Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00036/13.1BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/19/2021
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:SERVIDÃO. D.L. N.º 123/2010, DE 12/11. NOTIFICAÇÃO DE RESOLUÇÃO (ART.º 10º, Nº 5, DO CE)
Sumário:I – O regime especial de expropriações instituído pelo D.L. n.º 123/2010, de 12/11, não dispensa a notificação ao interessado da resolução de expropriar prevista no art.º 10º, nº 5, do Código das Expropriações.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:P., Lda e Outra
Recorrido 1:Ministério da Agricultura e Outra
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

P., Lda. e H., Lda. (Rua (…) ), interpõem recurso jurisdicional de decisão do TAF de Penafiel, em acção administrativa especial intentada contra Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território e Águas (...), SA, id. nos autos.

As autoras não obtiveram êxito nos pedidos formulados na acção:
A) - A declaração de nulidade ou a anulação do despacho n.º 14318/2011 do Ex.mo Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Ordenamento do Território, datado de 03/10/2011, que declarou, com carácter de urgência, a constituição de uma servidão administrativa de aqueduto público subterrâneo do interceptor de Sanguinhedo (fase 2), na parte relativa à expropriação da parcela n.º 04, indicada na lista anexa aquele despacho;
B) - A declaração de nulidade ou a anulação do acto de tomada de posse da parcela n.º 04 necessária à execução do interceptor de Sanguinhedo (fase 2) – frente de drenagem 9, praticado nos termos do art.º 22.º e demais preceitos do Código das Expropriações (CE), operado pela Ré, Águas (...), SA; ccumulativamente, peticionam que a Ré, Águas (...), SA, seja
C) – Condenada à prática do acto devido: colocar a parcela n.º 04, indicada na lista, no estado em que se encontrava antes de ter sido onerada com uma servidão administrativa de aqueduto público subterrâneo do interceptor de Sanguinhedo (fase 2) e objecto de um auto de posse datado de 02/10/2012.

As conclusões do recurso:

1. Dispõe o artigo 10º, nº 5 do Código das Expropriações que a resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação é notificada ao expropriado e aos demais interessados cuja morada seja conhecida.
2. Mas, apesar de dar como assente que as Recorrentes não foram notificadas, entende a Sentença recorrida que ao caso de aplica uma norma especial, o Decreto Lei 123/2010 de 12 de Novembro.
3. O procedimento de expropriação teve o seu início antes da entrada em vigor do Dec. Lei 123/2010 de 12 de Novembro, estabelecendo este diploma que se aplicaria somente aos procedimentos de expropriação iniciados após a sua entrada em vigor.
4. Pelo que nenhuma aplicação tem este diploma ao procedimento em discussão nos presentes autos, devendo aplicar-se a regra estabelecida no artigo 10º, n.º 5 do Código das Expropriações.
5. Neste aspecto, a Sentença recorrida padece de erro nos pressupostos de direito, porquanto faz uma errada subsunção jurídica dos factos apurados (violação do artigo 94.°/2 do CPTA).
6. Sem prejuízo de entenderem que não se aplica o Dec. Lei 123/2010 de 12 de Novembro à situação em causa nestes autos, é também entendimento das Recorrentes que Sentença faz uma errada interpretação da norma jurídica.
7. É que, o procedimento descrito no art. 3.º n.° 1 do Dec. Lei 123/2010 de 12 de Novembro apenas dispensa a entidade expropriante de apresentar o requerimento inicial previsto no artigo 12.º do Código das Expropriações e das formalidades a ele relativas.
8. Em parte alguma do Dec. Lei 123/2010 de 12 de Novembro se retira que a entidade expropriante está dispensada de levar a cabo a Resolução de Expropriar a que alude o art.º 10.° do Código das Expropriações e a sua notificação aos interessados a que alude o n.° 5 daquele preceito legal.
9. Pelo exposto, por um lado o Dec. Lei 123/2010 de 12 de Novembro não tem aplicabilidade para o que se discute nestes autos e, por outro, o diploma em causa não dispensa a entidade expropriante de proceder à Resolução de Expropriar e à respectiva notificação aos interessados.
10. Ao ser proferido o Despacho impugnado, sem previamente ter sido assegurado às Autoras o direito de se pronunciarem acerca da resolução de expropriação que precedeu esse despacho, o que deveria de suceder por via da notificação da resolução de expropriar, violaram as Rés um conteúdo essencial de um direito fundamental, pelo que, é o despacho impugnado absolutamente nulo (art. 133.º n.° 1 al. d) do CPA, vigente à data).
11. Mas, mesmo que assim não se entendesse sempre seria tal despacho impugnado anulável, porque praticado com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis (art. 135.º do CPA, vigente à data).
Ora, não tendo ainda tal acto (Despacho Impugnado) sido ainda notificado às Autoras, sempre as mesmas estão em tempo de invocar tal anulabilidade (art. 59º n.° 1 do CPTA).
12. Quanto à falta de notificação, nos termos do art. 17º, n.1 do Código das Expropriações, é nula a sentença por os fundamentos (reconhece que a decisão é ineficaz perante a 1.ª Ré) estarem em oposição com a decisão (não julga procedente as alíneas b) e c) da Petição inicial) art. 615.°n.°1, al. c) do Código Processo Civil.
13. É que, apesar da Sentença recorrida reconhecer a falta de notificação da 1.ª Autora, nos termos do art. 17.º, nº 1 do CE, e de reconhecer que, sendo assim, sendo a notificação uma condição de eficácia do acto, o acto não é eficaz perante a 1.ª Autora, nem por isso, a decisão da Sentença foi no sentido de julgar procedente os pedidos correspondentes às alíneas b) e c) da Petição Inicial, o que devia ter acontecido.
Pelo exposto,
Com o douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao
presente recurso, corrigindo-se o enquadramento jurídico e a interpretação das normas jurídicas realizado pela Sentença recorrida, e consequentemente, ser declarado procedente o pedido das Autoras em sede de Petição Inicial (…)

