Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01182/16.5BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/13/2021
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Manuel Escudeiro dos Santos
Descritores:CUSTAS; ISENÇÃO; PLANO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO.
Sumário:I- O processo especial de revitalização constitui um processo de recuperação de empresa para os efeitos do artigo 4.º, n.º 1, alínea u), do Regulamento das Custas Processuais.

II- A isenção subjetiva de custas prevista no citado normativo apenas é aplicável enquanto estiver pendente o processo especial de revitalização, cessando logo que o processo finde, haja ou não aprovação e homologação do plano apresentado no seu âmbito.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:C., SA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

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1. RELATÓRIO

C., S.A., veio interpor recurso do despacho que indeferiu liminarmente a petição inicial de impugnação judicial proposta contra a certidão, emitida pelo Serviço de Finanças de Amarante, contendo a identificação das dívidas fiscais em cobrança coerciva nos processos de execução fiscal n.ºs 1759201301053167; 1759201301053426; 1759201301053779; 1759201301054147; 1759201301054490; 1759201301055283; 1759201301061470; 1759201301066293; 1759201301078658; 1759201301082159; 1759201401022350; 1759201401022962; 1759201401026917; 1759201401067273; 1759201401069586; 1759201401090089; 1759201401108239; 1759201401109618; 1759201401191470; 1759201401205331; 1759201401205340; 1759201401205358; 1759201401205366; 1759201481025840; 1759201481041217; 1759201501000039; 1759201501004360; 1759201501088971; 1759201501094076; 1759201501097512; 1759201501126580; 1759201501135848; 1759201501142380; 1759201501154664; 1759201501158970; 1759201501163531; 1759201501166840; 1759201501171321; 1759201501176269; 1759201601005294; 1759201601015389; 1759201601040987; 1759201601056492; 1759201601068024; 1759201601072951; 1759201601080075; 1759201601091395, no montante de € 441.415,75, na parte em que condenou a Recorrente no pagamento das custas processuais.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:

1. Foi a aqui Recorrente notificada do despacho de admissão do recurso referente ao requerimento de interposição que apresentou, e, bem assim, do indeferimento do pedido de isenção de custas requerido, porquanto entendeu o douto tribunal que o art. 4.º, n.º1, u) do RCP não é aplicável às pessoas coletivas em PER.
2. Não concordando a Recorrente com o entendimento supra do tribunal a quo, apresenta o presente recurso que versa exclusivamente sobre matéria de direito – vide arts. 280.º, n.º 1, in fine do CPPT e 26.º, b) do ETAF – nomeadamente, sobre a interpretação do art. 4.º, n.º 1, u) RCP e a sua aplicabilidade ao Processo Especial de Revitalização.
3. Proferiu o tribunal a quo sentença através da qual indeferiu liminarmente a petição inicial apresentada pela Impugnante, ora Recorrente, pelo que apresentou esta requerimento de interposição de recurso, requerendo, para tanto, isenção do pagamento de custas, ex vi do artigo 4.º, n.º1, alínea u) do RCP, pois que se encontravam – e encontram - verificados todos os pressupostos à sua aplicação.
4. Foi a Recorrente notificada de despacho do tribunal a quo através do qual indeferiu a requerida isenção, porquanto entende que o normativo legal trazido à colação apenas é aplicável ao processo de insolvência, não abrangendo assim as pessoas coletivas sujeitas ao PER.
5. Vejamos que, é através do recurso ao PER que o devedor negoceia com os seus credores com vista à obtenção de acordo tendente à sua revitalização e recuperação, sendo certo que tal objetivo é alcançado com a elaboração de planos de pagamento e o seu consequente pagamento, sendo certo que as custas processuais constituem uma despesa não prevista nos cofres da sociedade em recuperação.
6. Da leitura do normativo legal previsto no art. 17.º - A, n.º 1 do CIRE resulta claro que – contrariamente ao entendimento do douto tribunal – o PER traduz-se num plano de recuperação, pelo que o art. 4.º, 1, u) do RPC se enquadra na situação vivida pela Recorrente (atento o PER em curso da Recorrente: proc. 8398/16.2T8VNG – 2.º Sec. Comércio J2 – Inst. Central V.N.G.)
7. Verificam-se os pressupostos que determinaram a apresentação ao PER pela Recorrente, mantendo-se, desse modo, a sua situação económica difícil.
8. A isenção de custas foi já determinada e reconhecida em outros processos judiciais, sendo certo que a nossa melhor jurisprudência pronuncia-se, igualmente, nesse sentido (vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 23-03-2015, disponível em www.dgsi.pt e Acórdão, de 01-07-2016, disponível em www.dgsi.pt).
9. Resulta pois que a previsão constante no art. 4.º, n.º 1, al. u) do RPC abrange o PER e que a situação da Recorrente se subsume ao citado normativo legal, motivo pelo qual deve a decisão do douto tribunal ser revogada e substituída por outra que reconheça o direito da Recorrente em agir judicialmente isenta de custas.
10. O despacho proferido e do qual ora se recorre para além de violar o art. 4.º, n.º1, al. u) do RCP, viola ainda o artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, o qual consagra o acesso ao direito, sendo certo que, atenta as consequências do não deferimento da requerida isenção, não garante o Tribunal (impedindo mesmo!) o acesso à justiça por parte da Recorrente.
11. Somos pois a concluir que mal andou o douto tribunal a concluir que o PER não se encontra abrangido pela isenção de custas, motivo pelo qual deve o despacho em crise ser revogado no que respeita ao indeferimento da isenção de custas e substituído por outro que defira esta pretensão, i.e., que defira à Recorrente o pedido de isenção de custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, al. u) do RCP.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS QUE V/EXAS. MUI DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ SER REVOGADO O DESPACHO PROFERIDO NO QUE RESPEITA À REQUERIDA ISENÇÃO DE CUSTAS, SENDO O MESMO SUBSTITUIDO POR DESPACHO QUE DECLARE A ISENÇÃO DE CUSTAS DA ORA RECORRENTE, ASSIM SE FAZENDO, COMO SE CRÊ QUE FARÁ, A COSTUMADA JUSTIÇA!
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Não foram apresentadas contra-alegações de recurso.
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O Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Por decisão sumária de 06/12/2017, o Supremo Tribunal Administrativo declarou-se incompetente em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso e indicou, nos termos do n.º 3 do artigo 18.º do CPPT, como Tribunal que considera competente, o Tribunal Central Administrativo Norte (Secção do Contencioso Tributário).

