Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00873/20.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/14/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:FUNDO DE GARANTIA SALARIAL;
DECLARAÇÃO DO ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA;
RECONHECIMENTO DE CRÉDITOS; CREDOR ÚNICO;
SENTENÇA A RECONHECER OS CRÉDITOS;
ARTIGO 129º DO CÓDIGO DE INSOLVÊNCIA E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS.
Sumário:1. Não tendo sido elaborada a lista a que alude o artigo 129º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, porque a insolvência foi requerida apenas pela autora e foi decretada apenas com fundamento na incapacidade de a empresa solver a dívida que tinha para com esta, deve interpretar-se o n.º2 do artigo 5º do Regime Jurídico do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, no sentido de que na situação concreta não era exigível a declaração emitida pelo administrador da insolvência, a reconhecer os créditos reclamados pela autora, bastando o teor da sentença que decretou a insolvência, transitada em julgado, porque esta juntamente com o requerimento da Autora de reclamação de créditos, dirigido ao administrador da insolvência, comprovam o que se impunha comprovar: o reconhecimento dos créditos da Autora na acção de insolvência.
2. Isto no pressuposto de que o legislador não quis com certeza consagrar uma solução injusta, de fazer uma exigência formal impossível e cumprir, preterindo assim o eventual direito a receber pelo Fundo de Garantia Salarial créditos que eram devidos pela entidade patronal insolvente.
3. Conclusão que não implica, por si só e automaticamente, a procedência total do pedido.
4. Isto porque não tendo sido o procedimento administrativo instruído com todos os elementos necessários a verificar se a Autora tem ou não – e em que medida – o direito que aqui pretende ver reconhecido e declarado, não pode o Tribunal substituir-se à Administração nessa tarefa, sob violação do princípio da separação de poderes.
5. Apenas pode o Tribunal impor à Administração o dever de, não existido o fundamento apontado para indeferir o pedido da Autora, instruir e apreciar o pedido quanto ao seu mérito substantivo, ou seja, para determinar se estão ou não verificados os pressupostos para o deferimento do pedido de pagamento de créditos da Autora, em particular se o pedido se contém- ou não- dentro do período de referência ou dentro dos limites legalmente impostos.
Recorrente:AA
Recorrido 1:Fundo de Garantia Salarial
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:PARCIAL PROVIMENTO
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Foi emitido parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
AA veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 02.03.2022, pela qual foi julgada totalmente improcedente a acção que moveu contra o Fundo de Garantia Salarial para anulação do acto de 13.12.2019, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial que indeferiu o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho que entende serem-lhe devidos para a condenação à prática do acto de deferimento da totalidade do pedido.
Invocou para tanto, em síntese que: a decisão recorrida errou no julgamento da matéria de facto, não fixando factos relevantes que estão documentados; é nula por ter omitido a pronúncia devida sobre questão suscitada, a falta de fundamentação do acto impugnado, Por outro lado, a sentença recorrida violou as normas previstas nos artigos 39.º do CIRE e 317.º, 318.º, n.º 1, 320.º, n.º 1, 323.º n.ºs 1 e 2 e 324.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, na interpretação imposta pela Directiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Outubro de 2008, e pelo primado do direito europeu consagrado no n.º4 do art.º 8.º da Constituição da República Portuguesa, no art.º 19.º do Tratado da União Europeia e no art.º 267.º do Tratado de funcionamento da União Europeia.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Parecer a que respondeu a Recorrente, mantendo no essencial o que defendeu nas suas alegações.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
I. A Recorrente não se pode conformar com a decisão proferida quer porque existiu erros quanto à matéria de facto dada como provada, quer porque a decisão fora tomada em violação de lei.
II. A sentença recorrida não fez uma correcta aplicação e interpretação do Direito, violando assim o disposto 317.º, 318.º, n.º1, 319.º e 320.º, todos da Lei n.º35/2004, de 29.7 e, 387.º do Código do Trabalho, bem como, o disposto no artigo 39.º e 191.º do CIRE, na sua atual redação e, é nula por omissão de pronúncia quanto a uma das questões suscitadas.
