Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00748/14.2BEPRT-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/02/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA; INTERVENÇÃO DE TERCEIRO;
COMPANHIA DE SEGUROS;
ESTABILIDADE DA INSTÂNCIA; “PRO-ACTIONE”
Sumário:1 - Constitui jurisprudência pacífica por reiterada, que a questão da competência em razão da matéria deve ser decidida atendendo à matéria da causa, isto é, ao seu objecto encarado sob um ponto de vista qualitativo, em conformidade com o pedido formulado na Petição inicial e a respectiva causa de pedir, o que tudo delineamos em torno da natureza da relação litigiosa substancial, que se fixa em face dos termos em que o demandante propõe a acção e também por força das modificações da instância previstas na lei, tendo em vista a apreciação do direito a que o mesmo se arroga e pretende ver judicialmente protegido.

2 - Em conformidade com o que assim dispõe o artigo 260.º do CPC, que é atinente ao princípio da estabilidade da instância, depois de citado o Réu, a mesma [instância] deve manter-se quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvaguardando-se as possibilidades de modificação [objectivas e subjectivas] consignadas na lei, sendo que em torno da modificação subjectiva [em torno das partes], o CPC dispõe sobre o chamamento de terceiro para efeitos de assegurar a legitimidade de alguma delas [Cfr. artigo 261.º], seja para efeitos da substituição na relação substantiva em litígio, por força de sucessão [inter vivos e mortis causa] ou por efeito de pedido de incidente de intervenção de terceiro [Cfr. artigo 262.º, alíneas a) e b) do CPC].

3 - Para que a companhia de seguros Ré [SCom02...], S.A. pudesse figurar como assistente nos autos, era fundamental que para esse efeito tivesse sido deduzido incidente de intervenção e por quem tem, nos termos da lei de processo, legitimidade e interesse em fazê-lo, sendo que, como patenteado nos autos, não foi requerido pela Ré nenhum incidente visando a intervenção daquela, nem a invocação de que contra ela pretendia exercer direito de regresso, por nisso ter interesse.

4 - Tendo o Tribunal a quo convocado a Audiência prévia porque estava finda a fase dos articulados, e tenho-o feito com a precisa enunciação de que um dos seus fins era a apreciação e decisão da matéria de excepção invocada, não poderia o Tribunal a quo convolar o que era juridicamente impróprio de convolação, tanto mais que a intervenção da companhia de seguros não era essencial para a apreciação e decisão do mérito do pedido do Autor, nem se justificava que para a justa composição do litígio [entre o Autor e as entidades demandadas] o Tribunal tivesse de suscitar o que mais fosse nos autos para efeitos desse conhecimento.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


[SCom01...] S.A, Co-Ré na acção intentada por «AA», inconformada com a decisão do TAF do Porto proferida em sede de audiência prévia, pela qual as Rés [SCom02...] S.A e [SCom03...], S.A. [todas devidamente identificadas nos autos, com anterior denominação social], foram absolvidas da instância, inconformada, veio interpor recurso de Apelação.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
CONCLUSÕES
1. Vem o presente recurso interposto da douta decisão proferida na audiência prévia, de absolvição da instância das seguradoras [SCom02...] S.A e [SCom04...] S.A.
2. Na sobredita decisão o tribunal a quo entendeu que as seguradoras são partes ilegítimas na medida em que, tratando-se de seguros de natureza facultativa, as seguradoras apenas poderiam intervir na causa enquanto intervenientes acessórias e não a título principal e que, não tendo sido chamadas pelas RR. seguradas, devem ser absolvidas da instância.
3. Fundamentou para o efeito que não estando em causa a possibilidade de demanda direta das seguradoras nem a existência de negociações entre estas e o lesado que pudessem justificar a sua intervenção a título principal, impõe-se a sua absolvição da instância por serem partes ilegítimas.
4. A legitimidade processual afere-se pela forma como o autor configura a sua causa de pedir e respetivo pedido (arts. 9.º, n.º 1, 2ª parte e 10.º, n.º 1, do CPTA e art.º 30.º, n.º 3, do CPC). De modo que a legitimidade do réu se confere pelo interesse direto que tem em contradizer, traduzindo-se este no prejuízo que dessa procedência advenha.
5. Assim, na falta de indicação da lei em contrário, os titulares do interesse relevante para o efeito de legitimidade são os sujeitos da relação controvertida, tal como a configura o autor - artº 30º, nos 1, 2 e 3 do CPC.
6. Por conseguinte, para efeitos de aferição da legitimidade processual, ativa ou passiva, releva apenas a forma como o autor configura a sua pretensão, quer quanto ao objeto, quer quanto aos sujeitos da relação material controvertida, sendo, para este efeito, irrelevante se, a final, se vier a verificar que um daqueles sujeitos nunca teria, à luz do direito material, qualquer interesse substantivo relevante.
7. No caso em apreço, foi alegada a existência de um contrato de seguro de responsabilidade civil facultativo celebrado entre as 2.ª e 5.ª RR e entre as 3.ª e 4.ª RR, respetivamente.
8. O A. demandou os alegados “lesantes” (segurados) e também, diretamente, as respetivas seguradoras, porquanto após ter apresentado a sua reclamação de danos, lhe foi comunicada pelas RR. seguradas a existência de contratos de seguro e identificação das respetivas seguradoras para as quais tinham transferido a sua responsabilidade civil, na sequência do que foram então estabelecidos contactos (ainda que através da administração de condomínio) tendo em vista, com razão ou sem ela, o ressarcimento dos alegados danos.
9. O tribunal recorrido afastou linearmente a situação contemplada no n.º 3 da Lei do Contrato de Seguro (RJCS), aprovada pelo Decreto-Lei no 72/2008, de 16 de Abril, por entender que “… de acordo com as disposições que se encontram previstas nos artigos 1430.º e seguintes do Código Civil, a administração de condomínio não dispõe de legitimidade para prosseguir e tutelar interesses pessoais e individuais de cada um dos condóminos, e da exclusiva esfera patrimonial destes, mas apenas aqueles interesses que digam respeito às partes comuns de um imóvel constituído em propriedade horizontal”, para assim concluir que não tendo a administração de condomínio legitimidade para intervir em representação do A., soçobra a legitimidade processual das seguradoras.
10. Ora, salvo o devido respeito, no caso sub judice não está em causa a aferição (também) da legitimidade processual ou de representação da administração de condomínio, porquanto no caso dos autos e tendo em consideração que o evento causador dos danos afetou todos os veículos que se encontravam estacionados nas garagens dos edifícios (e não apenas o veículo do aqui Autor), a administração de condomínio encetou efetivamente contactos com todas as seguradoras, tendo em vista a resolução conjunta de todas as situações, fazendo-o por uma questão de economia de gestão.
11. Para o caso em apreço, não interessa aferir se na esfera de atuação de uma administração de condomínio está ou não prevista a possibilidade de esta representar apenas o condomínio enquanto universalidade das partes comuns do edifício, ou se age também em representação dos próprios condóminos em situações desta natureza. O que interessa é antes apurar se, bem ou mal, efetivamente o fez.
12. E, por conseguinte, deve ser considerada integrada a previsão do n.º 3 do art.º 140º do RJCS, ainda que a representação do A. tenha sido efetuada por terceiro, sendo irrelevante para esse efeito aferir da conformidade legal dos poderes de representação desse terceiro.
13. Por outro lado, é evidente que a aqui Recorrente tem todo o interesse que a seguradora para a qual transferiu o risco da sua atividade esteja presente nos presentes autos a fim de, também ela, se poder defender e a decisão que a final vier a ser proferida possa produzir efeitos também quanto a ela, por razões óbvias de economia processual.
14. Sendo evidente que a única razão pela qual a aqui Recorrente não requereu a intervenção acessória provocada da sua seguradora foi pelo facto de a mesma já estar a ser diretamente demandada pelo A. ab initio a título principal, e ainda, subsidiariamente, a título acessório.
15. A intervenção principal provocada encontra o seu âmbito definido no art.º 316.º do CPC, do qual resulta que é admissível quando qualquer das partes queira chamar a juízo um interessado com direito a intervir na causa (litisconsórcio necessário ou voluntário), seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
16. Ora, tendo as seguradoras sido chamadas diretamente pelo A. a título principal e estando a possibilidade de deduzir o chamamento pelas RR. limitada à fase dos articulados (art.º 322.º CPC) e, por outro lado, tendo a decisão de absolvição da instância das seguradoras sido proferida (apenas) em sede de audiência prévia, de forma totalmente “desprevenida”, vê-se agora a Recorrente na contingência de não poder nesta fase processual chamar a sua seguradora à demanda, não podendo assim alargar os efeitos do caso julgado à seguradora para a qual transferiu a responsabilidade civil extracontratual da sua atividade.
17. De resto, e salvo o devido respeito, ao invés de ter absolvido da instância as seguradoras, o que o tribunal a quo deveria ter feito era, atento o dever de gestão processual, consagrado no artº 7.º-A, n.º 2 do CPTA e os princípios da cooperação processual, gestão inicial do processo e da adequação formal, estabelecido nos arts 7º, 590º e 547º, todos do CPC, ter ordenado a intervenção das seguradoras a título acessório ou, pelo menos, ter convidado as RR. seguradas a pronunciar-se sobre o seu interesse processual.
18. Para tanto bastaria, previamente à prolação da decisão objeto deste recurso, ter convidado as partes a pronunciar-se sobre o propósito ou não de estas exercerem o direito previsto no art.º 322.º do CPC, tendo em consideração as circunstâncias concretas deste caso.
19. Por conseguinte, tendo a. demandado as seguradoras a título principal, com as quais, previamente à instauração da ação, encetou negociações através da administração de condomínio, devem as mesmas ser consideradas partes legitimas na ação.
20. Ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida violou, entre outros, os art.º 143.º, n.º 3 do Decreto-Lei no 72/2008, de 16 de Abril, arts. 316.º e 322.º do CPC e arts. 10º e 12º do CPTA.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas, deve a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que considere as RR. seguradoras partes legítimas na ação.
Assim decidindo, como é de lei, Vossas Excelências farão inteira e costumada JUSTIÇA.”