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Atendendo à existência do processo em suporte informático e à conjuntura atual de pandemia, dispensa-se os vistos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.
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DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO ─ Questões a apreciar:

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cfr. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)].

Cumpre apreciar e decidir se o despacho recorrido padece de erro de julgamento ao decidir que a Recorrente não pode beneficiar, na presente ação, da isenção de custas que se mostra consagrada na al. u) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Com interesse para a decisão a proferir, importa considerar as seguintes ocorrências processuais:

A) Pelo despacho recorrido foi decidido:
“(…) Decisão
Pelo exposto, o Tribunal decide indeferir liminarmente a petição inicial atenta a manifesta improcedência do pedido.
Condena-se a impugnante nas custas da impugnação (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 1.º, 2.º e 6.º, n.º 1, e Tabela I-A anexa ao RCP).
Para efeito de custas e outros previstos na lei fixa-se o valor da causa em €441.415,75 (art. 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT) (…). “
(Cfr. Doc. 006661356, 14-10-2016, 13:19:46, SITAF)
B) Por requerimento apresentado em 31/10/2016, a Impugnante informou que requereu, em 14/10/2016, a instauração de Processo Especial de Revitalização, que corre termos na 2.ª Secção de Comércio – J2, Instância Central de Vila Nova de Gaia sob o n.º 8398/16.2T8VNG
(Cfr. Doc. 006661364, 31-10-2016, 10:52:43, SITAF)
C) Por despacho de 29/11/2016, o Tribunal recorrido considerou:
“A recorrente invocando a pendência do processo especial de revitalização pede a isenção de custas, nos termos do art. 4.º, n.º 1, alínea u), do RCP.
Porém, não tem razão.
A isenção de custas aí prevista abrange apenas o processo de insolvência, cuja decisão é a declaração de insolvência ou a aprovação do plano de insolvência.
O art. 4.º, n.º 1, alínea u), do RCP não prevê qualquer isenção de custas para as pessoas coletivas em processo especial de revitalização.
Pelo exposto, indefere-se o pedido de isenção de custas por falta de fundamento legal.”
Cfr. Doc. 006661370, 29-11-2016, 12:34:06, SITAF)
D) Por ofício de 11/04/2017, o Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Comércio de Vila Nova de gaia – Juiz 2, comunicou que no âmbito do processo a que se refere a alínea B) que foi proferida sentença, ainda não transitada em julgado, em que decidiu:
“(…) Face ao exposto, decide-se recusar a homologação do plano de revitalização apresentado pela devedora C., S.A., e, em consequência, declara-se o encerramento dos presentes autos, nos termos do artigo 17°-G, n°s 2, 3, 4 e 7 do CIRE ex vi do artigo 17-I, n°5 do CIRE.
Em consequência, julga-se extinta por inutilidade superveniente da lide a instância quanto à apreciação das impugnações apresentadas à lista provisória e o pedido de declaração de nulidade apresentado pela T., SA.
Valor da causa: €30.000,01 — art. 301.° do C.I.R.E.
Custas pela devedora, nos termos do artigo 17°-F, n° 7, do CIRE.
Notifique, registe e publicite — artigo 17.°-F, n.° 6, do C.I.R.E., inclusive o Sr. Administrador Judicial Provisório para juntar aos autos, em 5 dias, o parecer previsto no art.°. 17°-G n°4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Notifique, ainda, o Sr. AJP para apresentar proposta quanto à fixação de honorários e relação de despesas.
Vila Nova de Gaia, 7 de abril de 2017”
(Cfr. Doc. 006661414, 24-04-2017, 16:35:41, SITAF).
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2.2. DE DIREITO