Contra-alegou a recorrida Águas, concluindo:

1. O Decreto-lei n.° 123/2010, de 12 de Novembro, fixa o regime especial das expropriações necessárias à realização de infraestruturas entre as quais se encontram as que estão em causa nos presentes autos.
2. Nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1, do referido regime, a declaração de utilidade pública é efetuada sem dependência do requerimento inicial previsto no artigo 12º do CE, e das formalidades a ele inerentes.
3. Ora, prevendo a lei um procedimento especial, que dispensa o requerimento da declaração de utilidade pública acompanhado de cópia da resolução de expropriar e das formalidades a ele inerentes, forçoso é concluir que neste tipo de expropriações não há lugar à notificação prevista no n.° 5 do artigo 10º do CE.
4. Ainda que assim não se entenda, o contante dos 10ºn.° 5 e 15º n.° 1 do CE não se aplica à Recorrente H. Produção e Comércio de Plantas Ornamentais, Lda, uma vez que esta não reveste a qualidade de interessada à luz do artigo 9º do mencionado Código, pelo que não existe qualquer obrigação legal de a notificar.
5. Independentemente disso, a verdade é que a Recorrida procedeu a todas as notificações legalmente exigidas, quer quanto aos sujeitos, quer quanto à forma.
6. A Recorrida procedeu às notificações no estrito cumprimento da forma legal prescrita para tal acto, mediante carta ou ofício sob registo com aviso de recepção - parte final dos artigos 10º n° 5 e 171 n° 1 do CE.
7. Fruto da servidão administrativa objeto do procedimento expropriativo dos autos foram estabelecidos contactos entre a Recorrida e o Sr. Jorge Carvalho, o qual sempre se identificou como arrendatário do prédio onerado com a servidão e que, de resto, é quem outorga, em representação e na qualidade de sócio gerente da sociedade de firma P., o contrato de arrendamento junto aos autos pelas Recorrentes, e responde às notificações remetidas pela Recorrida, utilizando o papel timbrado da Recorrente P., no qual vem aposto o carimbo desta sob assinatura.
8. Acresce que, as Recorrentes sabiam que o presente procedimento expropriativo se encontrava a decorrer.
9. As Recorrentes e a Recorrida lograram obter acordo para o ressarcimento dos prejuízos diretos e indiretos resultantes da constituição da servidão administrativa e outros prejuízos resultantes da execução da obra.
10. A Recorrente P. comunicou à Recorrida a sua aceitação.
11. Tendo as partes celebrado o "Contrato de Indemnização da Servidão Administrativa - Parcela 04 (Arrendatário)" junto aos autos.
12. A Recorrida, pagou o preço acordado, tendo o cheque que o titulou sido apresentado a pagamento.
13. As Recorrentes foram informadas/notificadas que a Recorrida pretendia expropriar a parcela em causa nos presentes autos.
14. Todavia, caso se entenda que a 1ª Recorrente não foi notificada, não merece qualquer censura a sentença a quo, pois que "a notificação é condição de eficácia do acto e não da validade do mesmo,
15. pelo que ainda que aquela não houvesse sido notificada, a falta de notificação não contende com a validade do ato impugnado.
16. Não merece censura a douta sentença recorrida.
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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, onde se pronuncia pela confirmação da decisão recorrida; respondido.
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Dispensando vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.
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Os factos, que a decisão recorrida teve como assentes:

A) Por ofício datado de 18/05/2011, a “Águas (...), SA” enviou à Direcção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano proposta de constituição da servidão administrativa do aqueduto público subterrâneo, de declaração de utilidade pública e com carácter de urgência – Cf. fls. 23 do PA (pasta 1) apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
B) Em 28/07/2011, a Direcção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano elaborou informação propondo a aprovação ministerial do mapa de áreas e das plantas de localização anexas ao processo - Cf. fls. 10 e 11 do PA (pasta 1) apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
C) Por despacho n.º 14318/2011 de 03/10/2011, publicado no D.R., II Série, n.º 203 de 21/10/2011, do Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Ordenamento do Território, foi decidido o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
[…]
- Cfr. fls. 13 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
D) No dia 28/09/2012, a “Águas (...), SA” elaborou auto de posse administrativa da parcela n.º 04 identificada no ponto antecedente - Cfr. fls. 296 do Pa apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
E) Em 01/07/1999, a 1.ª Autora outorgou com os proprietários do prédio rústico denominado Campo do (...), inscrito na matriz no art.º 503 rústico, um contrato denominado “arrendamento” do aludido prédio - Cfr. fls. 98 a 100 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
F) Em 02/06/2003, a 2.ª Autora celebrou com um acordo designado “contrato de colaboração e parceria para exploração comercial” com a 1.ª Autora segundo o qual:
Através deste contrato, ambas as outorgantes decidem exercer a respectiva actividade num estabelecimento situado no Lugar do (...), Conselho de (...), que ocupa os artigos descritos nas matrizes prediais nºs 76; 502 e 503 do concelho de (...) cujos direitos de ocupação e instalações pertencem à PRIMEIRA OUTORGANTE.
Pelas razões expostas nas cláusulas anteriores, a PRIMEIRA outorgante autoriza assim a SEGUNDA outorgante a exercer a sua actividade neste seu estabelecimento, e a nele instalar os equipamentos amovíveis legalmente autorizados, necessários à sua actividade, designadamente estufas, sistemas de rega, sistemas de aquecimento e outros, sem pagar qualquer contrapartida monetária enquanto a SEGUNDA outorgante se obriga a fornecer à PRIMEIRA Outorgante os serviços comerciais e de manutenção ai instalados também sem que esta pague qualquer contrapartida monetária.
Este contrato tem inicio em dois de Junho de dois mil e três e vigorará por um período de dez anos, renovável automaticamente por iguais períodos enquanto perdurarem os direitos de ocupação da PRIMEIRA outorgante, desde que nenhuma das partes não o denuncie, com antecipação mínima de cento e oitenta dias.
- Cfr. documento 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
G) Não consta do PA apenso aos autos que as Autoras tenham sido notificadas do despacho a que se alude no ponto C) do probatório - Cfr. fls. 65 e ss do PA apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
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O Direito:
A sentença recorrida estatuiu: «julga-se totalmente improcedente a presente acção administrativa especial e, em consequência, mantém-se o despacho n.º 14318/2011 do Ex.mo Sr. Secretário de Estado do Ambiente e do Ordenamento do Território, datado de 03/10/2011, improcedendo, consequentemente, os demais pedidos.».
Tenhamos presente o petitório.
A sentença fundamentou a total improcedência nos seguintes termos:
«(..)

Violação do disposto no art.º 10.º, n.º 5 do Código das Expropriações (CE)

Dispõe o art.º 10.º, n.º 5 do CE que a resolução de requerer a declaração de utilidade pública (DUP) da expropriação é notificada ao expropriado e aos demais interessados cuja morada seja conhecida, mediante carta ou ofício registado com aviso de recepção.
Como se afirma no Acórdão do STA (Pleno) de 06/03/2007, proc. n.º 01595/03 “aquela notificação é um dos instrumentos de concretização do direito de “participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito” (art. 267º/5 da CRP) e elemento de grande relevo no estatuto procedimental do particular no processo expropriativo, uma vez que a publicização é o ponto de partida de toda a dialéctica que o procedimento pressupõe e requisito de uma participação informada, substancial e eficiente. Quanto mais cedo o particular souber da possibilidade de uma ablação, mais tempo disporá para preparar adequadamente a defesa dos seus interesses. (Cfr, a propósito, David Duarte, in “Procedimentalização, Participação e Fundamentação Para uma Concretização do Princípio da Imparcialidade Administrativa como Parâmetro Decisório”, pp. 148/151 e Pedro Machete, in “A Audiência dos Interessados no Procedimento Administrativo”, pp. 433/438)”.
Contudo, o D.L. n.º 123/2010 de 12/11 estabelece um regime especial das expropriações necessárias à realização de infra – estruturas que integram candidaturas beneficiárias de co -financiamento pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional ou pelo Fundo de Coesão no âmbito do Quadro de Referência Estratégico Nacional 2007 -2013 (QREN), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 86/2007, de 3 de Julho, bem como as infra-estruturas beneficiárias de co–financiamento pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural.
No caso dos autos, como se extrai do despacho impugnado, a DUP foi aprovada nos termos do referido diploma por dizer respeito à realização de infra-estruturas que integram candidaturas beneficiárias de co-financiamento pelo QREN, pelo que lhe é aplicável o D.L. n.º 123/2010 de 12/11.
Dispõe o art.º 3.º, n.º 1 do D.L. n.º 123/2010 que “salvo nos casos previstos no n.º 2 do artigo 14.º do Código das Expropriações, é da competência do membro do Governo da tutela determinar por despacho, sob proposta da entidade responsável pela implementação da infra -estrutura, os bens imóveis a que se refere o n.º 1 do artigo anterior, fazendo-o sem dependência do requerimento inicial previsto no artigo 12.º do Código das Expropriações e das formalidades a ele relativas, sem prejuízo do n.º 3 do artigo 13.º do mesmo Código, valendo aquele despacho como declaração de utilidade pública, nos termos do n.º 2 do artigo 13.º do Código das Expropriações”.
Assim, o procedimento previsto para as expropriações necessárias à realização destas infra –estruturas prescinde do requerimento inicial previsto no artigo 12.º do Código das Expropriações, ou seja, do requerimento da declaração de utilidade pública acompanhado de cópia da resolução de expropriar, valendo o despacho do membro do Governo, sob proposta da entidade responsável pela implementação da infra -estrutura, a determinar os bens imóveis a expropriar como declaração de utilidade pública, nos termos do n.º 2 do artigo 13.º do Código das Expropriações.
Assim, prevendo a lei um procedimento especial que dispensa o requerimento da declaração de utilidade pública acompanhado de cópia da resolução de expropriar e das formalidades a ele relativas é forçoso concluir que neste tipo de expropriações de imóveis e de direitos inerentes necessários à realização das infra –estruturas em causa não há lugar à notificação prevista no n.º 5 do art.º 10.º do CE.
De facto, trata-se de expropriações consideradas de utilidade pública e com carácter de urgência (cf. art.º 2.º, n.º 1) que o legislador entendeu sujeitar a um procedimento especial e célere, estatuindo a inexistência de audiência prévia (cf. art.º 103.º, n.º 1, a) do CPA).
Ante o exposto, improcede o vício invocado.

