a ré condenada a proceder à reavaliação da proposta da autora e a graduá-la em primeiro lugar. 3. Ser a ré condenada à prática do ato de adjudicação da proposta da autora, por o mesmo ser legalmente devido. (..)”.
Para tanto, alegou, em síntese, que no procedimento concursal em referência apresentou um pedido de esclarecimento no sentido de saber se atentas as especificações técnicas definidas era possível “(..) apresentar uma solução de mesa motorizada de uma só coluna lateral, que permita que a zona central de encaixe das pernas fique livre com total acesso a cadeira de rodas, de diferentes modelos e alturas. (..)”;
Em resposta, foi-lhe dito que : “Admite-se que o equipamento da solução proposta venha equipado com uma única coluna em substituição da coluna definida no Caderno de Encargos. (...)” – pelo que, apresentou a sua proposta em conformidade.
Acontece que, pese embora no relatório preliminar a sua proposta tenha sido ordenada em primeiro lugar, após o exercício do direito de audição prévia por parte da Contrainteressada, e em sede de relatório final, veio a ser excluída.
Em sede de contraditório, sustentou que a sua proposta cumpre as especificações técnicas estipuladas na cláusula 28º alínea a) do Caderno de Encargos (CE) e, bem assim, o declarado nos esclarecimentos prestados.
Não obstante, a decisão de exclusão foi mantida e proposta a adjudicação do contrato à Contrainteressada, o que veio a ocorrer, conforme lhe foi notificado, em 12/08/2022.
Conclui pela invalidade do ato de exclusão da sua proposta e pela invalidade da adjudicação da proposta da contrainteressada e subsequente contrato, por erro grosseiro e manifesto de apreciação.
Pede que atento o critério de adjudicação definido e em face da invalidade do ato de adjudicação e subsequente contrato, o Réu seja condenado a adjudicar a sua proposta, ou subsidiariamente, proceder à reavaliação da mesma, graduá-la em primeiro lugar e adjudicá-la.
1.2. Citado, o Estado Maior General das Forças Armadas deduziu contestação, na qual suscitou, além do mais, o erro de citação e a sua ilegitimidade passiva para a presente lide.
Por despacho de 20.02.2023, foi determinada a citação do Ministério da Defesa Nacional.
1.3.Citado, o Ministério da Defesa Nacional não contestou.
1.4.Por despacho de 28/03/2023 foi determinada a absolvição da instância do Estado Maior General das Forças Armadas.
1.5.Citada, a Contrainteressada contestou, defendendo-se por impugnação, pugnando pela legalidade do ato de exclusão/ adjudicação proferido.
Termina pedindo a improcedência da ação.
1.6. Dispensou-se a realização de audiência prévia, indeferiu-se a produção de prova testemunhal, proferiu-se despacho saneador tabelar e fixou-se o valor da causa 58.000,00€ (cinquenta e oito mil euros).
1.7. Em 29/08/2023, proferiu-se saneador-sentença que julgou a ação improcedente, constando do mesmo o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, decido julgar improcedente a presente ação, por não provada, e em consequência absolvo a R. do pedido.
Custas pela A., nos termos do artigo 527º n.1 do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.»
1.8. Inconformada com o saneador-sentença que julgou a ação improcedente, a Autora intentou o presente recurso jurisdicional de apelação, o qual culmina com a formulação das seguintes CONCLUSÕES:
«1 - A ré aceitou, após o pedido de esclarecimentos efetuado pela recorrente, o equipamento proposto por esta, aceitando assim um equipamento com uma coluna lateral.
2 - O produto em causa, e possuindo como possui apenas uma barra lateral, tem obrigatoriamente, por forma a suportar o peso do equipamento a colocar no tampo superior, um tampo inferior de contrapeso.
3- O equipamento proposto pela recorrente e admitido pela ré, apenas o foi por possuir Certificado CDM, ou seja, por possuir certificação pela Infarmed, nomeadamente o designado Certificado CDM - Código de Dispositivo Médico.
4 - Sendo como é um dispositivo médico, o equipamento proposto pela recorrente está certificado como sendo um conjunto, ou seja, Mesa + Laser, portanto, o Certificado CDM está atribuído ao equipamento como um todo.
5 - Estando a certificação atribuída ao equipamento como um todo, este equipamento nunca, em momento algum, teria obtido esta certificação, bem como a Certificação CE atribuída pelo Organismo Europeu de Certificação, se a mesa não fosse usável por utente em cadeira de rodas.
6 - Por isso, sendo como é um equipamento (Mesa+Laser) com dupla certificação, nomeadamente CE e pelo Infarmed, é um equipamento usável por utente em cadeira de rodas, caso contrário nunca teria obtido esta certificação.
7 - Nem tão pouco a proposta da recorrente poderia ter sido admitida ao concurso se esta não houvesse apresentado estes documentos, que constituíam documentos obrigatórios da proposta.
8 - Daí que, dúvidas não poderão restar de que a recorrente cumpriu com as especificações técnicas constantes do caderno de encargos.
9 - E, a existência de uma barra metálica não poderá constituir em momento algum motivo de exclusão da proposta da recorrente, pois, caso contrário, como supra se referiu, o equipamento proposto pela recorrente não haveria conseguido obter a dupla certificação que obteve.
10 - Deverá, portanto, o Tribunal revogar a sentença proferida, substituindo-a por outra, admitindo assim a proposta da recorrente, propondo a sua adjudicação, e anulando o ato de adjudicação já celebrado, bem como o Contrato celebrado com a contrainteressado por serem manifestamente ilegais e inválidos.

Espera assim de VVas. Exas. a Costumada Justiça.»
1.9. O Réu contra-alegou, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«I. A recorrente veio em sede de recurso alegar que, por força da certificação CE e do INFARMED (CDM) dos equipamentos que propôs a concurso, estes estão aptos a serem utilizados com ou sem uma cadeira de rodas.
II. Esta questão apenas foi submetida à apreciação em sede recurso e, nessa medida, constitui uma “questão nova”.
III. Os recursos ordinários têm a função de permitir que o Tribunal “ad quem” proceda à reapreciação da decisão proferida pelo Tribunal “a quo” e essa reapreciação há-de se mover dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal recorrido quando proferiu a decisão, donde decorre que o Tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida.
IV. A lei processual civil, concretamente os artigos 425.° e 651.° ambos do CPC, possibilitam a junção de documentos ao processo com as alegações ou contra-alegações de recurso e apenas quando não tenha sido possível a respectiva apresentação em momento anterior ou quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em primeira Instância.
V. Assim, não podem ser admitidas como documentos as duas fotografias constantes do corpo das alegações da recorrente (a págs. 18) porque, ademais, a recorrente nada alegou ou demonstrou quanto à impossibilidade da sua apresentação em momento anterior.
Sem prescindir,
VI. O processo de codificação de dispositivos médicos levado a cabo pelo INFARMED, I. P. tem em vista a criação de um repositório de informação que permita que permita aos prestadores de cuidados e às instituições de saúde ter acesso à informação relevante para a utilização correta e segura destas tecnologias, bem como para a caracterização do mercado de dispositivos médicos.
VII. A atribuição de CDM pelo INFARMED, I.P. não configura uma autorização para comercialização de dispositivos médicos, nem um certificado para a sua utilização em toda e qualquer circunstância, nomeadamente, com ou sem cadeira de rodas, conforme alega a recorrente.
VIII. A marcação CE, aposta pelo fabricante, é um pré-requisito para a colocação no mercado dos dispositivos médicos e sua livre circulação, constituindo uma garantia de que estes produtos foram avaliados estando conformes com os requisitos essenciais que lhes são aplicáveis, sendo que este igualmente nada certifica quanto à aptidão dos dispositivos médicos para serem utilizados com ou sem cadeiras de rodas.
IX. A recorrente questionou o júri do concurso sobre se seria possível apresentar uma solução de mesa motorizada de uma só coluna lateral, que permitisse que a zona central de encaixe das pernas ficasse livre com total acesso a cadeiras de rodas, de diferentes modelos e alturas.
X. O júri admitiu que fosse apresentada uma proposta com uma única coluna, porém, a solução a apresentar teria, em todo o caso, de permitir o total acesso as cadeiras de rodas de vários modelos e alturas – o que não é caso do equipamento proposto pela recorrente.
XI. Aderimos sem reservas à sentença recorrida quando este diz que: “(...) o esclarecimento pedido não foi completo e como tal não teve uma resposta inequívoca. É que a A. não mencionou no seu pedido de esclarecimento que o facto de a mesa ser composta por coluna única lateral implicaria que a mesma integrasse, igualmente, uma barra metálica na zona do chão. E, sendo assim, a resposta prestada no sentido de que é admissível a coluna única, não afasta o requisito de possuir a “zona central de encaixe das pernas livre com total acesso a cadeiras de rodas, de diferentes modelos e alturas”.
XII. E que: “Defende a A. que a identificada “barra metálica no chão” não afeta o acesso das cadeiras de rodas, uma vez que - como alega em sede de pronúncia – a mesma “(...) está localizada no espaço por baixo de onde fica o apoio de pés da cadeira de rodas e mais próxima do operador (...) não prejudicando assim a acomodação dos vários modelos de cadeira de rodas. (...)” [cfr. ponto L) do probatório].
Contudo, a verdade é que não sendo evidente que a mesa proposta pela A. cumpre o requisito plasmado nas especificações do caderno de encargos quanto à verificação de uma “zona central de encaixe das pernas livre com total acesso a cadeiras de rodas, de diferentes modelos e alturas;”; e, não estando a existência dessa barra metálica no chão a coberto da admissibilidade resultante do esclarecimento prestado - como estava a apresentação de uma coluna lateral -, a proposta da A. está sujeita à apreciação do júri do procedimento quanto à verificação, ou não, do aludido requisito.
Assim, tendo presente a referida exigência quanto à composição dessa zona central livre e com total acesso, o Tribunal julga que a apreciação e juízo de exclusão realizado não padece do erro que lhe é imputado, porquanto a existência de uma barra metálica no chão constitui, obviamente, um obstáculo na referida mesa, com maior ou menor impacto na sua funcionalidade. Mas, sem dúvida, um obstáculo.”
XIII. Concluindo, a final, que: “(...) como fez o júri do procedimento e o R. que a proposta da A. não cumpre as especificações técnicas plasmadas na cláusula 28º alínea a) do caderno de encargos – parte II, pelo que, o acto de exclusão da identificada proposta e a subsequente adjudicação da proposta da contra-interessada, não padecem da invalidade que a A. lhes assaca.”
XIV. Em suma, entende a recorrida que o Tribunal “a quo” decidiu bem, não merecendo a sentença recorrida qualquer reparo, devendo, em consequência, ser mantida a decisão ora posta em crise.

Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis deve ser negado provimento ao recurso interposto pela autora, com todas as consequências legais.»
1.10. O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no n.º1, do artigo 146.º do CPTA, não emitiu parecer.
1.11.Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1.Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas mencionadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se a saber se a dita decisão padece de erro quanto ao julgamento da matéria de direito nela realizado pela 1ª instância, por ter julgado válida a decisão de exclusão da proposta da autora com fundamento no incumprimento especificações técnicas exigidas pelo CE e adjudicado o contrato à proposta da Autora.
2.3. Previamente, impõe-se a este Tribunal apreciar se, conforme invoca o Apelado:
(i) a alegação pela Apelante, em sede de recurso, de que por força da certificação CE e do INFARMED (CDM) do equipamento que propôs a concurso, este está apto a ser utilizado por pacientes em cadeiras de rodas, de qualquer modelo e altura, constitui uma questão nova, por apenas ter sido submetida à apreciação em sede recurso;
(ii) se atento o disposto nos artigos 425.º e 651.º, ambos do CPC, não podem ser admitidas como documentos as duas fotografias constantes do corpo das alegações da recorrente porque, ademais, a recorrente nada alegou ou demonstrou quanto à impossibilidade da sua apresentação em momento anterior.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO
3.1. A 1.ª Instância deu os seguintes factos como assentes:
«A). Em 10.08.2022, foi publicado no Diário da República, II Série, n.° 154 – Parte L, o «Anúncio de procedimento n.° ...22», cujo teor aqui se dá por reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)”. – cfr. processo administrativo _ fls. 213 e ss.;

B). O teor do programa de procedimento que aqui se dá por reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
(...)” . – cfr. processo administrativo _ fls. 227 e ss.;

C). O teor do caderno de encargos que aqui se dá por reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
PARTE II
CONDIÇÕES ESPECÍFICAS
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)” . - cfr. processo administrativo - fls. 243 e ss.;

