Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02119/10.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/10/2017
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:ESTRANGEIRO. PERMANÊNCIA ILEGAL. EXPULSÃO.
PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO EXCEPCIONAL DE RESIDÊNCIA. SUSPENSÃO.
Sumário:I) – A permanência ilegal de estrangeiro, e não só a sua entrada ilegal, é pressuposto bastante à decisão emitida em procedimento administrativo de expulsão.
II) – O procedimento de autorização extraordinária de residência (art.º 88º, nº 2, da LE) não lhe é causa prejudicial que justifique suspensão. *
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:LLSS
Recorrido 1:Serviço de Estrangeiros e Fronteiras
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu no sentido de ser confirmada a sentença recorrida.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:
LLSS (R. …), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Braga, que julgou totalmente improcedente acção administrativa especial intentada contra o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (R. …).

As conclusões do recurso:
1. Encontra-se errada e incorretamente julgada (por omissão) a matéria de facto dada como provada na douta Sentença recorrida.
2. A douta Sentença recorrida é completamente omissa quanto às circunstâncias de tempo, lugar e modo em que a A. entrou em território Português, factualidade essa indispensável para o Tribunal aferir da bondade e legalidade da decisão administrativa impugnada.
3. Matéria essa de fuicral importância e com notória influência (negativa) na formulação da douta sentença, tanto mais que o Tribunal socorrendo-se do princípio do aproveitamento do ato administrativo, discorreu acerca do preenchimento, pela Autora, das condições para a obtenção de autorização de residência, concluindo, erradamente, que a decisão em tal procedimento seria sempre de indeferimento.
4. Ao não ter sido dada como provada (ou não provada) a factualidade acima enunciada, ocorreu erro de julgamento da matéria de facto.
5. Só aferindo de tal factualidade, e dando-lhe a resposta de "provado" ou "não provado" é que o Tribunal poderia, salvo o devido respeito, ter avançado para a formulação de conjeturas e teorizar a probabilidade de à Autora vir a ser concedido uma autorização de residência.
6. A circunstância de a Autora ter entrado legalmente em território nacional não podia ser ignorada e muito menos se mostra despicienda para a questão a decidir, nomeadamente para que o Tribunal pudesse lançar mão do mecanismo do aproveitamento do ato administrativo inválido.
7. Aliás, tratando-se a Autora de uma cidadã Brasileira, a sua entrada em território nacional estava isenta de visto, ao abrigo do disposto no Regulamento (CE) n.° 539/2001 de 15 de Março de 2001 e art.º 7º do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil.
8. Pelo que, sempre se teria que dar como provado que a Autora deu entrada em território nacional de forma legal para eventual e posterior ponderação da aplicação do disposto no art° 88 n.° 2 da Lei n.° 23/2007, de 04 de Julho.
9. A douta sentença recorrida padece de erro de julgamento, não só em virtude da errada enunciação da matéria de facto dada como provada assim como, devido aos errados pressupostos materiais tidos em consideração Ina sentença.
10. Considerar fundamentado o conceito de "situação irregular" e o ato administrativo de abandono do país, pelo facto de a A. não ter visto de residência nem ter relação de trabalho estável é completamente ilógico, sobretudo quando tal fundamentação assenta sobre pressupostos errados.
11. Estribando-se a fundamentação do ato administrativo em incoerências e pressupostos errados, a mesma equivale à falta de fundamentação, o que o Tribunal a quo, erradamente, não apreciou.
12. O juízo formulado pelo Tribunal acerca do (in)cumprimento, pela Autora, dos pressupostos referentes a algum dos mecanismos de legalização da sua permanência em território nacional revela-se apenas superficial.
13. O Tribunal tinha que apreciar a situação da Recorrente em toda a sua amplitude, mormente no que à previsão do art° 88° nº 2 da Lei 23/07 de 04/07 diz respeito.