III. Na ação interposta solicitou a Recorrente primeiramente que o acto administrativo impugnado fosse anulado por falta de fundamentação e violação da lei.
IV. Quanto à primeira questão o Tribunal a quo não se pronunciou, limitando a apreciar “a discórdia principal entre as partes.”
V. A alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º dispõe que é nula a sentença quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões que não podia tomar conhecimento», ao olhar para o teor da sentença recorrida e, desde de logo pela limitação efectuada quanto à questão a decidir é peremptório que a falta de fundamentação do acto é a preterição do direito de audição não foi objeto de análise e inexiste pronúncia quanto a esta.
VI. Uma vez julgada procedente a falta de fundamentação, ficaria de imediato prejudicada a segunda questão pelo que, não era irrelevante a pronúncia quanto a este facto.
VII. A escusa em conhecer do vício de falta de fundamentação do acto impugnado inquina toda a decisão posterior.
VIII. Como se sabe, a nulidade por omissão de pronúncia está directamente relacionada com o comando fixado nº 2 do artigo 608º do Código de Processo Civil – segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras» – servindo de cominação ao desrespeito desse preceito legal, razão por que na sentença devem ser conhecidas todas as questões que as partes tenham submetido à apreciação do tribunal, com exceção daquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.
IX. A Recorrente não entende como nem que documentos estavam em falta.
X. Nesta conformidade, a douta sentença recorrida merece a censura que lhe é dirigida, devendo ser nula por omissão de pronúncia.
XI. Acresce que, dos factos provados não consta todos os elementos que deveriam constar e que são decisivos para a decisão.
XII. Dos documentos juntos aos autos verifica-se desde de logo que dos factos provados deveria ainda constar como assentes os seguintes:
XIII. Que a sentença referida em C) a declaração de insolvência fora determinada com carácter limitado (cfr. Declaração de sentença junta com a petição inicial; certidão e e-mail enviado pelo administrador de insolvência ao processo administrativo (documento 15) em 18.11.2019.
XIV. Que por via da sentença ser de carácter limitado não fora elaborada lista de créditos reconhecidos (cfr- email do administrativo constante do processo administrativo doc.15).
XV. Trata-se de factualidade que resulta directamente dos documentos não impugnados – um deles certidão judicial (documento autêntico) – teriam obviamente que constar dos factos provados pelo que, terão que ser assim de imediato aditados ao já constantes na sentença recorrida.
XVI. É que fora pela falta de tais factos provados que a sentença violou os normativos legais e levou a que fosse proferida uma decisão contrária à lei.
XVII. Não é indiferente a declaração de insolvência ter sido decretada com carácter limitado ou pleno pois que, nos termos do disposto no art.º 39.º e 191.º do CIRE faz com que, não haja a elaboração da lista de créditos reconhecidos e respectiva sentença de graduação de créditos pelo que, o administrador de insolvência Não se haja obrigado e não emite qualquer declaração.
XVIII. Isto é, por força desta circunstância não existe a emissão do documento que o tribunal refere que tinha que ter sido junto!
XIX. O próprio administrador responde à segurança social e dá-lhe esse conhecimento.
XX. Por conseguinte, no caso dos autos tendo em conta a especificidade da situação de insolvência de carácter limitado não podia ser exigida a junção de uma declaração impossível de obter.
XXI. Aliás, tanto é assim que a Segurança Social no seu panfleto informativo refere que haverá que juntar só cópia da sentença.
XXII. Desta forma, por serem essenciais deverão ser aditados tais factos aos factos provados sendo que, os mesmos como se disse resultam dos documentos, documentos não impugnados.
XXIII. No que respeita a questão de direito a sentença recorrida refere que a Recorrente não juntou “certidão ou cópia autenticada comprovativa dos créditos reclamados por si naquele processo e emitida pelo administrador da insolvência (art.º5.º, n.º1, al. a) do DL 59/2015, de 21 e Abril).
XXIV. Sucede que, o que está a ser exigido não é possível pelo simples facto de estarmos diante de uma declaração de insolvência de carácter limitado.
XXV. O próprio administrador veio disso dar nota ao fundo de garantia alertando que não havia sido proferida lista nos termos do 129.º do CIRE devido a tal carácter limitado.
