Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03393/14.9BEPRT-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/31/2019
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Canelas
Descritores:APELAÇÃO AUTÓNOMA – SUBIDA IMEDIATA E EM SEPARADO – MEIOS DE PROVA – PROVA TESTEMUNHAL – PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
Sumário:I - No final da petição inicial de uma ação administrativa comum o autor devia apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova, nos termos do disposto no artigo 552º nº 2 do CPC novo (na redação anterior ao DL. nº 97/2019, de 26 de julho), ex vi dos artigos 35º nº 1 e 42º nº 2 do CPTA (versão anterior à revisão operada pelo DL. nº 214-G/2014).

II - Mas sempre se admitindo que pudesse proceder à alteração do requerimento probatório inicialmente apresentado, alteração essa que podia suceder após a contestação do réu, sendo o autor admitido a alterar o requerimento probatório inicialmente apresentado, na réplica, caso haja lugar a esta, ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação (cfr. artigo 552º nº 2 2ª parte, do CPC novo), ou em sede de audiência prévia (cfr. artigo 598º nº 1 do CPC).

III – A alteração do requerimento probatório admitida em sede de audiência prévia pelo artigo 598º nº 1 do CPC, tanto podia corresponder a uma substituição de provas anteriormente requeridas como a um aditamento de novos meios de prova relativamente aos anteriormente requeridos, em termos tais que não impediam a apresentação de meios de prova diversos dos apresentados inicialmente, nem estava o aditamento ou alteração limitado à prova testemunhal.

IV – Incumbe a cada uma das partes, e porque assim decorre desde logo do princípio do dispositivo (cfr. artigos 3º nº 1 e 5º do CPC) e das regras da distribuição do ónus da prova (cfr. artigo 342º ss. do Código Civil), oferecer, indicar e requerer os meios de prova que entenda necessários e adequados à prova dos factos consubstanciadores do direito alegado e contraditado; requerimentos probatórios que haverão de ser apresentados no momento processual adequado, à luz dos normativos legais, e tendo a fase de instrução e prova por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova (cfr. artigo 410º do CPC novo).

V – Mas o juiz da causa não está limitado aos meios de prova que tenham sido oferecidos, indicados ou requeridos pelas partes no processo, já que ao abrigo do princípio do inquisitório lhe incumbe realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, tal como previsto no artigo 411º do CPC novo. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO DO P..., EPE
Recorrido 1:M.J.F.P.M.L.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

O CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO DO P..., EPE (devidamente identificado nos autos) réu na ação administrativa comum que contra si foi instaurada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto por M.J.F.P.M.L. (igualmente devidamente identificada nos autos), interpôs o presente recurso de apelação autónoma com subida imediata e em separado do despacho do Mmº Juiz do Tribunal a quo datado de 12/10/2018 (mas que se mostra incorporado e assinado no SITAF em 12/11/2018 – cfr. fls. 978 SITAF dos autos principais), na parte em que nele se determinou a inquirição das testemunhas que haviam sido entretanto indicadas pela autora, pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que não admita a inquirição daquelas testemunhas, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:

1)
Na petição inicial a Autora não indicou qualquer prova testemunhal, sendo que na audiência prévia de 15/12/2016 foi rejeitada uma tentativa de aditamento, em momento posterior, uma vez que na p.i. original não fora indicada qualquer testemunha e atento o disposto no art. 552 nº2 CPC.

2)
Posteriormente a A pediu para ser junto aos autos o processo de internamento da A no hospital R e o Réu informou o tribunal que não possuía tal processo sendo que aliás, o internamento ocorrera em 1987, ou seja há mais de 30 anos.

3)
Em resposta a A sustentou que deveria inverter-se o ónus da prova e aproveitou para suprir urna omissão que se verificava já desde o início do processo, indicando testemunhas para (sic) "apuramento dos factos em causa nos presentes autos bem como à composição justa deste litígio".


4)
O Réu respondeu a esse pedido de inversão de ónus de prova sustentando que, na parte que relevava para a decisão (transfusões de sangue) os documentos que comprovavam esse tratamento já estavam junta aos autos pela Autora e em cumprimento de despacho lavrado nesse sentido, indicou 3 testemunhas (uma delas já constava da p.i., todas elas médicos que tinham tido intervenção nos tratamentos efetuados à Autora.

5)
Em decisão ora proferida o Ex.mo Juiz relegou para a decisão final a questão da inversão do ónus da prova e decidiu que

"… perante a invocada impossibilidade de juntar aos autos a provo documental requerida pela Autora - e independentemente da valoração que a este respeito e em sede de sentença se venha a fazer quanto às regras de distribuição do ónus da prova - ­incumbe a este Tribunal, ao abrigo do princípio do inquisitório, ponderar as diligências probatórias necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio (cfr artigo 411 do Código de Processo Civil)

Assim, entende o tribunal, admitir o rol de testemunhas indicados supervenientemente pelo Autor.

No mesmo sentido, admite-se também o aditamento ao rol de testemunhas requerido pelo Réu"

Assim admitindo as testemunhas apresentadas pela Autora e a inquirição dos 3 médicos identificados a pedido do tribunal, como tendo intervindo no tratamento médico efetuado á Autora.