14. O Tribunal a quo ao decidir que não assiste qualquer direito à Autora de ver apreciado o seu pedido de autorização de residência ao abrigo do artigo 88º n.° 2 da Lei n.° 23/2007 de 4 de Julho, trata-se de um erro grosseiro.
15. Verificam-se erros nos pressupostos de facto relativamente ao ato objeto de impugnação, que, obviamente também contagiaram a decisão recorrida.
16. A recorrente efetuava os descontos para a Segurança Social e pagava os seus impostos.
17. Trata-se de um paradoxo legal considerar a riecorrente em situação regular para "pagar" e numa situação irregular para se tentar legalizar.
18. Não se vêm quaisquer razões para que se considere que a Autora não reúne as condições para se legalizar ao abrigo do disposto do art.º 88 n.° 2 da Lei n.° 23/2007 de 4 de Julho.
19. A mesma entrou de forma legal em território nacional, é possuidora de contrato de trabalho, está inscrita e tem a sua situação regularizada perante a segurança social, é uma mulher honesta, trabalhadora, cumpridora das suas obrigações sociais, legais e fiscais.
20. A pretendida expulsão desta cidadã do território nacional é completamente ilegal, injustificada e desproporcional.
21. A interpretação operada peio Tribunal a quõ ao disposto no art.º 88 n.° 2 b) da Lei n.° 23/2007 de 4 de Julho no sentido de não ser elegível para efeitos do requisito de "permanência legal" em território Português, uma cidadã proveniente de um Estado de língua oficial Portuguesa, com residência permanente em Portugal, que é detentora de contrato de trabalho por tempo indeterminado e se encontra inscrita e com situação regularizada na Segurança Social, é inconstitucional por violação do disposto nos art.° 15° e 33° da Constituição da República Portuguesa, na medida em que tal entendimento resultaria numa limitação injustificada à obtenção de autorização de residência por uni estrangeiro, inconstitucionalidade essa que desde já se suscita para os devidos e legais efeitos.
22. Tendo a Autora iniciado o seu processo de legalização ao abrigo do disposto no art.º 88 n.° 2 da Lei n.° 23/2007, de 4 de Julho em data anterior à prolação da decisão de expulsão, impunha-se a suspensão do procedimento, que culminou com a decisão de expulsão da Autora.
23. A consequência de não ter sido cumprida tal suspensão é anulabilidade do ato administrativo nos termos e para os efeitos dó disposto no art.º 135 do CPA (antigo).
24. A concessão de autorização excecional de residência ao abrigo do artigo 88° n.° 2 da Lei n.° 23/2007, de 04 de Julho consubstancia um poder discricionário da Administração, como tal apenas sindicável nos seus aspetos vinculados, designadamente, os relativos à competência, à forma, aos pressupostos de facto e à adequação ao fim prosseguido, e quanto aos "limites, internos" do exercício desse poder, designadamente o respeito pelos princípios da igualdade, justiça e imparcialidade.
25. Constituindo a aplicação deste regime excecional de legalização de estrangeiros em território nacional, o exercício de poder discricioiário, o princípio da separação de poderes impede que o Tribunal defina o conteúdo do ato a praticar ao abrigo deste regime excecional plasmado no art.º 82 da Lei n.° 232007.
26. Pelo que estava vedado ao Tribunal a quo decidir pelo aproveitamento do ato administrativo viciado de anulabilidade (ato de expulsão da Autora do território nacional) com fundamento no facto de ". . . a decisão a emitir no âmbito de um procedimento tendente à obtenção de autorização de residência seria sempre de indeferimento, e como tal mantinha-se a situação de ilegalidade da permanência da A. em território nacional determinante da sua expulsão"
27. Sendo a decisão final daquele procedimento de obtenção de autorização de residência um ato a praticar no exercício de um poder discricionário, não podia o Tribunal a quo decidir qual seria o conteúdo daquela decisão e muito menos dizer que a decisão seria sempre de indeferimento.