XXVI. A sentença recorrida faz assim uma confusão relativamente aos documentos exigíveis em cada tipo de situação e em face do tipo de insolvência.
XXVII. A Recorrente era parte no processo e por isso, o seu crédito não precisava de ser reconhecido nem pela Autoridade para as Condições de Trabalho (só ocorre nos casos em que o trabalhador não é parte) nem pelo empregador (só ocorre nos casos em que o trabalhador não é parte).
XXVIII. Sendo que, assim efectivamente o único documento que poderia ser exigido era a certificação pelo administrador, mas este não a emitiu não por a trabalhadora não o ter reclamado (reclamou conforme consta dos factos provados e) e g)) mas porque nas insolvências de carácter limitado o administrador apesar da reclamação de créditos como não está obrigado a emitir lista de créditos reconhecidos não emite tais declarações.
XXIX. Por conseguinte, o único documento passível de ser junto era o que fora, ou seja, a certidão de insolvência onde constava o crédito da trabalhadora e atesta a insolvência.
XXX. Mais nenhuma entidade lhe emitiria o que quer que fosse por não ser devido nem exigido.
XXXI. É evidente que o legislador não quis excluir as insolvências de carácter limitado pois a querer teria dito expressamente. Do artigo 1.º consta expressamente que assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação desde que seja proferida sentença de declaração de insolvência do empregador.
XXXII. Por outro lado, não impôs a junção de um documento cuja a obtenção é impossível nestas situações, impossibilidade imposta por lei (cfr. Art.ºs 39.º e 191..º do CIRE).
XXXIII. Uma outra solução é uma gritante e desaforada desigualdade de tratamento entre a Recorrente cuja a entidade patronal ficou insolvente com carácter limitado por causas estranhas à trabalhadora e, uma trabalhadora que a empresa ficou insolvente nos termos normais.
XXXIV. O que leva a que a sentença recorrida proferida nos termos em que a foi leva a uma violação do princípio jusfundamental da igualdade [artigo 13º da Constituição da República (CRP)] e do direito fundamental do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (art.20º da CRP).
XXXV. «Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei» (art.20º/1 CRP).
XXXVI. No ensinamento de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA,«O princípio da igualdade tem a ver fundamentalmente com igual posição em matéria de direitos e deveres (…). Essencialmente, ele consiste em duas coisas: proibição de privilégios ou benefícios no gozo de qualquer direito ou na isenção de qualquer dever; proibição de prejuízo ou detrimento na privação de qualquer direito ou na imposição de qualquer dever (nº2). No fundo, o princípio da igualdade traduz-se na regra da generalidade na atribuição de direitos e na imposição de deveres. Em princípio, os direitos e vantagens devem beneficiar a todos; e os deveres e encargos devem impender sobre todos.
XXXVII. Tomado em conta o ensinamento que se deixa expresso e retomando as linhas de força da argumentação que se deixa expendida, conjugadamente, a conclusão não pode ser outra que em virtude de que a interpretação efectuada na sentença recorrida leva um tratamento ostensivamente desigual, culminando numa decisão discriminatória em relação a outros trabalhadores.
XXXVIII. Pelo que, terá a Ré que ser condenada a pagar à Recorrente o montante reclamado ainda que com o limite legalmente estabelecido quanto ao seu plafond legal por o requerimento ter sido instruídos com os documentos admitidos e suficientes, sob pena de existir uma manifesta violação do princípio da igualdade.
XXXIX. O reconhecimento dos créditos não é imprescindível para ser diferido pelo Fundo de garantia mas nestes casos a única forma é através da certidão do tribunal sob pena de afastarmos um trabalhador deste direito por força de uma norma que impede o administrador de reconhecer o credito.
XL. Sendo que, os acórdãos invocados na sentença de que se recorre não respeitavam a situações como a dos autos mas relacionadas com o prazo de garantia e com a invocação ou não da necessidade de sentença, o que em nada tem haver com a questão que aqui nos confrontamos.
XLI. O problema reside no tipo de insolvência e por conseguinte, no facto de do seu carácter limitado estarem excluídos determinados procedimentos habituais.