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A Recorrida [SCom02...], S.A. apresentou Contra Alegações, tendo a final enunciado as conclusões que para aqui se extraem como segue:

“CONCLUSÕES:
1. Analisada a douta petição inicial constata-se que apenas foi alegado que por contrato de seguro celebrado entre a 3ª R. e a 4ª R., aquela transferiu para esta a sua responsabilidade civil emergente da obra em causa, pelo que a Companhia de Seguros é parte legítima nos presentes autos, uma vez que tem interesse direto em contradizer, face ao facto de ser igualmente responsável pelo pagamento da indemnização devida ao A.
2. O contrato de seguro de responsabilidade civil celebrado entre a recorrente e a ora recorrida é de natureza facultativa, o que é aceite pela apelante.
3. No âmbito do seguro facultativo, ao invés do que sucede no seguro obrigatório, o terceiro lesado não pode, em princípio, demandar diretamente a seguradora, o que apenas ocorrerá nas situações previstas no artigo 140.º, n.ºs 2 e 3, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
4. No n.º 2 remete-se para a previsão contratual a possibilidade de o lesado demandar diretamente a seguradora; no n.º 3, tal possibilidade depende de o segurado ter informado da existência do contrato de seguro e de no seguimento dessa informação o lesado tenha iniciado negociações diretas com a seguradora.
5. O contrato de seguro foi junto aos autos pela aqui recorrida e dele resulta não estar prevista a possibilidade de propositura da ação diretamente pelo lesado, tal como foi reconhecido na douta sentença recorrida.
6. O autor apenas invoca a existência do contrato de seguro, pelo que a sua alegação é manifestamente insuficiente para preencher a factualidade necessária à aplicação do artigo 140.º, nº 3, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
7. Não tendo sido alegado que a recorrente tenha informado o autor da existência de um contrato de seguro e ainda da existência de quaisquer negociações diretas entre a aqui autora, enquanto lesada, e as rés seguradoras, impunha-se a sua absolvição.
8. Contrariamente ao que defende a recorrente as rés/seguradoras não têm interesse em contradizer.
9. Ainda que se demonstrem todos os factos alegados pelo autor na douta petição inicial a ação nunca poderá culminar com a condenação das seguradoras (artigo 30.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
10. Acresce que, o autor não é titular da relação material controvertida tal como é por si configurada, enquanto terceiro em relação ao contrato de seguro celebrado não é titular de um direito contra a seguradora, quer porque o contrato de seguro facultativo o não atribuir quer porque não invoca os factos constitutivos deste seu direito, que fazem presumir a vontade das partes contratantes no sentido de lhe atribuir esta prorrogativa de exigir diretamente da seguradora o direito à indemnização.
11. Ainda que se entenda não se tratar a situação em apreciação de uma ilegitimidade processual, tal não significa que se imponha a procedência do recurso e a manutenção da [SCom02...] como ré nos presentes autos.
12. Como resulta do referido, nos contratos de seguro em apreço está impedida a demanda direta das seguradoras e, nesse sentido, o autor não tem direito a ser ressarcido pelas seguradoras.
13. Consequentemente, a manutenção das seguradoras como partes principais nos presentes autos conduzirá inevitavelmente à improcedência do pedido formulado contra si.
14. Em causa está a verificação de uma exceção perentória de direito material que se traduz na inexistência do direito dos autores de acionar diretamente as rés/seguradoras e que importa a sua absolvição do pedido. Os autores nenhum direito têm sobre as rés, pelo que a sentença não o poderá reconhecer.
15. O que justifica a sua imediata absolvição no saneador a fim de evitar a prática de atos inúteis e os custos processuais da manutenção de partes que, inevitavelmente, não poderão ser condenadas a final.
16. Contrariamente ao defendido pela recorrente, impõe-se esclarecer que não se está perante uma decisão surpresa, a recorrente conhecia o teor da contestação da ora recorrida, de que foi notificado.
17. Admitindo a procedência da exceção invocada, podia a recorrente requerer, para a hipótese de tal se vir a verificar, a intervenção acessória da sua seguradora, sendo o início da audiência prévia o momento processualmente adequado.
18. Conclui finalmente a recorrente que se impunha decisão diferente da absolvição da instância em cumprimento do dever de gestão processual consagrado no artigo 7.º A do CPTA que postula: “O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando-as a praticá-lo.”
19. Defende que ao juiz se impunha ter ordenado a intervenção das seguradoras a título acessório ou, pelo menos, ter convidado as RR. seguradas a pronunciarem-se sobre o seu interesse processual.
20. A modificação das partes no processo traduz uma exceção ao princípio da estabilidade da instância, sendo admitida apenas nas situações taxativamente enumeradas na lei.
21. No que concerne à intervenção de terceiros, a lei faz uma distinção essencial entre intervenção principal e intervenção acessória. Na intervenção principal, o terceiro é chamado a ocupar na lide a mesma posição da parte principal primitiva a que se associa, fazendo valer um direito próprio (art.º 312º do Código de Processo Civil), podendo apresentar articulados próprios (art.º 314º do Código de Processo Civil) e sendo a final condenado ou absolvido na sequência da apreciação da relação jurídica de que é titular efetuada na sentença, a qual forma quanto a ele caso julgado, resolvendo em definitivo o litígio em cuja discussão (art.º 320º do Código de Processo Civil).
22. Por sua vez, na intervenção acessória o terceiro é chamado a assumir na lide uma posição com estatuto de assistente (art.º 323º, nº 1 do Código de Processo Civil) e por isso a sua intervenção circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento (art.º 321º, nº 2 do Código de Processo Civil) e a sentença final não aprecia a ação de regresso mas constitui caso julgado às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, com as limitações do art.º 323, nº 3 do Código de Processo Civil).
23. A admissão de um interveniente acessório não interfere com a definição dos direitos das partes principais primitivas.
24. São as partes que no âmbito do seu poder dispositivo definem contra quem querem deduzir a ação, não podendo a tribunal substituir-se às mesmas, apenas pode e deve formular o competente convite à dedução do pedido de intervenção de terceiros nos exatos limites previstos na lei e com vista a possibilitar a definição em definitivo dos direitos e deveres das partes.
25. Quando o vício se encontre nos articulados o convite deve ser efetuado até ao despacho saneador, nos termos do artigo 590.º nº 2 do Código de Processo Civil.
26. O artigo 261.º do Código de Processo Civil admite a possibilidade de vir a ser proferida decisão que julgue ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa, pondo-se assim termo ao processo, sem ter ocorrido prévio convite ao aperfeiçoamento.
27. Na situação dos autos menos se impunha tal convite, até porque a circunstância de não estarem nos autos as seguradoras para salvaguarda do direito de regresso das rés/seguradas não impede que a presente ação produza o seu efeito útil normal.
28. Cré a recorrida que decisão diferente constituiria um atropelo do iter processual injustificado.
29. Não está conferido ao Juiz qualquer poder, poder-dever ou até dever, de se substituir à vontade da parte ou mesmo de a convidar a requerer a dedução de incidente de intervenção acessória, o que se traduziria numa violação do princípio do dispositivo.

Termos em que não pode ser concedido provimento ao presente recurso, impondo-se a confirmação da douta sentença.

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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.

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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], e que em suma se centram em saber se o Tribunal a quo errou no julgamento por si prosseguido em torno da absolvição da instância das duas Rés companhias de seguros [actualmente denominadas de [SCom02...], S.A. e [SCom03...], S.A.] por não ter aplicado o disposto no artigo 140.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, quer ainda por ter proferido uma decisão-surpresa, sem que lhe tenha sido suscitada a possibilidade de requerer a Intervenção acessória das companhias de seguros em causa, violando ainda o disposto nos artigos 316.º e 322.º do CPC e artigos 10.º e 12.º do CPTA.

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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO
Pese embora o Tribunal a quo não tenha fixado matéria de facto, para efeitos da decisão do presente recurso, este TCA Norte julga como adequado e bastante o quanto está constante do despacho saneador proferido, nos termos que para aqui se extrai, como segue:

“[…]
Da alegada ilegitimidade passiva da Ré, [SCom05...] (actualmente [SCom02...])
Na sua contestação, veio a Ré [SCom02...] arguir a excepção dilatória de ilegitimidade passiva. Alega para o efeito, e em suma, que, não obstante ter celebrado um contrato de seguro do ramo de responsabilidade civil com a 3ª Ré, o Autor é alheio a tal relação jurídica, não podendo demandar directamente a seguradora, porquanto esta apenas responderá em relação à sua segurada. Sublinha que, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 146.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril (que aprovou o Regime Jurídico do Contrato de Seguro, doravante abreviadamente RJCS), o lesado apenas pode demandar directamente a seguradora no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório, não se enquadrando o contrato de seguro celebrado com a 3ª Ré nesta categoria. Pugna, a final, pela sua absolvição da instância.
No exercício do direito de resposta, veio o Autor alegar que o contrato de seguro é um contrato a favor de terceiro, o que permite ao lesado demandar directamente a seguradora. Mais invoca que sempre teria de ser permitida a acção directa por parte do Autor, uma vez que a 3ª Ré, segurada, informou o lesado da existência do seguro, tendo-se verificado o início de negociações directas entre estes, estando então o lesado representado pela empresa de Administração de Condomínio “[SCom06...], Lda.”, nos termos e para os efeitos do previsto no n.º 3 do artigo 140.º do RJCS. Pugna, a final, pela improcedência da arguida excepção dilatória de ilegitimidade. Caso assim não se entenda, pugna pela convolação da posição da 4ª Ré, devendo a mesma passar a intervir nos termos previstos para a intervenção principal provocada, como associada da 3ª Ré.
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Cumpre apreciar e decidir.
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A legitimidade processual (activa/passiva), enquanto pressuposto processual positivo, afere-se pela forma como o Autor configurou a sua causa de pedir e respectivo pedido [artigos 9.º, n.º 1, 2ª parte e 10.º, n.º 1, do CPTA e o artigo 30.º, n.º 3, do CPC].
Assim, na esteira do critério elaborado pelo Professor Barbosa de Magalhães e que viria a ser acolhido no nosso ordenamento jurídico em detrimento da então tese do Professor Alberto dos Reis, considerar-se-ão partes processualmente legítimas, os sujeitos da relação material controvertida, tal como “desenhado” pelo Autor na sua petição inicial, independentemente da titularidade da posição jurídica substantiva [cf. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, in A Justiça Administrativa, 4ª edição, Almedina, pp. 257 e seguintes e MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Volume I, Almedina, pp. 154 e seguintes].
Por isso, embora constitua um pressuposto processual relativo às partes, a legitimidade processual não é uma condição de procedência da acção [cf. entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 17 de Novembro de 1996, processo n.º 038005 e de 1 de Outubro de 1998, processo n.º 04..., ambos acessíveis em www.dgsi.pt], distinguindo-se, nessa medida, da legitimidade-condição, material ou substantiva [cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de Dezembro de 2002, proferido no processo n.º 0828/02, acessível em www.dgsi.pt].
Do que resulta que, para a aferição da legitimidade processual activa ou passiva, relevará apenas a forma como o Autor configurou a sua pretensão, quer quanto ao objecto, quer quanto aos sujeitos da relação material controvertida, sendo, para este efeito, irrelevante se, a final, se vier a verificar que um daqueles sujeitos nunca teria, à luz do direito material, qualquer interesse substantivo relevante.
Cumpre, no entanto, atender à específica situação das seguradoras, particularmente nos casos em que, como no presente, os contratos de seguro têm natureza facultativa para efeitos do disposto no Regime Jurídico do Contrato de Seguro aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril (v.g. o artigo 140.º).
E, neste campo, a jurisprudência maioritária dirige-se no sentido de que, nos casos de contratos de seguro de natureza facultativa, a possibilidade da seguradora intervir (ou ser demandada), a título principal, encontra-se reservada para os casos especificamente previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 140.º do DL n.º 72/2008, de 16/04, ou seja, (i) quando o contrato de seguro preveja o direito do lesado demandar directamente a seguradora ou (ii) quando o segurado tenha sido informado da existência de tal contrato de seguro e, nessa medida, se tenham iniciado negociações directas entre o lesado e a seguradora [cf. nos tribunais judiciais, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19/10/2017, processo n.º 101/15.3T8BRG.G1, da Relação do Porto, de 30/05/2016, processo n.º 296/07.7TBMCN.P1, de 12/07/2017, processo n.º 1599/17.8T8PRT-A.P.1 e da Relação de Lisboa, de 20/10/2016, processo n.º 5000/15.3T8LSB-A.L1-8 e, nos tribunais administrativos, vide o Acórdão do TCA-Norte, de 30/11/2016, processo n.º 00541/13.0BEAVR, todos acessíveis em www.dgsi.pt].
Concorda-se com este entendimento, que aqui se acolhe, por ser aquele que encontra respaldo na intenção prosseguida pelo legislador com o regime jurídico do contrato de seguro que, inclusive, no seu preâmbulo cuidou de esclarecer que, no que tange ao contrato de seguro facultativo, contrariamente ao que sucede com o obrigatório, “preserva-se o princípio da relatividade dos contratos, dispondo que o terceiro lesado não pode, por via de regra, exigir a indemnização ao segurador.”
Dai, por isso, que no citado Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19 de Outubro de 2017, se haja esclarecido que “uma vez que a relação material controvertida, tal como configurada pelos autores na petição, subjectivamente apenas por eles e pelos réus lesantes é titulada e objectivamente apenas pelo facto ilícito, culposo e causador de danos constituída, não respeita à seguradora que facultativamente assumiu, em contrato com estes, o risco de, no património dos lesantes, se constituir uma obrigação de indemnizar. Ela garante apenas esse risco perante estes. Logo, nenhuma obrigação tem em relação aos lesados que estes possam accionar contra ela, susceptível de se “acumular” com o dos lesantes”.
Assim sendo, a legitimidade processual passiva da 4.ª Ré [SCom05...] e da 5.ª Ré Tranquilidade, tendo por objecto um contrato de seguro facultativo, apenas se pode verificar caso nos encontremos perante uma das duas situações que supra se avançou.
E, no que diz respeito à primeira das hipóteses que supra se avançaram para a possibilidade de demanda directa pelo lesado previsto no n.º 2 do artigo 140.º do RJCS, esta encontra-se liminarmente afastada, pois os contratos de seguro da [SCom05...] ([SCom02...]) e da Tranquilidade não prevêem o direito de o lesado demandar directamente as seguradoras (vide a apólice n.º ...34 e respectivas condições particulares, gerais e especiais em documentos n.ºs ... a ... da contestação da [SCom05...] ou a apólice “Car All Risks” n.º ...68 a fls. 515-532 do SITAF e a apólice n.º ...42 em documento n.º ... da contestação da Tranquilidade).
Já no que concerne à segunda das hipóteses, de facto, o Autor na resposta de fls. 178-209 do SITAF alegou, ainda que de forma genérica e desprovida de qualquer concretização factual, que, quer a 2.ª Ré, quer a 3.ª Ré, o informaram quanto à existência de um contrato de seguro, respectivamente, com a [SCom05...] e a Tranquilidade e que, nessa sequência, foram iniciadas negociações entre a Administração do Condomínio [SCom06...], Lda. e aquelas seguradoras, o que, na sua perspectiva, relevaria para o n.º 3 do artigo 140.º do citado DL n.º 72/2008.
Todavia, tal alegação jamais se poderia subsumir em tal fattispecie.
Como é bom de ver, de acordo com as disposições que se encontram previstas nos artigos 1430.º e seguintes do Código Civil, a administração de condomínio não dispõe de legitimidade para prosseguir e tutelar interesses pessoais e individuais de cada um dos condóminos, e da exclusiva esfera patrimonial destes, mas apenas aqueles interesses que digam respeito às partes comuns de um imóvel constituído em propriedade horizontal [cf. neste sentido, e a título de mero exemplo, veja-se Acórdão da Relação do Porto de 24/10/2019, P. 1406/18.4T8GDM.P1, disponível em www.dgsi.pt, entre outros].
Portanto, qualquer negociação directa que, porventura, tenha ocorrido entre a Administração do Condomínio [SCom06...], Lda. e as 4ª e 5.ª Rés apenas poderia ter por fito o eventual ressarcimento de danos causados nas partes comuns do edifício onde reside o Autor, que não os danos por este alegadamente suportados, e em representação destes.
Consequentemente, improcede o alegado, nesta matéria, pelo Autor.
Nestes termos, e à luz das disposições combinadas dos artigos 10.º, n.º 1 do CPTA, 30.º, n.º 3 do CPC e 140.º do RJCS, não podia a Ré, [SCom02...], associada da 3.ª Ré, [SCom01...], S.A., ser directamente demandada pelo Autor, sendo assim parte ilegítima, o que desde já se declara.
Face ao exposto, absolve-se a Ré, [SCom02...], da presente instância, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 278.º e da alínea e) do artigo 577.º do CPC.
Condena-se o Autor nas correspondentes custas processuais, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que, porventura, goze.
Cumpre ainda assinalar que o Autor requereu a fls. 178-209 do SITAF a intervenção principal da [SCom02...], a qual, porém, como já se viu, não tem legitimidade passiva para o efeito, mas apenas para a intervenção, a título acessório.
E, nessa medida, caso houvesse sido a 3.ª Ré a proceder ao seu chamamento, encontrando-nos perante um erro na qualificação do meio processual, poderia efectivamente ser legalmente admissível a este Tribunal proceder à convolação da sua intervenção principal em intervenção acessória em conformidade as modernas prerrogativas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 6.º e 547.º do CPC [cf. entre outros, o Acórdão do TRG, de 19 de Outubro de 2017, proferido no processo n.º 6101/15.3T8BRG.G1].
Porém, o n.º 1 do artigo 323.º do CPC apenas concede tal faculdade ao Réu e já não, claro está, ao Autor, pelo que, não tendo este naturalmente qualquer tipo de possibilidade de proceder ao chamamento, a título acessório, da [SCom05...], outra solução não resta ao Tribunal que não a de afastar a possibilidade de, no caso concreto, se proceder à convolação do seu pedido de intervenção principal (legalmente inadmissível pelas razões que supra se explicitaram) da [SCom05...] ([SCom02...]) em intervenção acessória.
Termos, em que sem necessidade de outras e maiores indagações, se indefere, por isso, o chamamento efectuado pelo Autor a fls. 178-209 do SITAF.
Custas do incidente típico a cargo do Autor, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que, porventura, goze.
[…]”

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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que tendo apreciado a pretensão deduzida pelo Autor «AA» contra o IPO Porto – Instituto Português de Oncologia do Porto, EPE, [SCom07...], S. A. (entretanto, insolvente), [SCom01...], S.A. [SCom02...], S.A., e contra [SCom03...], S.A. [todas devidamente identificados nos autos], veio a julgar em despacho saneador proferido em Audiência prévia, pela absolvição da instância [no que ora importa] das identificadas Rés seguradoras [4.ª e 5.ª Rés], assim como a indeferir o seu chamamento enquanto Intervenientes acessórias, quer da Recorrente sociedade comercial [SCom01...], S.A., quer da Ré [SCom07...], S.A..