28. E por isso, estava vedada ao Tribunal a possibilidade de aplicar o princípio do aproveitamento do ato administrativo ao ato impugnado (de expulsão) uma vez que à data da prolação daquele ato existia uma questão prejudicial (processo de obtenção de autorização de residência) cuja decisão consubstancia o exercício de um poder discricionário da administração e por isso subtraído à apreciação do Tribunal.
29. Ainda que tal ato estivesse adstrito ao exercício de um poder vinculado (e que, como se demonstrou supra, não se está) o Triburiall a quo só podia lançar mão do princípio do aproveitamento do ato viciado se se pudesse concluir, através de um juízo de prognose póstuma, sem margem para dúvidas, que a decisão tomada era a única concretamente possível.
30. No caso em apreço e no que ao procedimento de obtenção da autorização de residência diz respeito, o que se verificou foi uma véloz produção, sem regra ou critério de uma decisão que indeferiu a pretensão da Autora.
31. O fato de a decisão de expulsão ter sido emanada em 4 de Outubro de 2010 e a decisão que indeferiu a manifestação de interesse com vista à obtenção da autorização de residência ter sido emanada em 15 de Outubro de 2010, ou seja, cerca de 10 dias depois, não só é estranho e duvidoso como também é sintomático e demonstrativo da coincidente simbiose entre as duas decisões.
32. Caso não existisse o procedimento de expulsão da Autora do território nacional, a decisão proferida no âmbito do procedimento de obtenção da autorização de residência teria sido diferente.
33. Se o processo de expulsão tivesse sido suspenso, como se impunha, e fosse permitido à Autora a sua intervenção ativa no procedimento de obtenção da autorização de residência, é óbvio que a decisão teria, ou pelo menos podia, ter sido outra.
34. Não se pode pois, dizer que a decisão final seria, necessariamente, a mesma quer o procedimento de expulsão tivesse sido suspenso ou não, pelo que o incumprimento do disposto no art.º 31 n.° 1 do CPA (antigo) tem, no caso em apreço, efeitos invalidantes da decisão final.
35. Não tem pois aplicação o princípio do aproveitamento dos atos administrativos, pois não se torna possível concluir que a anulação do ato não traria qualquer vantagem para a Recorrente, deixando-a na mesma posição, por aplicação do princípio da inoperância dos vícios ou "utile per inutile non vitiatur".
36. Deve improceder por isso o apelo, feito pela Sentença Recorrida, ao principio do aproveitamento do ato - segundo o qual não se deve anular um ato, ainda que enferme de um vício de violação de lei ou de forma, sempre que, estando em causa um comportamento vinculado, o ato que haja de proferir não possa ter outro conteúdo senão aquele que lhe foi dado.
37. Impunha-se ao Tribunal a quo, caso entendesse que aquela alegação da violação do princípio da igualdade se mostrava insuficiente para a sua correta apreciação, convidar a Autora a aperfeiçoar aquela sua pretensão, solicitando mais dados acerca da identificação daquelas cidadãs, das quais alegou ter tido um tratamento distinto.
38. O Tribunal a quo, limitou-se, salvo o devido respeito, a refugiar-se no princípio do dispositivo, sustentando que a pretensão da Autora naufragou por falta de demonstração de elementos fáticos que permitissem aquilatar da eventual violação do princípio da igualdade.
39. Decisão com a qual a Recorrente não se conforma, sobretudo por tais elementos fácticos (identificação pormenorizada da identificação das cidadãs e processos de legalização) se tratarem de dados aos quais um mero cidadão não tem acesso em virtude de estarem protegidos pelos programas de proteção de dados das respetivas entidades.
40. Pelo que a douta sentença recorrida é nula, por violação dos princípios do inquisitório e da verdade material,
41. Disposições violadas pela sentença recorrida: art.º 88 n.° 2 da Lei n.° 23/2007 de 4 de Julho, artigos 31°, 125° e 135° do CPA (antigo), artigos 7-A n.° 2, 71 n.° 2, 90 n.° 3 do CPTA, artigos 15° e 33° da Constituição da República Portuguesa, entre outros.

Sem contra-alegações.
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A Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de ser confirmada a decisão recorrida.
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Dispensando vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.
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Os factos, enunciados como provados na sentença recorrida:
1. A A., LLSS, é titular do passaporte de cidadã do Brasil com o número CX..... – cfr. doc. de fls. 87 do pa junto aos autos.
2. Em 27.8.2009 a A. celebrou com MMPN contrato de trabalho por tempo indeterminado, com inicio em 1.9.2009, tendo por objeto a prestação de serviço doméstico por 10 hora mensais pelo valor mensal de € 130,13. – cfr. doc. de fls. 21 do pa.
3. Em 18.7.2010 a A. foi detida, no âmbito de uma ação de fiscalização da Guarda Nacional Republicana, por permanência ilegal no estabelecimento V..., tendo sido constituída arguida e sujeita a Termo de Identidade e Residência. – cfr. doc. de fls. 3 e ss. do pa junto aos autos.
4. Em 19.7.2010 A. foi presente a Tribunal, no âmbito do processo n.º 1374/10.0TBFAF de detenção de cidadão estrangeiro em situação ilegal, tendo prestado as declarações que aqui se dão por reproduzidas, e validando-se a detenção efetuada foi-lhe aplicada a medida de coação de Termo de Identidade e Residência. – cfr. doc. de fls. 28 e ss. do pa.
5. Consta do extrato de remunerações da A. da Segurança Social,
[imagem omissa]
- cfr. doc. de fls. 64 do pa.
6. Consta de atestado de residência emitido em 8.10.2009 pela Junta de Freguesia de Fafe que a A. é residente na Rua …. – cfr. doc. de fls. 58 do p.a. apenso aos autos.
7. Em 27.7.2010 a A. celebrou com MRA contrato de trabalho por tempo indeterminado para o exercício de funções de auxiliar fabril, com inicio em 28.7.2010, e a remuneração mensal de € 475,00. – cfr. doc. de fls. 119 do pa.
8. Em 29.7.2010 a A. apresentou “Exposição Artigo 88/89 – 2” no site do SEF. – cfr. doc. de fls. 62 dos autos.
9. Em 26.8.2010 a A. prestou declarações perante o SEF, reduzidas a auto cujo teor aqui se dá por reproduzido. – cfr. doc. de fls. 45 e ss. do pa.
10. Em 28.9.2010 foi emitida informação de serviço relativa à “Exposição Artigo 88/89 – 2” da qual consta,
[imagem omissa]
- cfr. doc. de fls. 61 do pa.
11. Em 29.9.2010 sob a informação referida no ponto anterior foi proferido despacho de “Visto. Concordo. Proceda-se em conformidade com o ponto n.º 7 da presente informação”. – cfr. doc. de fls. 61 do pa.
12. Em 1.10.2010 foi emitido relatório no âmbito do processo de expulsão administrativa instaurado à A. com o numero PEA 35/10-120, do qual consta,
[imagem omissa]
- cfr. doc. de fls. 72 e ss. do pa.
13. Em 4.10.2010 o Diretor Nacional Adjunto do SEF proferiu a seguinte decisão no âmbito do PEA 35/10-120,
PEA 35/10 – 120
DECISÃO
Abonando-me na factualidade que se encontrou adquirida no relatório a fls. 72 a 77, que aqui se deixa reproduzido para todos os efeitos legais, considero que a cidadão brasileira LLSS, nascida a … de Novembro de 1969, se encontra em situação irregular no Território Nacional – cfr. Artigos 134, n.º 1, al. a) “ex vi do art. 181º ambos da LEI 23/2007, de 04 de Julho e, consequentemente, determino:
a) A expulsão da cidadã supra referida do Território Nacional;
b) A sua interdição de entrada em Território nacional por um período de cinco anos.
c) O custeio das despesas da medida imposta pelo Estado Português, caso se comprove que a cidadã expulsanda não possui meios económicos que lhe permitam custear as despesas de retorno.