Falta de notificação, nos termos do art.º 17.º, n.º 1 do CE

Dispõe o art.º 17.º, n.º 1 do CE que “o acto declarativo da utilidade pública e a sua renovação são sempre publicados, por extracto, na 2.ª série do Diário da República e notificados ao expropriado e aos demais interessados conhecidos por carta ou ofício sob registo com aviso de recepção, devendo ser averbados no registo predial”.

O conceito de interessado para tais efeitos encontra-se definido no art.º 9.º, n.º 1 do CE que estatui “para os fins deste Código, consideram-se interessados, além do expropriado, os titulares de qualquer direito real ou ónus sobre o bem a expropriar e os arrendatários de prédios rústicos e urbanos”.

As Autoras alegam que são sociedades comerciais cujo objecto social é a produção e comercialização de plantas ornamentais e actividades conexas, sendo que a 1.ª Autora dedica-se à venda em grosso de mercadorias de cadeias de hipermercados e à execução e manutenção de jardins e espaços verdes e a 2.ª Autora exerce a actividade de produção e comercialização de plantas directamente no estabelecimento a outro tipo de retalhistas, designadamente jardineiros, floristas e outros.

Alegam que no âmbito da sua actividade comercial, a 1.ª Autora desde 01/07/1999 ocupa na qualidade de arrendatária o prédio rústico, inscrito na matriz no art.º 5036 rústico, denominado Campo do (...), sito no lugar do (…), (...).

Por sua vez, sustentam que a 2.ª Autora, por força de um contrato de cooperação e parceria para exploração comercial celebrado com a 1.ª Autora, em 02/06/2003, também exerce a sua actividade comercial em parte do mesmo prédio arrendado à 1ª Autora.
Colhe-se do probatório que o acto declarativo da utilidade pública – despacho n.º 14318/2011 de 03/10/2011 – foi publicado na 2.ª Série do D.R. , n.º 203, de 21/10/2011, mas não foi notificado às aqui Autoras.

Colhe-se do probatório que a 1.ª Autora outorgou com os proprietários do prédio rústico denominado Campo do (...), inscrito na matriz no art.º 503 rústico, um contrato denominado “arrendamento”, pelo que não há dúvidas que a 1.ª Autora é interessada, nos termos do art.º 9.º, n.º 1 do CE por ser arrendatária do prédio rústico.

A 2.ª Autora celebrou um contrato de colaboração e parceria segundo o qual a 1.ª autora autorizou-a a exercer a sua actividade no seu estabelecimento e a nele instalar os equipamentos amovíveis legalmente autorizados, necessários à sua actividade, sem pagar qualquer contrapartida monetária enquanto a 2.ª Autora se obriga a fornecer à 1.ª os serviços comerciais e de manutenção aí instalados também sem que esta pague qualquer contrapartida monetária.

Trata-se, assim, de um negócio obrigacional que gera direitos e deveres para ambas as partes, oponível apenas entre elas (eficácia inter partes), mas que não gera a constituição de um direito real ou ónus sobre o bem a expropriar tipificado na lei.

Com efeito, nesta matéria, rege o art.º 1306.º, do Código Civil segundo o qual “não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional”, norma que consagra o princípio do "numerus clausus”.

Assim, a 2.ª Autora não é titular de qualquer direito real ou ónus sobre o bem a expropriar, nem arrendatária do prédio rústico, pelo que não sendo interessada não tinha que ser notificada do despacho impugnado.

Vejamos, então, as consequências da falta de notificação da 1.ª Autora nos termos do art.º 17.º, n.º 1 do CE.

A notificação é uma condição de eficácia do acto e não de validade do mesmo, sendo um acto exterior e distinto do acto notificado. Como se afirma no Acórdão do TCAN de 26/09/2013, proc. n.º 02994/09.1BEPRT a notificação destina-se “apenas a assegurar a sua eficácia, sendo que a sua falta ou deficiência não constitui um vício do acto notificado, pois afecta somente a sua oponibilidade ao destinatário (por todos, vide acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.5.2003, rec. 075/03).

Isto é, a notificação não é um requisito ou pressuposto de validade dos actos administrativos, antes se configurando como um mero requisito de eficácia, sendo apenas susceptível de afectar a sujeição do particular no acto, mas já não a sua existência ou validade”.