D). Com data de 12.08.2022, a A endereçou ao júri do procedimento um pedido de esclarecimento cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
(...)” . - cfr. processo administrativo - fls. 209 e ss.;
E). Com data de 18.08.2022, após um pedido de «AA» da «Direcção de Finanças - Repartição de Contratos e Aquisições», pelo Dr. «BB» - ITEN MN - Assistente de Oftalmologia - ... - ... - foi prestada a seguinte informação: “(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)” . – cfr. processo administrativo _ fls. 204 e ss.;
F). O júri do procedimento elaborou “resposta à lista de erros e omissões” cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)”, sobre a qual, em 18.08.2022, recaiu o seguinte despacho: “(...) aceito a lista de erros e omissões apresentada e as respectivas respostas, bem como a prorrogação de prazo fixado para a apresentação de propostas nos termos do presente documento. Publique-se, junte-se às peças do procedimento e notifiquem-se os interessados. (...)” – cfr. fls. 116 e ss. dos autos «SITAF»;
G). Em 26.08.2022, a A. apresentou proposta, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)
(...) ” . – cfr. fls. 540 e ss. dos autos «SITAF»;
H). A Contrainteressada [SCom02...] apresentou proposta, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. – cfr. fls. 516 e ss. dos autos «SITAF»;
I). Em 26.09.2022, o júri do identificado procedimento concursal reuniu elaborando “Relatório Preliminar”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...) ” . – cfr. fls. 594 e ss. dos autos «SITAF»;
J). Com data de aposição de assinatura em 23.09.2022, a Contrainteressada exerceu o seu direito de audiência prévia, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. – cfr. fls. 596 e ss. dos autos «SITAF»;
K). O júri do identificado procedimento concursal reuniu, em 14.10.2022, elaborando “1º Relatório Final”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)”. – cfr. fls. 620 e ss. dos autos «SITAF»;
L). Com data de aposição de assinatura em 21.10.2022, a A. exerceu o seu direito de audiência prévia, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)”. – cfr. fls. 572 e ss. dos autos «SITAF»;
M). O júri do identificado procedimento concursal reuniu, em 15.11.2022, elaborando “2º Relatório Final”, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte: “(...)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)”. – cfr. fls. 622 e ss. dos autos «SITAF»;
N). Com data de 29.11.2022, o R. e a Contrainteressada [SCom02...] subscreveram o documento denominando “Contrato n.º ...22 – Aquisição de Sistema laser para fotocoagulação, lâmpada de fenda e mesa de elevação”. – (...)”. – cfr. fls. 1822 e ss. dos autos «SITAF»;
O). A petição inicial a que respeita a presente lide foi apresentada em juízo no dia 02.01.2023. – cfr. fls.1 dos autos (suporte físico);
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Não se provaram outros factos com interesse para a decisão a proferir nos autos.
***
Os factos que supra se consideram provados encontram arrimo na prova documental junta aos autos, em especial, do processo administrativo, atendendo ainda à circunstância de que nenhum documento foi alvo de impugnação.»
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III.B.DE DIREITO
3.2. O presente recurso vem interposto da decisão proferida pela 1.ª Instância que julgou a ação improcedente, corroborando a decisão de exclusão da proposta apresentada pela Autora, aqui Apelante, e de adjudicação à proposta da CI, proferida no âmbito do concurso publico aberto pela Entidade Adjudicante para a aquisição de sistema laser para fotocoagulação, lâmpada de fenda e mesa de elevação.
3.3. O Tribunal a quo decidiu que a proposta apresentada pela Apelante não cumpria as especificações técnicas previstas nas Cláusulas 27.ª e 28.ª do CE, mormente, com o requisito da alínea a) da Cláusula 28.º , ou seja, não garantia que o equipamento a fornecer, a saber, “ Mesa motorizada de coluna dupla”, ficasse com a zona central de encaixe das pernas livre com total acesso a cadeira de rodas, de diferentes modelos e alturas.
3.4.Antes de avançarmos na análise das questões a decidir, afigura-se-nos útil transcrever a sentença recorrida de modo a uma melhor compreensão do percurso cognoscitivo desenvolvido pelo Tribunal a quo para decidir pela validade da exclusão da proposta apresentada pela autora e do ato de adjudicação à proposta da CI. Nesse seguimento, lê-se na decisão recorrida a seguinte fundamentação:
«[…]
A cláusula 28º do caderno de encargos – Parte II, sob a epígrafe “Especificações técnicas da lâmpada de fenda e mesa de elevação motorizada” estipula, com relevo, para a apreciação da questão sub iudice, o seguinte: “(..) a. Mesa motorizada de coluna dupla, ficando a zona central de encaixe das pernas livre com total acesso a cadeiras de rodas, de diferentes modelos e alturas; (..)” [cfr. ponto C) do probatório].
Por sua vez, o esclarecimento apresentado na “resposta a lista de erros e omissões” prevê que “admite-se que o equipamento da solução proposta venha equipado com uma única coluna em substituição da coluna dupla definido no Caderno de Encargos.” [cfr. ponto F) do probatório].
A proposta da A. [cfr. ponto G) do probatório] contém “(..) mesa elevatória elétrica com rodas adaptada aos pacientes com mobilidade reduzida, ficando a zona central de encaixe das pernas livre com total acesso a cadeiras de diferentes modelos e alturas. (..)” com o seguinte desenho ilustrativo:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
O artigo 50º do Código de contratos Públicos, sob a epígrafe “Esclarecimentos, retificação e alteração das peças do procedimento” prevê:
“1 - No primeiro terço do prazo fixado para a apresentação das propostas, os interessados podem solicitar os esclarecimentos necessários à boa compreensão e interpretação das peças do procedimento e, no mesmo prazo, devem apresentar uma lista na qual identifiquem, expressa e inequivocamente, os erros e as omissões das peças do procedimento por si detetados.
2 - Para efeitos do presente Código consideram-se erros e omissões das peças do procedimento os que digam respeito a:
a) Aspetos ou dados que se revelem desconformes com a realidade;
b) Espécie ou quantidade de prestações estritamente necessárias à integral execução do objeto do contrato a celebrar;
c) Condições técnicas de execução do objeto do contrato a celebrar que o interessado não considere exequíveis;
d) Erros e omissões do projeto de execução que não se incluam nas alíneas anteriores.
3 - A lista a apresentar ao órgão competente para a decisão de contratar deve identificar, expressa e inequivocamente, os erros ou omissões detetados, com exceção dos referidos na alínea d) do número anterior e daqueles que por eles apenas pudessem ser detetados na fase de execução do contrato, atuando com a diligência objetivamente exigível em face das circunstâncias concretas.
4 - O incumprimento do dever de identificar erros e omissões a que se referem os números anteriores tem a consequência prevista no n.° 3 do artigo 378.°
5 - Até ao termo do segundo terço do prazo fixado para a apresentação das propostas, ou até ao prazo fixado no convite ou no programa de concurso:
a) O órgão competente para a decisão de contratar, ou o órgão para o efeito indicado nas peças do procedimento, deve prestar os esclarecimentos solicitados;
b) O órgão competente para a decisão de contratar pronuncia-se sobre os erros e as omissões identificados pelos interessados, considerando-se rejeitados todos os que, até ao final daquele prazo, não sejam por ele expressamente aceites.
6 - O órgão competente para a decisão de contratar deve identificar os termos do suprimento de cada um dos erros ou das omissões aceites nos termos do disposto na alínea b) do número anterior.
7 - Independentemente do disposto nos números anteriores, o órgão competente para a decisão de contratar pode, oficiosamente, proceder à retificação de erros ou omissões das peças do procedimento, bem como prestar esclarecimentos, no mesmo prazo referido no n.° 5, ou até ao final do prazo de entrega de candidaturas ou propostas, devendo, neste caso, atender-se ao disposto no artigo 64.º
8 - Os esclarecimentos, as retificações e as listas com a identificação dos erros e omissões detetados pelos interessados devem ser disponibilizados na plataforma eletrónica utilizada pela entidade adjudicante e juntos às peças do procedimento que se encontrem patentes para consulta, devendo todos os interessados que as tenham obtido ser imediatamente notificados desse facto.
9 - Os esclarecimentos e as retificações fazem parte integrante das peças do procedimento a que dizem respeito e prevalecem sobre estas em caso de divergência.
Ora, analisado e ponderado o caso concreto, o Tribunal não tem duvidas que por força do esclarecimento prestado a “mesa elevatória” que integra a proposta da A. não incumpre o requisito ali expresso quanto à possibilidade de ser composta por coluna dupla ou coluna única lateral.
Todavia, a verdade é que o esclarecimento pedido não foi completo e como tal não teve uma resposta inequívoca.
É que a A. não mencionou no seu pedido de esclarecimento que o facto de a mesa ser composta por coluna única lateral implicaria que a mesma integrasse, igualmente, uma barra metálica na zona do chão. E, sendo assim, a resposta prestada no sentido de que é admissível a coluna única, não afasta o requisito de possuir a “zona central de encaixe das pernas livre com total acesso a cadeiras de rodas, de diferentes modelos e alturas;”.
Defende a A. que a identificada “barra metálica no chão” não afecta o acesso das cadeiras de rodas, uma vez que - como alega em sede de pronúncia – a mesma “(..) está localizada no espaço por baixo de onde fica o apoio de pés da cadeira de rodas e mais próxima do operador (..) não prejudicando assim a acomodação dos vários modelos de cadeira de rodas. (..)” [cfr. ponto L) do probatório].
Contudo, a verdade é que não sendo evidente que a mesa proposta pela A. cumpre o requisito plasmado nas especificações do caderno de encargos quanto à verificação de uma “zona central de encaixe das pernas livre com total acesso a cadeiras de rodas, de diferentes modelos e alturas;”; e, não estando a existência dessa barra metálica no chão a coberto da admissibilidade resultante do esclarecimento prestado - como estava a apresentação de uma coluna lateral -, a proposta da A. está sujeita à apreciação do júri do procedimento quanto à verificação, ou não, do aludido requisito.
Assim, tendo presente a referida exigência quanto à composição dessa zona central livre e com total acesso, o Tribunal julga que a apreciação e juízo de exclusão realizado não padece do erro que lhe é imputado, porquanto a existência de uma barra metálica no chão constitui, obviamente, um obstáculo na referida mesa, com maior ou menor impacto na sua funcionalidade. Mas, sem dúvida, um obstáculo.
Desse modo, impõe-se concluir como fez o júri do procedimento e o R. que a proposta da A. não cumpre as especificações técnicas plasmadas na cláusula 28º alínea a) do caderno de encargos – parte II, pelo que, o acto de exclusão da identificada proposta e a subsequente adjudicação da proposta da Contrainteressada, não padecem da invalidade que a A. lhes assaca.»
3.5. Nas conclusões de recurso apresentadas, a Apelante insurge-se contra a decisão recorrida começando por observar que se a Ré aceitou, após o pedido de esclarecimentos que efetuou, o equipamento proposto por esta, então aceitou que esta fornecesse um equipamento com uma coluna lateral.
3.6.Por outro lado, observa que possuindo o produto em causa apenas uma barra lateral, o mesmo teria obrigatoriamente, por forma a suportar o peso do equipamento a colocar no tampo superior, de ter um tampo inferior de contrapeso.