Como assim dispõe o artigo 627.º, n.º 1 do CPC, as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos, para efeitos de poderem ser evidenciadas perante o Tribunal Superior as irregularidades de que a Sentença pode enfermar [que se reportam a nulidades que afectam a Sentença do ponto de vista formal e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade], assim como os erros de julgamento de facto e/ou de direito, que por si são resultantes de desacerto tomado pelo Tribunal na formação da sua convicção em torno da realidade factual, ou da interpretação e aplicação do direito, em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Como assim patenteado nas conclusões das Alegações de recurso apresentadas pela Recorrente, a mesma sustenta que o Tribunal a quo errou por não ter aplicado o disposto no artigo 140.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, e mais ainda, por ter proferido uma decisão-surpresa, sem que lhe tenha sido suscitada a possibilidade de requerer a Intervenção acessória das companhias de seguros em causa, violando ainda o disposto nos artigos 316.º e 322.º do CPC e artigos 10.º e 12.º do CPTA.

A Recorrente suscita assim duas questões que julgamos serem nucleares. Por um lado, em torno de que errou o Tribunal a quo no julgamento da ocorrência da ilegitimidade passiva das companhias de seguros [sendo certo que a companhia de seguros onde a mesma segurou o risco decorrente da sua actividade é apenas a [SCom02...], S.A.], por considerar que as mesmas podem ser demandadas directamente por parte do Autor face ao disposto no n.º 3 do artigo 140.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril [por ter havido negociações directas com as companhias de seguros], mas que sempre e de todo o modo, que lhe cabia a si enquanto Ré o direito de requerer a intervenção acessória das companhias de seguros, e que em face da decisão surpresa proferida pelo Tribunal a quo em Audiência prévia, que agora já não o poderá fazer.

Façamos aqui um ponto prévio.

A Companhia de Seguros [SCom03...], S.A., tinha a sua intervenção nos autos na qualidade de Ré, como assim identificada pelo Autor, no pressuposto de que o mesmo a queria e podia demandar directamente, por ter a Ré [SCom07...], S.A. (insolvente) transferido para si a responsabilidade civil emergente de danos causados pela execução da obra em causa [construção por parte do Réu IPO do novo edifício de Radioterapia Externa].

Como assim veio a Recorrente a informar os autos, por seu requerimento a fls. 481, não sendo o consórcio externo detentor de personalidade jurídica, a responsabilidade civil extracontratual emergente de danos causados pela actividade de empreiteiro estava coberta pelas apólices de responsabilidade civil geral subscritas por cada uma das empresas que formaram o consórcio [[SCom01...], [SCom07...] e [SCom08...]], e no caso da Recorrente, pela [SCom02...], S. A..

Não existe assim qualquer fundamento para que o pedido da Recorrente abarque para além da companhia de seguros para quem transferiu a sua responsabilidade civil, a [SCom02...], S.A., a companhia de seguros para quem a [SCom07...] transferiu a sua responsabilidade, pois que, com legitimidade para esse pedido [Cfr. artigos 140.º, n.ºs 1 e 3 do CPTA e 631.º, n.ºs 1 e 2 do CPC] apenas se reconheceria à [SCom07...], que de resto não recorreu da decisão sob recurso proferida pelo Tribunal a quo, o que a final significa, que a [SCom07...] se conformou com o julgamento alcançado.

Assim, e como apreciaremos ao diante, vamos circunscrever a apreciação da pretensão recursiva formulada pela Recorrente à parte em que o Tribunal a quo absolveu da instância a [SCom02...], S.A., por ser apenas quanto a esta companhia seguradora que a Ré ora Recorrente tem manifesto interesse em que a mesma mantenha a sua intervenção nos autos, seja com o estatuto processual de Ré, seja como sua assistente, pois como assim defende, está também em causa a não admissão pelo Tribunal a quo, da Intervenção acessória da [SCom03...], S.A.

Tendo o Autor identificado as duas companhias de seguros como as entidades a favor de quem as 2.ª e 3.ª Rés [cada uma por si] transferiram a sua responsabilidade civil extracontratual decorrente da execução da obra, e em face do âmbito da decisão recorrida, apenas se reconheceria legitimidade ao Autor e/ou à [SCom07...] para recorrer da decisão proferida, pois são os únicos a quem a decisão pode prejudicar.

Para além de que, por não estarmos perante um consórcio com personalidade jurídica, não cabe à Ré formular qualquer pretensão que apenas é apta a produzir efeitos na esfera jurídica de quem contratou o seguro de responsabilidade civil, ou que a quer manter nos autos, para que seja fonte do garante do pagamento da indemnização que o Tribunal possa vir a julgar como devida ao Autor.

Atentemos agora no processado gerado nos autos.

Cotejada a Petição inicial que motiva os autos e que foi apresentada nas Varas Cíveis do Porto, dela se extrai que o Autor referiu que a 1.ª Ré é uma entidade pública, e que na qualidade de dona de obra contratou a 2.ª e 3.ª Rés para executarem obra atinente ao Novo Edifício de Radioterapia Externa, e que por força dessa execução lhe foram causados danos para os quais reclama uma indemnização [Cfr. entre outros, pontos 14.º, 15.º, 18.º, 19.º e 61.º da Petição inicial], sendo que quanto às 4.ª e 5.ª Rés, referiu o Autor [Cfr. pontos 79.º e 80.º da Petição inicial], que por terem as mesmas celebrado contratos de seguro [com a 3.ª e 2.ª Rés, respectivamente] que por essa via transferiram a sua responsabilidade civil emergente de danos causados pela execução da obra em causa e que por essa razão essas duas companhias de seguros são parte legítima nos autos por terem interesse directo em contradizer pois são igualmente responsáveis pelo pagamento da indemnização que lhe é devida.

Atenta a tramitação que aí correu termos, o Autor instaurou a acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual fundada na prática de acto ilícito e também pelo risco, contra as cinco Rés, sendo que o único fundamento alegado para efeitos da demanda das duas Rés companhias de seguros, consiste no facto de quer a 2.ª quer a 3.ª Rés terem outorgado contratos de seguro, respectivamente, com as 4.ª e 5.ª Rés.

No âmbito das Contestações deduzidas pelas Rés veio deduzida defesa por excepção, sobre a qual o Autor veio a apesentar Resposta [Cfr. fls. 178 a 209 dos autos - SITAF], em que alegou a improcedência dessa matéria exceptiva, para além de ter requerido, sob os pontos 8 e 25 dessa Resposta, que para a eventualidade de vir a ser julgado da ocorrência da ilegitimidade das 4.ª e 5.ª Rés, que seja convolada a sua intervenção nos autos a título de Intervenção Principal Provocada, como associadas das 2.ª e 3.ª Rés, porque enquanto companhias de seguros ser a elas que lhes cabe o dever de pagamento da indemnização que o mesmo [Autor] reclama nos autos.

A matéria exceptiva invocada pelas 4.ª e 5.ª Rés foi objecto de conhecimento por parte do Tribunal Judicial, que veio a julgar ser materialmente incompetente para conhecer do mérito dos autos, por ser competente a jurisdição administrativa, tendo sido decidida a absolvição da instância de todos os Réus, sendo que em face dessa alegação, veio então o Autor requerer a remessa dos autos ao TAF do Porto, o que foi deferido pelo Tribunal Judicial.

Na pendência dos autos já no TAF do Porto, e após a prossecução de termos, no dia 07 de setembro de 2021 foi realizada audiência preliminar onde entre o mais veio a ser proferida a decisão sob recurso, que julgou pela absolvição da instância da Ré [SCom02...], S.A. [e da Ré [SCom03...], S.A.], por não poder ser demandada directamente pelo Autor, julgando assim pela sua ilegitimidade passiva, e bem assim, que sendo também processualmente indevida sua intervenção a título de Intervenção Principal, como tinha sido requerido pelo Autor, que mesmo a título de intervenção acessória não podia dar-se a sua intervenção, convolando assim oficiosamente a requerida intervenção principal em intervenção acessória, por a faculdade do pedido de intervenção acessória apenas estar concedido ao Réu e já não ao Autor, tendo assim sido também indeferido o requerido chamamento.

Quem vem recorrer da decisão proferida é a Ré [SCom01...], S.A., e que o faz abrangendo na sua pretensão recursiva, co mo já sabemos, para além da absolvição da instância [SCom02...], S.A., sua seguradora, também a [SCom03...], S.A., que é a seguradora da Ré [SCom07...], S.A..

Vejamos.

Como assim previsto no artigo 513.º do Código Civil, a existência de solidariedade nas obrigações só se verifica quando tal resulta da lei ou da vontade das partes, relevando neste particular que em sede do pedido formulado nos autos pelo Autor, e para efeitos da condenação solidária do Réu IPO, EPE, com as demais 4 Rés iniciais, devam ser demonstrados os factos de que derivava a obrigação de indemnizar, e bem assim, por que estamos perante uma pluralidade de responsáveis, que entre eles exista uma relação de solidariedade, que fundamente a petição da sua condenação solidária.

O que julgamos assim não estar patenteado nos autos quanto a todos os cinco identificados Réus.

Constitui jurisprudência pacífica por reiterada, que a questão da competência em razão da matéria deve ser decidida atendendo à matéria da causa, isto é, ao seu objecto encarado sob um ponto de vista qualitativo, em conformidade com o pedido formulado na Petição inicial e a respectiva causa de pedir, o que tudo delineamos em torno da natureza da relação litigiosa substancial, que se fixa em face dos termos em que o demandante propõe a acção, atendendo ao direito a que o mesmo se arroga e pretende ver judicialmente protegido.