Assim, não sendo a notificação condição de validade do acto, a falta de notificação da 1.ª Autora não contende com a validade do acto impugnado, pelo que terá que improceder a alegação das Autoras da falta de notificação nos termos do art.º 17.º, n.º 1 do CE como causa invalidante do acto impugnado (anulação ou declaração de nulidade).
Ante o exposto, improcede a alegação das Autoras.
(…)».

» Recorrente H..
Em princípio, qualquer recurso só poderá ter êxito se acometer, com êxito, todos os fundamentos jurídicos que imediata e autonomamente sustentem a decisão criticada, constituindo um seu antecedente lógico necessário.

A decisão recorrida tirou que «a 2.ª Autora não é titular de qualquer direito real ou ónus sobre o bem a expropriar, nem arrendatária do prédio rústico, pelo que não sendo interessada não tinha que ser notificada do despacho impugnado.».

Esta proposição é, só por si autónoma, bastante à ditada improcedência.

Não vem questionada.

Pelo que quanto à referida segunda autora (H.) o recurso improcede.
Posto isto, subsiste conhecimento do recurso a respeito da outra autora/recorrente.

» Recorrente P..
Da nulidade

Arguida nulidade da sentença, nos termos do art. 615.°n.°1, al. c) do Código Processo Civil, dela cumpre conhecer.

«A previsão da primeira parte da al. c) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC (2013) refere-se a um desconcerto formal ou estrutural entre os fundamentos e a decisão que se consubstancia no facto de aqueles caminharem num determinado sentido vindo, porém, a desaguar num sentido desarmónico.» - Ac. do STJ, de 02-06-2016, proc. nº 1299/11.2TBPVZ.P1.S1.

A terminar a fundamentação, a decisão recorrida concluiu que “não sendo a notificação condição de validade do acto, a falta de notificação da 1.ª Autora não contende com a validade do acto impugnado, pelo que terá que improceder a alegação das Autoras da falta de notificação nos termos do art.º 17.º, n.º 1 do CE como causa invalidante do acto impugnado (anulação ou declaração de nulidade)”.

E subsequentemente veio a decidir a manutenção do acto impugnado, «improcedendo, consequentemente, os demais pedidos», formulados sob B) e C) do petitório.

Não se vê nulidade, quando para afirmação desta «apenas releva a contraditoriedade que subsista no plano lógico entre a fundamentação e a decisão, não o erro ou debilidade na determinação das consequências jurídicas que resultam (…) da situação fáctica ou jurídica dada por existente.» (Ac. do STA, de 17-12-2014, proc. nº 01423/13).

Ora, e no concreto caso, não há contradição entre fundamentos e decisão, quando, em harmonia, se entende que o indicado fundamento não constitui causa de invalidade do acto e que, nessa base – a que constituiu causa – os pedidos formulados nessa pressuposta dependência improcedem, incluindo os pedidos que figuram como consequenciais, de reintegração da ordem jurídica.

Do fundo

Primeiro ponto de crítica à sentença é o afastamento que nela se faz da regra estabelecida no artigo 10º, n.º 5 do Código das Expropriações - que o tribunal “a quo” considerou afastada por favor do acolhimento de regime do DL nº 123/2010, de 12/11 -, que as recorrentes têm como inaplicável, já que o próprio previu sua aplicação somente aos procedimentos de expropriação iniciados após a sua entrada em vigor.

O DL nº 123/2010, de 12/11, «Cria um regime especial das expropriações necessárias à realização de infra-estruturas que integram candidaturas beneficiárias de co-financiamento por fundos comunitários, bem como das infra-estruturas afectas ao desenvolvimento de plataformas logísticas, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 31/2010, de 2 de Setembro.»

Prevê o Código das Expropriações (CE):
Artigo 10.º
Resolução de expropriar
1 - A resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação deve ser fundamentada, mencionando expressa e claramente:
a) A causa de utilidade pública a prosseguir e a norma habilitante;
b) Os bens a expropriar, os proprietários e demais interessados conhecidos;
c) A previsão do montante dos encargos a suportar com a expropriação;
d) O previsto em instrumento de gestão territorial para os imóveis a expropriar e para a zona da sua localização.
2 - As parcelas a expropriar são identificadas através da menção das descrições e inscrições na conservatória a que pertençam e das inscrições matriciais, se não estiverem omissas, ou de planta parcelar contendo as coordenadas dos pontos que definem os limites das áreas a expropriar, reportadas à rede geodésica, e, se houver planta cadastral, os limites do prédio, desde que situados a menos de 300 m dos limites da parcela, em escala correspondente à do cadastro geométrico da propriedade ou, na falta deste, em escala graficamente representada não inferior a 1:1000, nas zonas interiores dos perímetros urbanos, ou a 1:2000, nas exteriores.
3 - Os proprietários e demais interessados conhecidos são identificados através do nome, firma, denominação, residência habitual ou sede.
4 - A previsão dos encargos com a expropriação tem por base a quantia que for determinada previamente em avaliação, documentada por relatório, efectuada por perito da lista oficial, da livre escolha da entidade interessada na expropriação.
5 - A resolução a que se refere o n.º 1 anterior é notificada ao expropriado e aos demais interessados cuja morada seja conhecida, mediante carta ou ofício registado com aviso de recepção.