XLII. Ora, como se disse a excluir-se os trabalhadores do direito de reclamaram créditos ao fundo de garantia por força do carácter limitado da insolvência é retirar-lhes um direito que o legislador não excluiu sob pena de como se disse existir a violação dos mais elementares direitos constitucionais.
XLIII. A norma invoca terá que ser interpretada de acordo com o ordenamento jurídico vigente dos processos de insolvência e por isso, ser compatível com os mesmos. Dai que só a interpretação de que a certidão da insolvência é suficiente uma vez que é parte no processo seja aquela que melhor adeque os dois diplomas e trate de igual forma os trabalhadores.
XLIV. Acresce que, a legislação nacional e os nossos tribunais na aplicação da matéria ora em discussão não podem olvidar que a mesma advém do cumprimento da directiva comunitária Directiva 80/987/CEE do Conselho, de 20 de Outubro de 1980, relativa à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, alterada pela Directiva 2002/74/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e, como tal a sua aplicação terá que obedecer às regras aí estabelecidas.
XLV. A Directiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Outubro de 2008, relativa à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador (JO L 283, p. 36), codificou e revogou a Directiva 80/987, conforme alterada.
XLVI. A nossa legislação prevê nos termos do seu artigo 317.º da Lei 35/2004, de 29.7, o FGS «assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação nos termos dos artigos seguintes». E, determina o seu artigo 318.º que assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente não distinguido os tipos de insolvência e os créditos cujo o vencimento ocorra nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior.
XLVII. Dado que, a legislação nacional terá obviamente que prever situações como a dos presentes autos sob pena de estar a proteger apenas e tão só uns trabalhadores em detrimento outros e, inviabilizando assim qualquer protecção aqueles que por razões legais e não lhe imputáveis vissem as empresas declaradas com insolvência limitada.
XLVIII. A interpretação restritiva não pode ter por efeito esvaziar de conteúdo a faculdade expressamente reservada aos Estados-Membros de limitarem a referida obrigação de pagamento.
XLIX. Por conseguinte, sempre se terá antes de mais de assegurar a conformidade da sua aplicação dos artigos 317.º a 319.º da Lei 35/2004, de 29.37 e art.º 5.º do DL59/2015, 21 de abril com a legislação europeia pelo que, deverá ser efetuado o reenvio prejudicial desta questão por força do primado do direito europeu estatuído no n.º4 do art.º 8.º da CRP, 19.º do tratado da EU e 267.º do Tratado de funcionamento da EU.
L. Recorde-se que a Autora reclamou o crédito junto do administrador mas este não emitiu a declaração; reclamou junto da Autoridade para as Condições de Trabalho mas como era parte do processo não emitiu a declaração e, o empregador não sabe o paradeiro pelo que, de igual forma não emitiu.
LI. Além de a lei também não referir que a falta de reconhecimento dos créditos pelo Administrador de Insolvência impede o seu pagamento pelo Fundo de Garantia Salarial ou faz presumir a sua inexistência também a falta de emissão da dita declaração não poderá ditar o não pagamento nestes casos.
LII. Terá o legislador querido excluir os trabalhadores nas insolvências de carácter limitado? A resposta tem que ser negativa e, por isso, terá que ser as disposições legais interpretadas em conformidade e, por conseguinte, a decisão revogada em conformidade.
LIII. É que a norma que constituiu fundamento do acto administrativo em crise (artigo 324.º da Lei n.º 35/2004, de 29/07) dispõe expressamente que o requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho junto do Fundo de Garantia Salarial é instruído, consoante as situações, com determinados meios de prova.
LIV. E a expressão “consoante as situações” pressupõe, como bem se compreende, que, em causa, poderão estar situações diferentes, para as quais serão exigidos meios probatórios distintos.
LV. A selecção do documento idóneo para instruir o requerimento apresentado pela Recorrente teria que ter em atenção efetivamente que estávamos diante de uma sentença de insolvência de carácter limitado e, por conseguinte, com as suas especificidades nomeadamente, que o administrador não reconhece nem emite as declarações referidas.