3.7.Mais alega que o equipamento proposto pela recorrente e admitido pela ré, apenas o foi por possuir Certificado CDM, ou seja, por possuir certificação pelo Infarmed, nomeadamente o designado Certificado CDM - Código de Dispositivo Médico. E estando a certificação atribuída ao equipamento como um todo, este equipamento nunca, em momento algum, teria obtido esta certificação, bem como a Certificação CE atribuída pelo Organismo Europeu de Certificação, se a mesa não fosse usável por pacientes em cadeiras de rodas. Tratando-se de um equipamento com dupla certificação, é um equipamento usável por pacientes em cadeiras de rodas, caso contrário nunca teria obtido esta certificação, tendo a Apelante apresentado os documentos que o comprovavam, sem os quais, aliás, a proposta não teria sido aceite.
3.8.Em suma, entende que a existência de uma barra metálica não poderá constituir em momento algum motivo de exclusão da sua proposta, uma vez que, esse equipamento permite a sua utilização por pacientes em cadeiras de rodas, de qualquer modelo e altura, sendo que, de contrário, como supra se referiu, o equipamento proposto pela recorrente não haveria conseguido obter a dupla certificação que lhe foi atribuída, pelo que deve a sentença recorrida ser revogada, admitida a sua proposta, anulado o contrato e adjudicado o fornecimento à sua proposta.
Assim sendo, quid iuris ?
b.1. da questão prévia consubstanciada na invocação pela Apelada da existência de “questão nova”.
3.9.Em primeiro lugar, por uma questão de precedência logica, impõe-se analisar se a invocação efetuada pela Apelante quanto à existência de certificação do equipamento que se propôs fornecer, no sentido de daí decorrer que o equipamento proposto não podia deixar de ser considerado como apto a ser utilizado por pacientes em cadeira de rodas, de qualquer modelo e altura, constitui uma questão nova, e isso porque esse problema foi suscitado pela Apelada nas suas contra-alegações de recurso.
4.É pacífico o entendimento de que os recursos são mecanismos processuais que têm como objetivo permitir que um tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, constituindo, assim, um instrumento processual para reapreciar questões concretas, de facto ou de direito, que se consideram mal decididas e não para conhecer questões novas, não apreciadas e discutidas nas instâncias, sem prejuízo das que são de conhecimento oficioso.
4.1.Como escreve António Santos Abrantes Geraldes- in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., pág. 119- “a natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas.
Na verdade, os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não analisar questões novas, salvo quando (...) estas sejam de conhecimento oficioso (...). Seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente termos seguido um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso.”
4.2. “Nesta linha, vem a nossa jurisprudência, repetidamente, afirmando que os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.” –
cfr. Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9.ª Edição, pág. 156.
4.3.De resto, como bem se escreveu no em Acórdão do TRG, de 08/11/2018, proferido no processo n.º 212/16.5T8PTL.G1« por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido. Só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido (...). A única exceção a esta regra, como bem se compreende, são as questões de conhecimento oficioso, das quais o Tribunal tem a obrigação de conhecer, mesmo perante o silêncio das partes. Não sendo uma situação de conhecimento oficioso, não pode o Tribunal superior apreciar uma questão nova, por pura ausência de objeto: em bom rigor, não existe decisão de que recorrer. É um caso de extinção do recurso por inexistência de objeto.
4.4.Em suma, o pedido de apreciação, em sede de recurso, de uma questão que não foi invocada no tribunal a quo e que, por isso, não foi apreciada na sentença recorrida configura uma questão nova. Não sendo tal questão de conhecimento oficioso, não pode o Tribunal superior proceder à sua apreciação.
4.5.Na conclusão I das respetivas contra-alegações, a Apelada escreve que a “recorrente veio em sede de recurso alegar que, por força da certificação CE e do INFARMED (CDM) dos equipamentos que propôs a concurso, estes estão aptos a serem utilizados com ou sem uma cadeira de rodas”, entendendo tratar-se de uma questão nova na medida em que a mesma apenas foi submetida à apreciação em sede de recurso- conclusão II.
Vejamos.
4.6.Como já alertava Alberto dos Reis impõe-se distinguir, por um lado, entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos”. “(…) Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”- Cfr. Alberto dos Reis, in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143.
4.7.Neste âmbito, importa precisar que as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
4.8. Já os argumentos mais não são do que as várias razões ou fundamentos invocados para fazer valer um determinado ponto de vista.
4.9.Compulsada a p.i. constata-se que a Autora, aqui Apelante, pese embora tenha feito acompanhar a sua proposta dos elementos de certificação CE e do INFARMED (CDM), não invocou que por via dessa certificação, também só podia concluir-se pela conformidade da proposta que apresentou, ou seja, pela sua conformidade com as especificações técnicas indicadas nas mencionadas cláusulas do CE, e também com a da al. a) da Cláusula 28.ª do CE, porquanto os equipamentos que se dispôs a fornecer só poderiam ser assim certificados se estivessem aptos a ser utilizados com por pacientes em cadeira de rodas, de qualquer modelo ou altura.
5.Não obstante, alegou que a sua proposta cumpria as especificações técnicas exigidas pelo CE, que não violava as Cláusulas 27.ª e 28.ª do CE, e como tal, que o equipamento que se propunha fornecer permitia a sua utilização por pacientes em cadeiras de rodas, de qualquer modelo e altura- esta era a questão a decidir.
5.1.No caso, é incontestável que a decisão recorrida apreciou a questão colocada pela Autora na petição inicial, que era a de saber se a proposta por si apresentada no âmbito do concurso público aberto pela Entidade Adjudicante para a aquisição de sistema laser para fotocoagulação, lâmpada de fenda e mesa de elevação cumpria as especificações técnicas estabelecidas nas Cláusulas 27.ª e 28.ª do CE, mormente, o disposto na alínea a) da Cláusula 28.ª do CE, tendo a Senhora Juiz a quo concluído que assim não sucedia, julgando, em conformidade, a ação improcedente.
5.2.É também certo que coligido o saneador-sentença recorrido, constata-se que o Tribunal a quo, na exegese que realizou, não se socorreu desses elementos de certificação para decidir a ação, uma vez que em momento algum lhes faz referência.
5.3.Contudo, o silêncio do Tribunal a quo sobre as consequências a retirar desses elementos certificativos não tem como reverso da medalha que a Apelante não possa colocar em crise a decisão assim proferida assacando-lhe erro de julgamento na subsunção jurídica efetuada por o julgador não ter ponderado na relevância desses elementos na decisão que prolatou, e que, a seu ver, se o tivesse feito, levariam a uma decisão de sentido inverso.
5.4.Em bem da verdade, a Apelante não está a suscitar nenhuma questão nova ao invocar que resulta desses elementos certificativos que a decisão recorrida errou ao julgar que a sua proposta não cumpria com as especificações técnicas do CE. Apenas está a invocar um argumento ou fundamento para assacar à decisão recorrida erro de julgamento quanto à questão que foi apreciada e isso não constitui uma questão no sentido supra exposto, mas apenas um raciocínio jurídico dirigido à explanação do erro de julgamento.
Assim sendo improcede a suscitada questão prévia, não estando o Tribunal ad quem impedido de analisar o erro de julgamento e nessa sede ponderar o argumento aduzido pela Apelante de acordo com o qual se impunha decidir pela conformidade da sua proposta com as especificações técnicas por decorrer da certificação do equipamento que se propunha fornecer a possibilidade da sua utilização por pacientes com cadeiras de rodas, de qualquer modelo e altura.
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b.2. da admissibilidade legal de junção de documentos com as alegações de recurso.
5.5. Nas conclusões formuladas sob os pontos IV. e V., a Apelada invoca o disposto nos artigos 425º e 651.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), para se insurgir contra a apresentação pela Apelada, em sede de alegações, dos documentos constituídos por duas fotografias constantes do corpo das alegações da recorrente (a págs. 18) porque, ademais, a recorrente nada alegou ou demonstrou quanto à impossibilidade da sua apresentação em momento anterior.
Vejamos.
5.6.Como escrevemos em Acórdão deste TCAN, de 24/02/2023, proferido no processo n.º 276/21.0BEBRG, por nós relatado, que seguiremos de perto, a junção de documentos em sede de recurso é muito condicionada, estando sujeita a fortes limitações.
5.7.Estabelece, desde logo, o artigo 651.º, n.º1 do CPC que as partes « apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o art. 425º ou no caso de a junção se ter tornando necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância». Por sua vez, o artigo 425.º do CPC prevê que «Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos suja apresentação não tenha sido possível até àquele momento». ( negrito nosso).
5.8.Assim, com as alegações do recurso de apelação, as partes só podem juntar documentos, objetiva ou subjetivamente supervenientes. Importa sublinhar que esta faculdade não compreende, em hipótese alguma, o caso de a parte pretender oferecer um documento que poderia, e deveria, ter oferecido na 1.ª instância.
5.9. No âmbito do CPTA, sob a epígrafe “ Instrução da petição”, no n.º 3 do artigo 79.º determina que “Sem prejuízo dos demais requisitos exigidos pela lei processual civil, a petição inicial deve ser instruída com a prova documental…» e, de acordo com o seu n.º4 “ Alegando motivo justificado, é fixado prazo ao autor para a junção de documentos que não tenha obtido em tempo”. «Em tudo o que não esteja expressamente regulado neste artigo, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil quanto á instrução da petição inicial»- cfr. n.º7.
6.Já quanto à contestação, o artigo 83.º do CPTA, sob a epígrafe “ Conteúdo e instrução da contestação”, estabelece no seu n.º2 que: « No final da contestação, os demandados devem apresentar o rol de testemunhas, juntar documentos e requerer outros meios de prova».
6.1.Resulta do disposto nestes preceitos do CPTA, que não só o autor deve juntar, com a p.i., os documentos que se destinem a comprovar os factos alegados na petição inicial, como a entidade demandada deve juntar, com a contestação, os documentos relativos aos factos cuja prova se propõe fazer.
6.2.É o que também dimana do princípio geral estabelecido no n.º 1 do art.º 423º do CPC, onde se prevê que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
6.3.Precise-se que, a junção de documentos que já constem do processo administrativo, quando se destinem a fazer prova dos factos articulados na p.i., torna-se desnecessária em face da obrigatoriedade do envio desse processo por parte da entidade demandada, nos termos do artigo 84.º do CPTA, razão pela qual o n.º4 do artigo 78.º do CPTA dispensa a junção de tais documentos, substituindo-a pela mera informação sobre a sua pertinência ao processo administrativo e a conexão com os factos que, através deles, se pretendem provar.
6.4.Note-se que a prova documental pode ainda ser junta aos autos até ao 20º dia anterior à data em que se realize a audiência final, mas, nesse caso, o apresentante ficará sujeito a multa, exceto se provar que não pôde oferecer o documento em causa com o articulado (n.º 2 do art.º 423º do CPC, aplicável subsidiariamente).
6.5.Posteriormente ao vigésimo dia que antecede a data da realização efetiva da audiência final, ainda podem ser juntos aos autos documentos até ao encerramento da discussão em 1ª Instância, desde que se verifique alguma das seguintes circunstâncias: a) se a apresentação do documento não foi possível até àquela data-limite do 20º dia que antecede o início da realização efetiva da audiência final, ou b) se a junção se tiver tornado necessária em consequência de ocorrência posterior (n.º 3 do art. 423º, aplicável subsidiariamente).
6.6.Quanto à primeira das enunciadas exceções, essa impossibilidade pode ser objetiva ou subjetiva.
6.7.A impossibilidade é objetiva quando se está perante um documento que foi produzido posteriormente ao encerramento da discussão, isto é, quando se está perante uma situação de impossibilidade prática, concreta ou real, porque ontológica, do apresentante juntar aos autos o documento em causa até à data limite do vigésimo dia que antecede o início da realização efetiva da audiência final. Isso sucederá, quando o documento respeitar a factos ocorridos historicamente após essa data limite ou, respeitando a factos anteriores, o documento apenas tiver sido produzido, e podendo sê-lo, após o decurso dessa data limite.
6.8. Está-se perante uma impossibilidade subjetiva quando a parte só tiver conhecimento da existência do documento após aquele momento, isto é, quando o documento respeite a factos ocorridos historicamente antes do decurso da data limite do vigésimo dia que antecede o início da efetiva realização da audiência final, mas o apresentante, por razões que não lhe são imputáveis desconheça a existência do documento em causa ou o respetivo teor, acabando apenas por tomar conhecimento do documento e/ou do respetivo teor após o decurso dessa data limite.
6.9.Como resulta evidente, quando se trate de uma impossibilidade objetiva de junção do documento até ao momento do encerramento da discussão, essa impossibilidade é espelhada no próprio documento, pelo que a mesma é facilmente determinável. Ainda assim, mesmo nestes casos, deve exigir-se ao apresentante a prova de que a produção do documento só foi possível depois do encerramento da discussão.
7.Quando se trate de uma impossibilidade subjetiva, a parte que oferecer o documento tem o ónus de alegar e demonstrar a impossibilidade da junção do documento no momento devido, para o que tem de alegar e provar factos dos quais decorra que a junção do documento em causa após aquela data limite não lhe é imputável a título de culpa, nomeadamente negligência, o mesmo é dizer, tem de alegar e provar que o desconhecimento da existência do documento não deriva de culpa sua.
7.1.A aferição da não culpabilidade do apresentante na apresentação tardia do documento, quando se trate de uma impossibilidade superveniente, coloca particulares dificuldades, uma vez que impõe ao julgador verificar em que condições se pode dar relevância ao desconhecimento do documento pela parte.
7.2.Nesta situação há que determinar o grau de culpa que é incompatível com a superveniência subjetiva e, que, por isso, impede que a parte possa alegar o documento como superveniente, já que pode entender-se que qualquer desconhecimento negligente é incompatível com aquela superveniência ou que só a negligência grave no desconhecimento do documento obsta à sua alegação como superveniente.
7.3.Apesar do caráter delicado da questão, não parece razoável exigir que a parte assuma na procura das provas documentais relevantes para a defesa dos seus interesses em juízo uma diligência maior do que aquela que a lei exige que ela tenha perante a contraparte: como a litigância de má-fé pressupõe a atuação com negligência grave, isso mostra que a negligência leve é desculpável e, por isso, processualmente irrelevante ( art.º 542.º, n.º 2, proémio, do CPC).
7.4.Assim, só o desconhecimento tempestivo da existência do documento assente numa negligência grave deve obstar à sua alegação como documento subjetivamente superveniente.
7.5.Porém, sublinha-se que, quer na impossibilidade objetiva, quer na subjetiva, a parte tem de requerer a junção aos autos do documento logo que isso se lhe torne possível, sem aguardar qualquer dilação.
7.6. Avançando, no caso em análise, a Apelante reproduziu no corpo das respetivas alegações duas fotografias, constituindo as mesmas, atento o disposto no artigo 362.º prova documental, na medida em que «diz-se documento qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto».
7.7.Como dissemos, a parte que oferecer o documento tem o ónus de alegar e demonstrar a impossibilidade da junção do documento no momento devido, para o que tem de alegar e provar factos dos quais decorra que a junção do documento em causa após aquela data limite não lhe é imputável a título de culpa, nomeadamente negligência, o mesmo é dizer, tem de alegar e provar que o desconhecimento da existência do documento não deriva de culpa sua.
7.8. No caso, a Apelante nada alegou ou demonstrou quanto à impossibilidade da apresentação de tais documentos em momento anterior às alegações de recurso.
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7.9.A outra situação excecional a que supra aludimos, em que é admitida a junção aos autos de documento após o decurso daquele prazo limite do vigésimo dia que antecede o efetivo início da realização da audiência final e até ao encerramento da discussão em 1ª Instância, tem a ver com a situação em que a junção do documento se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior, ou seja, quando se verifique que o documento se destina à prova ou contraprova de factos ocorridos após o termo desse prazo limite..
8. Também não é esse o caso, incontestavelmente. É que, não foi em virtude da decisão recorrida que a Autora, aqui Apelante, ficou a saber que a razão pela qual a sua proposta foi excluída se prendia com o facto de se considerar que o equipamento que se propunha fornecer não satisfazia as especificações técnicas previstas no CE, mormente, na al. a) da Cláusula 28.ª, pelo que, não foi em consequência da decisão recorrida que a mesma se viu perante a necessidade de demonstrar, de uma forma figurativa, a realidade do equipamento que se dispunha a fornecer.
8.1. Em boa verdade, desde que lhe foi comunicada a intenção de exclusão da proposta que apresentou, por parte do Júri do Procedimento, que ficou a conhecer as razões invocadas pela Entidade Adjudicante, as quais foram posteriormente corroboradas pelo Tribunal a quo, pelo que, se lhe impunha que quando intentou a presente ação tivesse providenciado pela junção desses documentos, o que não fez.
8.2. Em conclusão, recapitulando, após o encerramento da discussão em 1ª Instância, não é admitida a junção aos autos de documentos, exceto em caso de recurso e nos termos limitados previstos nos arts. 425º e 651º, n.º 1 do CPC, os quais admitem a junção aos autos, com as alegações de recurso, de documentos em duas situações excecionais, a saber: a) a junção do documento não ter “sido possível até àquele momento”, isto é, até ao encerramento da discussão em 1ª Instância, por impossibilidade objetiva ou subjetiva do apresentante, com o sentido e o alcance já supra enunciados; ou b) a junção do documento se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido pela 1ª Instância.
8.3.A junção de documento em fase de recurso com fundamento em a junção se ter revelado necessária por força do julgamento da 1ª instância pressupõe que esse julgamento seja de todo surpreendente para as partes relativamente ao que seria expectável em face dos elementos do processo, ou seja, torna-se necessário que a decisão da 1ª Instância se tenha baseado em meio de prova não esperado, designadamente, em meio probatório inesperadamente junto aos autos oficiosamente pelo tribunal que determinou o recurso a preceito jurídico ou a uma interpretação de preceito jurídico com cuja invocação/interpretação as partes não tivessem justificadamente contado.
8.4. Dito por outras palavras, para que a junção do documento seja permitida na fase de recurso com fundamento no julgamento realizado pela 1ª Instância, não basta que essa junção seja necessária em face desse julgamento, sendo antes essencial que a junção apenas se tenha tornado necessária em virtude do mesmo, isto é, que a decisão proferida pela 1ª Instância se tenha ancorado num elemento de cariz “inovatório” para as partes.
8.5.Deste modo, se a junção do documento era necessária para fundamentar a ação ou a defesa antes de ser proferida a decisão da 1ª Instância, e se essa decisão se baseou em meios de prova com que as partes podiam razoavelmente contar, como sejam depoimentos de parte ou de testemunhas, declarações de parte, prova documental, pericial ou por inspeção judicial, respetivamente, arrolados e requeridos pelas partes ou oficiosamente determinadas pelo juiz, mas, neste último caso, em momento processual em que ainda era possível às partes carrearem para os autos o documento que se propõem juntar em sede de alegações de recurso, com vista a contrariar essa prova produzida por determinação oficiosa do tribunal, ou seja, até ao encerramento da discussão em 1ª Instância, então a junção aos autos do documento com as alegações de recurso não ocorre em virtude do julgamento realizado pela 1ª Instância, posto que as partes tiveram oportunidade de controlar a prova produzida em que assentou a decisão da 1ª instância, e tiveram, inclusivamente, oportunidade de juntar aos autos, na 1ª Instância, o documento que se propõem juntar na fase de recurso. Já se a decisão da 1ª Instância se baseou em meio probatório não oferecido pelas partes, mas antes junto aos autos por iniciativa oficiosa do tribunal, em momento processual em que já não lhes era possível apresentar o documento que agora se propõem juntar aos autos em anexo às suas alegações de recurso, tendo em vista contrariar esse meio de prova, ou quando essa decisão tenha assentado em regra de direito ou interpretação com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não podiam contar, em obediência ao princípio do contraditório, na sua dimensão positiva de proibição de prolação de decisões surpresa (art. 3º, n.º 3 do CPC), impõe-se admitir a junção aos autos do documento na fase das alegações de recurso, uma vez que, nesses casos, e exclusivamente neles, se pode, com propriedade afirmar que essa junção se tornou necessária em virtude do julgamento realizado na 1ª Instância, dado o seu cariz inovador.
8.6.Na situação em análise, não estamos perante nenhuma das apontadas situações, radicando a necessidade da Apelante juntar aos autos os referidos documentos apenas do facto de discordar da decisão recorrida, e pretender com tais documentos melhor retratar a alegada aptidão do equipamento para a utilização que a Entidade Adjudicante previu no CE, ou seja, para ser utilizado por pacientes em cadeira de rodas, de qualquer modelo e altura, procurando, assim, melhor elucidar/demonstrar que a constituição do equipamento que propôs não impede a sua utilização por aquele tipo de pacientes.
8.7. Como tal, em face das considerações que antecedem, impõe-se concluir que não assiste à Apelante o direito de juntar aos autos os documentos constituídos pelas duas fotografias, que se encontram reproduzidas no corpo das alegações, pelo que, perante a impossibilidade de se ordenar o desentranhamento dos autos desses documentos, impõe-se decidir pela sua desconsideração na decisão a proferir.
*
b.3. do erro de julgamento quanto ao mérito da decisão: do incumprimento das especificações técnicas.
8.8. O procedimento administrativo de contratação pública inicia- se com a decisão de contratar, a qual deve ser fundamentada e cabe ao órgão competente para autorizar a despesa inerente ao contrato a celebrar, podendo essa decisão estar implícita nesta última – cfr. n.º1 do art.º 36.º do CCP. Quanto à decisão de escolha do procedimento de formação de contratos, de acordo com as regras fixadas no CCP, a mesma deve ser fundamentada e cabe ao órgão competente para a decisão de contratar- cfr. art.º 38.º do CCP.
8.9.No caso, o procedimento utilizado pela Entidade Adjudicante foi o concurso público, tendo aquela, porém, previamente, efetuado uma consulta preliminar ao mercado, no âmbito do artigo 35.ª-A do CCP ( como refere no artigo 4.º do PP).
9. Quanto às “Peças do Procedimento”, dispõe o artigo 40.º do CCP que :
«1- As peças dos procedimentos de formação de contratos são as seguintes:
a)

[…]
c) No concurso público, o anúncio, o programa do procedimento e o caderno de encargos;
[…]
2 - As peças do procedimento referidas no número anterior, com exceção da minuta do anúncio, são aprovadas pelo órgão competente para a decisão de contratar.
[…]
4 - As indicações constantes do programa do procedimento, do caderno de encargos e da memória descritiva prevalecem sobre as indicações do anúncio em caso de divergência.
5 - As peças do procedimento prevalecem sobre as indicações constantes da plataforma eletrónica de contratação, em caso de divergência.»
9.1. As peças do procedimento são documentos nucleares, uma vez que constituem os “documentos conformadores do procedimento”, ou seja « os documentos escritos e desenhados, com caráter ( direta ou indiretamente) normativo ou meramente informativo( depende dos casos), em que se fixam, na parte não coberta por disposições imperativas de normas de grau superior ao seu, as formalidades a respeitar ao longo do procedimento pré-contratual, os requisitos subjetivos e objetivos necessários para aí aceder e as condições (técnicas, jurídicas e económico-financeiras) de acordo com as quais ou com base nas quais os concorrentes hão -de elaborar as suas propostas e a entidade adjudicante se dispõe a celebrar o contrato respetivo- nomeadamente, quanto às qualidades dos respetivos pretendentes, à forma e atributos das suas propostas e aos fatores da sua qualificação ( ou seleção) e adjudicação»- cfr. ob. cit. pág. 270/271.
9.2.Conforme resulta do CCP, o elenco das peças do procedimento tem carácter taxativo e imperativo, embora a sua natureza e o número das peças dependam do tipo de procedimento em causa. Assim, excetuando a situação relativa ao diálogo concorrencial -cfr. artigos 207.º e 209.º do CCP- as peças do procedimento são o Caderno de Encargos (CE), o Programa do Procedimento- exceto nos procedimentos por ajuste direto- e o Convite à apresentação das propostas- exceto no concurso público.
9.3.A noção legal de Programa do Procedimento (PP) é-nos dada pelo artigo 41.º do CCP, onde se consigna que «é o regulamento que define os termos a que obedece a fase de formação do contrato até à sua celebração».
9.4.Quanto ao Caderno de Encargos (CE), o artigo 42.º do CCP, define-o como a peça do procedimento onde estão previstas as cláusulas a incluir no contrato a celebrar.
Esse preceito tem a seguinte redação:
«1 - O caderno de encargos é a peça do procedimento que contém as cláusulas a incluir no contrato a celebrar.
2 - Nos casos de manifesta simplicidade das prestações que constituem o objeto do contrato a celebrar, as cláusulas do caderno de encargos podem consistir numa mera fixação de especificações técnicas e numa referência a outros aspetos essenciais da execução desse contrato, tais como o preço ou o prazo.

3 - As cláusulas do caderno de encargos relativas aos aspetos da execução do contrato submetidos à concorrência podem fixar os respetivos parâmetros base a que as propostas estão vinculadas.
4 - Os parâmetros base referidos no número anterior podem dizer respeito a quaisquer aspetos da execução do contrato, tais como o preço a pagar ou a receber pela entidade adjudicante, a sua revisão, o prazo de execução das prestações objeto do contrato ou as suas características técnicas ou funcionais, bem como às condições da modificação do contrato, devendo ser definidos através de limites mínimos ou máximos, consoante os casos, sem prejuízo dos limites resultantes das vinculações legais ou regulamentares aplicáveis.
5 - O caderno de encargos pode também descrever aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência, nomeadamente mediante a fixação de limites mínimos ou máximos a que as propostas estão vinculadas.
6 - Os aspetos da execução do contrato, constantes das cláusulas do caderno de encargos, podem dizer respeito, desde que relacionados com tal execução, a condições de natureza social, ambiental, ou que se destinem a favorecer:
a) A aplicação de medidas de promoção da igualdade de género e da igualdade salarial no trabalho;

b) O aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho;
c) A conciliação da vida profissional com a vida familiar e pessoal de todos os trabalhadores afetos à execução do contrato;
d) A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho;

e)(Revogada.)
f) A promoção da economia circular e dos circuitos curtos de distribuição;

g) A promoção da sustentabilidade ambiental;
h) A valorização de processos, produtos ou materiais inovadores;
i) A contribuição para a promoção da inovação ou de emprego científico ou qualificado;
j) A promoção de atividades culturais e a dinamização de património cultural;
k) A valorização da contratação coletiva;
l) O combate ao trabalho precário;
[…]»
9.5.O CE, é a peça do procedimento que contém as cláusulas a incluir no contrato, de modo que pode mesmo dizer-se que o CE é uma espécie de “pré-contrato”. Por outras palavras, dir-se-á que é o documento no qual a entidade adjudicante indica o tipo, a espécie, das prestações principais ou acessórias que pretende e na qual estabelece os aspetos ou especificações técnicas ou outras inerentes à realização das prestações sobre que as propostas devem debruçar-se e, bem assim, aqueles que são vinculados para a entidade adjudicante.
9.7.Como se sumariou no Acórdão do TCAS, de 18/12/2014, proferido no processo n.º ...4, relatado pela Senhora Desembargadora Helena Canelas : «II- O Caderno de Encargos é a peça do procedimento que contém as cláusulas a incluir no contrato a celebrar, definindo os aspetos essenciais da sua execução, tais como o preço ou o prazo, bem como explicitando os demais aspetos da execução do contrato ( mormente as especificações técnicas ou funcionais das prestações objeto do contrato), quer os que estejam quer os que não estejam submetidos à concorrência, os quais devem ser definidos através de limites máximos ou mínimos, consoante os casos, em conformidade com o disposto no artigo 42.º do CCP».
9.8. Assim, o CE tem de se harmonizar com as normas legais aplicáveis ao procedimento em causa e ao contrato a celebrar, isto é, com as exigências e condicionamentos de caráter técnico, jurídico, documental e substantivo previstos no CCP e observar os ditames que decorrem dos princípios gerais do direito da contratação pública e das demais normas de grau hierárquico superior ao seu, assim como aos seus antecedentes jurídicos não normativos.
9.9.Tal não significa que a entidade adjudicante não detenha poderes conformativos relevantes, como é reconhecido pelo CCP, no n.º4 do artigo 132.º, ao estabelecer que: «4 - O programa do concurso pode ainda conter quaisquer regras específicas sobre o procedimento de concurso público consideradas convenientes pela entidade adjudicante, desde que não tenham por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência.».
10.Em resumo « o programa do procedimento e o caderno de encargos constituem as peças que, no âmbito de um procedimento de formação de contratos, estabelecem, respetivamente, os termos e condições a que obedece o procedimento e as obrigações a assumir pelo candidato/concorrente, futuro adjudicatário, em sede contratual, quanto ao modo como se propõe executar o contrato objeto do procedimento adjudicatório»- cfr. Pedro Costa Gonçalves, in “Direito dos Contratos Públicos”, Almedina, 2015, pág.209. ( sublinhado nosso).
10.1.Quanto às “ Especificações técnicas” o artigo 49.º do CCP, estabelece o seguinte:
«1 - As especificações técnicas, tal como definidas no anexo vii ao presente Código, do qual faz parte integrante, devem constar no caderno de encargos e devem definir as características exigidas para as obras, bens móveis e serviços.
2 - As características exigidas para as obras, bens móveis e serviços podem também incluir uma referência ao processo ou método específico de produção ou execução das obras, bens móveis ou serviços solicitados ou a um processo específico para outra fase do seu ciclo de vida, mesmo que tais fatores não façam parte da sua substância material, desde que estejam ligados ao objeto do contrato e sejam proporcionais ao seu valor e aos seus objetivos.
3 - As especificações técnicas podem concretizar se é exigida a transmissão de direitos de propriedade intelectual.
4 - As especificações técnicas devem permitir a igualdade de acesso dos operadores económicos ao procedimento de contratação e não devem criar obstáculos injustificados à abertura dos contratos públicos à concorrência.
5 - Em relação a todos os contratos cujo objeto se destine a ser utilizado por pessoas singulares, quer seja o público em geral quer o pessoal da entidade adjudicante, as especificações técnicas devem, salvo em casos devidamente justificados, ser elaboradas de modo a ter em conta os critérios de acessibilidade para as pessoas com deficiência ou de conceção para todos os utilizadores.

\6 - Sempre que existam normas de acessibilidade obrigatórias adotadas por ato legislativo da União Europeia, as especificações técnicas devem ser definidas por referência a essas normas, no que respeita aos critérios de acessibilidade para as pessoas com deficiência ou de conceção para todos os utilizadores.
7 - Sem prejuízo das regras técnicas nacionais vinculativas, na medida em que sejam compatíveis com o direito da União Europeia, as especificações técnicas devem ser formuladas segundo uma das seguintes modalidades:
a) Em termos de desempenho ou de requisitos funcionais, que podem incluir critérios ambientais, desde que os parâmetros sejam suficientemente precisos para permitir que os concorrentes determinem o objeto do contrato e que a entidade adjudicante proceda à respetiva adjudicação;

b) Por referência a especificações técnicas definidas e, por ordem de preferência, a normas nacionais que transponham normas europeias, a homologações técnicas europeias, a especificações técnicas comuns, a normas internacionais e a outros sistemas técnicos de referência estabelecidos pelos organismos europeus de normalização ou, quando estes não existam, a normas nacionais, a homologações técnicas nacionais ou a especificações técnicas nacionais em matéria de conceção, cálculo e execução das obras e de utilização dos fornecimentos, devendo cada referência ser acompanhada da menção «ou equivalente»;
c) Em termos do desempenho ou dos requisitos funcionais a que se refere a alínea a), com referência às especificações técnicas a que se refere a alínea b) como meio de presunção de conformidade com esse desempenho ou com esses requisitos funcionais;
d) Por referência às especificações técnicas a que se refere a alínea b), para determinadas características, e por referência ao desempenho ou aos requisitos funcionais a que se refere a alínea a), para outras.
8 - A menos que o objeto do contrato o justifique, as especificações técnicas não podem fazer referência a determinado fabrico ou proveniência, a um procedimento específico que caracterize os produtos ou serviços prestados por determinado fornecedor, ou a marcas comerciais, patentes, tipos, origens ou modos de produção determinados que tenham por efeito favorecer ou eliminar determinadas empresas ou produtos.
9 - As referências mencionadas no número anterior só são autorizadas, a título excecional, no caso de não ser possível uma descrição suficientemente precisa e inteligível do objeto do contrato nos termos do n.º 7, devendo, no entanto, ser acompanhada da menção «ou equivalente».

10 - Sempre que a entidade adjudicante recorra à possibilidade de remeter para as especificações técnicas a que se refere na alínea b) do n.º 7, não pode excluir uma proposta com o fundamento de que as obras, bens móveis ou serviços dela constantes não estão em conformidade com as suas especificações técnicas de referência, se o concorrente demonstrar na sua proposta por qualquer meio adequado, nomeadamente os meios de prova referidos no artigo seguinte, que as soluções propostas satisfazem de modo equivalente os requisitos definidos nas especificações técnicas.
11 - Sempre que a entidade adjudicante recorra à possibilidade, prevista na alínea a) do n.º 7, de formular especificações técnicas em termos de exigências de desempenho ou de requisitos funcionais, não deve excluir uma proposta que esteja em conformidade com uma norma nacional que transponha uma norma europeia, uma homologação técnica europeia, uma especificação técnica comum, uma norma internacional ou um sistema técnico de referência estabelecido por um organismo de normalização europeu, quando essas especificações corresponderem aos critérios de desempenho ou cumprirem os requisitos funcionais impostos.
12 - O concorrente pode demonstrar na sua proposta, por qualquer meio adequado, incluindo os meios referidos no artigo 49.º-A, que a obra, bem móvel ou serviço em conformidade com a norma em questão corresponde ao desempenho exigido ou cumpre os requisitos funcionais da entidade adjudicante.
13 - (Revogado.)
14 - (Revogado.)».
10.2. A este respeito, como bem sintetiza Jorge Andrade da Silva, dir-se-á que « As especificações técnicas traduzem-se na definição, pela entidade adjudicante, efetuada no caderno de encargos e segundo as suas necessidades, das caraterísticas que deve ter o material, produto ou serviço objeto do contrato a celebrar de modo a poderem satisfazer o fim a que se destinam, sendo, portanto, verdadeiras cláusulas contratuais, como tais de observância obrigatória para ambas as partes contratantes”- in Código dos Contratos Públicos anotado e comentado, 6.ª edição, Almedina, 2017, anotação ao artigo 49º, páginas 179/180. ( sublinhado nosso)
10.3.Quanto à proposta, convém reter que a mesma é a declaração (negocial) pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pela qual se dispõe a fazê-lo – cfr. art.º 56.º do CCP-, a qual encerra um complexo de declarações heterogéneas, em que os concorrentes procuram responder às diversas solicitações da entidade adjudicante quanto ás questões consideradas procedimentalmente relevantes para aferir das vantagens que cada proposta trará.
10.4.Corresponde « a um processo documental em que, além da manifestação da pretensão (“modelada”) de celebrar o contrato objeto do procedimento e da aceitação do conteúdo do caderno de encargos, o concorrente há – de incluir, basicamente, os documentos- qualquer que seja a sua forma ( escrita, desenhada, maquetas, etc.)-nos quais exprime os atributos e características das prestações que se propõe realizar e (ou) receber, em função do objeto do contrato e dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, bem como, se for o caso, os termos e condições relativos a aspetos desses, mas subtraídos à concorrência» - cfr. Mário Esteves de Oliveira e outro, in ob. cit., pág.570.
10.5. Assinala-se que sendo a proposta uma declaração negocial (art.º 56.º, n.º 1 do CCP), a sua interpretação está sujeita às regras interpretativas do negócio jurídico ( art.º 236.º do CC), enquanto atividade destinada a determinar o significado juridicamente relevante do respetivo conteúdo declarativo.
10.6. Nos termos do n.º1 do art.º 57.º do CCP, constituem documentos da proposta:
a) Declaração do anexo i ao presente Código, do qual faz parte integrante;
b) Documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar e dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar;
c) Documentos exigidos pelo programa do procedimento ou convite que contenham os termos ou condições relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule;”.
10.7. Ainda com relevo para o caso, dispõe o art.º 70.º do CCP, sob a epígrafe “ Análise das propostas” que:
«1 - As propostas são analisadas em todos os seus atributos, representados pelos fatores e subfatores que densificam o critério de adjudicação, e termos ou condições.
2 - São excluídas as propostas cuja análise revele:
a) Que não apresentam algum dos atributos ou algum dos termos ou condições, nos termos, respetivamente, do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 57.º;
b) Que apresentam algum dos atributos que violem os parâmetros base fixados no caderno de encargos ou que apresentem quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 10 a 12 do artigo 49.º;
c) A impossibilidade de avaliação das mesmas em virtude da forma de apresentação de algum dos respetivos atributos;

d)Que o preço contratual seria superior ao preço base, sem prejuízo do disposto no n.º 6;
e) Um preço ou custo anormalmente baixo, cujos esclarecimentos justificativos não tenham sido apresentados ou não tenham sido considerados nos termos do disposto no artigo seguinte;
f) Que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis;
g) A existência de fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência.