A recorrente invoca que, ao contrário do referenciado no próprio despacho impugnado, o co-fnanciamento justificativo é do âmbito do Fundo de Coesão II (2000 -2006) do Quadro Comunitário de Apoio III (2000-2006), sendo que o regime especial disciplinado no DL nº 123/2010, de 12/11, é tão só aplicável «À conclusão das infra-estruturas de abastecimento de água, de saneamento de águas residuais e de valorização de resíduos sólidos urbanos, co-financiados pelo Fundo de Coesão no período de 2000 -2006, cujos procedimentos de expropriação se iniciem após a entrada em vigor do presente decreto–lei” (art.º 1º, nº 3, a), do diploma), entrada em vigor que ocorreu no dia seguinte ao da sua publicação (art.º 13º), aduzindo que existirá resolução aprovada pela ré Águas (...) em 10 de Maio de 2010 (tendo restantes interessados sido notificados dela por cartas de 25-05-2010).

Todavia, este erro nos pressupostos nunca foi causa levada à petição inicial.

Tão só, a final, em alegações escritas se brandiu o vício.

O tribunal “a quo” não tinha que sobre ele se pronunciar (cfr. Acs. deste TCAN: de 09-05-2015, proc. nº 02176/06.4BEPRT; de 03-06-2016, proc. nº 00212/11.1BEMDL; de 03-06-2016, proc. nº 02671/11.3BEPRT).

Como não fez.

Cfr. Ac. deste TCAN, de 28-02-2020, proc. n.º 00304/11.7BEMDL:

III - Os recursos ordinários destinam-se a permitir que o tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação das decisões recorridas.
IV - Em ordem a tal objetivo, as partes e o Tribunal Superior devem partir do pressuposto de que a questão já foi objeto de decisão, tratando-se apenas de apreciar a sua manutenção, alteração ou revogação.
Assim - e sem ausência de tratamento que agora houvesse que suprir - depara-se-nos questão nova, que não é de conhecimento oficioso, e que agora não cabe conhecer (Ac. deste TCAN, de 20-03-2015, proc. nº 01131/10.4BELSB; de 23-09-2015, proc. nº 00838/10.0BEPRT; de 03-06-2016, proc. nº 00484/10.9BEVIS).

[o que, ressalve-se e note-se, nos termos em que agora o afirmamos não acolhe a perspectiva do Digno PGA no seu parecer, pois saber se se aplica o disposto no art.º 10º, n.º 5, do CE, foi questão tratada na sentença]

De qualquer forma, mesmo que assim não se veja - o que, numa outra perspectiva de abordagem, admitimos, será defensável -, o seu triunfo ou decesso acaba na economia do caso por não relevar.
Não obstante não arredada a aplicabilidade do D.L. n.º 123/2010, de 12/11, ainda assim cumpre saber se sob seu regime é de observar o disposto no art.º 10º, n.º 5, do Código das Expropriações.

E se a resposta for afirmativa, então nada importa que o caso seja visto sob tal regime.

Pelo que se segue o seguinte.

Segundo ponto criticado: «O procedimento descrito no art. 3.º n.° 1 do Dec. Lei 123/2010 de 12 de Novembro apenas dispensa a entidade expropriante de apresentar o requerimento inicial previsto no artigo 12.º do Código das Expropriações e das formalidades a ele relativas.(…) Em parte alguma do Dec. Lei 123/2010 de 12 de Novembro se retira que a entidade exproprante está dispensada de levar a cabo a Resolução de Expropriar a que alude o art.º 10.° do Código das Expropriações e a sua notificação aos interessados a que alude o n.° 5 daquele preceito legal.».

Com razão.
Prevê o Código das Expropriações (CE):
Artigo 12.º
Remessa do requerimento
1 - O requerimento da declaração de utilidade pública é remetido, conforme os casos, ao membro do Governo ou ao presidente da assembleia municipal competente para a emitir, devendo ser instruído com os seguintes documentos:
a) Cópia da resolução a que se refere o n.º 1 do artigo 10.º e da respectiva documentação;
b) Todos os elementos relativos à fase de tentativa de aquisição por via de direito privado quando a ela haja lugar e indicação das razões do respectivo inêxito;
c) Indicação da dotação orçamental que suportará os encargos com a expropriação e da respectiva cativação, ou caução correspondente;
d) Programação dos trabalhos elaborada pela entidade expropriante, no caso de urgência, bem como a fundamentação desta;
e) Estudo de impacte ambiental, quando legalmente exigido.
2 - Se o requerente for entidade de direito privado, deve comprovar que se encontra caucionado o fundo indispensável para o pagamento das indemnizações a que haja lugar.
3 - A entidade requerida pode determinar que o requerente junte quaisquer outros documentos ou preste os esclarecimentos que entenda necessários.

O art.º 3.º, n.º 1, do D.L. n.º 123/2010, de 12/11, dispõe que “salvo nos casos previstos no n.º 2 do artigo 14.º do Código das Expropriações, é da competência do membro do Governo da tutela determinar por despacho, sob proposta da entidade responsável pela implementação da infra-estrutura, os bens imóveis a que se refere o n.º 1 do artigo anterior, fazendo-o sem dependência do requerimento inicial previsto no artigo 12.º do Código das Expropriações e das formalidades a ele relativas, sem prejuízo do n.º 3 do artigo 13.º do mesmo Código, valendo aquele despacho como declaração de utilidade pública, nos termos do n.º 2 do artigo 13.º do Código das Expropriações”.