LVI. Ora, por força do disposto no art.º 39.º do CIRE não há lugar à elaboração de lista prevista no 129.º do mesmo diploma e consequentemente não reconhece o administrador os créditos que, entretanto, lhe foram reclamados.
LVII. Pelo que, a Recorrente instruiu o requerimento com todos os documentos possíveis admissíveis: sentença de insolvência e certidão; cópia da reclamação de créditos efectuada ao administrador e respectivos documentos.
LVIII. Reclamação de créditos essa que a Recorrida não coloca em causa.
LIX. Pelo que, a Recorrente comprovou que a empresa estava insolvente e que reclamou o credito.
LX. Sendo que, não podia juntar nem certidão emitida pela Autoridade para as Condições de Trabalho por ser parte no processo nem pelo empregador.
LXI. Pelo que, se o tribunal recorrido tivesse atentado a essa questão – insolvência de carácter limitado – em vez de a ignorar teria decidido de outra forma pois que nada era passível de ser exigido à Recorrente que não o que juntou.
LXII. Concluindo, ao decidir como decidiu o tribunal recorrido não sopesou, em desfavor da Recorrente, elementos constantes do processo e que impunham decisão diversa quanto à matéria de facto dada como provada.
LXIII. Por outro lado, a sentença recorrida violou as normas previstas nos artigos 39.º do CIRE e 317.º, 318.º, n.º 1, 320.º, n.º 1, 323.º n.ºs 1 e 2 e 324.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho.
LXIV. Nestes termos, e com o douto suprimento, deve o presente recurso ser julgado procedente e a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que acolha a materialidade fluente das presentes alegações e conceda provimento à pretensão da Recorrente.
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II –Matéria de facto.
1. O erro no julgamento da matéria de facto.
Defende a Recorrente que se deveriam ter dado como provados, por terem sido alegados, serem relevantes e estarem documentados, e não constam de decisão recorrida, os seguintes factos:
1. A sentença proferida na declaração de insolvência foi determinada com carácter limitado.
2. Por via desta sentença ser de carácter limitado não foi elaborada lista de créditos reconhecidos.
No essencial a Recorrente tem razão, embora acabe por referir os factos que importa aditar de uma forma conclusiva, o de que a declaração foi determinada com carácter limitado.
Essa conclusão tira-se a partir de factos que efectivamente estão provados, por documentos cuja genuinidade e autenticidade não foram postas em crise, e mostram-se relevantes para a decisão do pleito.
Razão pela qual serão, tal como defendido pela Recorrente, aditados à matéria dada como provada pelo Tribunal recorrido, sem preparos nesta parte.
2. Deveremos assim dar como provados os seguintes factos:
Da decisão recorrida:
A) Em 05 de Janeiro de 2017, a Autora foi admitida como trabalhadora da sociedade A..., Lda, contrato, esse, que cessou por resolução com justa causa por iniciativa da Autora.
B) Em 6 de Dezembro de 2018, a Autora instaurou processo de insolvência da sociedade A..., Lda, que correu termos sob o nº 7884/18...., no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Comércio ..., Juiz ....
C) Por sentença de 14 de Março de 2019, foi decretada a insolvência da
empresa acima referida nos autos acabados de mencionar.
D) Esta sentença transitou em julgado.
E) No processo acima referido a Autora reclamou créditos laborais no montante de 8.663,46 euros.
F) Em 8 de Maio de 2019, a Autora deu entrada, no Centro Distrital da Segurança Social, do Modelo GS 1/2015 (requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho), dirigido ao Fundo de Garantia Salarial, para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho celebrado com a empresa A..., Lda, o qual se dá aqui por inteiramente reproduzido.
G) A Autora juntou a este requerimento referido a sentença de declaração de insolvência da sociedade A..., Lda proferida no processo acima referido; o requerimento da Autora de reclamação de créditos, dirigido ao Administrador da insolvência, no mesmo processo; dois recibos de vencimento auferido pela Autora e carta enviada pela Autora à sociedade A..., Lda rescindindo o contrato por justa causa.