Como refere Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, páginas 91, 94 e 95, a competência do Tribunal tem de aferir-se pelo "quid disputatum" - "quid decidendum", em antítese com o que será mais tarde o "quid decisum", tudo derivando a partir do que é o pedido do Autor, e que a mesma [competência] não depende da legitimidade das partes nem da procedência da acção, sendo ponto a dirimir de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do autor - compreendidos aí os respectivos fundamentos - não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão.

A competência em razão da matéria afere-se assim em função da relação jurídica controvertida tal como é trazida pelo Autor ao Tribunal, em termos do pedido e da causa de pedir, bem como da própria natureza dos sujeitos processuais, competência essa que se fixa no momento a acção é interposta, sem prejuízo das modificações processuais admitidas. Ou seja, releva para o efeito da fixação da competência dos Tribunais Administrativos a natureza da relação jurídica concreta que está na base do litígio, que deve assumir feição administrativa.

Como assim decorre da Petição inicial, o Autor imputou a todos os Réus por si identificados, a responsabilidade pelos danos causados na sua pessoa, sendo a 1.ª Ré a dona de obra, e as 2.ª e 3.ª Rés a executantes de obra [seguramente por lapso, Autor chamou estas últimas duas de concessionárias] e quanto às 4.ª e 5.ª Rés, por serem as seguradoras das 2.ª e 3.ª.

É manifesto que estamos perante um litígio que tem como intervenientes uma entidade pública empresarial cujo âmbito de actuação é subsumível no RRCEEP [Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro], e duas entidades de direito privado, executantes de obra pública, todas ligadas entre si por uma relação, por um denominador comum que advém da existência de um contrato de empreitada.

Atento o estado dos autos, e como assim perspectivamos o objecto do litígio, estamos em presença de sujeitos privados que se encontram envolvidos entre si, e também com o IPO, EPE, no âmbito de uma relação poligonal conexa com uma relação jurídica administrativa, dispondo neste contexto o artigo 10.º, n.º 9 do CPTA [e já assim dispunha o seu n.º 7], que “Podem ser demandados particulares ou concessionários, no âmbito de relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas ou com outros particulares.

Em conformidade com o que assim referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 4.ª edição, páginas 117 e 118, o disposto no artigo 10.º, n.º 9 do CPTA carece de ser interpretado em conjugação com o disposto no artigo 4.º, n.º 2, do ETAF, e que esta regra de competência material “resolve diversas dificuldades que, por vezes, se suscitavam na jurisprudência administrativa, quanto à competência dos tribunais administrativos para conhecer de ações de responsabilidade civil quando se verifique o chamamento ao processo de sujeitos privados que se encontrem envolvidos com a Administração ou com outros particulares numa mesma relação jurídica administrativa ou no âmbito de uma relação conexa com a relação principal que constitui objeto de litígio.“

Num cenário de responsabilidade civil extracontratual, há responsabilidade solidária por determinação legal, quando estamos perante a identificação de uma pluralidade de responsáveis, em que existe a plausibilidade de o dano poder ser atribuído a várias causas e as mesmas poderem ser imputadas a várias pessoas responsáveis [Cfr. artigo 10.º, n.º 4, do RRCEEP, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro], ou seja, de todos os Réus poderem ter concorrido para a produção dos danos, estando assim perante uma eventual concorrência de culpas [Cfr. artigo 497.º, n.º 1 do Código Civil].

Face ao que resulta dos autos, resultando manifestamente controvertido, saber se o IPO, EPE, com as Rés [SCom07...], S.A. e [SCom01...], S.A., concorreram entre si para a produção dos danos invocados pelo Autor, e por que se prefigura que estão entre si conexionados por vínculos jurídicos, o facto de se tratarem de entidades de direito privado, não retira a apreciação da situação controvertida do âmbito da competência dos Tribunais Administrativos.

Como assim julgamos, estamos em presença da figura do litisconsórcio, pois que se verifica uma pluralidade de partes, mas apenas uma única relação material controvertida, e que o disposto no n.º 2 do artigo 4.º do ETAF inclui na sua previsão casos como aquele de que tratam os autos, ou seja, da possibilidade de serem demandados particulares conjuntamente com entidades de direito público.

Mas logo se vê, porém, que face ao alegado na Petição inicial, que as duas Rés companhias de seguros em nada contribuíram para a produção dos danos.

Atenta a factualidade enunciada no probatório assim como a fundamentação nele aportada pelo Tribunal a quo, desde já julgamos que não assiste razão alguma à Recorrente, e que a decisão vai ser confirmada, por não poder ser efectuado um julgamento diverso daquele que o Tribunal a quo empreendeu.

Vejamos então.

Em conformidade com o que assim dispõe o artigo 260.º do CPC, que é atinente ao princípio da estabilidade da instância, depois de citado o Réu, a mesma [instância] deve manter-se quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvaguardando-se as possibilidades de modificação [objectivas e subjectivas] consignadas na lei, sendo que em torno da modificação subjectiva [em torno das partes], o CPC dispõe sobre o chamamento de terceiro para efeitos de assegurar a legitimidade de alguma delas [Cfr. artigo 261.º], seja para efeitos da substituição na relação substantiva em litígio, por força de sucessão [inter vivos e mortis causa] ou por efeito de pedido de incidentes de intervenção de terceiro [Cfr. artigo 262.º, alíneas a) e b) do CPC].

No domínio da intervenção de terceiros, e em face do que resulta do processado nos autos na 1.ª instância, como assim suscitado pelo Autor no âmbito da Resposta [Cfr. fls. 178 dos autos, SITAF] por si apresentada em face das Contestações deduzidas pelos Réus, e onde entre o mais emitiu pronúncia visando a matéria integrativa de excepção, atinente à ilegitimidade passiva das Rés [SCom02...], S.A. e [SCom03...], S.A., argumentou o mesmo no sentido de que para a eventualidade de se entender não poder demandar direictamente as Rés seguradoras, que devem as mesmas intervir a titulo de Intervenção Principal Provocada como associadas das Rés [SCom01...], S.A. e [SCom07...] S.A., referindo a final que em caso de condenação destas duas Rés, que são aquelas duas companhias de seguros as responsáveis pelo pagamento da indemnização que lhe é devida [ao Autor], por força dos contratos de seguro outorgados, o que só passava pela convolação da posição processual dessas entidades.

O Autor não requereu a convolação do estatuto processual das Rés, pois que de resto a final da sua pronúncia não formulou qualquer pedido nesse sentido, antes apenas deixou a menção de que deverá convolar-se a posição das Rés, tarefa que deixou ao cuidado do Tribunal a quo, e que como assim está patenteado na decisão recorrida, o mesmo apreciou e decidiu.

Ou seja, em face do que foi suscitado pelo Autor na Resposta por si apresentada visando as Contestações deduzidas pelas Rés, o mesmo sinalizou a convolação para Interveniente Principal [na vertente passiva], das Rés companhias de seguros que já eram partes nos autos enquanto Rés.

Com o chamamento de um terceiro, o que o requerente pretende é que o chamado ocupe na lide a posição de parte principal, ou seja, a mesma posição da parte principal primitiva a que pretende seja o mesmo associado [enquanto Autor ou Ré], fazendo assim valer um direito próprio [Cfr. artigo 312.º do CPC].

As duas companhias de seguros foram identificadas pelo Autor como Rés, e assim tendo sido citadas, esse seu estatuto processual tem de manter-se por força dessa sua citação.

Em face da alegação produzida pelo Autor na Resposta apresentada, o que nem sequer consubstancia a dedução de um incidente processual, o que o Autor teria em vista era não a Intervenção Principal dessas Rés, mas antes a sua intervenção acessória, como auxiliares das 2.ª e 3.ª Rés, cada uma por si, enquanto seguradoras da respectiva responsabilidade civil extracontratual por forma a que a decisão a proferir pelo Tribunal a quo e caso o fosse no sentido da condenação das 2.ª e 3.ª Rés, que também produzisse o efeito de caso julgado contra as assistentes companhias de seguros, quanto às questões de que dependa o direito de regresso.

O Autor demandou as 4.ª e 5.ª Rés, companhias de seguros, e de forma directa, no pressuposto de que essa sua intervenção processual era a legal e processualmente devida.

Como assim apreciou o Tribunal judicial, em torno da verificação da sua incompetência em razão da matéria para conhecer do mérito dos autos, e cujo julgamento mantemos, sendo demandado o IPO, cuja actuação cai no âmbito da jurisdição administrativa, competente para conhecer do mérito dos autos é o Tribunal Administrativo do Porto, para onde de resto, após pedido do Autor e não oposição das Rés, os autos foram remetidos.

Note-se que por seu despacho datado de 17 de outubro de 2013, o Tribunal Judicial convocou a realização de uma Audiência prévia para os fins do disposto no artigo 591.º, n.º 1, alíneas a), c), d), f) e g) do CPC, e à qual as partes compareceram [salvo quanto à 2.ª Ré], em 12 de dezembro de 2013.

O Tribunal judicial não definiu então como fim da Audiência prévia, facultar às partes a discussão de facto e de direito quando lhe cumpra apreciar excepções dilatórias, pois que, em torno do quanto foi alegado pelas duas Rés companhias de seguros, o que constituía matéria integrativa de excepção era atinente à sua ilegitimidade passiva para figurarem nos autos como parte principal, já que não outorgaram com a 2.ª e 3.ª Rés seguro obrigatório de responsabilidade civil, sendo que essa discussão em torno dessa matéria de excepção deu-se nos articulados patenteados nos autos [na Petição inicial, nas Contestações e na Resposta do Autor], pelo que se prefigurava desnecessária que às partes fosse facultada uma discussão em torno dessa matéria.

Porém, como assim resulta da acta da Audiência prévia, tendo o Tribunal judicial vindo a sinalizar que seria incompetente em razão da matéria, e tendo os Senhores mandatários das partes logo sido notificados para efeitos de dizerem o que se lhes oferecer sobre esse assunto, e tendo os mesmos requerido prazo para esse efeito, que lhes foi concedido, não resulta depois do processado nos autos que as partes alguma pronúncia tenham vindo a emitir, sendo que nesse patamar, veio a ser proferida Sentença por via da qual, em suma, foi julgado ocorrer a incompetência da jurisdição comum, e que competente era a jurisdição administrativa, em razão da matéria e por via dos sujeitos.

Como dispõe o artigo 311.º do CPC, e já assim referimos supra, estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objecto, tiver um interesse igual ao do Autor ou do Réu, nos termos dos artigos 32.º [litisconsórcio voluntário], 33.º [litisconsórcio necessário] e 34.º [acções que têm de ser propostas por ambos ou contra ambos os cônjuges].

Com efeito, e em regra, sendo o litisconsórcio voluntário quando a acção é proposta por todos ou contra todos os interessados [mas sem que exista obrigação desse exercício], já nos casos em que o litisconsórcio é necessário torna-se efectivamente necessária a intervenção de todos os titulares por forma a assegurar a legitimidade processual [activa ou passiva], o que ocorre designadamente quando a lei ou o negócio exigem a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, mas também quando, pela própria natureza da relação jurídica, a intervenção de todos eles se mostra como condição necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, isto é, seja capaz de regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado [neste sentido, Cfr. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, página 165 e seguintes, e Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, página 58].

Estando o campo de aplicação da intervenção principal [espontânea ou provocada], com excepção da situação prevista no artigo 317.º do CPC, definido por referência às situações de litisconsórcio, resulta evidente que só pode intervir na acção, assumindo a posição de parte principal aquele que sendo terceiro face ao objecto da lide, esteja em relação à parte a que se vai associar numa situação de litisconsórcio.

Do que assim não tratam os autos.

Com efeito, e como assim se prefigura resultar dos documentos juntos aos autos, não estando em causa um seguro de responsabilidade obrigatório, não podia o Autor, demandar directamente, como Rés, as companhias de seguros.

E não as podendo demandar como Rés, tão pouco as podia demandar a título de Intervenção Principal, pois que atenta a causa de pedir as mesmas são terceiro face ao objecto da lide, e não estamos perante uma situação de litisconsórcio necessário.

Os termos e pressupostos que em sede de responsabilidade civil extracontratual são determinantes da efectivação do dever de indemnizar dos identificados Réus, como assim caracterizou o Autor em sede da sua legitimidade passiva e em face da relação jurídica controvertida, são questões que são apreciados sob uma concreta forma de processo, e ao abrigo de um regime jurídico também ele próprio, o da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, em cujo processo também podem ser demandadas sociedades comerciais, contanto que entre eles exista um relação que esteja justaposta à/s causa/s de pedir e ao/e pedido/s deduzido/s a final da Petição inicial.

Como assim apreciou e bem o Tribunal a quo, a intervenção das Rés companhias de seguros não podia dar-se por efeito do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 140.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, nem tão pouco pelo seu número 3, pois que, perscrutada a Petição inicial, dela não se retira alegação alguma de que o Autor alguma vez tenha estabelecido contacto com as Rés companhias de seguros tendente à sua indemnização, por força do evento danoso cuja responsabilidade imputa à actuação das 1.ª, 2.ª e 3.ª Rés.

Resulta do processado gerado nos autos, e até em face do que referiu o Autor sob o ponto 57.º da Petição inicial, que foi remetida às 1.ª, 2.ª 3 3.ª Rés, diversa correspondência por parte da administração do condomínio do prédio onde o Autor tinha o seu carro parqueado, sendo que foi informado que todas declinaram a sua responsabilidade pela ocorrência do invocado facto gerador de responsabilidade civil, e que a mesma administração de condomínio [[SCom06...], Ld.ª] recebeu ainda da 2.ª e 3.ª Ré, por suas cartas datadas de 17 de fevereiro de 2010 e 25 de fevereiro de 2010, a informação de que, por mera cautela íam remeter o assunto às respectivas companhias de seguros, sendo que a Ré [SCom01...], S.A., ora Recorrente, por sua carta datada de 05 de junho de 2012, veio a informar a Senhora mandatária do Autor de que mantinha a posição já dada a conhecer à [SCom06...], Ld.ª em 17 de fevereiro de 2012, e mais ainda, de que o processo de sinistro aberto pela sua seguradora tinha sido arquivado por inexistência de qualquer responsabilidade da sua parte.

Ou seja, não alegou nem provou a Ré ora Recorrente, de que nos termos e para efeitos do disposto no artigo 140.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, que tenham existido negociações directas entre o lesado [o Autor] e a sua seguradora, sendo que, fazendo apelo ao argumento ´a contrario sensu´, fora das situações a que se reporta este normativo, não é admitida a demanda directa da companhia de seguros.

E assim tão pouco o alegou o Autor, pois que em torno da fixação da causa de pedir relativamente às 4.ª e 5.ª Rés, apenas referiu o que consta enunciado sob o ponto 57.º da Petição inicial [de onde nada se retira que tenha existido o estabelecimento de quaisquer negociações directas entre o Autor e as companhias de seguros], e os pontos 79.º e 80.º também da Petição inicial, onde apenas referiu a existência de contratos de seguros entre as 2.ª e 3.ª Rés e as 4.ª e 5.ª Rés, respectivamente.

Nada mais.

Nem mesmo em sede da Resposta apresentada face à matéria de excepção deduzida pelas Rés, o Autor referiu ter havido entre si e as companhias de seguros qualquer relação directa tendente à fixação de uma indemnização pelos danos ocorridos.

O que referiu então [Cfr. pontos 6 e 23 da Resposta] é que as 2.ª e 3.ª Rés o informaram da existência de apólices de seguro, e de que se verificaram negociações directas entre a [SCom06...], Ld.ª, na qualidade de sua representante.

Ora, para além de o Autor não ter apresentado nos autos qualquer documento por via do qual tenha conferido poderes de representação à sociedade comercial [SCom06...], Ld.ª, enquanto empresa administradora do condomínio, para efeitos de a representar em quaisquer negociações com companhias de seguros e visando a indemnização de danos próprios do Autor, sempre julgamos que a existir esse mandato, tal seria passível de configurar crime de procuradoria ilícita, previsto e punido pelo artigo 7.º da Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto.

De maneira que, bem decidiu o Tribunal a quo quando julgou pelo absolvição da instâncias das Rés companhias de seguros, por não ser processualmente consentida a sua intervenção a título principal, já que não está em causa o accionamento de seguro obrigatório, nem foi prosseguida por parte do Autor qualquer negociação com elas por indicação das 2.ª e 3.ª Rés, com fundamento em que a responsabilidade civil delas por acidentes causados na decorrência de obras de que fossem executantes lhes havia sido transferida.

E também não padece a decisão recorrida de erro de julgamento em torno da aplicação do disposto nos artigos 316.º e 322.º do CPC e artigos 10.º e 12.º do CPTA, pois que, e de forma manifesta, tratando-se da intervenção de terceiro, e na situação em apreço, com a qualidade de assistente, a título de intervenção acessória, o seu chamamento só poderia ser deduzida pelas entidades demandadas, e na situação em apreço, a [SCom02...], S.A. poderia ter intervenção nos autos se para tanto fosse requerida a sua intervenção por parte da [SCom01...], S.A., assim como a [SCom03...], se fosse requerida a sua intervenção por parte da [SCom07...], S.A.. É o que assim dispõem os artigos 321.º, n.º 2, 322.º e 323.º, n.º 1, todos do CPC.

Aqui chegados.

Ao contrário do que sustenta a Recorrente, a decisão da absolvição das Rés companhias de seguros não pode constituir uma decisão surpresa, pois esta assim configurada há-de assentar em pressupostos com os quais não se poderia de todo em todo contar, o que manifestamente não é o caso dos autos, nem cabia ao Tribunal suscitar o que alguma vez foi sequer querido por parte da Ré [SCom01...], S.A.

Vejamos.

Tendo a Petição inicial sido entregue nas Varas Cíveis do Porto, aí foram citados os identificados Réus, tendo nessa sequência sido deduzidas as Contestações, salvo pela Ré [SCom07...] [pese embora a sua citação opara os termos dos autos em 09 de janeiro de 2013].

Nas Contestações deduzidas pelas [ora] Rés [SCom02...], S.A. e [SCom03...], S.A, foi invocada a sua ilegitimidade passiva, ancorada no fundo, no facto de não estarmos em presença de seguro obrigatório, e de por essa razão não poderem ser demandadas a título principal.

Por despacho datado de 18 de março de 2013, foi determinado que o Autor exercesse o direito ao contraditório em torno da matéria integrativa de excepção suscitada nas Contestações, mais concretamente, pelas 4.ª e 5.ª Rés, ambas companhias de seguros.

Nesse domínio, o Autor alegou que ambas aquelas Rés tinham legitimidade passiva, e que por ser o contrato de seguro um contrato a favor de terceiro, que por essa razão podia ele demandar directamente essas companhias, como ainda assim o podia fazer por se ter verificado o início de negociações directas entre ele [Autor, representado pela empresa responsável pela administração do condomínio] e as companhias de seguros seguradoras da responsabilidade civil das 2.ª e 3.,ª Rés. E mais referiu ainda, para a eventualidade de vir a ser julgado que as mesmas não podiam ser directamente demandadas, que a posição dessas Rés deverá ser convolada para Intervenientes Principais, como associadas das Rés, ao abrigo do disposto no artigo 325.º e seguintes do CPC, como assim referiu.

Esta Resposta do Autor foi notificada aos Senhores mandatários constituídos nos autos, em cumprimento do disposto no artigo 229.º-A do CPC, os quais nada disseram nos autos. Ou seja, quer em torno da não ocorrência da invocada ilegitimidade passiva, quer em torno do pedido de convolação da intervenção processual das Rés companhias de seguros, nada mais veio contrariado.

Precedendo despachos datados de 13 de maio de 2013 e 02 de setembro de 2013, a Ré ora Recorrente veio apresentar requerimento onde entre o mais referiu que o consórcio externo não celebrou contrato de seguro civil a que se reporta a alínea f) do n.º 1 da clausula 40.ª do contrato de empreitada, por não ser [o consórcio] detentor de personalidade jurídica, e nessa medida, que a responsabilidade civil extracontratual que seja emergente de danos causados pela execução da obra se encontrava coberta pelas apólices de responsabilidade civil geral subscritas por cada uma das empresas integrantes do consórcio, e que para o efeito a Recorrente tinha celebrado com a [SCom02...], S.A. [então [SCom05...], S.A.] dois contratos de seguro, titulados pelas apólices n.º ...34 e ...68.

Exercendo o contraditório, a Ré [SCom02...], S.A. veio apresentar requerimento pelo qual referiu, entre o mais, que o 1.º contrato de seguro não cobre os danos cujo ressarcimento vem pedido nos autos pelo Autor, e quanto ao 2.º contrato de seguro, que o mesmo ainda não estava em vigor à data do evento danoso a que se reporta o Autor na Petição inicial.

Neste patamar.

Em torno da Resposta enunciada supra, deduzida pelo Autor face às Contestações, por seu despacho datado de 17 de outubro de 2013, o Tribunal judicial veio a designar Audiência prévia para os fins do disposto no artigo 591.º, n.º 1 , alíneas a), c), d), f) e g) do CPC. Ou seja, não constituía fim da Audiência que as partes pudessem discutir de facto e de direito em torno e para efeitos da apreciação e decisão da ocorrência de qualquer excepção dilatória, porquanto a matéria exceptiva que tinha sido alegada pelas duas Rés companhias de seguros já havia sido debatida nos autos.

Como assim deflui da Acta da Audiência prévia, depois de tentada a conciliação das partes, o Mm.º Juiz do Tribunal judicial suscitou ao contraditório das partes, a sua pronúncia em torno da ocorrência da incompetência absoluta em razão da matéria para ser conhecido do mérito dos autos, por estar em causa uma relação controvertida que caía a coberto do disposto no artigo 4.º do ETAF.

Aí sim, se o Tribunal tivesse julgado de imediato pela verificação da sua incompetência, poderíamos estar perante uma decisão-surpresa, já que pese embora tratar-se de questão de conhecimento oficioso por parte do Tribunal, não foi suscitada pelos Réus, nem foi suscitada previamente a pronúncia das partes com fundamento em que era sua motivação vir a conhecer dessa ocorrência. Desta feita as partes pediram prazo para se pronunciarem e foi-lhes concedido.

Acontece porém que também não divisamos encontrar no processado gerado nos autos nas Varas Cíveis, que as partes [mormente, a Ré ora Recorrente] tenham emitido pronúncia alguma em torno da suscitada incompetência em razão da matéria. De tal sorte que em 22 de janeiro de 2014 o Tribunal judicial veio a proferir Sentença pela qual julgou verificada e procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta desse Tribunal, tendo enfatizado que competentes para esse efeito eram os Tribunais da jurisdição administrativa, tendo assim determinado a absolvição da instância de todos os Réus, e remetidos os autos para o TAF do Porto.

Na instrução dos autos que aqui correu termos, verificou-se entre o mais, que foram realizadas várias Audiências prévias, sendo que numa delas, ocorrida em 27 de setembro de 2019, na sequência do debate ocorrido entre a Mm.ª Juíza do TAF do Porto e os Senhores mandatários presentes visando a matéria de facto e de direito e para efeitos de melhor compreensão da posição de cada um dos Rés na acção, foi por eles requerido que o Tribunal ordenasse a respectiva notificação das Contestações apresentadas nos autos, o que foi deferido, e realizado.

Também não divisamos no processado dos autos, que em face do teor patenteado nas respectivas Contestações, as partes [em particular, a Ré ora Recorrente] algo tenham vindo a alegar e requerer com repercussão na tramitação dos autos.

E com o que deparamos é que depois de volvido cerca de ano e meio sobre a realização daquela Audiência prévia em 27 de setembro de 2019, é o Tribunal a quo que vem a despoletar a realização de nova Audiência prévia para os fins do disposto no artigo 591.º, n.º 1 , alíneas a), b), c), d), f) e g) do CPC. Ou seja, constituía fim da Audiência que as partes pudessem discutir de facto e de direito em torno e para efeitos da apreciação e decisão da ocorrência de qualquer excepção dilatória, ou do imediato conhecimento do mérito da causa ainda que apenas em parte.

Essa Audiência prévia foi realizada no dia 07 de setembro de 2021, onde estiveram presentes as partes que tendo sido citadas vieram a constituir mandatário judicial [todas, à excepção da Ré [SCom07...], que por sinais nos autos se retira que entrou em processo de insolvência, com Administrador judicial nomeado].

Da Acta dessa Audiência prévia extrai-se que depois de declarada aberta a diligência, foi levado a cabo um pequeno debate entre o Mm.º Juiz e os Senhores mandatários das partes, após o que foi proferido despacho saneador, onde entre o mais foi apreciada a matéria de excepção arguida pelas 4.ª e 5.ª Rés nas suas Contestações e quanto à qual o Autor havia exercido o contraditório por via de articulado próprio a título de Resposta, tendo o Tribunal a quo vindo a julgar ocorrer a ilegitimidade passiva das 4.ª e 5.ª Rés, em suma, com fundamento em que não podiam ser demandadas directamente pelo Autor, porque o mesmo, por si, nunca encetou quaisquer negociações com as Rés companhias de seguros, já que as negociações ocorridas tinham sido levadas as cabo pela administração do condomínio do prédio onde o Autor tinha o seu veículo parqueado, só poderiam versar o ressarcimento de danos causados nas partes comuns do prédio, mas já não danos de natureza patrimonial e não patrimonial como vem invocado pelo Autor na Petição inicial.

Apreciou assim o Tribunal a quo que a [SCom02...], S.A., tendo celebrado com a Ré ora Recorrente contrato de seguro não obrigatórios, que não podia ser directamente demandada pelo Autor e que daí derivava a sua ilegitimidade, enquanto pressuposto processual.

O Tribunal a quo apreciou ainda que pese embora o Autor ter alegado na Resposta que apresentou em face da defesa por excepção deduzida nas Contestações, que a posição processual das Rés companhias de seguros devia ser convolada para Intervenção Principal, e que tal alegação contendia com um erro na qualificação do meio processual, por apenas ser admissível a sua intervenção a título acessório, e que o Tribunal poderia deitar mão do disposto nos artigos 6.º, n.ºs 1 e 2 e 547.º. ambos do CPC, que de todo o modo, o chamamento a título de intervenção acessória, só é admissível ser feito por parte do demandado, e não do demandante, tendo assim afastado a possibilidade de convolação do estado processual invocado pelo Autor, de Intervenção principal para intervenção acessória.

E o fundamento decisório que está subjacente à absolvição da instância da Ré [SCom02...], S.A., foi reiterado pelo Tribunal a quo quanto à Ré [SCom03...], dada a identidade de pressupostos do pedido e da causa de pedir.

Neste patamar.

Não assiste assim razão alguma à Recorrente pois que, efectivamente, não veio demonstrado que o Autor tenha, ele próprio [e visando o ressarcimento dos danos por si sofridos e que imputa às 1.ª, 2.ª e 3.ª Rés, e quanto às 4.ª e 5.ª Rés, apenas por terem outorgado contratos de seguro, não obrigatórios], iniciado quaisquer negociações directas com as companhias de seguros.

Do quanto foi alegado pelo Autor na Petição inicial, apenas se retira que houve correspondência trocada entre as 1.ª, 2.ª e 3.ª Rés com a empresa responsável pela Administração do condomínio do prédio onde o Autor tinha o seu carro parqueado [Cfr. ponto 57.º da Petição inicial], sendo que entre o Autor [por via da sua mandatária] e a Ré ora Recorrente apenas sobreveio correspondência [Cfr. último dos ítens elencados sob o ponto 57.º da Petição inicial] em que esta informou aquela Senhora mandatária de que o processo de sinistro corrido no seio da sua seguradora [[SCom02...], S.A., então [SCom05...] S.A.] tinha sido arquivado por inexistência de qualquer responsabilidade pela sua parte [da Ré [SCom01...], S.A.].

Mas importa ainda referir que sob o ponto 3.º da Contestação deduzida pela Ré [SCom01...], S.A., ora Recorrente, a mesma referiu desconhecer o alegado sob o ponto 79.º da Petição inicial, isto é, quanto à existência de contrato de seguro entre a [SCom07...], S.A. e a [SCom03...], S.A. [invocando não se tratar de facto pessoal e de que deva ter conhecimento], embora não tenha impugnado o alegado sob o ponto 80.º da Petição inicial, antes o confirmando, como assim decorre do vertido sob os pontos 61.º e 62.º da sua Contestação, e que em torno do alegado pelo Autor sob o ponto 57.º da Petição inicial que apenas aceitava o que fosse relativo à correspondência consigo trocada.