A Recorrente insurge-se contra o despacho que indeferiu o pedido de isenção de custas, com o fundamento na inaplicabilidade do disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea u), do RCP às pessoas coletivas em PER.

Invoca que “[d]a leitura do normativo legal previsto no art. 17.º - A, n.º 1 do CIRE resulta claro que – contrariamente ao entendimento do douto tribunal – o PER traduz-se num plano de recuperação, pelo que o art. 4.º, 1, u) do RPC se enquadra na situação vivida pela Recorrente (atento o PER em curso da Recorrente: proc. 8398/16.2T8VNG – 2.º Sec. Comércio J2 – Inst. Central V.N.G.) (…) Resulta pois que a previsão constante no art. 4.º, n.º 1, al. u) do RPC abrange o PER e que a situação da Recorrente se subsume ao citado normativo legal, motivo pelo qual deve a decisão do douto tribunal ser revogada e substituída por outra que reconheça o direito da Recorrente em agir judicialmente isenta de custas”.

A questão controvertida consiste em determinar se a isenção a que se refere o artigo 4.º, n.º 1, alínea u), do RCP também abrange as sociedades comerciais que se encontrem em Plano Especial de revitalização.

Vejamos:
Estabelece a alínea u) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP o seguinte:
1. Estão isentos de custas: u) As sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei, salvo no que respeita às ações que tenham por objeto litígios relativos ao direito do trabalho.».

É ao abrigo desta norma que a Recorrente entende estar isenta de custas na presente impugnação, pese embora o facto de se encontrar na pendência de um processo especial de revitalização, contrariamente ao sustentado no despacho recorrido que defende que o artigo 4.º, n.º 1, alínea u), do RCP não prevê qualquer isenção de custas para as pessoas coletivas em processo especial de revitalização.

A lei refere expressamente que a isenção abrange as sociedades que estejam “em processo de recuperação de empresa” e na situação dos autos está em causa um processo especial de revitalização.

A este propósito escreve-se no acórdão do STA, de 18/11/2015, recurso n.º 0918/15, consultável em www.dgsi.pt:
“Não tendo o legislador constitucional previsto que a justiça seja tendencialmente gratuita, a regra é a de que todos os processos judiciais estão sujeitos a custas (cfr. art. 1.º, n.º 1, do RCP), sem prejuízo da possibilidade de o seu devedor ser delas dispensado ao abrigo do apoio judiciário concedido pelo regime da proteção jurídica, na modalidade de dispensa de custas (cfr. art. 16.º, alínea a), da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho), prevista como modo de concretizar o comando constitucional de que «[a] todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos» (cfr. art. 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).
No entanto, a lei prevê algumas isenções de custas. Interessa-nos agora considerar a prevista na alínea u) do n.º 1 do art. 4.º do RCP, que dispõe: «1. Estão isentos de custas: [...] u) As sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei, salvo no que respeita às ações que tenham por objeto litígios relativos ao direito do trabalho. [...]».