6)
Está em causa uma inquirição oficiosa de testemunhas e a esse propósito rege, não a norma de caráter geral aplicável a todo o tipo de diligências, citada pelo tribunal "a quo" (era 411 CPC) mas sim a norma especial constante do art. 526 nº 1 CPCivil

7)
A inquirição por iniciativa do tribunal é um poder-dever do juiz e deve ter lugar quando, em função de qualquer meio de prova (produzido ou não em julgamento) ou até do conteúdo dos articulados, haja razões para presumir que determinada pessoa, não arrolada como testemunha, tem conhecimento de factos importantes para a descoberta da verdade material;

8)
Ora in casu, elemento algum existente nos autos indicia sequer que alguma das testemunhas ora indicadas pela Autora tivesse conhecimento dos factos, sendo que a A se limitou a afirmar no requerimento em que as indicou que "se impõe a realização de diligências necessárias ao apuramento da verdade dos factos em causa nos presentes autos bem como à composição justa deste litígio, nomeadamente pela produção das seguintes provas".

9)
Nada se sabe sobre que conhecimento detêm essas testemunhas sobre os factos a que o processo clínico diria respeito ou sobre quaisquer outros que interessem à decisão da causa, sendo que os argumentos invocados pela A são apenas os que justificam a indicação de prova testemunhal em geral, tratando-se pois de mais uma tentativa - até agora bem sucedida face ao despacho em crise - de suprir uma omissão só a ela imputável.

10)
Nenhum elemento objectivo consta dos autos que permitisse a conclusão de que alguma dessas testemunhas tinha conhecimento de factos que interessassem à decisão da causa, relacionados ou não com o dito processo clínico.

11)
À luz do douto despacho em causa, a indicação de qualquer testemunha por uma das partes teria de ser admitida oficiosamente por se presumir que uma vez que era indicada pela parte, teria conhecimento dos factos.

12)
Além disso, inexiste qualquer situação de desigualdade de tratamento entre as partes, na medida em que a inquirição das testemunhas indicadas pelo Réu ainda que não fosse oficiosa, encontraria fundamento no disposto no art. 598 nº 2 CPC na medida em que ao invés da Autora, a Ré juntou prova testemunhal com a contestação.

13)
Todavia, mais relevante do que isso, as mesmas testemunhas (urna delas já constava aliás, da contestação) foram indicadas a solicitação do tribunal que ordenou as ambas as partes que identificassem os médicos que tiveram intervenção nesses tratamentos ministrados à Autora e apenas o Réu o fez, sendo que não consta que a Autora tivesse posto em causa que esses médicos tivessem intervindo no tratamento a que foi sujeita.

14)
Ou seja pode concluir-se em relação a estas testemunhas (até face ao contraditório a que tal facto ficou sujeito) que conhecem efectivamente os factos a apurar e corno tal se justificaria a sua inquirição ex oficio,

15)
Decidindo de forma diferente o tribunal "a quo" violou o disposto no art.º 526º nº. 1 e 598 e 411 CPCivil.

Não foram apresentadas contra-alegações (cfr. fls. 1005 SITAF – autos principais).

Por despacho de 25/02/2019 do Mmº Juiz do Tribunal a quo (de fls. 1020 SITAF – autos principais) foi admitido aquele recurso com subida imediata e nos próprios autos, na decorrência do que os próprios autos subiram em recurso a este Tribunal ad quem.

Neste notificada a Digna Magistrada do Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, não emitiu Parecer.

Na sequência do nosso despacho (relatora) de 01/07/2019, e ouvidas as partes, procedeu-se à correção do regime do recurso, nos termos do artigo 652º nº 1 alínea a) do CPC novo, uma vez que nos termos das disposições conjugadas dos artigos 142º nº 5 do CPTA e dos artigos 644º nº 2 alínea d), 645º nº 2 e 647º nº 4 do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, o recurso (apelação autónoma) de despacho de admissão de algum meio de prova, como é o caso, deve subir ao Tribunal ad quem em separado e com efeito meramente devolutivo nos termos do disposto nos artigos 645º nº 2 e 647º nº 4 do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º nº 3 do CPTA.
Tendo, então sido criado o presente apenso (em separado), em conformidade com o disposto no artigo 646º do CPC novo, com as devidas adaptações, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA, instruído com as peças do processo entretanto indicadas pelo recorrente, e baixado os autos principais à 1ª instância para aí prosseguirem os seus termos.
*
Com dispensa de vistos foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
É objeto do presente recurso o despacho do Mmº Juiz do Tribunal a quo datado de 12/10/2018 (mas que se mostra incorporado e assinado no SITAF em 12/11/2018 – cfr. fls. 978 SITAF dos autos principais), na parte em que nele se determinou a inquirição das testemunhas que haviam sido entretanto indicadas pela autora, cumprindo no âmbito do presente recurso decidir se é de revogar a despacho recorrido por violação do disposto nos artigos 526º nº 1, 598º e 411º do CPC.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto

Com relevo para a apreciação do presente recurso importa considerar a seguinte factualidade, decorrente dos elementos patenteados nos autos, com os quais o presente recurso está instruído, que assim se fixa:
1.) O recorrente CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO DO P..., EPE é réu na ação administrativa comum que foi instaurada em 18/12/2014 no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto por M.J.F.P.M.L. na qual esta peticionou a condenação daquele a pagar-lhe a quantia de 196.386,86€ a título de indemnização fundada em ato ilícito e culposo, que lhe imputa, atinente à contração do vírus HIV-2 na sequência de transfusões de sangue que recebeu.

- cfr. certidão de fls. 16 ss. SITAF dos presentes autos de recurso e fls. 1 SITAF dos autos principais.