H) Por ofício, datado de 03.01.2020, a Autora foi informada do despacho, proferido pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, em 13 de Dezembro de 2019, com o seguinte teor:
“fica notificado de que o requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho apresentado por Vª Ex.ª foi indeferido. (…)
Os fundamentos para o indeferimento é(são) o(s) seguinte(s):
(…)
-O requerimento não se encontra instruído com os documentos previstos no nº 2 do artigo 5º do Dec-Lei 59/2015, de 21 de abril (…)”.
Em aditamento:
I) A declaração de insolvência da empresa sociedade A..., Lda, foi requerida apenas pela Autora - certidão da sentença junta com a petição inicial.

J) No processo de insolvência apenas foram reclamados os créditos da Autora, pelo que não foi elaborada pelo administrador da insolvência a lista a que alude o artigo 129º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, tendo a insolvência sido decretada, na referida sentença, apenas com fundamento na incapacidade de a empresa solver esta dívida - certidão da sentença junta com a petição inicial; certidão e “e-mail” enviado pelo administrador de insolvência ao processo administrativo (documento15) em 18.11.2019.
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III - Enquadramento jurídico.
1. A nulidade da sentença; o vício da falta de fundamentação do acto.
A Autora pediu, em separado, 1º - a anulação do acto de 13.12.2019, do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial que indeferiu o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho que entende serem-lhe devidos; 2º - a condenação à prática do acto de deferimento da totalidade do pedido.
O Tribunal recorrido definiu o tema a decidir nos seguintes termos:
“Compulsados os presentes autos, constata-se que a discórdia principal entre as partes centra-se no facto de terem entendimentos divergentes quanto aos documentos a juntar pelos requerentes ao requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho a que alude o art. 5º do DL nº 59/2015 de 21.04 (NRFGS).”.
E definiu bem, não se verificando a nulidade da sentença que a Autora alega.
Resulta do disposto no n.º 3 do artigo 66º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que tendo sido praticado acto de conteúdo positivo (como aqui sucedeu), o pedido de condenação à prática do acto devido não é formulado cumulativamente com o pedido de declaração de invalidade do acto praticado, mas sim em alternativa.
Dispõe este preceito:
“A possibilidade prevista no artigo seguinte da dedução de pedidos de condenação à prática de acto devido contra actos de conteúdo positivo não prejudica a faculdade do interessado de optar por proceder, em alternativa, à impugnação dos actos em causa”.
Subjacente a esta solução está a ideia, assumida pelo legislador, de que a apreciação do pedido de condenação à prática do acto devido tem necessariamente subjacente a apreciação da validade do acto impugnado, em sentido diverso ou oposto ao acto pretendido n.º 2 do mesmo artigo 66º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos
Só se justifica, portanto, apreciar o pedido de declaração de invalidade do acto praticado quando este pedido é feito em alternativa ao pedido de condenação à prática do acto devido que, neste caso, não sucedeu.
Sendo os pedidos deduzidos cumulativamente, ao contrário do previsto na lei, o que sucede é que apenas deverá haver pronúncia sobre o pedido de condenação à prática do acto devido.
Como foi feito, declarando a decisão recorrida que a pretensão da Autora não procede, porque, o entendimento válido quanto aos documentos a juntar ao requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho a que alude o artigo 5º do Decreto-Lei nº 59/2015 de 21.04, é o entendimento do Requerido, manifestado no acto impugnado, e não o entendimento da Autora, manifestado na petição inicial.
Não procede, pois, a arguição de nulidade da sentença recorrida que se mostra clara, coerente e suficiente na sua fundamentação, apreciando o que lhe competia apreciar, e apenas o que lhe competia apreciar, em coerência com o entendimento que sufragou.
2. O mérito do pedido.
Aqui a Autora tem razão no que diz respeito à ilegalidade do indeferimento.
Determina o artigo 5.º do Regime Jurídico do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, sob a epígrafe “Requerimento
“(…)
2 - O requerimento é instruído, consoante as situações, com os seguintes documentos:
a) Declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador, emitida pelo administrador de insolvência ou pelo administrador judicial provisório;
b) Declaração comprovativa da natureza e do montante dos créditos em dívida declarados no requerimento pelo trabalhador, quando o mesmo não seja parte constituída, emitida pelo empregador;
c) Declaração de igual teor, emitida pelo serviço com competência inspectiva do ministério responsável pela área do emprego, quando não seja possível obtenção dos documentos previstos nas alíneas anteriores.