A propósito da divergência entre “processo de recuperação de empresa” e “processo especial de revitalização” refere-se no acórdão da Relação Guimarães, de 03/03/2016, recurso n.º 190/13.7TBMNC.G1, consultável em www.dgsi.pt, (as notas de rodapé são intercaladas no texto entre parenteses):
“É certo que (…) a norma que consagra as isenções de custas assume natureza de norma excecional e, como tal, não comporta aplicação analógica (art. 11º do Cód. Civil); no entanto, por mor da parte final deste normativo, não está excluída a sua interpretação extensiva.
Neste conspecto, a doutrina (cfr., por todos, BATISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, págs. 185-186) vem assinalando que a proibição de aplicar analogicamente normas excecionais assenta, fundamentalmente, em considerações de certeza e segurança jurídica, evitando subtrair ao regime-geral situações que não foram valorizadas pela lei como merecedoras de um tratamento contrário
A insegurança jurídica não é a mesma se a situação estiver abrangida pelo espírito da norma, apesar de não estar prevista na sua letra, daí se admitir a interpretação extensiva das normas excecionais. Com efeito, a integração por analogia pressupõe a existência de uma lacuna que não existe quando se procede a uma interpretação extensiva. Neste último caso, verifica-se uma falta de coincidência entre texto e espírito da lei, em virtude de a letra ficar aquém do espírito da mesma: «a fórmula verbal adotada peca por defeito» ao dizer menos do que aquilo que pretendia, mas a situação encontra-se coberta pelo espírito da norma, inexistindo portanto qualquer lacuna. Consequentemente há que alargar o texto do preceito, tornando-o conforme ao pensamento legislativo, «fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei».
Assim, a questão que se coloca é a de saber se existe (ou não) uma identidade fundamental entre a entidade “em processo de recuperação de empresa” e a entidade em processo especial de revitalização, de molde a que, em caso afirmativo, por argumento a pari (de identidade de razão) se possa estender a aplicação da citada alínea u) do nº 1 do art. 4º a empresas em processo de revitalização.
Este último processo foi introduzido no nosso ordenamento jurídico pela Lei nº 16/2012, de 20.04 (portanto, num momento posterior à publicação do diploma que aprovou o Regulamento das Custas Processuais), que aditou os artigos 17.º-A a 17.º-I ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
Trata-se, como tem sido assinalado (cfr., por todos, CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, pág. 137 e seguinte), de um processo urgente que visa combater o desaparecimento prematuro de agentes económicos do tecido empresarial que, não obstante as dificuldades financeiras que atravessam, sejam economicamente viáveis.
Deste modo, o PER tem como finalidade, em momento anterior ao da insolvência, permitir ao devedor que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, mas cuja recuperação seja ainda possível, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a alcançar um acordo com estes tendente à sua recuperação (cfr. art. 17º-A, nº 1 do CIRE).
No desenvolvimento dessas negociações, caso venha a ser aprovado o plano de recuperação conducente à revitalização do devedor e se o juiz o homologar, determina o nº 6 do art. 17 º-F do CIRE, que a “decisão do juiz vincula os credores (…).
Dada a assinalada ratio essendi do PER, vem-se entendendo (7 Cfr., neste sentido, acórdão do STA de 18.11.2015 (processo nº 0918/15) e acórdão da Relação do Porto de 23.05.2015 (processo nº 151325/13.7YIPRT.P1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt. SALVADOR DA COSTA (in I Colóquio de Direito da Insolvência de Santo Tirso, pág. 284 e bem assim em Regulamento das Custas Processuais Anotado, pág. 175) parece propender para idêntico entendimento, quando defende que o processo de recuperação a que se alude no art. 4º, nº 1 al. u) do RCP é suscetível de se equiparar ao plano de insolvência que vise a recuperação do titular da empresa.) que o mesmo constitui um processo de recuperação de empresa, pelo que, por identidade de razão, o respetivo devedor encontra-se abrangido pela mencionada isenção subjetiva de custas, sendo que a tal não obsta a circunstância de o nº 7 do art. 17º-F do CIRE estabelecer que as custas do processo ficam a cargo do devedor (8 Com efeito, como se ressalta no citado acórdão do STA, «do art. 17º-F, nº 7 do CIRE (segundo o qual compete ao devedor o pagamento das custas devidas pela homologação judicial do plano de recuperação), não pode retirar-se argumento algum [contra a não extensão da isenção de custas às empresas em processo de revitalização]. Na verdade, também as custas do processo de insolvência ficam a cargo da sociedade declarada insolvente (cfr. art. 304º do CIRE), o que não impede a sociedade que esteja em “situação de insolvência” de beneficiar da isenção prevista na alínea u) do nº 1 do art. 4º do RCP. Na verdade, uma coisa são as custas do processo de insolvência e outra é a isenção concedida à sociedade em “situação de insolvência” nos litígios judiciais em que seja parte».).
Definido, deste modo, o âmbito subjetivo da mencionada isenção (nela se englobando outrossim a empresa em processo especial de revitalização), importa agora dilucidar qual o seu âmbito temporal.
A este respeito, no concernente à empresa que “esteja em situação de insolvência”, a casuística [Cfr., inter alia, acórdãos da Relação de Lisboa de 18.04.2013 (processo nº 1398/10.8TBMTJ.L1-2) e da Relação do Porto de 6.11.2012 (processo nº 352/11.7BPPVZ-B.P1) e de 23.05.2015 (processo nº 151325/13.7YIPRT.P1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.] tem considerado que após a declaração de insolvência, a massa insolvente, que sucede à sociedade em situação de insolvência, deixa de beneficiar da isenção de custas prescrita na al. u) do nº 1 do art. 4º, ou seja, com a prolação da sentença declaratória da insolvência cessa a isenção subjetiva de que até aí beneficiava a empresa em situação de insolvência.
Já em relação à entidade que “esteja em processo de recuperação de empresa”, primo conspectu, o elemento literal da norma aponta no sentido de que a isenção (subjetiva) de que beneficie somente subsistirá enquanto estiver pendente o processo de recuperação [revitalização]. De facto, a forma verbal (presente do conjuntivo) e a preposição utilizadas na expressão legal inculcam, indelevelmente, que esse benefício apenas ocorrerá enquanto o processo de recuperação estiver em curso.
Daí que, logo que o processo especial de revitalização finde, haja ou não aprovação e homologação do plano, cessa outrossim a isenção.”