A declaração de utilidade pública relativa à constituição de servidões administrativas segue mesma disciplina (art.º 7º).

Evidencia-se que o procedimento, urgente (art.º 2º, nº 1) se quer expedito, “sob proposta” da entidade responsável pela implementação da infra-estrutura, e “sem dependência do requerimento inicial previsto no artigo 12.º do Código das Expropriações e das formalidades a ele relativas”, entre as quais se conta a instrução de semelhante requerimento com “Cópia da resolução a que se refere o n.º 1 do artigo 10.º e da respectiva documentação”.

O que vem a terreiro é se o procedimento chega a ser ablativo de outras formalidades, mormente da que está questionada.

O tribunal “a quo” entendeu que sim, na lógica de que se não é necessário o requerimento em geral previsto, nem formalidades a que deve obedecer (entre as quais “Cópia da resolução a que se refere o n.º 1 do artigo 10.º e da respectiva documentação”), então é porque não têm de caber os actos que segundo esse mesmo regime geral se expressam documentalmente nessas exigências formais.

Julga-se não ser assim.
O D.L. n.º 123/2010, de 12/11, remete para (regime geral) “o Código das Expropriações em tudo o que não se encontrar previsto na presente lei.” (art.º 11).

Na letra da lei (ponto de partida da interpretação), se expressa dispensa temos é a das formalidades previstas no art.º 12º do CE (abrangendo requerimento inicial com “Cópia da resolução a que se refere o n.º 1 do artigo 10.º e da respectiva documentação”).

E só por aí se fica na norma positivada o “encurtamento” do iter processual.

Na nossa leitura da lei ordinária, e, decerto, no conforto constitucional que a acompanha, não mais implica ou projecta.

Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art.º 9º, nº 3, do CC).

Não vemos no desenho do procedimento plasmado no art.º 3.º, n.º 1, do D.L. n.º 123/2010, de 12/11, ou do mais que conforma esse regime especial, urgente, a solução encontrada pelo tribunal “a quo”, afastando que ocupe lugar a regra do artigo 10º, n.º 5 do Código das Expropriações.

Não é essa a “mensagem normativa” contida na especialidade do regime.
Cfr. Ac. do STA, de 07-01-2009, proc. nº 0707/08 :
«(…) como resulta dos próprios termos daquele n.º 5 do art. 10.º a sua função primacial é comunicar ao expropriado o conteúdo da resolução de requerer a declaração de utilidade pública, pelo que é de concluir que essa notificação visa, em primeira linha, dar ao expropriado conhecimento do início do procedimento de expropriação, com antecedência em relação ao momento da declaração de utilidade pública, por forma a permitir-lhe defender nele adequadamente os seus interesses, designadamente poder influenciar a própria declaração de utilidade pública.
Por isso, não há suporte legal para afirmar que, quando a expropriação é qualificada como urgente, não há lugar àquela notificação.
Por outro lado, esta interpretação no sentido de ser exigível sempre uma notificação prévia antes da declaração de utilidade pública dando conhecimento impõe-se como sendo a mais acertada (e, por isso, tem de se presumir ter sido legislativamente adoptada, face ao disposto no art. 9.º, n.º 3, do CC), pois, num Estado de Direito que tem como um dos seus pilares fundamentais o reconhecimento do direito de propriedade privada (art. 62.º da CRP), não seria compreensível, fora de circunstâncias extraordinárias ou casos especiais em que estão em interesses fundamentais do Estado, que as entidades públicas pudessem extingui-lo repentinamente, com concomitante tomada de posse administrativa (conexionada com a atribuição de urgência, como decorre do art. 15.º, n.º 2, do Código das Expropriações de 1999, e que, no caso foi imediatamente assumida, como se refere no acto recorrido), sem qualquer aviso prévio.
Os casos em que pode ocorrer posse administrativa imediata, sem qualquer formalidade prévia em relação ao expropriado, são apenas os de calamidade pública ou exigências de segurança interna ou defesa nacional, previstos no art. 16.º do Código das Expropriações de 1999, em que se prevê o regime da «Expropriação urgentíssima».

Por isso, impõe-se a conclusão de que a notificação prevista no art. 10.º, n.º 5, do Código das Expropriações de 1999 tem de ser efectuada também no caso de expropriações urgentes e tem de sê-lo com antecedência suficiente em relação ao momento da declaração de utilidade pública que permita ao expropriado poder influenciar o sentido desta declaração.».

Há quem sustente que o procedimento de notificação previsto no artigo 10º, nº 5, e no artigo 11º, nº 2, do CE, inserindo-se na tentativa prévia de aquisição por via do direito privado, e estando dispensada a aquisição por via do direito privado nos casos de expropriação com carácter urgente, não se impõe (neste sentido, Pedro Cansado Paes, Ana Isabel Pacheco, Luís Alvarez Barbosa, "Código das Expropriações", Almedina, 2ª edição, anotação do artigo 10º).

Mas é posição que não tem vingado.

Deve evidenciar-se que «A notificação da resolução de expropriar corresponde, nos procedimentos que se ordenam à emissão da DUP, à audiência prévia genericamente prevista no art. 100º do CPA» (Ac. do STA, de 18-12-2013, proc. nº 0775/13).
«Aquela notificação é um dos instrumentos de concretização do direito de “participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito” (art. 267º/5 da CRP) e elemento de grande relevo no estatuto procedimental do particular no processo expropriativo, uma vez que a publicização é o ponto de partida de toda a dialéctica que o procedimento pressupõe e requisito de uma participação informada, substancial e eficiente.» (Ac. do STA, Pleno, de 06-03-2007, proc. nº 01595/03).

Concluindo, neste ponto há que reconhecer que há um sustento de razão no recurso ao apontar erro de julgamento à decisão recorrida no juízo que fez quanto à desnecessidade da referida notificação.

Mas, contrapõe a recorrida:

11. Independentemente disso, a verdade é que a Recorrida procedeu a todas as notificações legalmente exigidas, quer quanto aos sujeitos, quer quanto à forma.
12. A Recorrida procedeu às notificações no estrito cumprimento da forma legal prescrita para tal acto, mediante carta ou ofício sob registo com aviso de recepção - parte final dos artigos 10º n° 5 e 171 n° 1 do CE.
13. Fruto da servidão administrativa objeto do procedimento expropriativo dos autos foram estabelecidos contactos entre a Recorrida e o Sr. Jorge Carvalho, o qual sempre se identificou como arrendatário do prédio onerado com a servidão e que, de resto, é quem outorga, em representação e na qualidade de sócio gerente da sociedade de firma P., o contrato de arrendamento junto aos autos pelas Recorrentes, e responde às notificações remetidas pela Recorrida, utilizando o papel timbrado da Recorrente P., no qual vem aposto o carimbo desta sob assinatura.
14. Acresce que, as Recorrentes sabiam que o presente procedimento expropriativo se encontrava a decorrer.
15. As Recorrentes e a Recorrida lograram obter acordo para o ressarcimento dos prejuízos diretos e indiretos resultantes da constituição da servidão administrativa e outros prejuízos resultantes da execução da obra.
16. A Recorrente P. comunicou à Recorrida a sua aceitação.
11. Tendo as partes celebrado o "Contrato de Indemnização da Servidão Administrativa - Parcela 04 (Arrendatário)" junto aos autos.
12. A Recorrida, pagou o preço acordado, tendo o cheque que o titulou sido apresentado a pagamento.
17. As Recorrentes foram informadas/notificadas que a Recorrida pretendia expropriar a parcela em causa nos presentes autos.

E tem, no ponto essencial, razão.

Indo de encontro ao que contestou.
Consignou-se que “Não consta do PA apenso aos autos que as Autoras tenham sido notificadas do despacho a que se alude no ponto C) do probatório”.

Mas é possível extraí-la do que, ainda que não vindo em PA, se encontra nos autos.

Atentemos no seguinte acervo documental junto com a contestação:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Seguindo-se:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Tem-se por não impugnado.

Segue o presente processo forma de acção administrativa especial.

Conjugando a enviada a carta para a (então) sede da autora P. e atribuída a resposta a esta, em documentos não impugnados, pode considerar-se que destinando-se a comunicação a levar à autora conhecimento da resolução de expropriar, dela acabou por ter conhecimento.
Epor outro lado, também não é indiferente considerar ocorrência do seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Com o anexo:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(Planta cadastral de Março de 2010).
Sendo colocado a desconto cheque para pagamento:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Subsequentemente, a ré Águas recepcionou o seguinte da autora P.:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Seria abusivo – no mínimo - por parte da recorrente negar o que a própria teve conhecimento e não negou então de legitimidade aparente - como norteia o processo expropriativo - para acordada indemnização.

E, de todo o modo, concomitantemente sempre adquirindo o suficiente conhecimento quanto à resolução de expropriar.

Mesmo que houvessemos de ter a autora P. como não notificada nos termos do art.º 10º, n.º 5, do CE, sempre se impõe a doutrina presente no Ac. do STA, de 20-02-2020, proc. n.º 0894/08.1BESNT 0684/18:
VI - Não obstante, o incumprimento ou o cumprimento defeituoso dessa formalidade legal pode degradar-se em disfunção de segunda ordem, sem eficácia invalidante, desde que os interessados não sejam realmente atingidos nos seus direitos de participação no contraditório e na tomada da decisão, isto é, quando se possa dizer que foram alcançados os objetivos tidos em vista pelo legislador ao prever aquela formalidade legal.
VII - Será o caso se os expropriados e demais interessados participarem atempadamente no procedimento, ou estiverem em condições de o poder fazer, da mesma forma que o teriam feito se aquela notificação tivesse sido cabalmente efetuada.

Como dizem Esteves de Oliveira e outros (CPA Comentado, vol. I, pág. 365): “Claro que não se gera tal invalidade de decisão se, não obstante isso, se demonstrar que o interessado em causa teve conhecimento do procedimento a tempo de poder nele intervir (…)”.
*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
*
Custas: pelas recorrentes.
*
Porto, 19 de Fevereiro de 2021.

Luís Migueis Garcia
Frederico Branco
Nuno Coutinho