Notifique e proceda às legais comunicações – cfr. Artigos 149º, n.º 2; 150º e 162º da LEI 23/07 de 04 de Julho, bem como o art.º 149º, n.º 3 do mesmo diploma, “ex vi” do n.º 3 do art. 96º da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen.

cfr. doc. de fls. 81 do pa junto aos autos.
14. Em 15.10.2010 o Diretor Nacional do SEF emitiu a “Informação Art.º 88.º, n.º 2 da Lei 23/2007, de 4/7” da qual consta,
[imagem omissa]
- cfr. doc. de fls. 86 do pa.
15. A A. foi notificada da Informação referida no ponto anterior em 15.10.2010. – cfr. doc. de fls. 86 do pa.
16. Na mesma data foi a A. notificada da Decisão de Expulsão nos seguintes termos,
[imagem omissa]
- cfr. doc. de fls. 90 do pa.
*
O mérito da apelação:
Vejamos do confronto do recurso para com o que na sentença se teve como “questões que ao Tribunal cumpre apreciar são as de saber se a decisão de expulsão da A. de território nacional, consubstanciada no despacho de 4.10.2010 do Diretor Nacional do SEF, padece de: a. Falta de fundamentação; b. Erro nos pressupostos; c. Da não suspensão do processo de expulsão até à decisão final no procedimento de legalização; d. Violação do princípio da igualdade”.
Mas, prioritariamente, merece já que se aborde o que a montante se coloca no recurso.
A matéria de facto
Reputa a recorrente que seria indispensável apurar circunstâncias de tempo, lugar e modo em que a A. entrou em território Português.
Isto, pelo que em contraponto pretende afirmação, a da entrada em território nacional de forma legal por estar isenta de visto, e em função de hipótese de autorização de residência (art° 88 n.° 2 da Lei n.° 23/2007, de 04 de Julho).
Ora, nada a sentença recorrida aponta de contrário, e antes até, tal como foi pressuposto não colocado em causa no acto impugnado, a entrada em território nacional a benefício de isenção de visto está suposta.
Como se assume na decisão recorrida, «isenta de visto mas apenas pelo período de 90 dias. Excedido esse período de 90 dias e pretendendo a A. exercer atividade profissional em Portugal deveria a mesma ter iniciado um procedimento tendente à obtenção de autorização de residência temporária para o exercício de atividade profissional. Não o tendo feito a permanência da A. em Portugal, após os 90 dias, passou a ser ilegal já que a mesma não possuía outro visto, designadamente de estada temporária ou de residência, ou autorização de residência que titulasse a sua permanência em Portugal por período superior. Ou seja, não possuindo a A. à data da decisão de expulsão, em Outubro de 2010, de visto de residência ou autorização de residência temporária naturalmente que a sua permanência em Portugal é ilegal.».
O ponto motivador e foco de atenção, é o da permanência ilegal, não a da entrada.
Concluindo, a decisão recorrida não preteriu conhecimento ao nível das circunstâncias.
O vício relativo à fundamentação do acto
A decisão recorrida viu que o acto impugnado se estribava no relatório que lhe antecedeu (relatório proferido no PEA 35/10-120), fundamentando por remissão, tendo por «manifesto que os fundamentos do ato não são obscuros nem insuficientes. Pelo contrário, a decisão é exaustiva quanto à descrição da factualidade determinante da expulsão e ao seu enquadramento jurídico legal. A fundamentação é clara compreendendo-se, sem qualquer duvida, porque motivo se decidiu naquele sentido. Não padece o ato de qualquer obscuridade pois que as afirmações feitas pelo autor da decisão deixam perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do ato são claros, colhendo-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do ato, não se utilizando expressões dúbias, vagas e genéricas. Por último, a fundamentação é também suficiente porque o seu conteúdo é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação é suficiente, pois não ficaram por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final. Termos em que improcede quanto a este vício a presente ação.».
Julgou bem.
O que a recorrente tem como incoerente retira-o do que entende de falha ao nível dos pressupostos de facto e do que foi equacionado a propósito de solicitada autorização de residência.
Ora, a falha assinalada, viu-se já, não existe, e mesmo que alguma houvesse seria distinta maleita do que a da fundamentação (formal); doutra banda, o que não respeita à fundamentação do acto impugnado, antes participa dos pressupostos para outro acto, não pode inquiná-lo nessa fundamentação.
O vício do erro nos pressupostos
O tribunal “a quo” - perante a invocação por banda da autora/recorrente de que reuniria as condições necessárias à obtenção de autorização de residência temporária, por ter contrato de trabalho, estar inscrita na segurança social, não lhe sendo imputável o incumprimento pelas entidades patronais das obrigações perante a segurança socialdeixou bem vincado que «Importa notar que nestes autos discute-se tão só a decisão de expulsão. Ou seja, se a A. pretendia discutir o seu direito à obtenção de autorização de residência teria que iniciar um procedimento perante o SEF tendente à obtenção de autorização de residência e no caso de vir a ser proferida decisão de indeferimento impugnar judicialmente esta decisão. Não o tendo feito não pode pretender que o Tribunal se imiscua na esfera de competência da Administração e, em primeira linha à mingua de um ato da própria Administração, aprecie o seu direito à obtenção de autorização de residência. Ademais, ainda que se considere que a A. iniciou esse procedimento tendente à obtenção de autorização de residência através da exposição para enquadramento no art. 88.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2007, de 24 de Julho, tendo a Administração emitido pronúncia em 15.10.2010 através da “Informação – Art. 88.º, n.º 2 da Lei 23/2007, de 4/7”, então cabia à A. discutir em sede judicial aquela decisão de não apreciação do requerimento/exposição apresentada pelo A. para enquadramento no regime do art. 88.º, n.º 2 da Lei 23/2007, o que de todo não fez. Donde não sendo objeto dos autos qualquer decisão negativa da Administração no âmbito de um procedimento tendente à legalização da permanência da A. em território nacional, não pode o Tribunal conhecer do direito da A. a essa legalização.».
Verdade que, em discurso que desenvolveu, não deixou de avançar que «De todo o modo, adiante-se que a A. nem sequer poderia obter autorização de residência para o exercício de atividade subordinada no sentido de legalizar a sua permanência em Portugal por não preencher os requisitos legais para o efeito.
Mas, neste passo, neste ponto e nesta discorrência, a pronúncia mais não assume que feição de um obiter dictum.
Nas palavras da própria recorrente, um exercício de “formulação de conjeturas e teorizar a probabilidade de à Autora vir a ser concedido uma autorização de residência”, se “reúne as condições para se legalizar ao abrigo do disposto do art.º 88 n.° 2 da Lei n.° 23/2007 de 4 de Julho”.
Claramente que vem em conforto, mas não é uma proposição necessária naquilo que ao tribunal importou notar, que “nestes autos discute-se tão só a decisão de expulsão”.
Ainda que tenha opinado, projectando quanto à viabilidade do pedido de autorização de residência, a sentença não tem o condão - e preveniu que assim era - de se imiscuir no que em primeira linha lhe não incumbia definir jurisdicionalmente.
É matéria não atingida pela força jurisdicional do dictum dado no litígio presente.
Vã discussão o acerto de tais termos, não tem a decisão do recurso de enredar-se em tal matéria alimentando que se confunda.
E no que, com propriedade, respeita ao acto objecto da impugnação, a afirmação de permanência ilegal, pós os 90 dias, em nada sofre abalo.
A suspensão do procedimento
O tribunal “a quo” entendeu que haveria suspensão por existência de uma questão “prejudicial”, conforme art.º 31º do CPA [1 - Se a decisão final depender da decisão de uma questão que seja da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais, deve o órgão competente para a decisão final suspender o procedimento administrativo até que o órgão ou o tribunal competente se pronunciem, salvo se da não resolução imediata do assunto resultarem graves prejuízos].
Considerou que “A decisão de expulsão depende da decisão final a ser proferida no âmbito do procedimento tendente à obtenção da autorização de residência com enquadramento no art. 88.º, n,º 2 da LE. E não resultando da não resolução imediata do procedimento de expulsão prejuízos graves, deveria este processo de expulsão administrativa ser suspenso até à resolução da questão prejudicial”.
Todavia, na decorrência do já tinha aventado de inviabilidade de autorização e residência, lembrou o tribunal que “ainda que dispensada do requisito a que se reporta a al. a) do n.º 1 do art. 77.º, o enquadramento na situação excecional a que se reporta o art. 88.º, n.º 2 da LE e o próprio art. 77.º, n.º 1 al. c) demandam sempre a sua permanência legal em Portugal. E a verdade é que a A. desde Janeiro de 2010, após o termo do prazo de 90 dias contado da sua entrada em território nacional, que não tem permanência legal em Portugal. Donde a decisão a emitir no âmbito de um procedimento tendente à obtenção de autorização de residência seria sempre de indeferimento, e como tal mantinha-se a situação de ilegalidade da permanência da A. em território nacional determinante da sua expulsão. Razão pela qual entende o Tribunal negar a relevância anulatória que resulta da emissão da decisão de expulsão prévia ao termo do procedimento tendente à legalização e sem que o procedimento de expulsão fosse suspenso até à decisão da questão prejudicial, improcedendo também quanto a este fundamento a presente ação.
Por princípio do aproveitamento, não anulou.
A recorrente censura a inoperância do vício, em suma por a autorização de residência comportar discricionariedade.
Só que o tribunal “a quo” nisso não interferiu.
Na verdade, limitou-se ao que a respeito tão só é de estrita vinculação legal, correctamente, afirmando dependência de requisito de permanência legal.
De todo o modo, antes até o que merece afirmação é esse outro procedimento, de autorização, “de per si não ter qualquer efeito suspensivo na instauração, procedimento e prolação de decisão do processo de expulsão administrativa.” (Ac. do TCAS, de 27-05-2010, proc. nº 06257/10).
Possa eventualmente resultar acto que dissonante se oponha à execução do acto que decide o procedimento de expulsão, é nesse confronto de equação que tudo se joga, não a respeito da validade do acto decisório de expulsão, cuja verificação de requisitos “tempus regit”.
A igualdade
O tribunal “a quo” considerou que “a A. limitou-se a alegar que sofreu um tratamento distinto de outras cidadãs estrangeiras a quem teria sido concedida autorização de residência, mas em momento algum demonstrou que a sua situação era idêntica à daquelas, designadamente por as mesmas também se encontrarem em situação de permanência ilegal e, mesmo assim, terem obtido titulo que lhes permitisse a sua permanência em território nacional. É que pressuposto da violação do principio da igualdade é a existência de situações idênticas que reclamem o mesmo tratamento, pelo que desconhecendo o tribunal as concretas circunstâncias daquelas cidadãs, naturalmente que não pode ajuizar o tratamento desigual.
Mais tomou em atenção que “De resto, adianta-se novamente que o que está em causa não é o ato de indeferimento de autorização de residência, mas sim a decisão de expulsão, pelo que só por ai não poderia o tribunal aferir diferenças de tratamento quando o ato em que a A. faz assentar a desigualdade não é o mesmo que se encontra em apreciação nestes autos.”.
Contra esta razão por último enunciada nada opõe a recorrente.
Por si só sustento bastante ao sentido como a questão obteve resposta.
Pelo que sempre haverá de mantê-la.
Concluindo
A sentença em nada infringiu o que se lhe aponta.
*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pela recorrente.

Porto, 10 de Fevereiro de 2017.
Ass.: Luís Migueis Garcia
Ass.: Alexandra Alendouro
Ass.: João Beato Sousa