No caso sub judice, tal como invoca a Recorrente e resulta da matéria de facto assente, a mesma «encontra-se em processo de revitalização».

Prossegue o acórdão do citado de 18/11/2015, recurso n.º 0918/15:
“[A] revitalização mais não é do que uma fase do processo de insolvência, destinada a propiciar a recuperação dos devedores em situação económica difícil ou insolvência iminente a sua recuperação mediante acordo com os seus credores sem que seja decretada a sua insolvência.
Afigura-se-nos, pois, que não há razão para que não se aplique a referida isenção às sociedades comerciais sujeitas a um PER, tanto mais que, hoje, será esse o meio judicial para a sua recuperação, sendo certo que o CIRE não contempla processo denominado de recuperação de empresa, contrariamente ao que sucedia no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de abril ( Alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 157/97, de 24 de junho, 315/98, de 20 de outubro, 323/2001, de 17 de dezembro, e 38/2003, de 8 de março.).
Por outro lado (…) do art. 17.º-F, n.º 7, do CIRE (segundo o qual compete ao devedor o pagamento das custas devidas pela homologação judicial do plano de recuperação), não pode retirar-se argumento algum em favor da tese da decisão recorrida. Na verdade, também as custas do processo de insolvência ficam a cargo da sociedade declarada insolvente (cfr. art. 304.º do CIRE), o que não impede a sociedade que esteja em “situação de insolvência” de beneficiar da isenção prevista na alínea u) do n.º 1 do art. 4.º do RCP. Na verdade, uma coisa são as custas do processo de insolvência e outra é a isenção concedida à sociedade em “situação de insolvência” nos litígios judiciais em que seja parte.”

Assim, a Recorrente beneficia da isenção de custas prevista na alínea u) do n.º 1 do art. 4.º do Regulamento das Custas Processuais, pois encontra-se em processo especial de revitalização.

Termos em que não pode manter-se o despacho recorrido que considerou que a isenção prevista na citada alínea u) do n.º 1 do art. 4.º do RCP não abrange as sociedades comerciais que estejam em processo de revitalização, uma vez que esta norma se refere apenas às sociedades comerciais que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, sendo que «a revitalização é um expediente distinto da insolvência e mesmo da recuperação de empresa.

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Nos termos do artigo 667.º, n.º 3, do CPC, formulamos o seguinte sumário:


I- O processo especial de revitalização constitui um processo de recuperação de empresa para os efeitos do artigo 4.º, n.º 1, alínea u), do Regulamento das Custas Processuais.

II- A isenção subjetiva de custas prevista no citado normativo apenas é aplicável enquanto estiver pendente o processo especial de revitalização, cessando logo que o processo finde, haja ou não aprovação e homologação do plano apresentado no seu âmbito.


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3. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso e revogar o despacho recorrido na parte impugnada.

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Sem custas.
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Porto, 13 de maio de 2021.

(O Relator consigna e atesta, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, o voto de conformidade com o presente Acórdão das restantes integrantes da formação de julgamento, as Exmas. Senhoras Juízas Desembargadoras Bárbara Tavares Teles e Paula Maria Dias de Moura Teixeira).

Manuel Escudeiro dos Santos
Bárbara Tavares Teles
Paula Maria Dias de Moura Teixeira