Ora, no âmbito das Contestações deduzidas pelos Réus IPO, EPE e [SCom01...], S.A., não foi arguida matéria integrativa de excepção que fosse determinante da sua absolvição da instância, pois que, linearmente, apenas se defenderam por impugnação.

Já as 4.ª e 5.ª Rés se defenderam por excepção, tendo entre o mais, invocado a sua ilegitimidade passiva, com fundamento em que não podiam ser demandadas a título principal.

Sendo certo que se pode afirmar que numa situação como a dos autos, as companhias de seguros só podem ser demandadas se também o forem as Rés que para elas transferiram as suas responsabilidades, já não é correcto sustentar-se o entendimento de que a sua condenação [das companhia de seguros] surge por efeito automático da condenação da entidade pública.

Com efeito, uma companhia de seguros que não seja interveniente a título principal, antes a título acessório, só pode ver fixado quanto a si o efeito de caso julgado, se além do apuramento da responsabilidade do segurado, este tiver prévia e validamente transferido a sua responsabilidade para aquela por via de um contrato de seguro de direito privado.

Caso a companhia de seguros [SCom02...], S.A. fosse parte principal, e para efeitos da sua condenação, o Tribunal a quo teria de prosseguir instrução nos autos no sentido de concluir pela existência de contrato de seguro e se o mesmo é ou não válido, assim como sobre qual a cobertura dos sinistros e o âmbito da responsabilidade, o que se trata a final de matéria enquadrada no plano obrigacional, de âmbito contratual, bem diverso do pressuposto de um pedido assente na responsabilidade extracontratual, justaposta à actuação de uma entidade cujo âmbito de exercício cai no domínio da jurisdição administrativa.

A causa de pedir que se pode esgrimir numa acção comum em tribunal judicial contra a sua seguradora por força da existência de uma relação jurídica contratual, não pode ser invocada numa acção administrativa fundada em diferentes pressupostos e relação jurídica, num tribunal administrativo, já que se tratam de causas diversas.

Não se trata de mera transferência do quantum indemnizatório que deve ser arbitrado, ou de outro modo, da mera substituição processual de partes, antes porém a questão é de substância e de fundo e implica o conhecimento de diferentes fontes de responsabilidade, que produz efeitos processuais que são inconciliáveis com o âmbito de competência dos Tribunais da jurisdição administrativa.

Como assim dispõe o artigo 321.º, n.º 1 do CPC, “O réu que tenha ação de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.

Como refere Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, Lex, 1997, pagina 178 e seguintes, o “... principal âmbito da aplicação da intervenção acessória provocada coincide com o direito de regresso decorrente de uma relação conexa com o objecto do processo.

Também Salvador da Costa, in Os incidentes da instância, Almedina, 6.ª edição, 2013, páginas 95 e seguintes, refere que a intervenção acessória provocada é uma solução “...que resulta da lei, face ao interesse indireto ou reflexo na improcedência da pretensão do Autor, pela ideia da posição processual que deve corresponder ao titular de uma relação de regresso, meramente conexa com a relação material controvertida objeto da causa principal, é de mero auxiliar na defesa, em termos de acautelamento da eventualidade da hipótese de no futuro contra ele ser intentada, por quem foi Réu na acção anterior, acção de regresso para efectivação do respectivo direito.“

Para que a companhia de seguros [SCom02...], S.A. pudesse figurar como assistente nos autos, era fundamental que para esse efeito tivesse sido deduzido incidente de intervenção e por quem tem, nos termos da lei de processo, legitimidade e interesse em fazê-lo, sendo que, como patenteado nos autos, não foi requerido pela Ré ora Recorrente nenhum incidente visando a intervenção daquela, nem feita a invocação de que contra ela pretendia exercer direito de regresso, por nisso ter interesse, que no caso era apenas a [SCom01...], S.A.

Ora, a Ré [SCom01...], ora Recorrente estava ciente do seu posicionamento nos autos, assim como do posicionamento das Rés seguradoras, logo desde a dedução das Contestações por parte delas, e se não teve conhecimento do seu teor logo que foram juntas aos autos, está documentado nos autos que esse conhecimento formal lhe adveio logo após a realização da Audiência prévia no Tribunal a quo, em 27 de setembro de 2019.

Para além de os autos não evidenciarem que os contratos de seguro outorgados assumissem obrigatoriedade legal da sua contratação [como é o caso do seguro automóvel], o que a Recorrente não podia desconhecer, e que por essa razão as companhias de seguros não podiam ser demandadas directamente pelo Autor, e que era mais que objectivo que a sua intervenção nos autos, sendo devida em ordem a contribuir quanto a elas e em torno da matéria que as liga, para a formação de caso julgado, apenas seria processual e legalmente admissível por via de intervenção acessória, a Recorrente teve ao seu dispor mais do que tempo para efeito de efectuar nos autos esse chamamento, não podendo assacar ao Tribunal a quo o ónus dessa intervenção.

Podendo tê-lo feito, a ora Recorrente não formulou todavia qualquer pedido, ainda que subsidiário ou alternativo, no sentido de que, para a eventualidade de vir a ser julgado procedente o invocado pela Co-Ré [SCom02...], S.A., a mesma pudesse vir oportunamente, antes de finda a fase dos articulados, a prover pelo seu chamamento e intervenção acessória, como sua auxiliar na defesa em face do pedido formulado pelo Autor.
Não podemos assim julgar que a decisão proferida pelo Tribunal a quo tenha apanhado de surpresa a Recorrente, quer face ao que havia sido deduzido nas Contestações apresentadas pelas Rés companhias de seguros, quer por estar legalmente vedado ao demandante peticionar a Intervenção acessória de alguém para figurar na vertente passiva [sendo certo que no caso dos autos, o que o Autor até requereu foi a Intervenção Principal das companhias de seguros], quer porque, e este é um argumento fundamental para a formação da nossa convicção, a Recorrente foi notificada do fim, do propósito com que era designada [quer pelo Tribunal judicial, quer pelo Tribunal a quo], a Audiência préviaCfr. despachos datados de 17 de outubro de 2013, 18 de abril de 2018, 15 de janeiro de 2021, de 08 de abril de 2021.

Ou seja, o Tribunal a quo convocou a Audiência prévia porque estava finda a fase dos articulados, e fê-lo com a precisa enunciação do seu objecto, sendo que porque se impunha nesse domínio o conhecimento e decisão da matéria de excepção invocada, não poderia o Tribunal a quo convolar o que era juridicamente impróprio de convolação, tanto mais que a intervenção das Companhias de seguros não era essencial para a apreciação e decisão do mérito do pedido do Autor, nem se justificava que para a justa composição do litígio [entre o Autor e as entidades demandadas] o Tribunal tivesse de suscitar o que mais fosse nos autos para efeitos desse conhecimento.

De maneira que a pretensão recursiva da Recorrente tem assim de improceder na sua totalidade, por inexistir qualquer fundamento nos invocados erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito, em torno do disposto no artigo 140.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, e artigos 316.º e 322.º do CPC e artigos 10.º e 12.º do CPTA.
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Descritores: Competência em razão da matéria; Intervenção de terceiro; Companhia de Seguros; Estabilidade da instância; “Pro-actione”.

1 - Constitui jurisprudência pacífica por reiterada, que a questão da competência em razão da matéria deve ser decidida atendendo à matéria da causa, isto é, ao seu objecto encarado sob um ponto de vista qualitativo, em conformidade com o pedido formulado na Petição inicial e a respectiva causa de pedir, o que tudo delineamos em torno da natureza da relação litigiosa substancial, que se fixa em face dos termos em que o demandante propõe a acção e também por força das modificações da instância previstas na lei, tendo em vista a apreciação do direito a que o mesmo se arroga e pretende ver judicialmente protegido.

2 - Em conformidade com o que assim dispõe o artigo 260.º do CPC, que é atinente ao princípio da estabilidade da instância, depois de citado o Réu, a mesma [instância] deve manter-se quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvaguardando-se as possibilidades de modificação [objectivas e subjectivas] consignadas na lei, sendo que em torno da modificação subjectiva [em torno das partes], o CPC dispõe sobre o chamamento de terceiro para efeitos de assegurar a legitimidade de alguma delas [Cfr. artigo 261.º], seja para efeitos da substituição na relação substantiva em litígio, por força de sucessão [inter vivos e mortis causa] ou por efeito de pedido de incidente de intervenção de terceiro [Cfr. artigo 262.º, alíneas a) e b) do CPC].

3 - Para que a companhia de seguros Ré [SCom02...], S.A. pudesse figurar como assistente nos autos, era fundamental que para esse efeito tivesse sido deduzido incidente de intervenção e por quem tem, nos termos da lei de processo, legitimidade e interesse em fazê-lo, sendo que, como patenteado nos autos, não foi requerido pela Ré nenhum incidente visando a intervenção daquela, nem a invocação de que contra ela pretendia exercer direito de regresso, por nisso ter interesse.

4 - Tendo o Tribunal a quo convocado a Audiência prévia porque estava finda a fase dos articulados, e tenho-o feito com a precisa enunciação de que um dos seus fins era a apreciação e decisão da matéria de excepção invocada, não poderia o Tribunal a quo convolar o que era juridicamente impróprio de convolação, tanto mais que a intervenção da companhia de seguros não era essencial para a apreciação e decisão do mérito do pedido do Autor, nem se justificava que para a justa composição do litígio [entre o Autor e as entidades demandadas] o Tribunal tivesse de suscitar o que mais fosse nos autos para efeitos desse conhecimento.


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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pela Recorrente [SCom01...], S.A., confirmando a decisão recorrida.

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Custas a cargo da Recorrente – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.

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Porto, 02 de junho de 2023.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Antero Salvador
Helena Ribeiro