[…]»
10.8. Exposto, em traços gerais o regime legal previsto no CCP, há que aferir se o erro de julgamento que a Apelante impetra à decisão recorrida ocorre, ou seja, se assiste razão à Apelante quando sustenta que a proposta que apresentou ao concurso público objeto deste processo, cumpria com todas as especificações técnicas exigidas no CE, tendo sido integrada por todos os documentos previstos no PP, mormente, com a indicação de que cumpria a exigência prevista na alínea a) da Cláusula 28.ª do CE.
10.9.Está em causa saber se a proposta apresentada pela Apelante viola a exigência prevista na alínea a) da Cláusula 28.ª do CE, onde se prevê, conforme consta da alínea C) do elenco dos factos provados, a obrigação dos concorrentes, nas suas propostas, fornecerem o equipamento pretendido com a seguinte funcionalidade: « Mesa motorizada de coluna dupla, ficando a zona central de encaixe das pernas livre com total acesso a cadeira de rodas, de diferentes modelos e alturas».
11.Como provado na alínea D) da fundamentação de facto da decisão recorrida, em 12/08/2022 a Apelante formulou um pedido de esclarecimentos, dirigido ao “Júri do procedimento”, no qual, para o que releva ao objeto do presente recurso, questionou se seria «possível apresentar uma solução de mesa motorizada de uma só coluna lateral, que permita que a zona central de encaixe das pernas fique livre com total acesso a cadeiras de rodas, de diferentes modelos e alturas», tendo obtido por resposta que « Relativamente às especificações da “Mesa motorizada”, não foi identificado nenhum inconveniente em a mesma ser de uma só coluna lateral, conforme especificado pela empresa» ( vide alínea E) do elenco dos factos assentes).
11.1.Na posse deste esclarecimento, a Apelante apresentou a sua proposta ao concurso público, nos termos que constam da alínea G) do elenco dos factos provados, disponibilizando-se a fornecer uma mesa motorizada de uma só coluna lateral, a qual tem “uma barra metálica na zona do chão”, referindo na proposta que o equipamento possuiu uma mesa elevatória “adaptada aos pacientes de mobilidade reduzida, ficando a zona central de encaixe das pernas livre com total acesso a cadeiras de diferentes modelos e alturas. Sistema de fácil movimentação”, pelo preço de €58.000,00, acrescido de IVA. Instruiu a sua proposta com todos os documentos, máxime, com a declaração relativa ao Anexo I ( art.º 57.º, al. a) do CCP).
11.2. O Tribunal a quo considerou que a existência de uma barra metálica no referido equipamento proposto fornecer pela Apelante constitui um impedimento à utilização por pacientes em cadeira de rodas, corroborando o entendimento da Entidade Adjudicante, que por essa razão, pese embora tenha admitido a proposta no relatório preliminar, em sem sede de relatório final, acabou por excluir a proposta da Autora com fundamento na violação da especificação técnica prevista na a) da Cláusula 28.ª do CE.
11.3.A Apelante, diversamente do Tribunal a quo, considera que o equipamento que se propôs fornecer reúne as condições de utilização exigidas pelo CE, sendo perfeitamente apto para ser utilizado por pacientes em cadeias de rodas, de qualquer modelo e altura. E pretende que se assim não fosse, nunca o mesmo teria obtido a certificação CE e do INFARMED.
11.4.A Apelada contrapõe que o processo de codificação de dispositivos médicos levado a cabo pelo INFARMED, I. P. tem em vista a criação de um repositório de informação que permita aos prestadores de cuidados e às instituições de saúde ter acesso à informação relevante para a utilização correta e segura destas tecnologias, bem como para a caracterização do mercado de dispositivos médicos.
11.5.Sustenta que a atribuição de CDM pelo INFARMED, I.P. não configura uma autorização para comercialização de dispositivos médicos, nem um certificado para a sua utilização em toda e qualquer circunstância, nomeadamente, com ou sem cadeira de rodas, conforme alega a recorrente. Adianta que a marcação CE, aposta pelo fabricante, é um pré-requisito para a colocação no mercado dos dispositivos médicos e sua livre circulação, constituindo uma garantia de que estes produtos foram avaliados estando conformes com os requisitos essenciais que lhes são aplicáveis, sendo que este igualmente nada certifica quanto à aptidão dos dispositivos médicos para serem utilizados com ou sem cadeiras de rodas.
11.6.É consabido que todos os dispositivos médicos estão sujeitos aos princípios da Diretiva relativa aos dispositivos médicos 2007 / 47 / EC publicada no âmbito das Diretivas da Nova Abordagem na União Europeia. Ou seja, todos os dispositivos médicos devem cumprir os requisitos essenciais desta diretiva. O cumprimento destes requisitos legais abrangentes significa um alto grau de proteção, desempenho e segurança da saúde, ou seja, qualidade para pacientes, utilizadores e terceiros coletivamente.
11.7.A referida diretiva foi transposta para a ordem jurídica nacional pelo Decreto-Lei n.º 145/2009, de 17/06. Nos termos desse diploma, a marcação CE dada a um dispositivo médico significa que o fabricante produziu esse equipamento de acordo com os requisitos básicos aplicáveis exigidos pela lei. A marcação CE garante, assim, que o dispositivo médico é fabricado de acordo com os requisitos aplicáveis ​​decorrente das diretivas e das leis nacionais.
11.8.Em síntese, a marcação CE aposta num dispositivo médico é um elemento que acompanha o equipamento e atesta que o mesmo é aceitável pelas competentes as autoridades.
11.9.Acontece que, consultada referida diretiva e, bem assim, o Decreto-Lei 145/2009, de 17/06, não resulta que a certificação CE de um dispositivo médico ateste a sua aptidão para ser utilizado por pacientes em cadeiras de rodas. Não é despiciendo constatar que a Apelante não explica como chega a essa conclusão, não dando a conhecer em que dados da certificação se apoia que permitam concluir que da certificação desse produto resulta, de per se, a sua aptidão para ser utilizado por pacientes em cadeira de rodas.
12. A marcação CE, aposta pelo fabricante, como refere a Apelada, é um pré-requisito para a colocação no mercado dos dispositivos médicos e sua livre circulação, constituindo uma garantia de que estes produtos foram avaliados estando conformes com os requisitos essenciais que lhes são aplicáveis, mas nada certifica quanto à aptidão dos dispositivos médicos para serem utilizados por pacientes com ou sem cadeiras de rodas. E, bem assim, a atribuição de CDM pelo INFARMED, I.P. não configura uma autorização para comercialização de dispositivos médicos, nem um certificado para a sua utilização em toda e qualquer circunstância, nomeadamente, por pacientes com cadeiras de rodas.
12.1. Não olvidamos que haverá certamente equipamentos do género, certificados, que não permitem a utilização por pacientes em cadeiras de rodas, e daí a razão pela qual a Entidade Adjudicante se viu, cremos, na necessidade de prever no CE, no âmbito das especificações técnicas, entre outras exigências, a de esse equipamento ser utilizável por pacientes com cadeiras de rodas, de diferentes modelos e alturas.
12.2. Assim sendo, este argumento não permite concluir de per se que o equipamento “Mesa motorizada + Laser” proposto fornecer pela Apelante garanta aquela exigência prevista na al. a) da Cláusula 28.ª do CE.
12.3. Mas se não garante que tenha essa aptidão, também não o infirma, e daí que se imponha olhar para o referido equipamento, tal como o mesmo vem retratado nos documentos, e à luz da experiência de vida, aferir se a sua constituição/configuração impede a respetiva utilização por pacientes em cadeiras de rodas, seja for o seu modelo e altura.
12.4. E quando realizada essa análise, o que se nos depara como altamente provável é que esse equipamento permite a sua utilização nas condições exigidas pela al. a) da Cláusula 28.ª do CE.
Vejamos.
12.5.Como explica a Apelante nas suas alegações de recurso, e já o havia invocado na p.i., o facto de a mesa motorizada de uma só coluna lateral que se propôs fornecer conter uma barra metálica na base da mesma, que é necessária para conferir estabilidade à mesa, não impede a utilização desse equipamento por pacientes em cadeira de rodas, de diferentes modelos e alturas, uma vez que, conforme se conclui pela observação das fotografias juntas com a p.i., os pedais das cadeiras de rodas estão colocados a um nível superior ao dessa barra metálica, e sendo a referida mesa motorizada e com rodas, o seu tampão também pode subir ou descer conforme a altura das cadeiras de rodas, ou seja, pode ser adaptada aos pacientes com mobilidade reduzida.
12.6.Por outro prisma, e apelando às regras da experiência de vida, é seguro que, independentemente da existência dessa barra metálica, nunca a cadeira de rodas poderá avançar para além de certo limite por, desde logo, esbarrar nas pernas do operador do equipamento que estão do outro lado da mesa.
12.7.Diferentemente do que ajuizou o Tribunal a quo, não aquiescemos que a existência de uma barra metálica na referida mesa configure, sem mais, de per se, um obstáculo. É obvio que a existência da referida barra metálica constitui um obstáculo para que qualquer outro artefacto ocupe o espaço já ocupado por si, mas daí não decorre que seja um obstáculo para toda e qualquer outra finalidade.
12.8.No caso, está em causa saber se a existência dessa barra metálica na mesa motorizada que a Apelante se propôs fornecer ocupa o espaço central da referida mesa que devia ser deixado livre para que aí possam entrar cadeiras de rodas, e isso não se provou, salvo o devido respeito, que sucedesse no caso.
12.9.Não se nos afigura, analisando os documentos que retratam o equipamento a fornecer, juntos com a p.i. pela autora, que por causa dessa barra metálica, a mesa motorizada deixe de dispor de uma zona central de encaixe das pernas livre, que permita o total acesso a cadeiras de rodas, de diferentes modelos e alturas.
13.Como já se disse, considerando que a referida barra metálica fica por baixo dos pés da cadeira de rodas e que os pacientes com mobilidade reduzida circulam com os pés colocados em cima dos pedais da cadeira de rodas, posto que, de outra forma, os seus pés seriam arrastados com a movimentação dessa mesma cadeira, aquela barra não impede a entrada da cadeira de rodas até ao limite em que essa entrada é barrada pela própria natureza das coisas.
13.1.Ainda que a mesa motorizada proposta fornecer não fosse integrada pela referida barra metálica, é um facto notório, que a cadeira de rodas, sempre teria de parar no momento em que o doente encostasse à mesa, não podendo, desde logo, ir para além do local onde estão os pés do utilizador do equipamento que se encontra do outro lado da mesa. Logo, quer fosse a barra metálica, quer fossem os pés do utilizador do equipamento, o efeito é o mesmo.
13.2.Por outo lado, sendo a mesa proposta fornecer constituída apenas com um suporte lateral, como foi consentido pelo júri do procedimento em sede de esclarecimentos que pudesse suceder, afigura-se-nos como evidente que teria de existir algo que funcionasse como contrapeso para garantir o equilíbrio dessa mesma mesa, e que uma constituição da mesa como a que foi apresentada pela Apelante, não pudesse, assim, representar surpresa para o Júri do procedimento, que aliás, em sede de relatório preliminar não viu qualquer problema. Como tal, não surpreende a existência da referida barra metalizada, que é indispensável para que o modelo com a coluna desventrada- só com um suporte lateral- tenha a estabilidade necessária para permitir a utilização da lâmpada de fenda nos pacientes em segurança e de modo a conseguir o mesmo equilíbrio que uma solução com coluna dupla.
13.3.O facto de a coluna estar localizada lateralmente, permite que a zona central de encaixe das pernas fique livre, com total acesso a cadeira de rodas de diferentes modelos e altura, conforme se pode verificar na figura 2 que a Apelante juntou à p.i, como Doc. n.º ...2. A mesa proposta pela Autora é motorizada, com regulação em altura do tampo da mesa, pelo que dessa forma permite a acomodação de cadeiras de rodas de diferentes modelos e alturas. Diferente seria se a mesa motorizada proposta pela autora tivesse uma coluna central, que prejudicasse a acomodação das cadeiras de rodas.
13.4.Não é despiciendo que o Júri do procedimento tenha admitido a proposta apresentada pela Apelante em sede de “Relatório Preliminar”, e que nesse momento, em que procede a uma análise das propostas, não tenha vislumbrado qualquer problema quanto à aptidão da mesa proposta fornecer pela Apelante, para ser utilizada por pacientes em cadeiras de rodas, de qualquer modelo e altura. A exclusão da proposta da Apelante surge apenas em sede de relatório final, na sequência da audiência prévia da CI, que levantou essa questão, tendo o Júri do procedimento aderido aos argumentos apresentados por essa concorrente, sem a devida ponderação e rigor de análise que se impunham.
13.5. Assinale-se que o CCP postula um tratamento igual e isento de todos os concorrentes, garantindo a escolha da proposta, que nas condições e termos que foram estabelecidos nas peças do procedimento, cumpra da melhor forma o interesse público pretendido com lançamento do concurso, assegurando, concomitantemente, o interesse da confiança na legalidade dos procedimentos de contratação e a igualdade de tratamento quanto às condições de participação de todos os concorrentes no concurso em causa. E um dos fins nucleares que a regulamentação da contratação pública visa, é assegurar que os procedimentos de contratação respeitem o princípio da concorrência, permitindo a mais ampla participação dos agentes económicos que estejam em condições de ir ao concurso, e a sua permanência no procedimento, estando as causas de exclusão das propostas previstas no CCP ( artigo 70.º), em termos que apenas permitem a exclusão de uma proposta quando a mesma seguramente não observe as exigências constantes das peças do procedimento e do CCP.
13.6. Em face do exposto impõe-se concluir que a proposta apresentada pela Apelante não viola a especificação técnica prevista na alínea a) da Cláusula 28.ª do CE, pelo que foi ilegalmente excluída.
13.7.Considerando que, nos termos que antecedem, se concluiu pela ilegalidade do ato de exclusão da proposta da Apelante, o que significa que aquela proposta devia ter sido admitida, essa ilegalidade inquina o subsequente ato de adjudicação à proposta apresentada pela CI, proferido pela Entidade Adjudicante, que consequentemente, por esse motivo, é anulável, nos termos do artigo 163º, nº 1 do Código do Procedimento Administrativo..
13.8.Para além do pedido de anulação do ato de adjudicação, cumulativamente, a Autora peticiona, também, a anulação do contrato caso já tenha sido celebrado devendo a ré ser condenada a proceder à reavaliação da proposta da autora e a graduá-la em primeiro lugar, condenando-se a Ré à prática do ato de adjudicação da proposta da autora, por o mesmo ser legalmente devido.
Vejamos.
13.9.Face à procedência da pretensão anulatória nos termos acima expendidos e sendo a celebração do contrato um ato subsequente (transmitindo-se a descrita invalidade do ato impugnado ao contrato a celebrar e/ou celebrado – cfr. artigo 283º, nº 2 do CCP, nos termos do qual “os contratos são anuláveis se tiverem sido anulados ou se forem anuláveis os atos procedimentais em que tenha assentado a sua celebração, devendo demonstrar-se que o vício é causa adequada e suficiente da invalidade do contrato, designadamente por implicar uma modificação subjetiva do contrato celebrado ou uma alteração do seu conteúdo essencial”), resta também concluir pela procedência deste pedido condenatório.
14.Em boa verdade, sendo ilegal nos termos supra expostos, a adjudicação da proposta da aqui Contrainteressada, a ilegalidade apurada é causa adequada e suficiente da invalidade do contrato por implicar uma modificação subjetiva do mesmo, pois este contrato deveria ter sido celebrado com a aqui Autora por ser a proposta que devia ter sido ordenada em 1º lugar. Nestes termos, o contrato celebrado com a Contrainteressada é anulável, nos termos do artigo 283º, nº 2 do CCP, não sendo de aplicar o afastamento do efeito anulatório previsto no nº 4 do mesmo preceito, por a anulação não se revelar desproporcionada ou contrária à boa-fé, sendo, portanto, de concluir pela sua anulação.
14.1.Quanto ao pedido de graduação em 1.º lugar da proposta da Autora e consequente adjudicação, importa referir que a apreciação e valoração das propostas constitui uma tarefa do júri do procedimento, a quem se reconhece discricionariedade para tal, onde apenas se justifica a ingerência do Tribunal em caso de existência de erro grosseiro.
14.2.In casu, considerando que a proposta da Autora deve ser admitida e tendo em conta que o critério de adjudicação é determinado pela modalidade “monofator preço” – cfr. artigo 12º do Programa do Procedimento- revela-se como única atuação legalmente possível a adjudicação do contrato à aqui Apelante, por ser a proposta de mais baixo preço ( 58.000,00€ mais IVA).
14.3. Com efeito, de acordo com a factualidade provada, o ato de adjudicação à proposta da Autora tem carácter vinculado, uma vez que a discricionariedade da entidade adjudicante se encontra, nas circunstâncias do caso, reduzida a zero: a proposta é a que apresenta o preço mais baixo no procedimento, e a decisão de adjudicação é um dever do órgão competente para contratar (cfr. artigos 36º e 76º do CCP), salvo as exceções previstas no artigo 79º do CCP.
14.4.Assim, de acordo com o disposto nos artigos 71º, nºs 1 e 2 (a contrario) e 95º, nºs. 5 e 6 (ambos, a contrario sensu) do CPTA, uma vez que o ato de adjudicação a praticar tem um carácter vinculado, deve este tribunal condenar nos precisos termos do pedido [cfr. artigos 552º, nº 1, alínea e) e 609º, nº 1 do CPC], procedendo também, por isso, o pedido condenatório formulado pela Autora.
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IV-DECISÃO

Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte, subsecção de Contratos Públicos, em conceder provimento ao recurso interposto pela Apelante e, em consequência:
(i) revogam a decisão recorrida;
(ii) julgam a ação movida pela Autora, procedente por provada e, em consequência:
a) Anulam o ato de adjudicação, com as legais consequências;
b) Anulam o contrato celebrado com a Contrainteressada
c)Condenam a Entidade Adjudicante a admitir a proposta apresentada pela Autora;
d) Condenam a Entidade Adjudicante a adjudicar à proposta da Autora o contrato relativo ao fornecimento de uma sistema laser para fotocoagulação, lâmpada de fenda e mesa de elevação.
e) Condenam a Apelada no pagamento das custas processuais a que houver lugar ((art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
*
Notifique.
*

Porto, 03 de novembro de 2023

Helena Ribeiro
Luís Migueis Garcia, em substituição
Ricardo de Oliveira e Sousa