Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01294/06.3BEVIS-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/14/2023
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PROCESSO DE EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO;
CAUSA LEGÍTIMA DE INEXECUÇÃO;
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
«AA» e mulher, «BB», instauraram processo de execução para prestação de facto e indemnização contra o Município ... e «CC», Presidente da Câmara Municipal ..., todos melhor identificados nos autos, formulando o seguinte pedido:
“NOS TERMOS EXPOSTOS, E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEL, REQUER-SE SEJA ORDENADA A NOTIFICAÇÃO DOS EXECUTADOS PARA, NO PRAZO DE 20 DIAS, EXECUTAREM A SENTENÇA DE FLS., MORMENTE OS SEUS PONTOS Nº S 3, 4 E 5, RESPECTIVAMENTE E, AINDA, PAGAREM AOS EXEQUENTES A REFERIDA QUANTIA JÁ VENCIDA DE 5.360,00 € - SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA - (CFR ARTº 33º DESTA EXECUÇÃO), BEM COMO O QUANTITATIVO QUE SE VENCER ATÉ AO CUMPRIMENTO INTEGRAL DAQUELA MESMA DECISÃO (CFR ARTº 34º DESTA EXECUÇÃO) OU, QUERENDO, DEDUZIR OPOSIÇÃO, TUDO COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.”
Por sentença proferida pelo TAF de Viseu foi julgada a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Julgada improcedente a exceção de caducidade do direito de ação;
b) Condenado o primeiro Executado, Município ..., a dar cumprimento, no prazo de 30 dias, ao determinado nos pontos 3. e 4. da decisão definitiva e transitada em julgado proferida nos autos do processo nº 1294/06.3BEVIS;
c) Condenado o primeiro Executado, Município ..., na pessoa do segundo Executado, «CC», na qualidade de Presidente da Câmara Municipal ..., ao pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória e até à presente data, do montante de € 26.220,00, sem prejuízo daquela que se vencer até efetivo e integral cumprimento da decisão definitiva e transitada em julgado proferida nos autos do processo nº 1294/06.3BEVIS, montante que reverte, em partes iguais, a favor do credor e do Estado.
Desta vem interposto recurso pelos Executados.
Alegando, formularam as seguintes conclusões:
I. Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, entende-se que todos os factos dados como provados comprovam que se mostra absolutamente impossível o cumprimento da sentença sem que tal implique a destruição do investimento e a perda de toda e qualquer funcionalidade e cumprimento do objetivo para a qual foi projetada, financiada e construída.
II. Permitimo-nos notar é o próprio Acórdão deste TCAN de 15.03.2019, que admite a hipótese de lançar mão do disposto no artigo 166º do CPTA, quando refere: “Naturalmente que a execução da decisão recorrida pode envolver custos financeiros elevados, perturbar o mercado de trabalho da zona, causar transtorno às pessoas e até ser prejudicial aos interesses ambientais e urbanísticos, o que poderá eventualmente despoletar a aplicação do disposto no artigo 166º do C.P.T.A.” (cfr. Ac. TCAN de 15.03.2019, ponto 2. dos FP, pág.42/65 da Sentença em recurso)
III. Ainda de referir, que não é de todo em todo despiciendo trazer à colação o seguinte: abrindo-se lugar a um contexto indemnizatório por força da ocupação dos 44m2 em questão, e sendo os mesmos avaliados e encontrando-se uma justa indemnização, não se vê que eventuais prejuízos possam decorrer para os Recorridos que se sobreponham aos manifestos prejuízos alegados e demostrados pelo Recorrente.

IV. Por último, mas não menos importante, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, a concreta factualidade comprovada nos presentes autos e a ponderação necessária de todos os interesses envolvidos, exige que a decisão a tomar faça uma ponderação ao nível dos princípios, designadamente, do princípio da proporcionalidade, da razoabilidade, da justiça e da prossecução do interesse público, da boa administração , o que, a ser feito, permitirá concluir que estamos, de facto, perante uma causa legítima de inexecução, mostrando-se preenchidos os pressupostos factuais e legais para a declarar, seguindo-se os ulteriores termos legais, consagrados no artigo 166° e seguintes do CPTA.
V. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo fez uma errada interpretação dos artigos 163° do CPTA e dos artigos 4°, 5°, 7°, 8° do CPA, pelo que deverá ser anulada.

SEM PRESCINDIR, ainda.
A não se entender assim, o que só por hipótese académica se concede,

» Ir razoabilidade do prazo

VI. Entendeu o Tribunal a quo que inexistindo causa legítima de inexecução, deve proceder o pedido de execução quanto aos pontos 3. e 4. da sentença transitada e, no que respeita no prazo a fixar, julgou que 30 (trinta) dias são suficientes para o efeito. (Cfr. pág.s 60 e 61/65 da Sentença em recurso)
VII. Ora, ao reduzir de 60 dias para 30 dias o prazo para que os Recorrentes deem cumprimento ao decidido naqueles pontos, entende-se, com o devido respeito, que o Tribunal não tomou em consideração que a efectiva execução da reposição do terreno exige uma multiplicidade de diligências materiais, designadamente, a programação de trabalhos, procedimentos e adjudicação dos mesmos, a própria execução de obras, o estudo para encontrar e tornar exequíveis alternativas à falta de caminho com aquelas condições, etc, decidindo com absoluta falta de fundamentação, o que inquina a mesma de nulidade, nos termos e para os efeitos do artigo 615°, n.° 1, alínea b), o que se deixa aqui expressamente consignado.

» Do pedido de execução para pagamento da indemnização moratória (sanção pecuniária compulsória)

» Da data-limite para o cumprimento da Sentença

VIII. Discorda-se da data-limite considerada pelo Mm° Tribunal a quo para que o Executado tivesse dado cumprimento à Sentença.
IX. De facto, no âmbito da execução para prestação de factos ou de coisas (artigos 162° a 169° do CPTA, como é o caso sub iudice), e no que respeita à execução espontânea por parte da Administração, prescreve o artigo 162°, n.° 1 do CPTA que se outro prazo não for por elas próprias fixado, as sentenças dos tribunais administrativos que condenem a Administração à prestação de factos ou à entrega de coisas devem ser espontaneamente executadas pela própria Administração, no máximo, no prazo procedimental de 90 dias. (cfr. art.162°, n.° 1 do CPTA) que deve ser, por isso, contado nos termos do artigo 87º do CPA, suspendendo-se nos sábados, domingos e feriados.
X. E, assim sendo, o términus do prazo para o cumprimento da Decisão não era 29.06.2019 (prazo que o Tribunal a quo contou de forma contínua, incluindo sábados, domingos e feriados), mas, antes, 26.07.2019, data que deverá ser considerada para todos os efeitos, sob pena de clara violação do artigo 162°, n.° 1 do CPTA e 87° do CPA.

» Da sanção pecuniária compulsória.
XI. De acordo com a Doutrina e Jurisprudência, pacíficas nesta matéria, a sanção pecuniária compulsória tem por objectivo impelir o devedor a cumprir voluntariamente prestações de facto infungível a que tenha sido condenado, vencendo a resistência da sua oposição, da sua displicência ou mesmo a sua negligência. O seu fim não é o de indemnizar o credor, mas o de triunfar sobre a resistência daquele, da sua oposição, indiferença ou desleixo para com o cumprimento.
XII. Trata-se de um meio de coerção destinado a assegurar, simultaneamente, o cumprimento das obrigações e o prestígio da Justiça.

XIII. E, sendo uma sanção de natureza pessoal, o incumprimento por parte do órgão deve ser ilícito e culposo, o que determina que a aplicação da sanção deve ser feita segundo critérios de razoabilidade - aplicação de tal sanção deve revelar-se necessária, e adequada, ao cumprimento do dever imposto, e ser precedida da formação clara e inequívoca da convicção que os visados, colocados perante aquele dever, lhe continuem indiferentes ou o recusem.
XIV. Parece-nos - com o devido respeito - que o Tribunal a quo não valorou - como podia - de forma ponderada a factualidade que resulta dos autos, o que, a ter sido feito, teria certamente resultado numa outra decisão.
XV. É que, efectivamente, conforme resulta dos factos provados, recebida que foi o Acórdão deste TCAN de 15.03.2019, proferido no âmbito do Processo n.° 1294/06.3BEVIS, esta Decisão foi devidamente analisada, de forma cuidadosa, quer pelos serviços técnicos, quer pelos membros do Executivo, no sentido de decidir de que forma podia o Município cumprir aquilo a que foi condenado.
XVI. E esse estudo foi feito, não só tendo presentes todas as possibilidades legais que tinha ao seu alcance, como, tendo também presentes, todos os interesses e direitos envolvidos e existentes na, e por força desta Decisão.
XVII. Nesse estudo, ponderado e cuidado, foi também ponderada a hipótese de lançar mão do disposto no artigo 166° do CPTA (indemnização por causa legítima de inexecução e conversão da execução), possibilidade, aliás, aventada pelo próprio Acórdão deste TCAN de 15.03.2019.

XVIII. Ainda que óbvio, sublinhe-se, porque importante, que, ao lançar mão desta possibilidade, os ora Recorrentes sabiam - conscientemente - que a inexecução do determinado pela Sentença seria substituída pelo reconhecimento aos agora Recorridos do direito a uma indemnização devida pelo facto da inexecução, indemnização que sempre se consubstanciaria no ressarcimento dos mesmos, no cumprimento da lei e no respeito pela Justiça!
XIX. Ora, considerando o estudo e ponderação que havia sido feito nos termos acabados de expor, foi solicitada informação técnica à Divisão de Obras Municipais e Ambiente da CMCD que, em 05.06.2019 - praticamente um mês depois do trânsito em julgado da Decisão e, logo, dentro do prazo de 60 dias que lhe tinha sido dado para cumprimento – proferiu a Informação n.° 61/2019, de 05.06.2019, onde se concluía, de forma fundamentada, da absoluta impossibilidade de cumprimento da sentença sem que tal implique a destruição do investimento e a perda de toda e qualquer funcionalidade e cumprimento do objectivo para a qual foi projectada, financiada e construída. (Cfr. ponto 5. dos FP, pág.47, 48 e 49/65 da Sentença em recurso)
XX. De imediato, em 07.06.2019, o Senhor Presidente, aqui recorrente, decide que esta informação deve ir a Reunião do Executivo (Cfr. ponto 5. dos FP, pág.47/65 da Sentença em recurso), e em Reunião Ordinária da Câmara Municipal ..., realizada em 13.06.2019, o Órgão Executivo, após análise e discussão, deliberou, aprovar por unanimidade
XXI. Da factualidade demostrada e dada como provada - que, com o devido respeito, entende-se não ter sido valorada pelo Tribunal a quo – resulta claro, pelo contrário, que o Recorrente não se furtou, voluntária e intencionalmente, a esse cumprimento!

XXII. Agiu com diligência, cuidado e sensatez, envolvendo os seus serviços no estudo e análise da solução a encontrar, de forma a respeitar a Sentença; submeteu a solução encontrada – lançar mão da possibilidade legal prevista no artigo 166° do CPTA - para conhecimento, discussão e votação do Órgão Executivo que, de forma unânime, deliberou em conformidade (no limite, todos os membros do executivo teriam de ser responsabilizados); deu-a a conhecer aos Recorridos; agiu com probidade, honrando o cargo que lhe foi confiado e que exerce com responsabilidade.
XXIII. Deliberação que, permitimo-nos voltar a sublinhar, foi tomada num dos sentidos apontados como hipótese no Acórdão do TCAN de 15.03.2019 e que sempre daria lugar a um contexto indemnizatório, reparador dos direitos reclamados pelos aqui Recorridos.
XXIV. Assim sendo, como se demostrou, entende-se que existem causas concretas, objectivas e claras que justificam a actuação do Recorrentes, que o desculpabiliza, o isenta de culpa no incumprimento e que, a entender-se que a sua conduta é ilícita - o que não se concede - afastam essa possível ilicitude.
XXV. Com o devido respeito, o Mm.° Tribunal a quo não atendeu às particulares circunstâncias do caso em presença, decidindo em clara violação dos artigos 169°, designadamente dos seus n.°s 3 e 6 do CPTA e o artigo 829°-A do CC.

SEM PRESCINDIR.

A não se entender assim, o que só por hipótese académica se concede,

» Da fungibilidade da prestação
XXVI. Por último, salvo melhor entendimento, parece-nos que na concreta situação sub iudice não poderia haver lugar à aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, atenta a fungibilidade da prestação de facto a que os Recorrentes foram condenados.

XXVII. Conforme resulta das normas transcritas, a sanção pecuniária compulsória só pode ser aplicada a prestações de facto infungível, i. é aquelas em que o devedor não pode ser substituído por terceiro sem prejuízo para o credor. A fungibilidade ou infungibilidade da prestação resolve-se, no aspecto prático, pela possibilidade ou pela impossibilidade de ter lugar o cumprimento por terceiro (à custa do devedor).
XVIII. Ora, considerando que a condenação consiste na reposição do terreno dos Recorridos tal qual existia antes de 2005, entende-se que todas as operações necessárias para o efeito sempre poderiam ser realizadas por outrem a expensas da administração. Ao decidir aplicar uma sanção pecuniária, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, violando os artigos 168°, 169°do CPTA.

TERMOS EM QUE,

Confiando-se no suprimento,

- Deve ser dado provimento ao presente recurso, com todas as consequências

legais,

ASSIM SE FAZENDO

J U S T I Ç A.

Não foram juntas contra-alegações.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta, notificada nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. Em 31.12.2016, nos autos do processo nº 1294/06.3BEVIS, foi proferida Sentença, da qual consta, entre o mais, o seguinte [cf. documento constante da plataforma SITAF]:
“I- RELATÓRIO
«AA» e mulher, «BB», casados no regime da comunhão de adquiridos, ele taxista e ela empregada fabril, residentes no ..., em ..., vieram intentar a presente Acção Administrativa Comum, sob a forma sumária, contra o Município ..., com sede na Rua ..., em ...,
Alegando, em síntese, que são donos e legítimos possuidores de um prédio rústico que identificam, sito na Freguesia ..., concelho ..., confrontando o mesmo prédio com o caminho público do lado Nascente.
Porém, referem que nos finais de 2005 verificaram que o seu prédio havia sido objecto de obras de aterro terraplanagem em cerca de 44 m2 em toda a sua extensão do seu limite com o referido caminho público e, depois, já em Março de 2006, verificaram que efectivamente tal extensão ou área do seu terreno tinha sido anexado ou integrado no referido caminho público, já devidamente alcatroado e que havia sido feita ou construída uma escadaria junto a esse mesmo caminho para dar acesso por aí ao prédio dos autores, sendo que essas obras que conduziram à referida anexação ou integração daquela parte do seu prédio foram levadas a cabo pelo réu, Município ..., e sem consentimento dos autores e, consequentemente de forma ilícita e abusiva e, assim, por tais actos do réu sofreram e continuam a sofrer danos não patrimoniais ou morais e, também danos patrimoniais, calculando aqueles na importância de € 2.500,00 para cada um dos autores.
E concluem, pugnando pela procedência da acção e, consequentemente pedindo a condenação do Réu a reconhecer que são donos e legítimos possuidores do seu identificado prédio rústico, incluindo a parcela de terreno que o réu integrou no mencionado caminho público por obras que efectuou no alargamento do mesmo e, assim, condenando-se ainda o mesmo Réu à reposição e integração, no prazo de 60 dias, da dita parcela de terreno no seu prédio, seja no estado em que estava anteriormente às ditas obras efectuadas pelo réu, bem como à demolição das referidas escadas ou escadaria de acesso ao mesmo construída pelo mesmo réu.
Mais pedindo ainda os Autores a condenação do Réu a pagar a cada um deles a quantia de € 2.500,00 a título de indemnização pelos danos morais por eles já sofridos, bem os demais que vierem a sofrer até à data da sentença, transitada em julgado, e a repor a situação no seu estado anterior à ocupação da faixa de terreno em causa, e a liquidar em execução de sentença, com os juros legais desde a citação do mesmo Réu. E, ainda, pedindo também, a título de sanção pecuniária acessória a quantia de € 100,00 desde a citação e por cada dia de atraso no cumprimento integral da respectiva sentença, tudo com as consequências legais.
Legal e regularmente citado, apresentou-se o Réu Município a contestar, alegando, em síntese, não reconhecerem os Autores como legítimos donos e proprietários do identificado prédio, sendo certo que efectuou as ditas obras do caminho público em causa e naquele mencionado local referido pelos autores, mas obras essas que foram feitas pelo Réu integrado no projecto denominado “Caminho Agrícola de ... à ...”, por sua vez integrado no Programa Operacional Regional, na Medida Agricultura e Desenvolvimento Rural, sub-acção 6.1, Caminhos Agrícolas e Rurais, co-financiado pelo IFADAP no âmbito da Comunidade Europeia e, assim, com tal projecto visou o Réu um significativo melhoramento do caminho agrícola em causa, consistindo no seu alargamento e pavimentação, execução de aquedutos e muros de suporte de terras, com a finalidade de dotar as propriedades agrícolas existentes e com o mesmo caminho confinantes, de acessos que possibilitassem o trânsito de máquinas agrícolas, e assim se conseguir um melhor aproveitamento das potencialidades da zona, beneficiando, assim, única e exclusivamente os agricultores e a sua própria propriedade e, por isso, a sua candidatura e a obra em causa teve por base, obrigatoriamente, a concordância de todos os beneficiários em questão e a cedência gratuita do terreno ou terrenos necessários para o alargamento de acordo com o respectivo projecto, e sem as quais não era possível a comparticipação financeira do mesmo. E então, refere, foi solicitado à Junta de Freguesia ..., freguesia da situação do prédio dos autores, para que reunisse a autorização dos proprietários dos prédios confinantes com o referido caminho público para que a obra pudesse ser executada e, assim, fizessem uma cedência gratuita do terreno ou terrenos necessários para o efeito, o que a referida Junta de Freguesia cumpriu e com a pronta colaboração dos proprietários desse terrenos à data e, por isso, foi feita uma declaração de beneficiários como condição necessária e fazendo parte constituinte e integrante da referida candidatura ao mencionado programa AGRIS, e que foi formalizada em 29/12/2004.
Mais alega que os Autores nunca cuidaram o prédio ou terreno em questão como seus donos, sendo que a escritura de justificação judicial que realizaram apenas em 28/12/2005 e com base na qual legalizaram em seu nome o prédio em causa, foi feita depois do início da obra, tendo esta começado em meados de Agosto de 2005 e a parcela de terreno em causa ocupada em princípios de Setembro de 2005, ou seja, referindo que a justificação notarial pela qual os autores legalizaram em seu nome o referido prédio e consequente parcela que o integra e foi ocupada no alargamento do caminho público foi posterior à referida ocupação pelo réu desse terreno ou parcela de terreno na execução das referidas obras e também posterior à mencionada declaração de beneficiários com as referidas obras. E, refere ainda, que tal escritura de justificação notarial não constitui título bastante de dominialidade do prédio ou terreno em causa, dado os notários não terem competências jurisdicionais, pertencendo estas apenas aos tribunais que têm o poder de criar ou confirmar a existência do direito alegado pelos autores, ou seja, de tal escritura de justificação notarial não resulta que os autores adquiriram o direito de propriedade por usucapião, pois só uma sentença o pode fazer e, assim, apesar do registo feito pelos autores na respectiva Conservatória do Registo Predial do mesmo prédio e com base na referida escritura de justificação notarial, não se pode presumir a propriedade dos autores sobre tal prédio com fundamento no artigo 7.º do Código do Registo Predial, como os mesmos autores pretendem. E, finalmente, alega ainda o réu que os declarantes constantes da referida escritura de justificação notarial são parentes entre si e, por isso, violando todas as exigências legais previstas nos artigos 96.º, 84.º e 68.º, n.º 1, alínea e) e artigo 78.º, n.º 2, do Código do Registo Predial e, nessa medida, a referida escritura de justificação notarial realizada pelos autores está ferida de nulidade.
E conclui, pugnando pela improcedência da acção, por não provada, com as demais consequências legais.
-Porém, notificados os autores da apresentação da contestação, vieram responder, alegando, em síntese, a reafirmação da sua propriedade do prédio em causa e, bem assim, a sua posse, sendo a escritura de justificação que realizaram verdadeira, seja consubstancializando a mesma a formalização da aquisição do referido prédio a seu favor, tendo a mesma abrangido 4 prédios e não apenas o em discussão nestes autos, e que a mesma escritura de justificação notarial não foi objecto de impugnação judicial e, até nem podendo ser por ser do conhecimento público de que os Autores são os donos e legítimos possuidores dos prédios que dela constam, nomeadamente o aqui em causa, sendo que se o Réu pretendia apoderar-se de qualquer parcela do mencionado prédio dos autores, como o fez, deveria ter recorrido ao mecanismo da expropriação por utilidade pública, no caso para o alargamento do referido caminho público.
E conclui, pugnando pela improcedência das excepções invocadas pelo Réu e concluindo, no mais, como na sua petição.

*
-Todavia, designada e realizada a audiência preliminar a que se reporta o artigo 508.º-A, do CPC, foi pedida a suspensão da instância pelas partes, tendo em vista um eventual acordo, sendo que este nunca veio a ser obtido.
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II.- Foi proferido despacho saneador, procedendo-se à selecção da matéria de facto assente e dos factos levados à base instrutória, e nenhuma das partes tendo reclamado.
As partes ofereceram provas, quer documental quer testemunhal.
Realizou-se a audiência de julgamento com a observância do formalismo legal, conforme consta da respectiva data e com as incidências da mesma constantes, e fixou-se a matéria provada e não provada, não tendo suscitado quaisquer reparos.
*
Todavia, verificamos agora haver um lapso manifesto na decisão da matéria de facto proferida a fols. 189/193, no que respeita à resposta dada ao quesito 3.º da base instrutória, na medida em que se deu totalmente como provado quando na verdade, face aos elementos constantes dos autos, nomeadamente a escritura de justificação notarial junta a fols.13/17 com a petição inicial e que serviu de base ao registo predial de aquisição do prédio em causa a favor dos autores, da qual consta que os autores e na referida escritura declarantes, referiram que adquiriram o mesmo prédio por compra e venda verbal em data incerta do ano de 1984 e, assim naturalmente não poderiam os autores terem usado ou usufruído o mesmo prédio há mais de 20, 30 e 40 anos, com os actos de posse aí descritos, mas apenas durante mais de 20 anos (à data da propositura desta acção e, bem assim, até à data da referida escritura de justificação notarial, realizada em 28 de Dezembro de 2005), o que se deveu a mero lapso e, assim, corrige-se a resposta àquele quesito 3.º da base instrutória, da qual passa a constar o seguinte:
“Quesito 3.º da base instrutória: Provado apenas que os Autores, há mais de 20 anos, sempre usaram e fruíram o referido prédio, dele retirando todas as utilidades, cortando mato, limpando-o, semeando-o, arrendando-o, colhendo os respectivos frutos e pagando as respectivas contribuições e impostos, sempre à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, continuadamente, na convicção de estarem a exercer um direito próprio e sem ofensa do de terceiros”.
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A instância mantém-se válida.
Cumpre agora decidir.
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III.- FUNDAMENTAÇÃO
1.-Factos Provados:
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
1.Os Autores são donos e legítimos possuidores do seguinte prédio rústico, sito no lugar ..., localidade de ... de ..., Freguesia ..., concelho ...: Terreno de pastagem com 7 videiras e 2 oliveiras, com a área total real de 120 m2, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ...20, a confrontar do Norte com «DD», do nascente com o Caminho Público, do Sul com «EE» e do Poente com «FF», encontrando-se o mesmo prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...43, encontrando-se registada a sua aquisição a favor dos Autores pela Ap. ...1 de 2006/03/27 - respostas aos quesitos 1.º e ....º da base instrutória;
2.O mencionado prédio foi adquirido pelos autores por contrato de compra e venda verbal que lhes foi feita, já no estado de casados, por «GG» e marido, residentes que foram no lugar e freguesia ..., concelho ..., em dia e mês que não sabem precisar do ano de 1984, contrato esse que nunca formalizaram pela competente escritura pública -alíneas A) e B) da matéria assente;
3.Que aquela data do ano de 1984, os Autores entraram na posse do mencionado prédio, e desde então que sempre estiveram e se têm mantido, na posse e fruição do mesmo prédio há mais de vinte anos ininterruptamente, semeando, arrendando-o e colhendo os frutos, cortando e colhendo os frutos das árvores nele existentes, limpando o mato também nele existente, pagando as respectivas contribuições ou impostos, administrando-o com o ânimo ou espírito de quem sobre o mesmo prédio exercia direito próprio, pacificamente e sem violência, pública e continuamente, com o conhecimento e à vista de toda a gente e sem interrupção ou oposição de quem quer que seja e sem ofenda do direito de terceiros - alíneas A) e B) da matéria assente e resposta ao quesito 3.º da base instrutória;
4.O mencionado prédio dos Autores confronta do lado Nascente com o caminho Público em terra batida e com cerca de 1,20 metros de largura, ao longo de 11 metros de extensão - resposta ao quesito 4.º da base instrutória;
5.Em finais do ano de 2005, residindo os Autores em ..., deslocaram-se a ..., sua terra natal, para celebrarem o Natal e a passagem do Ano Novo, junto da sua família, altura em que constataram que na referida confrontação nascente do seu prédio (caminho público) e ao longo de toda a extensão dessa confrontação, haviam procedido ao aterro e terraplanagem de cerca de 44 m2 do seu prédio, seja alargando o dito caminho público de terra batida e incorporando neste a aludida área de 44 m2 do seu prédio no mesmo caminho e, ainda, que tal obra havia sido contratada pelo Réu Município ... à firma [SCom01...], S.A. - respostas aos quesitos 4.º, 5.º, 6.º e 7.º da base instrutória;
6.Porém, o Autor marido, em 12/01/2006, interpelou o Réu Município através de carta registada com A/R relativamente a tal ocupação da parcela de terreno do seu prédio, referindo-lhe que deveria desocupar tal parcela de terreno e repô-la no estado anterior às obras que ali foram levadas a cabo, sob pena de recorrer às vias legais competentes, mas sem que o Réu lhe tivesse respondido- respostas aos quesitos 8.2 e 10.2 da base instrutória;
7.Todavia, novamente os Autores interpelaram o Réu acerca das obras em causa e por as mesmas serem efectuadas em parte no seu prédio, em 3 de Abril de 2006, agora por intermédio do seu mandatário/advogado constituído, mas sem que o Réu lhe respondesse, sendo que, em finais do mês de maio de 2006 já a referida obra realizada com vista ao alargamento do referido caminho público já se encontrava concluída - respostas aos quesitos 11.2, 12.2 e 13.2 da base instrutória;
8.O Réu Município procedeu à colocação de alcatrão, delimitou as respectivas bermas do referido caminho público e também construiu uma escadaria de acesso do mesmo caminho público para o prédio dos Autores, tendo sido tudo executado pela firma atrás mencionada, [SCom01...], S.A. - respostas aos quesitos 14.2 e 15.2 da base instrutória;
9.Com as mencionadas obras de alargamento do referido caminho e da integração da parcela de terreno do seu prédio no mesmo caminho, os Autores ficaram indignados e, ainda, que essa ocupação da parcela do seu prédio lhes criou grandes transtornos, incómodos e despesas, nomeadamente por terem de se deslocar de ..., onde residem, ao local do prédio e à sua terra, ..., e terem que arranjar advogado e intentar a presente acção, sendo ainda os Autores são tidas como pessoas honestas, trabalhadoras e de boa moral - respostas aos quesitos 16.2 e 17.2 da base instrutória;
10.O alargamento do caminho público referido pelos Autores consubstancia a realização de um projecto denominado “Caminho Agrícola de ... à ...”, integrado no Programa Operacional Regional, na Medida Agricultura e Desenvolvimento Rural, subacção 6.1 - Caminhos Agrícolas e Rurais, co-financiados pelo IFADAP, em conformidade com a candidatura junta como documento ... à contestação, a qual data de 29/12/2004 - respostas aos quesitos 18.2 e 23.2 da base instrutória;
11.Trata-se ou tratou-se de um melhoramento do caminho agrícola em questão, que consistiu no alargamento do já existente e respectiva pavimentação, execução de aquedutos e muros de suporte de terras, de forma a dotar as propriedades agrícolas com ele confinantes, de acessos que possibilitem/possibilitassem o trânsito de máquinas agrícolas - resposta ao quesito 19.2 da base instrutória;
12.Tal obra e respectiva candidatura, têm por base a concordância de todos os beneficiários em questão, seja os confinantes com o dito caminho público, e a cedência gratuita do terreno necessário para o alargamento de acordo com o respectivo projecto, sem as quais não era possível a comparticipação financeira do mesmo - resposta ao quesito 20.º da base instrutória;
13.A Câmara Municipal ... solicitou à Junta de Freguesia ..., que reunisse a referida autorização dos confiantes do referido caminho e respectiva cedência gratuita - resposta ao quesito 21.º da base instrutória;
14.A grande maioria dos proprietários confinantes do caminho em causa assinaram a
“Declaração dos Beneficiários”, não tendo a mesma sido assinada pelo menos pelos Autores - resposta ao quesito 22.º da base instrutória;
15.A obra em causa teve o seu começo em data incerta dos finais do verão de 2005 e a parcela do prédio dos Autores para integrar no caminho sido ocupada pouco tempo após - resposta ao quesito 24.º da base instrutória.
DE DIREITO

É objecto de recurso a decisão que, julgando parcialmente procedente a execução, julgou:

a)improcedente a exceção de caducidade do direito de ação;
b)Condenou o primeiro Executado, Município ..., a dar cumprimento, no prazo de 30 dias, ao determinado nos pontos 3. e 4. da decisão definitiva e transitada em julgado proferida nos autos do processo nº 1294/06.3BEVIS;

c)Condenou o primeiro Executado, Município ..., na pessoa do segundo Executado, «CC», na qualidade de Presidente da Câmara Municipal ..., ao pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória e até à presente data, do montante de € 26.220,00, sem prejuízo daquela que se vencer até efetivo e integral cumprimento da decisão definitiva e transitada em julgado proferida nos autos do processo n° 1294/06.3BEVIS, montante que reverte, em partes iguais, a favor do credor e do Estado.
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

Assim, vejamos,
Do alegado erro de julgamento
Da alegada existência de causa legítima de inexecução -

Conforme resulta dos factos provados, o caminho agrícola de ... (fundo do ...) à ... aqui em causa foi projectado, candidatado ao IFADAP - projecto denominado “Caminho Agrícola de ... à Ponte da ...” - e construído nos anos 2004, 2005 e 2006, tendo seguido um caminho agrícola antigo que ligou à Ponte de ... (...) e um ramal que termina na Capela ..., numa extensão de 1,9km.
À data, havia Fundos Europeus para este tipo de infraestruturas de forma a beneficiarem os acessos e melhor servirem as populações locais, pelo que o Município, enquadrando esta obra na sua rede municipal de estradas, aumentou o nível de serviço e os benefícios que prestava, não só à população da localidade, como à população visitante do município e da região, uma vez que esta estrada tem ligação directa com ....
Ora, uma das condições impostas pela entidade financiadora era os proprietários cederem gratuitamente os terrenos porquanto não faria sentido apoiar os agricultores/proprietários construindo-lhes um caminho de acesso aos seus terrenos e ainda adquirir-lhes os mesmos, pelo que a candidatura teve por base a concordância de todos os beneficiários.
Assim, a Câmara Municipal do ora executado solicitou à Junta de Freguesia ..., que reunisse a referida autorização dos confinantes do referido caminho e respectiva cedência gratuita, sendo que a grande maioria dos proprietários confinantes do caminho em causa assinaram a “Declaração dos Beneficiários", não tendo a mesma sido assinada pelo menos pelos Autores.
Trata-se ou tratou-se de um melhoramento do caminho agrícola em questão, que consistiu no alargamento do já existente e respetiva pavimentação, execução de aquedutos e muros de suporte de terras, de forma a dotar as propriedades agrícolas com ele confinantes de acessos que possibilitem/possibilitassem o trânsito de máquinas agrícolas.
O novo caminho seguiu a direcção do antigo que, na maior parte do seu trajecto, não tinha mais do que 1,80m, sendo que o alargamento para 4,0m se efectuou para o lado de menor prejuízo ocupando uma pequena faixa de terrenos particulares.
No que respeita ao prédio dos Recorridos, em finais do ano de 2005, na sua confrontação nascente com o caminho público e ao longo de toda a extensão dessa confrontação, procedeu-se ao aterro e terraplanagem de cerca de 44 m2, alargando o dito caminho público de terra batida e incorporando neste a aludida área de 44 m2 do seu prédio, procedeu-se à colocação de alcatrão, delimitaram-se as respectivas bermas e construiu-se uma escadaria de acesso do mesmo caminho público para o prédio dos Recorridos.

Ora, tendo presente toda esta factualidade - dada como provada na presente acção - conclui-se, como alegado, que não é possível cumprir o determinado pela sentença exequenda.
É que, repor o terreno ocupado no estado anterior significa destruir o caminho existente em 44 m2, removendo alcatrão, destruindo as bermas e os muros de suporte aí existentes, destruir aquedutos e o sistema de drenagem que ali passa; significa reprojectar e alterar o traçado; inutilizar a ligação dada a diferença de cota que existe entre o caminho antigo e o actual; necessitar de, pelo menos, mais 44m2 de terreno para a (re)construção daquele troço do caminho; adquirir/negociar esses terrenos ou, não o conseguindo, instaurar procedimentos de expropriação (com gastos acrescidos, judiciais e de preparos com árbitros e peritos, para não falar do tempo que poderão demorar); lançar um procedimento para a execução de todos os trabalhos para “desfazer” e “refazer” o caminho naquele troço.
Acresce que se trata de uma obra pública; estamos perante uma obra de relevante interesse e importância pública, com vista ao desenvolvimento das comunidades rurais e das explorações agrícolas, perante uma obra pública co-financiada por fundos públicos/europeus, através do IFADAP.
Para além disso, a execução da obra em causa melhorou as vias públicas pré-existentes no local, possibilitando e favorecendo desse modo a melhoria de vida das populações por elas servidas, incluindo os próprios Recorridos, cujo benefício é notório.
Ora, esta obra - pública - está executada há mais de quinze anos e neste espaço de tempo vem servindo ininterruptamente várias populações que sabem que a dita via pública foi executada pelo Município, autarquia local, com recurso a financiamento externo, e que, do mesmo modo, há muito interiorizaram um substancial melhoramento nas suas explorações agrícolas e consequente melhoria do nível de vida, acreditaram neste benefício e que este benefício era definitivo e irreversível.
Pelo que o cumprimento da sentença, nesta parte, implicaria o defraudar, já não de expectativas, mas da própria realidade, sempre de uma forma "difícil" de entender para todas aquelas populações beneficiadas.
Deste modo, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, entende-se que todos os factos acabados de elencar consubstanciam manifestos e excepcionais custos, monetários, mas não só, que representam um grave prejuízo para o erário público, para o domínio público, para a entidade financiadora, para as populações que o usam no cultivo dos seus terrenos e uma injustiça cruel para os proprietários que, de livre e boa vontade, cederam as suas parcelas em nome do bem comum e da obrigação que todos têm em colaborar no desenvolvimento das suas terras, na valorização dos seus produtos e na melhoria das relações de proximidade entre os cidadãos da localidade da Freguesia ... e da freguesia ... (...) - lê-se nas alegações e aqui corrobora-se.
Mas mais. Nada garante que não possam os Recorrentes virem a ser penalizados pelo IFAP ou pelas entidades financiadoras por força de possíveis incumprimentos que o cumprimento da sentença venha a gerar.
Deste modo, e pelas razões atrás aduzidas, mostra-se absolutamente impossível o cumprimento da sentença sem que tal implique a destruição do investimento e a perda de toda e qualquer funcionalidade e cumprimento do objetivo para a qual foi projetada, financiada e construída.
De sublinhar que é o próprio Acórdão deste TCAN de 15.03.2019, que admite a hipótese de lançar mão do disposto no artigo 166º do CPTA, quando refere:

“Naturalmente que a execução da decisão recorrida pode envolver custos financeiros elevados, perturbar o mercado de trabalho da zona, causar transtorno às pessoas e até ser prejudicial aos interesses ambientais e urbanísticos, o que poderá eventualmente despoletar a aplicação do disposto no artigo 166º do C.P.T.A.”.

Ainda de referir, que não é de todo em todo despiciendo trazer à colação o seguinte: abrindo-se lugar a um contexto indemnizatório por força da ocupação dos 44m2 em questão, e sendo os mesmos avaliados e encontrando-se uma justa indemnização, não se vê que eventuais prejuízos possam decorrer para os Recorridos que se sobreponham aos manifestos prejuízos alegados e demostrados pelos Recorrentes.

Ademais, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, a concreta factualidade comprovada nos presentes autos e a ponderação necessária de todos os interesses envolvidos, exige que a decisão a tomar faça uma ponderação ao nível dos princípios, designadamente, do princípio da proporcionalidade, da razoabilidade, da justiça e da prossecução do interesse público, da boa administração, o que permite concluir que estamos, de facto, perante uma causa legítima de inexecução, mostrando-se preenchidos os pressupostos factuais e legais para a declarar, seguindo-se os ulteriores termos legais, consagrados no artigo 166° e seguintes do CPTA.

Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo fez uma errada interpretação dos artigos 163° do CPTA e dos artigos 4°, 5°, 7°, 8° do CPA, pelo que tem de ser revogada.

Em suma,
Dispõe o artigo 174º do CPTA que o cumprimento do dever de executar a sentença é da responsabilidade do órgão que tenha praticado o ato anulado, devendo tal ocorrer, no prazo máximo de 90 dias, salvo se ocorrer alguma causa de inexecução (cfr. nº 1 do artigo 175º do mesmo diploma).
No que concerne à existência de causa legítima de inexecução, esta, deve ser invocada segundo o disposto no artigo 163º, sendo que o campo de aplicação diz respeito apenas às situações de impossibilidade absoluta ou de excecional prejuízo para o interesse público, podendo aplicar-se à totalidade da decisão ou apenas a parte dela.
O CPTA consagra, assim, estas situações de impossibilidade absoluta de executar ou de excecional prejuízo para o interesse público que a execução envolva “como circunstâncias cuja verificação, uma vez jurisdicionalmente reconhecida, legitima que a execução seja substituída pelo reconhecimento ao exequente do direito à indemnização devida pelo facto da inexecução” (cfr. Mário Aroso de Almeida em Manual de Processo Administrativo, Almedina, Coimbra, 2.ª ed., 2016, pág. 483).
Sobre as causas legítimas de inexecução, referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha o seguinte: «De acordo com o n.º 1 [do artigo 163º do CPTA], só constituem causa legítima de inexecução a impossibilidade absoluta e o excecional prejuízo para o interesse público na execução.
Como já anteriormente assinalava a doutrina, a impossibilidade não se deve bastar com a mera dificuldade ou onerosidade da prestação: é necessário que ao cumprimento se oponha, em absoluto, um impedimento irremovível. Por este motivo, o Código Deixou de falar apenas em impossibilidade, para falar em impossibilidade absoluta.
A impossibilidade tanto pode ser física como jurídica, decorrendo esta última de alteração superveniente do quadro normativo aplicável.
(...)
Quanto ao excecional prejuízo para o interesse público, cumpre notar que a atual redação do preceito quanto a este ponto provém da redação de 2015, que substituiu a referência a um “grave prejuízo para o interesse público” pela caracterização do prejuízo com excecional. A alteração não tem um alcance verdadeiramente inovador, na medida em que já se entendia que o “grave prejuízo para o interesse público” apenas devia ser reconhecido em situações-limite, muito excecionais, de claro desequilíbrio entre os interesses em presença, nas quais se possa realmente afirmar que os prejuízos que, para a comunidade, adviriam da realização da prestação devida são claramente superiores ao sacrifício que para o interessado representa a não satisfação do seu direito. Trata-se de uma válvula de escape do sistema que, como tal, só deve ser chamada a funcionar em situações de emergência.» (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª ed. - Reimpressão, Almedina, 2018, págs. 1222/1223).
Como decidido no Acórdão deste TCAN de 15.05.2020, proc. nº 00093/12.8BEBRG-A: «As causas legítimas de inexecução são situações excepcionais que tornam lícita, para todos os efeitos, a inexecução das sentenças dos tribunais administrativos, obrigando, no entanto, ao pagamento de uma indemnização compensatória ao titular do direito à execução.
I.1-de acordo com o disposto no artº 163º, nº 1, do CPTA, só constituem causa legítima de inexecução a impossibilidade absoluta e o grave prejuízo para o interesse público na execução da sentença;
I.2-a impossibilidade absoluta na execução da sentença não se reconduz a uma mera dificuldade ou onerosidade dessa execução, pois é necessário que à mesma se aponha, em absoluto, impedimento irremovível, de natureza física ou legal.
(…)
Resta, pois, aferir se se está perante uma situação de “excecional prejuízo para o interesse público”.
Neste domínio (de “excecional prejuízo para o interesse público”), temos que, como refere a doutrina, tal apenas ocorre em “situações-limite, muito excecionais, de claro desequilíbrio entre os interesses em presença, nas quais se possa realmente afirmar que os prejuízos que, para a comunidade, adviriam da realização da prestação devida são claramente superiores ao sacrifício que para o interessado representa a não satisfação do seu direito. Trata-se de uma válvula de escape do sistema que, como tal, só deve ser chamada a funcionar em situações de emergência.
Ou seja, existe o dever legal de executar o julgado, extraindo dele todas as consequências devidas, enquanto dever de reconstituição da situação hipotética que existiria caso o ato ilegal não tivesse sido praticado, conquanto não ocorra qualquer impossibilidade na execução ou que a execução seria gravemente prejudicial para o interesse público.
Reconhecendo-se a existência da causa legítima de inexecução de sentença, o exequente pode pedir a fixação da indemnização devida, pelo facto da inexecução.
Tal dever de indemnização, em consequência de causa legítima de inexecução, é um dever legal e automático de indemnizar o lesado pela perda que representa a não execução do julgado, isto é, pelos danos que a falta de cumprimento lhe causou e que resultam da impossibilidade de execução da sentença.
Voltando ao caso concreto, contrariamente ao decidido pelo Tribunal
a quo, entende-se que todos os factos dados como provados comprovam que se mostra absolutamente impossível o cumprimento da sentença sem que tal implique a destruição do investimento e a perda de toda e qualquer funcionalidade e cumprimento do objetivo para a qual foi projetada, financiada e construída.

É o próprio Acórdão deste TCAN de 15.03.2019, que admite a hipótese de lançar mão do disposto no artigo 166º do CPTA, quando refere: “Naturalmente que a execução da decisão recorrida pode envolver custos financeiros elevados, perturbar o mercado de trabalho da zona, causar transtorno às pessoas e até ser prejudicial aos interesses ambientais e urbanísticos, o que poderá eventualmente despoletar a aplicação do disposto no artigo 166º do C.P.T.A.”

Ainda de referir, que não é de todo em todo despiciendo trazer à colação o seguinte: abrindo-se lugar a um contexto indemnizatório por força da ocupação dos 44m2 em questão, e sendo os mesmos avaliados e encontrando-se uma justa indemnização, não se vê que eventuais prejuízos possam decorrer para os Recorridos que se sobreponham aos manifestos prejuízos alegados e demostrados pelo Recorrente.

Por último, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, temos que a factualidade comprovada nos presentes autos e a ponderação necessária de todos os interesses envolvidos, exige que a decisão a tomar faça uma ponderação ao nível dos princípios, designadamente, do princípio da proporcionalidade, da razoabilidade, da justiça e da prossecução do interesse público, da boa administração, o que conduz à conclusão de que estamos, de facto, perante uma causa legítima de inexecução, mostrando-se preenchidos os pressupostos factuais e legais para tanto.

Impõe-se, pois, seguir os ulteriores termos legais, consagrados no artigo 166° e seguintes do CPTA.

Com efeito, declarada a existência de causa legitima de inexecução ou reconhecida a causa legítima de inexecução, tem o exequente de ser compensado com a fixação de indemnização nos termos previstos no artigo 166.º, n.º 1, do CPTA, segundo o qual “[q]uando o tribunal julgue procedente a oposição fundada na existência de causa legítima de inexecução, ordena a notificação da Administração e do exequente para, no prazo de 20 dias, acordarem no montante da indemnização devida pelo facto da inexecução, podendo o prazo ser prorrogado se for previsível que o acordo se possa vir a concretizar em momento próximo.”
E na falta de acordo, rege o respetivo n.º 2, prevendo que “o tribunal ordena as diligências instrutórias que considere necessárias, findo o que se segue a abertura de vista simultânea aos juízes-adjuntos, caso se trate de tribunal colegial, fixando o tribunal o montante da indemnização devida no prazo máximo de 20 dias.”

Ao decidir como decidiu o Tribunal fez uma errada interpretação dos artigos 163° do CPTA e 4°, 5°, 7°, 8° do CPA, pelo que não pode ser mantida na ordem jurídica.

Procedem, pois, as Conclusões das alegações, tornando-se despicienda a análise das demais questões aventadas.

DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso e se revoga a sentença recorrida, com todas as legais consequências.
Custas pelos Exequentes/Recorridos e, nesta instância, sem custas, atenta a ausência de contra-alegações.
Notifique e DN.
Porto, 14/07/2023

Fernanda Brandão
Nuno Coutinho
Conceição Silvestre