1.) Na Petição Inicial da ação (apresentada em 18/12/2014, a fls. 1 SITAF dos autos principais) a autora, para além dos documentos que juntou e dos que protestou juntar, requereu que o réu HOSPITAL CENTRAL DE SANTO ANTÓNIO, EPE, juntasse, com a contestação o Processo de Internamento Hospital da autora, Processo nº 495946/87 de 18-12-87, cópia legal do processo administrativo hospitalar, incluindo os relatórios que descrevem os três diferentes ciclos para remissão da LEUCEMIA MIELOBLÁSTICA AGUDA SUBTIPO M1, ocorridos de 1-07-1987 a 08-09-1987 e um 4º ciclo ocorrido já posteriormente por indicção do Professor de Hematologia do Hospital Livre Royal, conforme os Relatórios efetuados em Londres e datados de 27 novembro de 1987 e 29 de janeiro de 1988 assinados pelo Professor A. V. Hoffbrand; que o CENTRO HOSPITAL SÃO JOÃO DO P… EPE, fizesse chegar aos autos cópia legal do processo nº. HSJ/8042973, da autora, indicando a causa do internamento por PNEUMONIA LEUCÓCITA AGUDA, a natureza do vírus, incluindo o internamento em Medicina A, de 23 a 30 de dezembro de 2008, os Exames ao sangue, Relatórios médicos, Serviços de Internamento e demais anotações técnicas dos operadores de saúde médica, bem como a notificação da CAIXA NACIONAL DE PENSÕES para juntar aos autos Cópia Legal do Processo de Aposentação da Autora para se verificar a existência segura da data da Aposentação, o montante da pensão e a causa da Incapacidade que determinou a Aposentação para a Reforma Antecipada, não tendo requerido a produção de prova testemunhal, não tendo arrolado qualquer testemunha.

- cfr. certidão de fls. 16 ss. SITAF dos presentes autos de recurso e fls. 1 SITAF dos autos principais.

2.) Na contestação apresentada pelo réu CENTRO HOSPITALAR DO P…, EPE em 04/03/2015 (fls. 400 SITAF dos autos principais) indicou apenas, em sede de requerimento probatório, prova testemunhal, arrolando três testemunhas que ali identificou.

- cfr. certidão de fls. 16 ss. SITAF dos presentes autos de recurso e fls. 400 SITAF dos autos principais.

3.) Na Petição Inicial aperfeiçoada (apresentada em 28/10/2015, a fls. 522 SITAF dos autos principais, na sequência do despacho de convite ao aperfeiçoamento datado de 09/06/2015, de fls. 446 SITAF dos autos principais), a autora renovou o requerimento probatório constante da primitiva Petição Inicial quanto à requerida junção dos identificados processos hospitalares e demais documentos e requereu ainda a produção de prova testemunhal, arrolando uma testemunha.

- cfr. certidão de fls. 16 ss. SITAF dos presentes autos de recurso e fls. 522 SITAF dos autos principais.

4.) No despacho-saneador proferido em sede de audiência prévia levada a cabo em 19/12/2016 (cuja respetiva ata consta de fls. 855 SITAF dos autos principais) o Mmº Juiz do Tribunal a quo após apreciar e decidir a matéria de exceção que havia sido suscitada, definiu como o objeto do litígio do seguinte modo: «Constitui objeto do presente litígio saber se a Autora tem direito a ser ressarcida da quantia de € 196.386,86, acrescido de valor não liquidado, pelo réu Centro Hospitalar do P…, E. P. E. a título de responsabilidade civil extracontratual decorrente da infeção pelo vírus VIH-2 ocorrida na sequência de tratamentos ministrados nas instalações do referido réu em 1987.» e fixou como temas da prova a ser objeto de instrução os seguintes, nos seguintes termos:
«a) Contaminação do sangue utilizado em transfusões no tratamento da Autora, pelos serviços do Centro Hospitalar do P..., E. P. E., com o vírus VIH-2, e contaminação daquela em virtude dessas transfusões ocorridas em 1987;
b) Desconhecimento, em Portugal, e no ano de 1987, do vírus VIH-2, e ineficácia dos testes então existentes para a deteção do mesmo;
c) Modos de transmissão do vírus VIH-2;
d) Cumprimento das leges artis por parte dos serviços do réu Centro Hospitalar do P..., E. P. E., no âmbito dos tratamentos ministrados à Autora em 1987;
e) Danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela Autora em razão da contaminação com o vírus VIH-2, nomeadamente quanto a diferenças salariais, despesas com saúde, alimentação e vestuário, dores e sofrimento de que a Autora padece e a eventual morte.»

- cfr. certidão de fls. 16 ss. SITAF dos presentes autos de recurso e fls. 855 SITAF dos autos principais.

5.) Naquela mesma ocasião o Mmº Juiz a quo indeferiu a prova testemunhal requerida pela autora a final da Petição Inicial aperfeiçoada, com os seguintes fundamentos:
«A final da petição inicial aperfeiçoada, veio a Autora arrolar uma testemunha (cf. fls. 297, verso, dos autos em suporte físico). Acontece que com a petição inicial originalmente apresentada não foi indicada qualquer testemunha tendo em vista a sua inquirição.
Pois bem, quanto a esta matéria atentar-se-á, antes de mais, no que se diz no art.º 552.º, n.º 2, do CPC, onde se lê: “no final da petição, o autor deve apresentar rol de testemunhas e requerer outros meios de prova; caso o réu conteste, o autor é admitido a alterar o requerimento probatório inicialmente apresentado, podendo fazê-lo na réplica, caso haja lugar a esta, ou no prazo de dez dias a contar da notificação da contestação”.
De onde decorre, de modo claro e inequívoco, que é logo na petição inicial que o Autor deve indicar e requerer os meios de prova que pretende ver produzidos. O que, no caso concreto, não foi feito.
E, na verdade, não pode a Autora aproveitar a apresentação de nova petição para suprir a lacuna probatória – não tendo indicado qualquer meio de prova na petição inicial, não pode aproveitar a petição aperfeiçoada para o fazer.
Assim sendo, a indicação de prova testemunhal com a petição inicial aperfeiçoada mostra-se extemporânea, e afronta o disposto no art.º 552.º, n.º 2, do CPC.
Termos em que se indefere o rol de testemunhas apresentado pela Autora com a petição inicial aperfeiçoada.»

- cfr. certidão de fls. 16 ss. SITAF dos presentes autos de recurso e fls. 855 SITAF dos autos principais.

6.) Por requerimento de 14/02/2017 (a fls. 890 SITAF dos autos principais) a autora, referindo constatar não ter sido dado seguimento aos seus requerimentos constantes da PI sob os números 2, 3 e 4, no sentido de ser oficiado às identificadas entidades a junção dos documentos ali referidos, requereu que fosse oficiado nesse sentido.

- cfr. certidão de fls. 16 ss. SITAF dos presentes autos de recurso e fls. 890 SITAF dos autos principais.

7.) Nesse seguimento o Mmº Juiz do Tribunal a quo determinou, por despacho datado de 02/11/2017 (a fls. 895 SITAF dos autos principais), a notificação das identificadas entidades, entre as quais o réu CENTRO HOSPITALAR DO P..., para que remetessem aos autos os elementos solicitados pela autora, notificações que foram subsequentemente expedidas.

- cfr. certidão de fls. 16 ss. SITAF dos presentes autos de recurso e fls. 895-900 SITAF dos autos principais.

8.) Por requerimento de 21/12/2017 (de fls. 911 SITAF dos autos principais) o CENTRO HOSPITALAR DO P... veio informar «…que não conseguiu localizar o processo com o nº 495946/87 de 18/12/87», informando ainda que «…o relatório de 18/12/87 já junto pela A. a fls… é o relatório que descreve os 3 diferentes ciclos de quimioterapia para a remissão da Leucemia Mieloblástica Aguda Subtipo M1/2»

- cfr. certidão de fls. 16 ss. SITAF dos presentes autos de recurso e fls. 911 SITAF dos autos principais.

9.) Dele notificada, a autora apresentou o requerimento de 17/01/2018 (de fls. 923 SITAF dos autos principais) no qual, perante a impossibilidade de remessa aos autos do seu processo clínico declarada pelo réu, por o não conseguir localizar, propugnou, para além da inversão do ónus da prova nos termos do artigo 344º nº 2 do Código Civil, que invocou, pela necessidade de realização de diligências de apuramento dos factos agora assentes na prova por declaração de parte da autora e na prova testemunhal, arrolando para o efeito quatro testemunhas, que requereu ao abrigo do artigo 411º do CPC, que invocou.

- cfr. certidão de fls. 16 ss. SITAF dos presentes autos de recurso e fls. 911 SITAF dos autos principais.

10.) Notificado o réu veio pelo requerimento de 26/01/2018 (a fls. 933 SITAF dos autos principais) manifestar-se pela não admissão da prova testemunhal requerida, dizendo consubstanciar uma nova tentativa para exercer um direito processual que precludiu.

- cfr. certidão de fls. 16 ss. SITAF dos presentes autos de recurso e fls. 933 SITAF dos autos principais.

11.) O Mmº Juiz do Tribunal a quo proferiu, então, o despacho datado de 19/03/2018 (a fls. 944 SITAF dos autos principais), no qual, constatando que «…por despacho de 02.11.2017, foi determinada a notificação do Réu para remeter aos autos, entre o mais, os seguintes elementos: “o Processo de Internamento Hospital da Autora Maria João Lema, com o número de processo conhecido como 4 95 946/87 de 18-12-87, cópia legal do processo administrativo hospitalar, incluindo os relatórios que descrevem os três diferentes ciclos para remissão da LEUCEMIA MIELOBLÁSTICA AGUDA SUBTIPO M1/2, ocorridos de 1-07-1987 a 08-09-1987”, e tendo presente que o Réu tinha vindo informar que não conseguiu localizar o processo e que dos autos já constava um dos relatórios em causa, e que em resposta a autora tinha defendido que a documentação completa do processo, designadamente quanto à identificação dos lotes de sangue utilizados nas transfusões, é essencial para determinar a conduta do Réu e que a ausência desses elementos nos autos tornava impossível a prova de factos constantes dos temas da prova, designadamente quanto a “demonstrar qual ou quais os lotes de sangue utilizado em transfusões no tratamento da Autora, qual a sua proveniência e quais as precauções tomadas”, determinou que as partes fossem notificadas para, de acordo com a informação que elas próprias possuam:

i) «informarem se há outras entidades oficiais que detenham, ainda que parcialmente, a documentação constante do Processo de Internamento Hospital da Autora»;

ii) «identificarem os médicos que tiveram intervenção nos tratamentos a que a Autora foi sujeita durante o referido internamento».

- cfr. certidão de fls. 16 ss. SITAF dos presentes autos de recurso e fls. 944 SITAF dos autos principais.

12.) Após ter requerido sucessivas prorrogações de prazo para poder concluir as diligências com vista a informar nos termos determinados naquele despacho o réu veio, pelo requerimento de 10/05/2018 (a fls. 962 SITAF dos autos principais), informar que após apuradas buscas nos seus arquivos não logrou obter quaisquer documentos relativos à autora, nomeadamente o seu processo clínico com o nº 495946/87, referindo que pela documentação da autora junta aos autos talvez o ROYAL FREE HOSPITAL, Londres, Reino Unido, pudesse ter elementos clínicos sobre aquela, e quanto à solicitada identificação dos médicos, disse que pelas diligências realizadas nos Serviços do Hospital conseguiu apurar que os três médicos que ali passou a identificar, terão tido intervenção no caso, a saber: i) Dr. B. A. B. . S. J.; ii) Dra. L. G. de P. e iii) Dr. A. C. A.. P.. R., requerendo, simultaneamente, o aditamento dos dois últimos ao seu rol de testemunhas.

- cfr. certidão de fls. 16 ss. SITAF dos presentes autos de recurso e fls. 948-959 e 962 SITAF dos autos principais.

13.) E nessa sequência o Mmº Juiz do Tribunal a quo proferiu o despacho datado de 12/10/2018 (mas que se mostra incorporado e assinado no SITAF em 12/11/2018 – cfr. fls. 978 SITAF dos autos principais), objeto do presente recurso, o qual verte o seguinte:
«Na sequência do despacho proferido em 19.03.2018, veio o Réu informar, além do mais, que “não logrou obter quaisquer documentos relativos à A., nomeadamente o processo clínico da A. com o nº 495946/87”.
Por outro lado, indica três médicos que, segundo o que conseguiu apurar, terão tido intervenção no caso.
Ora, perante a invocada impossibilidade de juntar aos autos a prova documental requerida pela Autora – e independentemente da valoração que, a este respeito e em sede de sentença, se venha a fazer quanto às regras de distribuição do ónus da prova – incumbe a este Tribunal, ao abrigo do princípio do inquisitório, ponderar as diligências probatórias necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio (cfr. artigo 411.º do Código de Processo Civil).
Assim, entende o Tribunal admitir o rol de testemunhas indicado supervenientemente pela Autora, a fls. 924/925 do SITAF.
No mesmo sentido, admite-se também o aditamento ao rol de testemunhas requerido pelo Réu, a fls. 970 do SITAF.
Notifique.
(…)»
- cfr. certidão de fls. 16 ss. SITAF dos presentes autos de recurso e fls. 978 SITAF dos autos principais.
*
B – De direito

1. É objeto do presente recurso o despacho do Mmº Juiz do Tribunal a quo datado de 12/10/2018 (mas que se mostra incorporado e assinado no SITAF em 12/11/2018 – cfr. fls. 978 SITAF dos autos principais), na parte em que nele se determinou a inquirição das testemunhas que haviam sido entretanto indicadas pela autora.
Cumprindo no âmbito do presente recurso, decidir, em suma, se é de revogar o despacho recorrido por violação do disposto nos artigos 526º nº 1, 598º e 411º do CPC.
2. Invoca o recorrente que em causa está uma inquirição oficiosa de testemunhas e que a esse propósito rege não a norma do artigo 411º do CPC, de carater geral, invocada no despacho recorrido, mas a norma especial constante do artigo 526º nº 1 do CPC; que a inquirição por iniciativa do Tribunal é um poder-dever do juiz e deve ter lugar quando, em função de qualquer meio de prova (produzido ou não em julgamento) ou até do conteúdo dos articulados, haja razões para presumir que determinada pessoa, não arrolada como testemunha, tem conhecimento de factos importantes para a descoberta da verdade material; que, no caso, não existe qualquer elemento nos autos que indicie sequer que alguma das testemunhas que foram indicadas pela autora tivesse conhecimento dos factos, tendo esta se limitado a afirmar que se impunha a realização de diligências necessárias ao apuramento da verdade dos factos; que nada se sabe sobre que conhecimento detêm essas testemunhas sobre os factos a que o processo clínico diria respeito ou sobre quaisquer outros que interessem à decisão da causa, e que os argumentos invocados pela autora foram apenas os que justificam a indicação de prova testemunhal em geral, tratando-se de mais uma tentativa de suprir uma omissão só a ela imputável; que à luz do despacho recorrido a indicação de qualquer testemunha por uma das partes teria de ser admitida oficiosamente por se presumir que uma vez que era indicada pela parte teria conhecimento dos factos; que além disso inexiste qualquer situação de desigualdade de tratamento entre as partes na medida em que a inquirição das testemunhas indicadas pelo réu ainda que não oficiosa, encontraria fundamento no disposto no artigo 598º nº 2 do CPC por este, ao invés da autora, ter junto prova testemunhal com a contestação; que mais relevante do que isso, as mesmas testemunhas (uma delas já constante da contestação) foram indicadas a solicitação do Tribunal, que ordenou a ambas as partes que identificassem os médicos que tiveram intervenção nos tratamentos ministrados à autora e apenas o réu o fez, não tendo, ademais, a autora posto em causa que esses médicos tivessem intervindo no tratamento; que pode, assim, concluir-se, em relação a estas testemunhas que conhecem efetivamente os factos a apurar e como tal se justificaria a sua inquirição ex oficio.
3. Comecemos por precisar que à data em que a ação administrativa comum foi instaurada (18/12/2014) se encontrava em vigor o CPTA (Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro) na sua versão (a quinta), anterior à revisão operada pelo DL. nº 214-G/2015, de 2 de outubro, versão que lhe é a aplicável, como resulta do artigo 15º nºs 1 e 2 daquele diploma, na medida em que as novas normas dela resultantes apenas se aplicam aos processos judiciais instaurados a partir da data da entrada em vigor (salvo as exceções ali previstas).
O que significa que estando em causa uma ação destinada à efetivação de responsabilidade civil extracontratual de pessoa coletiva de direito público, estava sujeita à forma da ação administrativa comum, nos termos do disposto no artigo 37º nºs 1 e 2 alínea f) do CPTA (5ª versão), obedecendo na respetiva tramitação aos termos do processo de declaração do Código de Processo Civil, nas formas ordinária, sumária e sumaríssima, conforme então decorria do disposto nos artigos 35º nº 1 e 42º nº 1 do CPTA (versão anterior à revisão operada pelo DL. nº 214-G/2014).
Pelo que, concomitantemente, há que fazer apelo às normas do Código de Processo Civil novo, aprovado pela Lei nº 41/2013, que então se encontrava já em vigor.
4. Feito este enquadramento normativo vejamos, então, se o despacho recorrido deve ser revogado, como propugna o recorrente, por ter violado o disposto nos artigos 526º nº 1, 598º e 411º do CPC novo.
5. Primeiramente há que constatar que nos termos do disposto no artigo 552º nº 2 do CPC novo, na redação à data (anterior à dada pelo recente DL. nº 97/2019, de 26 de julho), ex vi dos artigos 35º nº 1 e 42º nº 2 do CPTA (versão anterior à revisão operada pelo DL. nº 214-G/2014) no final da petição inicial o autor “…deve apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova”.
Mas sempre se admitindo ao autor que possa proceder à alteração do requerimento probatório inicialmente apresentado. Alteração essa que pode suceder após a contestação do réu, sendo o autor admitido a alterar o requerimento probatório inicialmente apresentado, na réplica, caso haja lugar a esta, ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação (cfr. artigo 552º nº 2 2ª parte, do CPC novo), ou em sede de audiência prévia (cfr. artigo 598º nº 1 do CPC).
6. Note-se, ainda, que a alteração do requerimento probatório admitida em sede de audiência prévia pelo artigo 598º nº 1 do CPC, tanto pode corresponder a uma substituição de provas anteriormente requeridas como a um aditamento de novos meios de prova relativamente aos anteriormente requeridos, não estando o aditamento limitado à prova testemunhal.
Já que nos termos do disposto no artigo 598º nº 2 do CPC o rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo a parte contrária notificada para usar, querendo, de igual faculdade, no prazo de cinco dias.
Neste sentido, vide, entre outros:
- o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/03/2017, Proc. nº 425-16.0YIPRT-A.L1-6, in, www.dgsi.pt/jtrl, em que se sumariou, entre o demais, o seguinte: «A alteração do requerimento probatório na audiência prévia tanto pode corresponder a uma substituição de provas anteriormente requeridas como a um aditamento de provas novas relativamente às já requeridas, não estando o aditamento limitado à prova testemunhal. (…)»
- o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28/06/2017, Proc. nº 289/16.3T8FTR-A.E1, in, e, em que se sumariou o seguinte: «O art. 598.º, n.º 1, do Código de Processo Civil permite a alteração do requerimento probatório na audiência prévia, em termos tais que não impedem a apresentação de meios de prova diversos dos apresentados inicialmente»;
- o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30/04/2019, Proc. nº 04/18.1T8AGH-A.L1-7, in, www.dgsi.pt/jtrl, em que se sumariou, entre o demais, o seguinte: « (…) 2. A alteração do requerimento probatória prevista no n.º 1 do art. 598.º do C.P.C., não conhece restrições, apenas se exigindo que a parte tenha apresentado inicialmente requerimento probatório, condição para se falar em alteração. 3. Na alteração prevista naquele preceito inclui-se a hipótese de a parte requerer meios de prova não indicados inicialmente, pelo que constitui lícita alteração de requerimento probatório a circunstância de vir arrolar testemunhas ou requerer perícia, quando, com a petição inicial ou com a contestação, apenas havia apresentado documentos para prova dos fundamentos da ação ou defesa. 4. Assim, a mera apresentação de um documento com a petição inicial ou com a contestação, para efeitos probatórios, compreende um requerimento, mesmo que implícito, de admissão como meio de prova, tanto bastando para que o autor ou o réu fiquem habilitados a alterar este requerimento em qualquer um dos momentos referidos em 1., apresentando, por exemplo, um rol de testemunhas. 5. Questão diferente é a que se prende com a alteração do rol de testemunhas, pois que, uma coisa é alterar o requerimento probatório, que pode abranger prova pericial, documental, testemunhal, etc., outra coisa, bem mais limitada, é alterar ou aditar o rol de testemunhas, que é apenas um dos segmentos do requerimento probatório. 6. Enquanto a alteração do requerimento probatório pode ocorrer na audiência prévia, quando a esta haja lugar, ou mediante requerimento nos termos já referidos, ou seja, quando aquela diligência seja dispensada, o rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final.»
- o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/09/2019, Proc. nº 4794/17.6T8SNT-A.L1-8, in, www.dgsi.pt/jtrl, em que se sumariou o seguinte: «A alteração pelo autor do requerimento probatório, ao abrigo do nº2, in fine, do artº 552º, do CPC, tanto pode corresponder a uma substituição de provas anteriormente requeridas como a um aditamento de provas novas, ainda que testemunhal e mesmo que na petição não tenha arrolado uma qualquer testemunha.».
7. Incumbe a cada uma das partes, e porque assim decorre desde logo do princípio do dispositivo (cfr. artigos 3º nº 1 e 5º do CPC) e das regras da distribuição do ónus da prova (cfr. designadamente, artigo 342º ss. do Código Civil), oferecer, indicar e requerer os meios de prova que entenda necessários e adequados à prova dos factos consubstanciadores do direito alegado e contraditado. Requerimentos probatórios que haverão de ser apresentados no momento processual adequado, à luz dos normativos legais. Tendo a fase de instrução e prova por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova (cfr. artigo 410º do CPC novo).
8. Mas o juiz da causa não está limitado aos meios de prova que tenham sido oferecidos, indicados ou requeridos pelas partes no processo, já que ao abrigo do princípio do inquisitório lhe incumbe, tal como previsto no artigo 411º do CPC novo, “…realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”, como aliás já antes igualmente dispunha o nº 3 do artigo 265º do CPC/1961 na reforma operada pelo DL nº 329-A/95, de 12 de dezembro.
O que tem vindo a ser configurado, seja pela doutrina seja pela jurisprudência, como um poder-dever do juiz, imputando-lhe um dever de atuação e não uma simples faculdade.
A tal respeito, vide, designadamente Nuno de Lemos Jorge, in, “Os poderes instrutórios do juiz: alguns problemas”, Revista JULGAR, nº 3, 2007, pág. 64 ss., onde se refere: «Característica essencial de um poder-dever, que o distingue de um direito subjectivo comum, é a sua funcionalização a um interesse (daí designar-se, também, poder funcional). Os poderes probatórios do juiz são-lhe outorgados, pela lei processual, tendo em vista uma finalidade concreta, que o n.º 3 do artigo 265.º refere expressamente: o apuramento da verdade e a justa composição do litígio. Por outras palavras, o juiz deverá providenciar pela obtenção da prova necessária à formação da sua convicção quanto aos factos que lhe é lícito conhecer (cfr. a parte final da norma em análise) e que possam ter utilidade para a solução da controvérsia concreta suscitada no processo - a ideia de instrumentalidade deve servir de guia, no uso deste poder.»
E bem assim, entre outros:
- o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02/03/2010, Proc. nº 99846/08.1YIPRT.L1-7, in, www.dgsi.pt/jtrl, em que se sumariou, entre o demais, que: «I– O princípio do inquisitório tem por objetivo superar insuficiências de alegação e de prova das partes, mas move-se dentro dos limites fixados pelo dispositivo. II – Tal principio não descaracteriza, nem invalida, o princípio base do processo civil e que é o de que o impulso processual compete às partes em toda a sua extensão, nomeadamente no tocante à indicação e realização das diligências probatórias (…)»
- o acórdão do Tribunal da Relação do P..., de 09/02/2015, Proc. nº 572/11.4TTPNF-A.C1.P1, in, www.dgsi.pt/jtrp, em que se sumariou, entre o demais, que: «I - Nos termos da lei processual civil (cfr. artigos 411 e 526.º), o juiz tem o poder-dever de determinar a produção de qualquer meio de prova, desde que o mesmo se apresente relevante para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa (…)»;
- o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 20/03/2018, Proc. nº 14/15.6T8VRL-C.G1, in, www.dgsi.pt/jtrg, em que se sumariou, entre o demais, que: «(…) De acordo com o princípio do inquisitório, consagrado na lei processual civil, o juiz tem a iniciativa da prova, podendo realizar e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade».
9. Na situação dos autos foi precisamente invocando o disposto no artigo 411º do CPC que o Mmº Juiz do Tribunal a quo determinou, através do despacho recorrido, a inquirição das testemunhas supervenientemente indicadas por autora e réu.
E tendo presente o contexto em que o despacho foi proferido, o qual não deixou de ser aduzido na respetiva fundamentação, é com efeito de admitir a inquirição daquelas identificadas testemunhas oficiosamente determinada pelo Mmº Juiz a quo.
10. Lembre-se que que a autora havia expressamente requerido no seu requerimento probatório, entre o demais, a junção aos autos, por parte do réu, do seu processo clínico (Processo nº 495946/87). Processo clínico que não foi todavia junto aos autos por, nos termos da informação prestada pelo réu, não lhe ter sido possível localizar o mesmo.
O que originou que o Mmº Juiz a quo tivesse determinado às partes, por despacho datado de 19/03/2018 (de fls. 944 SITAF dos autos principais), que informassem, de acordo com a informação que elas próprias possuíssem, se outras entidades oficiais detinham, ainda que parcialmente, a documentação constante do Processo de Internamento Hospital da autora e bem, assim, que identificassem os médicos que tiveram intervenção nos tratamentos a que a autora foi sujeita durante o internamento.
E após o que assim diligenciou, e tendo ambas as partes tomado já posição sobre o assunto, veio, então, pelo despacho recorrido, o Mmº Juiz a quo a proferir o despacho recorrido. Visando, como nele expressamente se refere, perante a invocada impossibilidade de juntar aos autos a prova documental requerida pela autora, assegurar, ao abrigo do princípio do inquisitório, a realização de diligências probatórias necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, determinando, ao abrigo do artigo 411º do CPC, a produção de prova testemunhal com inquirição das testemunhas que vieram entretanto a ser identificadas, quer pela autora quer pelo réu, perante a notícia da impossibilidade da apresentação do processo clínico, por não ter sido alcançada a sua localização.
11. Assim se vê que o Mmº Juiz do Tribunal a quo fez uma correta aplicação do artigo 411º do CPC novo, aplicável aos autos de ação administrativa comum em apreço, ex vi dos artigos 35º nº 1 e 42º nº 2 do CPTA (na versão anterior à revisão operada pelo DL. nº 214-G/2015).
Sendo certo que a norma do artigo 526º nº 1 do CPC, que o recorrente invoca, nos termos da qual “…quando, no decurso da ação, haja razões para presumir que determinada pessoa, não oferecida como testemunha, tem conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa, deve o juiz ordenar que seja notificada para depor”, em nada bule, restringe ou infirma a que já consta, como princípio, do artigo 411º do CPC. Quando no caso, a circunstância concreta, consistente na impossibilidade de junção aos autos do processo clínico da autora por o réu ter fracassado na sua localização, que motivou o Mmº Juiz a quo a tomar a iniciativa, ex oficio, diligenciando no sentido de obter os elementos necessários e adequados, e realizar as diligências instrutórias necessárias para o apuramento da verdade material, justifica, precisamente, a avocação desse seu poder-dever.
12. Não merecendo acolhimento o argumento do recorrente no sentido de que não existe qualquer elemento nos autos que indicie sequer que alguma das testemunhas que foram indicadas pela autora tivesse conhecimento sobre os factos a que o processo clínico diria respeito ou sobre quaisquer outros que interessem à decisão da causa.
Essa questão relevará só, e apenas, em sede posterior do julgamento da matéria de facto, nada mais se impondo em momento prévio, como é óbvio, para além de um mero indício ou prenuncio sobre o «eventual» conhecimento direto e pessoal dos factos sobre os quais a testemunha haverá de depor, e ele, no presente caso, resulta da posição assumida por ambas as partes na sequência da notícia da impossibilidade de exibição do processo clínico.
13. Com o que também não colhe a argumentação do recorrente no sentido de que através do despacho recorrido foi ilegalmente suprida a indicação da prova testemunhal omitida pela autora no requerimento probatório, e de que não devia ser invocado o princípio da igualdade das partes pela razão de que o réu tinha arrolado testemunhas no seu requerimento probatório, estando assim legitimado a proceder ao aditamento ao rol de testemunhas oportunamente apresentado nos termos do artigo 598º nº 2 do CPC.
É que, como já se viu, o que o Mmº Juiz do Tribunal a quo determinou através do despacho recorrido foi a inquirição, ex oficio, das identificadas testemunhas, ao abrigo do princípio do princípio do inquisitório, nos termos do artigo 411º do CPC que invocou.
Neste conspecto convocamos o que com clarividência é dito por Nuno de Lemos Jorge, in, “Os poderes instrutórios do juiz: alguns problemas”, Revista JULGAR, nº 3, 2007, pág. 67 ss., «(…) pensar que o juiz faz, no uso do poder instrutório, a prova da parte, assenta num equívoco. Uma certa testemunha pode ser arrolada pelas partes ou, na falta desta iniciativa, chamada oficiosamente pelo juiz; a perícia pode ser requerida por aquelas ou determinada por este.
Porém, embora uma diligência probatória possa ter o mesmo conteúdo, seja ela requerida pela parte ou oficiosamente determinada pelo juiz, os instrumentos que permitem a um e outro destes sujeitos processuais trazer a prova ao processo não têm a mesma natureza. A parte propõe a prova no exercício de um direito subjetivo – o direito à prova - que, por sua vez, permite dar cumprimento a um ónus que a lei lhe impõe- o ónus da prova. Como sucede com qualquer direito subjetivo, o seu titular pode omitir o seu exercício (neste caso, não propondo a prova), não sofrendo qualquer sanção por tal omissão, sem prejuízo do incumprimento do ónus probatório. A parte pode, até, requerer prova prejudicial aos seus interesses.
Já o juiz determina a produção da prova, nos termos do n.º 3 do artigo 265.º, no exercício de um poder-dever que a lei, acolhendo um modelo processual inquisitório, lhe outorga para satisfazer um interesse: o de garantir que toda a prova (possível) que o tribunal entenda ser necessária à formação da sua convicção possa ser produzida. Enquanto as partes exercem um direito próprio, destinado a tutelar os seus interesses, o juiz exerce um poder-dever, destinado a tutelar um interesse público de descoberta da verdade, instrumental em relação à realização da justiça. Assim se explica que as partes e o juiz os exerçam com fundamentos e requisitos diversos, em momentos processualmente distintos, podendo até o tribunal ordenar a realização de diligências probatórias quando se encontra já precludido o direito das partes à proposição da prova. O juiz não está, então, a fazer a prova da parte, porque não se substitui a ela no exercício do seu direito subjetivo à prova, antes exercendo um poder diferente, com fins e pressupostos distintos.
Em segundo lugar, não impressiona, como argumento demonstrativo da imparcialidade potencial inerente aos poderes instrutórios do juiz, a possibilidade de o resultado desta sua atuação acabar por favorecer uma das partes. Na verdade, é previsível que assim possa vir a acontecer. Se o tribunal, entendendo não ser suficiente a audição das testemunhas arroladas, determinar a audição de uma outra, é bem possível que o depoimento desta venha a ocupar um lugar importante, se não decisivo, no conjunto da prova apreciada. Mas esse resultado é, em boa verdade, o que a lei pretende, ao estabelecer o nosso modelo inquisitório: o tribunal providencia pela prova que entenda ser necessária à descoberta da verdade quanto aos factos que pode conhecer. O que resulta dessa prova há-de, normalmente, prejudicar uma parte e beneficiar outra. É bom de ver que qualquer poder processual do juiz pode resultar no benefício ou prejuízo de alguma parte. Admitir ou não um documento apresentado cuja junção foi requerida, julgar procedente ou improcedente uma exceção dilatória, ou - mais do que qualquer outro ato – decidir do fundo da causa têm como resultado normal um benefício do autor ou do réu, e não isso não os torna, ipso facto, geradores ou indiciadores de imparcialidade do juiz. Não é o poder, por si mesmo, que gera a imparcialidade, decorrendo esta do seu uso imparcial, o que pode acontecer com qualquer um dos poderes processuais do juiz, para além dos instrutórios. Do juiz com menos poderes, próprio de um modelo processual privatista ou neoprivatista, não se poderá dizer que é, por essa circunstância, mais ou menos imparcial. Poder-se-á, quando muito, afirmar que a lei lhe dá menos oportunidades de ser imparcial.»
14. Aqui chegados, e sem necessidade de mais considerações, não colhendo procedência as alegações de recurso, há que negar-lhe provimento, confirmando-se o despacho recorrido.
O que se decide.
*
IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas nesta instância de recurso pelo recorrente – artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
*
Notifique.

D.N.
*
Porto, 31 de outubro de 2019

M. Helena Canelas
Isabel Costa
João Beato