3 - O requerimento é certificado pelo administrador da insolvência, pelo administrador judicial provisório, pelo empregador ou pelo serviço com competência inspectiva do ministério responsável pela área do emprego, consoante o caso, sendo a certificação feita:
a) Através de aposição de assinatura eletrónica; ou
b) Através de assinatura manuscrita no verso do documento.
4 - O requerimento é apresentado em qualquer serviço da segurança social ou em www.seg -social.pt, através de modelo aprovado por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas do emprego e da segurança social”.

No caso dos autos, pelo contexto do acto impugnado e pelos esclarecimentos prestados pelo demandado, o Fundo de Garantia Salarial, o pedido da Autora foi liminarmente indeferido por razões formais, não ter apresentado declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador, emitida pelo administrador de insolvência, porque a situação concreta é a de declaração judicial de insolvência.
Sucede que esta solução, rígida e estritamente literal, importa, como salienta a Recorrente, uma solução injusta e irrazoável, de indeferir o pedido com a formulação de uma exigência que é impossível satisfazer.
Neste caso com a exigência de apresentação de um documento que não poderia, em caso algum, ser apresentado, uma declaração ou cópia autenticada de documento comprovativo dos créditos reclamados pelo trabalhador, emitida pelo administrador de insolvência ou pelo administrador judicial provisório.
Isto pela simples razão de que o administrador não elaborou a lista a que alude o artigo 129º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, porque a insolvência foi requerida apenas pela Autora e foi decretada apenas com fundamento na incapacidade de a empresa solver a dívida que tinha para com a Autora (factos agora aditados).
Não havia lista de créditos a elaborar, com créditos reconhecidos ou não reconhecidos porque apenas havia os créditos reclamados pela Autora.
E que foram indistintamente reconhecidos na sentença que decretou a insolvência da referida empresa, pois esta foi decretada única e exclusivamente com base nos créditos reclamados pela Autora.
Ora não se pode retirar da lei uma solução que seja claramente injusta e irrazoável, por fazer uma exigência impossível de cumprir – n.º3 do artigo 9º do Código Civil.
Daí que se deva interpretar o citado n.º2 do artigo 5º do Regime Jurídico do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, como defende a Autora, ou seja, que na situação concreta não era exigível a declaração emitida pelo administrador da insolvência, a reconhecer os créditos reclamados pela Autora, bastando o teor da sentença que decretou a insolvência, transitada em julgado, porque esta juntamente com o requerimento da Autora de reclamação de créditos, dirigido ao administrador da insolvência, comprovam o que se impunha comprovar: o reconhecimento dos créditos da Autora na acção de insolvência.
Conclusão que não implica, por si só e automaticamente, a procedência total do pedido.
Isto porque não tendo sido o procedimento administrativo instruído com todos os elementos necessários a verificar se a Autora tem ou não – e em que medida – o direito que aqui pretende ver reconhecido e declarado, não pode o Tribunal substituir-se à Administração nessa tarefa, sob violação do princípio da separação de poderes.
Apenas pode o Tribunal impor à Administração o dever de, não existido o fundamento apontado para indeferir o pedido da Autora, instruir e apreciar o pedido quanto ao seu mérito substantivo, ou seja, para determinar se estão ou não verificados os pressupostos para o deferimento do pedido de pagamento de créditos da Autora.
Em particular se o pedido se contém- ou não- dentro do período de referência ou dentro dos limites legalmente impostos.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:
1. Revogam a decisão recorrida.
2. Julgam a acção parcialmente procedente e:
2.1. Condenam o Requerido a apreciar o pedido da Autora à luz dos requisitos substanciais estabelecidos na lei.
2.2. Absolvem do mais que é pedido.
Metade das custas neste recurso pela Recorrente, pois não foram apresentadas contra-alegações
Custas em partes iguais por Autora em Réu na Primeira Instância.
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Porto, 14.10.2022
Rogério Martins
Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre