Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00275/19.1BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/07/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rosário Pais
Descritores:RECURSO DE CONTRAORDENAÇÃO; TEMPESTIVIDADE; PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO; MOMENTO PARA A ILISÃO DA PRESUNÇÃO;
Sumário:I. O recurso ordinário não é o meio próprio para juntar documentos aos autos, por a sede própria para a instrução da causa ser o tribunal de primeira instância, já que a reapreciação das decisões deve ser efetuada por referência aos meios de prova constantes dos autos no momento da respetiva prolação.

II. A imposição de um despacho prévio ao despacho de indeferimento liminar parece ser em si mesmo contraditório porque se o despacho liminar está legalmente previsto como podendo ser de rejeição liminar, não faz sentido a parte ser ouvida preliminarmente, sendo que não pode falar-se de “decisão surpresa” na prolação de despacho de indeferimento liminar na sequência de o meio processual em apreço ter sido acionado quando o prazo para o efeito já se encontrava esgotado, até porque a lei contempla esta matéria como causa específica de rejeição - artigo 63.º do RGCO -, verificando-se que a lei postula as causas de indeferimento liminar, consubstanciando-se em situações de inviabilidade lato sensu, e como tal insupríveis, tornando inútil qualquer instrução e discussão posterior, patenteando-se, então, ser desnecessária a audição prévia sobre um projecto de indeferimento.

III. As notificações das decisões cominatórias de coimas não se inserem no âmbito do estatuído no n.º 1 do artigo 38º do CPPT, razão por que não carecem de ser realizadas por via postal sob AR.
IV. Da matéria de facto dada como assente resulta que a decisão de aplicação de coima foi expedida por correio registado em 27-11-2018 e entregue em 28-11-2018, sendo identificado como Local (...) e como Recetor “G…”, remetido para a morada da Recorrente, pelo que operou a presunção de notificação.

V. Encontrando-se reunidas as condições para que funcione a presunção prevista no n.º 1, do artigo 39.º do CPPT, deve considerar-se a Recorrente notificada no 3.º dia posterior ao do registo.
VI. A presunção de notificação é meramente relativa ou juris tantum, podendo ser ilidida pelo notificado através da prova de que a notificação não foi efetuada ou que ocorreu em data posterior à presumida, por razões que não lhe sejam imputáveis.
VII. Essa prova deve ser feita no momento em que pratica o ato, caso este tenha sido praticado fora do prazo fixado em função da data da notificação presumida. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A., Lda
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO

1.1. A., devidamente identificada nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 19/02/2019, que rejeitou liminarmente o recurso de contraordenação com fundamento na respetiva intempestividade.

1.2. A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
«1.º O despacho recorrido teve por base o indeferimento liminar do recurso de contraordenação por intempestividade.

2.º Entendeu o Tribunal recorrido que resultava dos autos que a decisão contraordenacional deu entrada no serviço postal a 27 de novembro de 2018 e que, por força do artigo 39.º, número 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, presumindo-se que a arguida foi notificada no 3.º dia útil, ou seja, 30 de novembro, o último dia para a apresentação do recurso foi o dia 4 de janeiro de 2019 (atenta a interpretação do artigo 279, alínea e do Código Civil).

3.º Salvo o devido respeito, a ora recorrente discorda de tal decisão, uma vez que entende que a Arguida não foi notificada para exercer o contraditório; e que no exercício do contraditório, a arguida provaria que não foi notificada no dia 30 de novembro de 2018, mas somente no dia 7 de dezembro de 2018.

4.º A presunção de notificação é uma presunção iuris tantum, motivo pelo qual admite prova em sentido contrário.

5.º Assim, a presunção de notificação prevista no Código de procedimento e de Processo Tributário pode ser ilidida, cabendo esse ónus ao notificado.

6.º De forma a que o ónus de prova contra quem recai a presunção de notificação seja devidamente cumprido, o destinatário daquela notificação tem de poder exercer o seu exercício do contraditório.

7.º Antes de qualquer decisão jurisdicional, o sujeito sobre quem recai aquele ónus deve ser notificado dos efeitos da presunção de notificação, de forma a que este, querendo, requeira a respetiva ilisão.

8.º A falta de notificação da arguida sobre a eventual extemporaneidade antes do despacho que julgou o recurso contraordenacional extemporâneo transformou de facto, contra legem, uma presunção de notificação ilidível numa presunção de notificação inilidível.

9.º No caso, a arguida não foi notificada da eventual extemporaneidade antes do despacho de que se recorre.

10.º Nestes termos, a despacho recorrido é nulo, por violação do princípio da proibição da indefesa e do contraditório, o que se invoca.

11.º O princípio da publicidade implica que qualquer ato derivado dos poderes públicos não produza efeitos enquanto o respetivo destinatário não o conhece ou não tem a possibilidade de o conhecer; nesse sentido, há uma proibição de atos secretos dos poderes públicos.

12.º A publicidade em sentido amplo concretiza-se através de duas formas distintas, oficiais e formais, consoante a natureza jurídica do ato que é comunicado: publicação ou notificação.

13.º A Constituição, no seu artigo 268.º, número 3, remeteu para o legislador ordinário a definição da forma das notificações de atos do poder público.

14.º Efetuando a autoridade administrativa a notificação na forma prevista na lei, se nada mais houver a obstar, a notificação cumprirá as suas finalidades, consagradas constitucionalmente enquanto garantias dos cidadãos, por força do referido artigo 268.º, número 3 e do artigo 165.º, número 1, alínea s – finalidades informativas e finalidades adjetivas.

15.º O artigo 70.º, número 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias constitui uma exceção ao disposto no artigo 3.º, alínea b do mesmo diploma, uma vez que remete expressamente para os artigos 38.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário a matéria relativa à forma das notificações.

16.º A correspondência postal, verifica-se que a mesma está juridicamente enquadrada, através de normas jurídicas vinculativas, quer pela entidade operadora que presta o respetivo serviço, quer pelos utentes que o utilizam, onde aqui se inclui a administração sancionatória.

17.º Nestes termos, existem unicamente as seguintes modalidades de envios de correspondência postal, definidas no Regulamento do Serviço Público de Correios, publicado no Decreto-Lei 176/88, cujos destacados são nossos:

i. Correspondência sem tratamento especial: a entrega desta correspondência faz-se no recetáculo postal domiciliário do destinatário, como dispõe o artigo 23.º, número 1, alínea a do Regulamento do Serviço Público de Correios. A não entrega da correspondência leva à sua imediata devolução, por força do artigo 24.º, número 1 do Regulamento do Serviço Público de Correios.
ii. Correspondência com tratamento especial, sob registo: a entrega desta correspondência faz-se na morada indicada pelo remetente, como dispõe o artigo 23.º, número 1, alínea b do Regulamento do Serviço Público de Correios. A entrega é comprovada por recibo, nos termos do artigo 28.º, número 4 do Regulamento do Serviço Público de Correios. A não entrega da correspondência leva à sua imediata devolução, por força do artigo 24.º, número 4 do Regulamento do Serviço Público de Correios.
iii. Correspondência com tratamento especial sob registo com aviso de receção: nos termos do artigo 30.º do Regulamento do Serviço Público de Correios, o remetente solicita no ato de registo que lhe seja enviado o aviso de receção. A entrega é efetuada ao destinatário ou outrem em nome deste e é comprovada por recibo, nos termos do artigo 28.º, número 4 do Regulamento do Serviço Público de Correios. A não entrega da correspondência leva à sua imediata devolução, por força do artigo 24.º, número 4 do Regulamento do Serviço Público de Correios.
iv. Correspondência com tratamento especial sob registo com aviso de receção a entregar em mão ao próprio destinatário: nos termos do artigo 31.º do Regulamento do Serviço Público de Correios, o remetente solicita no ato de registo que a correspondência seja entregue em mão ao próprio destinatário. A entrega é efetuada ao destinatário e é comprovada por recibo, nos termos do artigo 28.º, número 4 do Regulamento do Serviço Público de Correios. A não entrega da correspondência leva à sua imediata devolução, por força do artigo 24.º, número 4 do Regulamento do Serviço Público de Correios.

18.º O legislador não regulou outras modalidades de envio de correspondência física através do serviço público de correios.

19.º Excecionalmente, as notificações podem ser efetuadas através de correspondência com tratamento especial sob registo com aviso de receção, nos termos do artigo 38.º, número 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sempre que se esteja perante atos suscetíveis de alterarem a situação tributária ou se esteja perante a convocação para o destinatário assistir ou participar em atos ou diligências.

20.º Deve ser entendido como ato suscetível de alterar a situação tributária, o ato que cria ou restringe direitos ou deveres presentes ou futuros para os respetivos destinatários.

21.º Assim, no domínio contraordenacional, os atos para sancionatórios (sem finalidades sancionatórias) e os atos sancionatórios (com finalidades sancionatórias, de prevenção geral e especial) que criam direitos do arguido, como a notificação para o exercício do direito de defesa previsto no artigo 70.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, ou que restrinjam direitos, como a notificação da decisão de aplicação de coima que tem finalidades de prevenção geral e finalidades de prevenção especial, são atos que têm de ser notificados por correspondência com tratamento especial sob registo com aviso de receção.

22.º Não é demais relembrar que a notificação da decisão de aplicação de sanção contraordenacional pode implicar não só o pagamento de uma coima, como também a aplicação de um extenso leque de sanções acessórias, como por exemplo a privação do direito de participar em concursos públicos, a perda de benefícios fiscais concedidos, a cassação de licenças ou concessões ou o encerramento de estabelecimento, nos termos do artigo 21.º do Regime Geral das Contraordenações e do artigo 28.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.

23.º Por isso, em abstrato, a notificação para o direito de audição e de defesa e a notificação da decisão de aplicação de sanção são atos suscetíveis de alterar a situação tributária do destinatário, pelo que lhes é aplicável a forma de notificação prevista no artigo 38.º, número 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

24.º Acresce ainda que a aplicação da norma final do artigo 38.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, para a qual a norma remissiva do artigo 70.º, número 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias remeteu, deve ser efetuada de uma forma “correspetiva”, com as devidas adaptações.

25.º Assim, mesmo que a norma remissiva não tenha referência a uma adaptação, deve o intérprete e aplicador de Direito entender que é sempre devido o respetivo ajustamento de acordo com a natureza de cada norma em questão.

26.º Ora, face às finalidades sancionatórias do Direito contraordenacional, só a notificação de atos sancionatórios através de correio registado com aviso de receção assegura que as finalidades do princípio da publicidade inerentes à notificação de atos contraordenacionais sejam cumpridas.

27.º Nem se diga, salvo o devido respeito, que também o Código de Processo Penal afasta a aplicação da notificação com aviso de receção, porque nesse caso o arguido presta termo de identidade e residência, o que não ocorre no domínio contraordenacional;

28.º É que antes da consagração do termo de identidade e residência, o arguido criminal era notificado através de carta registada com aviso de receção.

29.º Quanto aos atos que se está perante a convocação para o destinatário assistir ou participar em atos ou diligências, devem ser atos cuja finalidade é proporcionar ao destinatário a possibilidade de defesa dos seus direitos; por isso, também por aqui, a notificação para o exercício do direito de defesa previsto no artigo 70.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, ou a notificação da possibilidade de recurso contraordenacional da decisão de aplicação de coima é enquadrável nesta obrigação de notificação por correspondência com tratamento especial sob registo com aviso de receção.

30.º A primeira conclusão a retirar é que a arguida não foi notificada por carta registada com aviso de receção e devia-o ter sido.

31.º A escolha do legislador em relação à forma das notificações dos atos sancionatórios contraordenacionais envolve sempre uma dicotomia entre a celeridade do procedimento contraordenacional e a garantia do efetivo conhecimento do ato por parte do destinatário do mesmo em condições (1) seguras e (2) idóneas, de forma a que o mesmo possa, querendo, exercer os meios de reação legalmente previstos.

32.º As condições serão seguras quando está garantido de forma certa, por isso sem margem para dúvidas, de que o destinatário tem a possibilidade de tomar conhecimento do ato.

33.º As condições serão idóneas sempre que a notificação é efetuada em condições aptas ou adequadas a transmitir ao destinatário o ato em causa.

34.º Tendo em conta a distinção entre notificação pessoal e não pessoal, o legislador previu que à notificação pessoal se aplicam os termos da citação, nos termos do artigo 38.º, número 6 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

35.º Já quanto à notificação não pessoal, o legislador apenas previu um artigo relativo à notificação de pessoas coletivas – o artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

36.º Não se aplicando as normas da citação pessoal à notificação não pessoal, as normas aplicáveis são as do artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, para o que interessa a estes autos, as regras do artigo 99.º do Decreto de 14-06-1902, acessível em:
· http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/87/136/p348

37.º Assim, as regras relativas à identificação do destinatário e aos poderes para receber notificações têm de ser interpretadas nos termos do artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do artigo 99.º, §1 do Decreto de 14-06-1902.

38.º Ora, a entrega de correspondência registada com aviso de receção no domicílio do destinatário tem de ser efetuada, mediante prévia identificação, na pessoa do destinatário «ou por indivíduo especialmente autorizado por escrito», de acordo com o disposto no artigo 99.º, §1.º, alínea b do Decreto de 14-06-1902.

39.º Ora, o artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário possibilita que a notificação de pessoas coletivas seja efetuada no representante legal em primeira linha.

40.º Só nos casos em que o representante legal não seja encontrado, na sede ou no seu próprio domicílio, é que a administração tributária deve notificar a pessoa coletiva na pessoa de (1) qualquer empregado (2) capaz de transmitir o ato, como impõe o artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

41.º Assim, o legislador impõe que, em primeiro lugar, se tente encontrar o representante legal e só se este não for encontrado, é que se parte para a notificação através do respetivo empregado; em segundo lugar, a administração tributária está obrigada a certificar-se que a pessoa em causa é trabalhadora da pessoa coletiva;

42.º E, terceiro, sendo trabalhadora, tal pessoa tem de ter poderes para receber notificações da pessoa coletiva – tem de se aferir se pode representar a pessoa coletiva.

43.º É por isso que o legislador impõe que o trabalhador «seja capaz de transmitir os termos do acto».

44.º Esta capacidade de transmitir os termos do ato tem de ser aferida pelos poderes que a pessoa coletiva lhe dá, previamente – daí a especial autorizado por escrito, a que se refere o legislador no artigo 99.º, §1.º, alínea b do Decreto de 14-06-1902.

45.º Em suma, para que a notificação não pessoal com carta registada com aviso de receção produza efeitos, há-de ser efetuada por esta ordem:
1. A administração tributária tenta encontrar o representante da pessoa coletiva para o notificar pessoalmente;
2. Não encontrando o representante legal, a administração tributária certifica-se que quem se propõe receber é trabalhador da pessoa coletiva;
3. Sendo trabalhador da pessoa coletiva, a administração tributária certifica-se que tem poderes para ser notificado.

46.º E tanto é assim que, se a carta tiver de ser levantada na estação de correios, o indivíduo que se propõe recebê-la tem de provar perante o funcionário que é o representante legal ou, não o sendo, tem de demonstrar tais poderes, através do transporte do próprio cartão de cidadão do destinatário ou representante legal – veja-se no sítio em linha em:
· https://www.ctt.pt/faq/correio-e-encomendas/solucoes-decorreio/correio-com-aviso-de-entrega.html

47.º Mas ainda que se entenda que no caso não tem de haver notificação com carta registada com aviso de receção, sempre se entende que este artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário é aplicável na notificação registada, uma vez que a notificação tem de ser efetuada em pessoas físicas, como estabelece o artigo 246.º do Código de Processo Civil.

48.º E também neste caso, tem de se verificar que quem assina, se não for o representante legal, é pelo menos funcionário da referida pessoa coletiva.

49.º Entendendo-se que a notificação não foi bem feita porque não obedeceu à formalidade legalmente prevista, importa aferir se com o recurso contraordenacional a eventual falta de eficácia não foi suprida.

50.º No caso, a arguida só tomou conhecimento da notificação da decisão condenatória no dia 7 de dezembro de 2018, uma vez que a carta estava depositada na caixa de correio nesse dia e não estava no dia anterior.

51.º Assim, a arguida junta a lista completa de trabalhadores
seus, para que, em confronto com os dados dos CTT que a arguida desde já requer sejam solicitados, se verifique que nenhum trabalhador seu recebeu a notificação.

TERMOS EM QUE,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso, proferindo-se douto Acórdão que decida pela revogação do despacho de rejeição liminar do recurso contraordenacional dos presentes autos.».
1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 81 a 83, pronunciando-se no sentido da improcedência deste recurso, com base no seguinte entendimento:
«(…)
Relativamente ao pretendido exercício do contraditório apelamos ao ac. do TCAS de 18.6.2015, proc. 08710/ 15, onde assim se sumariou:
1. O direito ao contraditório, como decorrência do princípio de igualdade das partes, é um direito que se atribui à parte de assumir as condutas assumidas pela contraparte, de tomar posição sobre elas e de ser ouvida antes de ser proferida qualquer decisão. A essência do princípio do contraditório está pois no facto de cada parte processual ser chamada a presentar as suas razões de facto e de direito, a oferecer as suas provas ou a pronunciar-se sobre o valor e resultado de umas e outras.
2. O âmbito de aplicação do n o 3 do ano 30 inclui também o contraditório relativamente a "decisões surpresa", com as quais as panes não podiam contar, por não terem sido objeto de discussão.
3.

Não são esses porém, os casos das situações que conduzam ao indeferimento liminar da petição. Com efeito, para haver lugar a indeferimento liminar é necessário que se trate de uma razão evidente, indiscutível, em termos de razoabilidade, que permita considerar dispensável a audição das partes, em sintonia com o preceituado no no 3 do art o 3 0 do Código de Processo Civil e que torne inútil qualquer instrução e discussão posterior.
4. As situações de indeferimento liminar são, assim casos em que é manifesta a desnecessidade de se ouvir o autor sobre o "projeto" ou a "intenção" de se indeferir a petição.

Nesse entendimento, que perfilho, deverá o recurso improceder nessa parte.
Passando à notificação.
Como se alude na sentença, o arto 700, no 2 do RGIT manda aplicar as disposições do CPPT às notificações do arguido.
Apenas quando se trate de decisão suscetível de alterar a situação tributária dos contribuintes a notificação é obrigatoriamente efetuada através de carta registada com aviso de receção — ato 38 0 , no 1 do CPPT.
Não se integrando a coima nessa situação, a notificação foi dirigida para a sede da arguida, por carta registada, que não veio devolvida, presumindo-se assim, face aos normativos citados na sentença, a que acima se aludiu, que a notificação ocorreu a 30.11.2018.
A recorrente/ arguida argumenta que apenas tomou conhecimento da decisão de aplicação da coima a 7.11.2018, pretendendo desse modo ilidir a presunção da notificação a 30.11.2018.
Deveria, porém, ter arguido e demonstrado que assim foi, ou previamente à AF através de requerimento adequado, ou já no tribunal, no recurso da decisão administrativa que intentou ao abrigo do arto 80 0 do RGIT. (…)».
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Nos termos do artigo 75º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS), aplicável ex vi, da alínea b), do artigo 3.º, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), a decisão do recurso jurisdicional pode alterar a decisão recorrida sem qualquer vinculação aos seus termos e ao seu sentido, com a limitação da proibição da reformatio in pejus, prevista no artigo 72.º-A do mesmo diploma.
Não obstante, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP), aplicável por força do artigo 74.º, n.º 4 do RGIMOS), exceto quanto aos vícios de conhecimento oficioso.
No caso, a questão suscitada pela Recorrente consiste em saber se ocorre o invocado erro de julgamento na decisão que julgou caducado o direito de ação e rejeitou liminarmente o recurso de contraordenação.
Previamente, porém, cumprirá apreciar a admissibilidade da prova documental apresentada com as alegações de recurso.


3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO

A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:

1) Em 03/05/2017 foi levantado “Auto de Notícia” contra a Recorrente, que deu origem à instauração do processo de contraordenação n.º 04692017060000024181 (cfr. fls. 3 do suporte físico do processo).
2) Em 27/11/2018 foi proferida decisão de aplicação de coima pelo Chefe do Serviço de Finanças de (...), no âmbito do processo de contraordenação a que se alude em 1), da qual resultou a aplicação à Recorrente de uma coima no valor de € 3.843,15, acrescida de custas no valor de € 76,50, por falta de pagamento de IVA, referente ao período de 201605, em violação do disposto no art.º 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1, alínea a) do Código do IVA, punível pelos artigos 114.º, n.º 2, n.º 5, alínea a) e 26.º, n.º 4 do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho (RGIT) (cfr. fls. 18 e 19 do suporte físico do processo).
3) O Serviço de Finanças de (...) remeteu à Recorrente, sob registo postal datado de 27/11/2018, carta sob o assunto “Notificação Art.º 79º Nº2 RGIT”, com o seguinte teor (cfr. fls. 20 e 21 do suporte físico do processo):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

4) A carta a que se alude em 3) foi entregue na morada de destino (cfr. fls. 22 do suporte físico do processo).

5) A petição do presente recurso foi remetida ao Serviço de Finanças de Braga 1, em 08/01/2019 (cfr. fls. 23 do suporte físico do processo).

3.2.1. Ao abrigo do disposto nos artigos 83. º do RGIT, 74.º, n.º 4 do RGCO, aplicável ex vi alínea b) do artigo 3.º do RGIT e 410.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do Código de Processo Penal (CPP), decide-se aditar ao probatório os factos seguintes:
6. A notificação aludida em 3. foi remetida a coberto de correio sob o registo RF366337701PT o qual foi entregue às 13.51horas do dia 28/11/2019 no local de “Centro de entrega 4740 – Esposende”, figurando como recetor “(…)”- cfr. fls. 20 e 21 do suporte físico dos autos e https://www.cttexpresso.pt/feapl_2/app/open/cttexpresso/objectSearch/objectSearch.jspx?lang=def.

3.2. De Direito

3.2.1. A Recorrente juntou com as alegações três documentos, pelo que previamente à apreciação da questão suscitada haverá que apreciar da possibilidade de junção de documentos com as alegações do recurso.
Fundamenta a Recorrente a junção destes documentos na necessidade de prova da data em que tomou conhecimento da notificação da decisão administrativa de fixação de coima. Junta, assim, uma lista de trabalhadores seus para ser confrontada com os dados dos CTT que requereu fossem solicitados.
Ora, o recurso ordinário não é o meio próprio para juntar documentos aos autos, por a sede próprio para a instrução da causa ser o tribunal de primeira instância, uma vez que a reapreciação das decisões dever ser efetuada em função dos meios de prova constantes dos autos no momento da respetiva prolação.
De acordo com o preceituado no artigo 80.º do RGIT e 165.º do CPP, os documentos devem ser juntos com a impugnação da decisão administrativa de aplicação de coima, sendo possível a sua junção até ao encerramento da audiência e, excecionalmente como tem sido entendimento jurisprudencial, quando se alegue e prove que não foi possível até esse momento juntar o documento.
Também se tem considerado que o Tribunal superior não pode, em recurso, conhecer de questão nova não conhecida na decisão recorrida, com base em documento junto posteriormente, uma vez que os recursos se destinam ao reexame das questões decididas na decisão recorrida.
Assim, não é possível juntar nas alegações de recurso documentos que não foram considerados na decisão recorrida.
Não obstante o referido e porque estamos perante uma decisão de rejeição liminar, vejamos qual a relevância processual dos documentos agora juntos e que se consubstanciam numa listagem, alegadamente com o nome de todos os trabalhadores da Recorrente, cópia do Regulamento de Correios aprovado em 14/06/1902 e cópia de um aviso de receção relativo a notificação postal proveniente do TAF de Braga.
A listagem de trabalhadores não contém qualquer assinatura e está impressa em papel não timbrado, ostenta nomes de vários trabalhadores por conta de outrem, respetivas datas de nascimento, bem como as datas de início do vínculo e da respetiva comunicação. O Regulamento para os Serviços dos Correios data de 1902 e encontra-se revogado pelo DL n.º 176/88, de 18 de maio. A cópia do aviso de receção tem inscrito o número do presente processo e, tanto quanto os autos permitem perceber, terá acompanhado a notificação da decisão objeto deste recurso, ostentando a assinatura de “(…)”
Ora, não se alcança a relevância processual e/ ou probatória, para os presentes autos, quer do Regulamento quer da cópia do aviso de receção.
No que respeita à listagem dos trabalhadores, admitindo tratar-se dos trabalhadores da arguida, é manifesto que tal documento já se encontrava na sua posse à data da apresentação da impugnação judicial da decisão de aplicação de coima, sendo certo que lhe competia, desde logo, justificar os motivos porque contou o prazo a partir da data em que teve conhecimento e não da data em que a notificação se considera efetuada.
Concluímos, pois, que a Recorrente podia e devia ter apresentado tal alegação e respetiva prova com a impugnação judicial da decisão administrativa, pelo que a sua apresentação neste momento seria extemporânea se não fosse legalmente inadmissível, o que impõe o respetivo desentranhamento dos autos.
Quanto à diligência probatória requerida de “oficiar aos CTT para que digam quem recebeu a decisão contraordenacional, de forma a que se confronte com a listagem ora junta”, também nunca seria de deferir nos termos pretendidos pela Recorrente, na consideração do que atrás foi dito e, ainda, (sem olvidar que estamos no âmbito de um processo contraordenacional) que recaindo embora sobre o Recorrente o ónus da prova do facto que alega, a atividade instrutória pertinente para apurar a veracidade de tais factos compete também ao Tribunal, que deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, conforme decorre do aditamento de factos ao probatório.
Ademais, é bem sabido que o recurso visa apenas a reapreciação da bondade da decisão do Tribunal a quo, face aos vícios expressamente assacados à decisão recorrida, e não a realização de diligências probatórias pelo Tribunal Superior.
Termos em que não se admite a junção dos documentos que acompanham as alegações de recurso, por inadmissibilidade legal.

3.2.2. Conforme já foi referido, importa analisar as questões que no entender da Recorrente foram incorretamente julgadas na decisão recorrida, referentes à violação do princípio do contraditório, à validade da notificação e às provas produzidas.
Contudo, acerca destas questões, em situação em tudo igual, dado tratar-se da mesma Recorrente, de conclusões de recurso em tudo idênticas, sendo o conteúdo decisório da decisão de primeira instância igual ao dos presentes autos, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (artigo 8.0, n.0 3, do Código Civil), permitimo-nos transcrever o Acórdão deste TCAN proferido em 06/06/2019, no âmbito do processo no 277/19.8BRBRG, a cujo discurso fundamentador aderimos integralmente:
«(…)
Nas suas alegações, a Recorrente começa por referir que não foi notificada para exercer o contraditório e que no exercício desse direito, provaria que não foi notificada no dia 30 de Novembro de 2018, mas somente no dia 7 de Dezembro de 2018, sendo que a presunção de notificação é uma presunção iuris tantum, motivo pelo qual admite prova em sentido contrário e de forma a que o ónus de prova contra quem recai a presunção de notificação seja devidamente cumprido, o destinatário daquela notificação tem de poder exercer o seu exercício do contraditório, pelo que, antes de qualquer decisão jurisdicional, o sujeito sobre quem recai aquele ónus deve ser notificado dos efeitos da presunção de notificação, de forma a que este, querendo, requeira a respectiva ilisão, o que significa que a falta de notificação da arguida sobre a eventual extemporaneidade antes do despacho que julgou o recurso contraordenacional extemporâneo transformou de facto, contra legem, uma presunção de notificação ilidível numa presunção de notificação inilidível, pois que não foi notificada da eventual extemporaneidade antes do despacho de que se recorre, o que torna o despacho recorrido nulo, por violação do princípio da proibição da indefesa e do contraditório, o que se invoca.
Pois bem, neste domínio, importa reter que a imposição de um despacho prévio ao despacho de indeferimento liminar parece ser em si mesmo contraditório porque se o despacho liminar está legalmente previsto como podendo ser de rejeição liminar, não faz sentido a parte ser ouvida preliminarmente.
Por outro lado, não parece que se deva, em rigor, falar de “decisão surpresa” na prolação de despacho de indeferimento liminar na sequência de o meio processual em apreço ter sido accionado quando o prazo para o efeito já se encontrava esgotado, sendo que a lei contempla esta matéria como causa específica de rejeição - art. 63º do RGCO, verificando-se que a lei postula as causas de indeferimento liminar, consubstanciando-se em situações de inviabilidade “lato sensu”, e como tal insupríveis, tornando inútil qualquer instrução e discussão posterior, patenteando-se, então, ser desnecessária a audição prévia sobre um projecto de indeferimento.
No fundo, nas situações de indeferimento liminar, a lei difere o contraditório na medida em que se prevê sempre a admissibilidade do recurso, independentemente do valor e da sucumbência e se determina que o réu seja citado para os termos do recurso e da causa, situação que aponta para a dispensa da audição prévia do autor, porque desnecessária, permitindo-se o contraditório diferido e em situação de igualdade.
A tal decisão-surpresa pressupõe que a parte não possa perspectivar como sendo possível, ou seja, quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse prognosticado no processo.
Assim sendo, não se vislumbra como defender que a Recorrente não pudesse prognosticar que o Tribunal iria analisar a tempestividade do presente recurso de contra-ordenação, até porque se lhe impunha essa apreciação, de modo que, cabe concluir que no caso de indeferimento liminar da petição inicial, o princípio do contraditório não impõe a audição prévia do autor sobre o motivo do indeferimento (despacho preliminar), além do mais porque a lei prevê o contraditório diferido, dada ampla admissibilidade legal de recurso, independentemente do valor e da sucumbência, e em situação de igualdade das partes, não podendo proceder o exposto pela Recorrente nesta sede.
A Recorrente refere depois que o princípio da publicidade implica que qualquer acto derivado dos poderes públicos não produza efeitos enquanto o respectivo destinatário não o conhece ou não tem a possibilidade de o conhecer; nesse sentido, há uma proibição de actos secretos dos poderes públicos, sendo que a publicidade em sentido amplo concretiza-se através de duas formas distintas, oficiais e formais, consoante a natureza jurídica do ato que é comunicado: publicação ou notificação.
O artigo 70.º, número 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias constitui uma exceção ao disposto no artigo 3.º, alínea b do mesmo diploma, uma vez que remete expressamente para os artigos 38.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário a matéria relativa à forma das notificações.
A correspondência postal, verifica-se que a mesma está juridicamente enquadrada, através de normas jurídicas vinculativas, quer pela entidade operadora que presta o respectivo serviço, quer pelos utentes que o utilizam, onde aqui se inclui a administração sancionatória e existem unicamente as seguintes modalidades de envios de correspondência postal, definidas no Regulamento do Serviço Público de Correios, publicado no Decreto-Lei 176/88, cujos destacados são nossos:
i. Correspondência sem tratamento especial: a entrega desta correspondência faz-se no receptáculo postal domiciliário do destinatário, como dispõe o artigo 23.º, número 1, alínea a do Regulamento do Serviço Público de Correios. A não entrega da correspondência leva à sua imediata devolução, por força do artigo 24.º, número 1 do Regulamento do Serviço Público de Correios.
ii. Correspondência com tratamento especial, sob registo: a entrega desta correspondência faz-se na morada indicada pelo remetente, como dispõe o artigo 23.º, número 1, alínea b do Regulamento do Serviço Público de Correios. A entrega é comprovada por recibo, nos termos do artigo 28.º, número 4 do Regulamento do Serviço Público de Correios. A não entrega da correspondência leva à sua imediata devolução, por força do artigo 24.º, número 4 do Regulamento do Serviço Público de Correios.
iii. Correspondência com tratamento especial sob registo com aviso de recepção: nos termos do artigo 30.º do Regulamento do Serviço Público de Correios, o remetente solicita no ato de registo que lhe seja enviado o aviso de recepção. A entrega é efectuada ao destinatário ou outrem em nome deste e é comprovada por recibo, nos termos do artigo 28.º, número 4 do Regulamento do Serviço Público de Correios. A não entrega da correspondência leva à sua imediata devolução, por força do artigo 24.º, número 4 do Regulamento do Serviço Público de Correios.
iv. Correspondência com tratamento especial sob registo com aviso de recepção a entregar em mão ao próprio destinatário: nos termos do artigo 31.º do Regulamento do Serviço Público de Correios, o remetente solicita no ato de registo que a correspondência seja entregue em mão ao próprio destinatário. A entrega é efectuada ao destinatário e é comprovada por recibo, nos termos do artigo 28.º, número 4 do Regulamento do Serviço Público de Correios. A não entrega da correspondência leva à sua imediata devolução, por força do artigo 24.º, número 4 do Regulamento do Serviço Público de Correios.
O legislador não regulou outras modalidades de envio de correspondência física através do serviço público de correios e, excepcionalmente, as notificações podem ser efectuadas através de correspondência com tratamento especial sob registo com aviso de recepção, nos termos do artigo 38.º, número 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, sempre que se esteja perante actos susceptíveis de alterarem a situação tributária ou se esteja perante a convocação para o destinatário assistir ou participar em actos ou diligências e deve ser entendido como acto susceptível de alterar a situação tributária, o acto que cria ou restringe direitos ou deveres presentes ou futuros para os respectivos destinatários.
Assim, no domínio contraordenacional, os actos parasancionatórios (sem finalidades sancionatórias) e os actos sancionatórios (com finalidades sancionatórias, de prevenção geral e especial) que criam direitos do arguido, como a notificação para o exercício do direito de defesa previsto no artigo 70.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, ou que restrinjam direitos, como a notificação da decisão de aplicação de coima que tem finalidades de prevenção geral e finalidades de prevenção especial, são actos que têm de ser notificados por correspondência com tratamento especial sob registo com aviso de recepção, até porque a notificação da decisão de aplicação de sanção contraordenacional pode implicar não só o pagamento de uma coima, como também a aplicação de um extenso leque de sanções acessórias, como por exemplo a privação do direito de participar em concursos públicos, a perda de benefícios fiscais concedidos, a cassação de licenças ou concessões ou o encerramento de estabelecimento, nos termos do artigo 21.º do Regime Geral das Contraordenações e do artigo 28.º do Regime Geral das Infracções Tributárias.
Por isso, em abstracto, a notificação para o direito de audição e de defesa e a notificação da decisão de aplicação de sanção são actos susceptíveis de alterar a situação tributária do destinatário, pelo que lhes é aplicável a forma de notificação prevista no artigo 38.º, número 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Acresce ainda que a aplicação da norma final do artigo 38.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, para a qual a norma remissiva do artigo 70.º, número 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias remeteu, deve ser efectuada de uma forma “correspectiva”, com as devidas adaptações e mesmo que a norma remissiva não tenha referência a uma adaptação, deve o intérprete e aplicador de Direito entender que é sempre devido o respectivo ajustamento de acordo com a natureza de cada norma em questão e face às finalidades sancionatórias do Direito contraordenacional, só a notificação de actos sancionatórios através de correio registado com aviso de recepção assegura que as finalidades do princípio da publicidade inerentes à notificação de actos contraordenacionais sejam cumpridas e nem se diga, salvo o devido respeito, que também o Código de Processo Penal afasta a aplicação da notificação com aviso de recepção, porque nesse caso o arguido presta termo de identidade e residência, o que não ocorre no domínio contraordenacional;
A primeira conclusão a retirar é que a arguida não foi notificada por carta registada com aviso de recepção e devia-o ter sido e a escolha do legislador em relação à forma das notificações dos actos sancionatórios contraordenacionais envolve sempre uma dicotomia entre a celeridade do procedimento contraordenacional e a garantia do efectivo conhecimento do ato por parte do destinatário do mesmo em condições (1) seguras e (2) idóneas, de forma a que o mesmo possa, querendo, exercer os meios de reacção legalmente previstos e as condições serão seguras quando está garantido de forma certa, por isso sem margem para dúvidas, de que o destinatário tem a possibilidade de tomar conhecimento do ato.
Tendo em conta a distinção entre notificação pessoal e não pessoal, o legislador previu que à notificação pessoal se aplicam os termos da citação, nos termos do artigo 38.º, número 6 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e quanto à notificação não pessoal, o legislador apenas previu um artigo relativo à notificação de pessoas colectivas – o artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Não se aplicando as normas da citação pessoal à notificação não pessoal, as normas aplicáveis são as do artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, para o que interessa a estes autos, as regras do artigo 99.º do Decreto de 14-06-1902, acessível em http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/87/136/p348, o que significa que as regras relativas à identificação do destinatário e aos poderes para receber notificações têm de ser interpretadas nos termos do artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do artigo 99.º, §1 do Decreto de 14-06-1902.
Ora, a entrega de correspondência registada com aviso de recepção no domicílio do destinatário tem de ser efectuada, mediante prévia identificação, na pessoa do destinatário «ou por indivíduo especialmente autorizado por escrito», de acordo com o disposto no artigo 99.º, §1.º, alínea b do Decreto de 14-06-1902 e o artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário possibilita que a notificação de pessoas colectivas seja efectuada no representante legal em primeira linha e só nos casos em que o representante legal não seja encontrado, na sede ou no seu próprio domicílio, é que a administração tributária deve notificar a pessoa colectiva na pessoa de (1) qualquer empregado (2) capaz de transmitir o acto, como impõe o artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ou seja, o legislador impõe que, em primeiro lugar, se tente encontrar o representante legal e só se este não for encontrado, é que se parte para a notificação através do respectivo empregado; em segundo lugar, a administração tributária está obrigada a certificar-se que a pessoa em causa é trabalhadora da pessoa colectiva e, terceiro, sendo trabalhadora, tal pessoa tem de ter poderes para receber notificações da pessoa colectiva - tem de se aferir se pode representar a pessoa colectiva.
Em suma, para que a notificação não pessoal com carta registada com aviso de recepção produza efeitos, há-de ser efectuada por esta ordem:
1. A administração tributária tenta encontrar o representante da pessoa colectiva para o notificar pessoalmente;
2. Não encontrando o representante legal, a administração tributária certifica-se que quem se propõe receber é trabalhador da pessoa colectiva;
3. Sendo trabalhador da pessoa colectiva, a administração tributária certifica-se que tem poderes para ser notificado.
Mas ainda que se entenda que no caso não tem de haver notificação com carta registada com aviso de recepção, sempre se entende que este artigo 41.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário é aplicável na notificação registada, uma vez que a notificação tem de ser efectuada em pessoas físicas, como estabelece o artigo 246.º do Código de Processo Civil e também neste caso, tem de se verificar que quem assina, se não for o representante legal, é pelo menos funcionário da referida pessoa colectiva, de modo que, entendendo-se que a notificação não foi bem feita porque não obedeceu à formalidade legalmente prevista, importa aferir se com o recurso contraordenacional a eventual falta de eficácia não foi suprida.
Que dizer?
Nesta matéria, tal como defende a Recorrente, às notificações em processo de contra-ordenação aplicam-se as disposições correspondentes do Código do Procedimento e de Processo Tributário, nos termos do disposto no art. 70º, nº 2, do RGIT.
Depois, é sabido que a notificação tem por objectivo dar conhecimento pessoal aos interessados dos actos administrativos susceptíveis de afectar a sua esfera jurídica, como exigência da garantia constitucional consagrada no nº 3 do art. 268º da CRP, segundo a qual impende sobre a Administração o dever de dar conhecimento aos administrados dos actos que lhes respeitam.
Nesta sequência, tal como aponta o Ac. do S.T.A. de 18-06-2013, Proc. nº 0595/13, www.dgsi.pt, “… Neste sentido, diz o nº 1 do art. 36º do CPPT que “os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesse legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”.
E embora a CRP relegue para a liberdade constitutiva do legislador ordinário o encargo de determinar as formalidades das notificações, a verdade é que esse formalismo deverá mostrar-se constitucionalmente adequado e observar o princípio constitucional da proibição da indefesa (Cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 130/2002, de 14/3/2002, proc nº 607/01.).
Tratando-se de matéria sancionatória, fazem-se sentir aqui particularmente as exigências do art. 268º, nº 3, da CRP.
No que respeita às exigências de notificação em matéria de coimas, pronunciou-se este Supremo Tribunal, entre outros, no Acórdão de 12/4/2012, proc. nº 331/11, no qual interviemos como relatora e que passamos a reproduzir. “Assim, admitindo, em conformidade com alguma doutrina, que “as notificações das decisões cominatórias de coimas não se inserem no âmbito do estatuído no nº 1 do art. 38º do CPPT, razão por que não carecem de ser realizadas por via postal sob AR” (Ver, por todos, PAULO MARQUES, Infracções Tributárias, Ministério das Finanças e da Administração Pública, Direcção-Geral dos Impostos - Centro de Formação, Lisboa, 2007, vol. II, pp. 88 ss., e JORGE LOPES DE SOUSA/SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias, 4ª ed., Áreas Editora, Lisboa, 2010, pp. 477 ss.), …”.
Quanto a estes últimos Autores, tal como se destaca na decisão recorrida “(…) não se reporta a qualquer acto ou decisão nem se relaciona com qualquer alteração da situação tributária do contribuinte nem visa a sua convocação para assistir ou participar em qualquer acto ou em qualquer diligência. Por isso, esta notificação não tem de ser efectuada por carta registada com aviso de recepção, devendo realizar-se por carta registada(...)”, o que significa que, apesar do esforço de alegação da Recorrente, não pode acolher-se a tese esgrimida nesta sede.
No entanto, a Recorrente sustenta ainda que só tomou conhecimento da notificação da decisão condenatória no dia 7 de Dezembro de 2018, uma vez que a carta estava depositada na caixa de correio nesse dia e não estava no dia anterior, juntando ainda a lista completa de trabalhadores seus, para que, em confronto com os dados dos CTT, se verifique que nenhum trabalhador seu recebeu a notificação.

Neste ponto, o probatório informa que:
(…).
Como já ficou dito, por força do estatuído no citado n.º 2, do artigo 70.º do RGIT, as notificações em processo de contra-ordenação fazem-se nos termos previstos no CPPT, que estabelece o seu regime nos artigos 35.º e segs., constituindo uma excepção à regra de aplicação subsidiária do RGCO.

Quanto à forma de notificar a pessoas colectivas, regula o artigo 41.º do CPPT. Quando a notificação é feita por correio registado, aplica-se o disposto no artigo 39.º, n.º 1 do CPPT, que estabelece a presunção iuris tantum de que a notificação se considera feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.
Como presunção elidível que é, admite demonstração em contrário.
Da matéria de facto dada como assente resulta que a decisão de aplicação de coima foi notificada por correio registado sob o nº RF366333770PT, foi aceite em 27-11-2018 e entregue em 28-11-2018, remetido para a descrita morada da Recorrente (que nada questiona sobre este ponto). Como tal, deve considerar-se ter operado a presunção de notificação, uma vez que existe prova do registo e remessa da carta para a morada da Recorrente, constando dos autos [no caso, do sítio dos CTT - https://www.cttexpresso.pt/feapl_2/app/open/cttexpresso/objectSearch/objectSearch.jspx?lang=def] informação dos correios comprovativa da data em que ocorreu o registo dos CTT e da efectiva entrega da notificação na morada da Recorrente.
Portanto, encontrando-se reunidas as condições para que funcione a presunção prevista no n.º 1, do artigo 39.º do CPPT, deve considerar-se a Recorrente notificada no 3.º dia posterior ao do registo, ou seja, no dia 30/11/2018.
Na verdade, independentemente da tentativa da Recorrente em evidenciar que a entrega da carta não teve qualquer relação com os seus trabalhadores (tendo apresentado nos autos uma lista dos mesmos), se a carta em apreço foi remetida para a morada da Recorrente e foi recepcionada por quem ali se encontrava, presume-se que estaria em condições o efeito, dado que, não é de aceitar que um estranho permanecesse nas suas instalações e se “entretesse” a recepcionar cartas, apropriando-se das mesmas, (para que fim....?) tanto mais que a Recorrente não alegou nem demonstrou ter participado criminalmente contra “incertos” por apropriação indevida de bens que lhe pertencem.

Nestas condições, nada impede a afirmação vertida na decisão recorrida no sentido de que o termo inicial do prazo de interposição do recurso ocorreu em 03/12/2018 (suspenso dias 01/12 e 02/12 – sábado e domingo) e, efectuado o cômputo do prazo para interposição do recurso nos termos supra expostos, conclui-se que o mesmo teve o seu termo final no dia 31/12/2018, que por corresponder a férias judiciais (in casu, no período de 22 de Dezembro a 3 de Janeiro - cfr. artigo 28º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovado pela Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto), passa para o dia 04/01/2019 - primeiro dia útil após as férias judiciais, de modo que, dispondo a arguida do prazo de 20 dias para reagir à decisão de fixação de coima, verificado que o recurso foi entregue no Serviço de Finanças em 08/01/2019, já se encontrava ultrapassado o prazo legal para a apresentação do recurso.».
Resta-nos acrescentar, em densificação do que já está referido no aresto que vimos de transcrever e em sintonia com o decido no acórdão da secção administrativa deste TCAN, datado de 16.08.2019, proferido no proc. 00294/19.8BECBR e subscrito pela aqui Relatora, o seguinte:
«em respeito à questão de saber qual o momento em que deve ser satisfeito o ónus que impende sobre a parte de ilidir a presunção de notificação, ressalte-se o expendido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no aresto editado em 30.04.2015, tirado no Processo nº. 11778/15:
(…)
Estamos perante uma presunção relativa ou juris tantum, a qual pode, pois, ser ilidida pelo notificado, sendo que para tal terá o mesmo de provar que a notificação não foi efetuada ou que ocorreu em data posterior à presumida, por razões que não lhe sejam imputáveis.
Não se trata de justificar a prática de um ato fora do prazo legal, como sucede nos casos de justo impedimento (cfr. artigo 146º do CPC), mas sim de ilidir a presunção de que o registo postal de notificação foi recebido no 3º dia ou, caso este o não seja, no 1º dia útil após ele, contados da data da expedição. Assim é que, se o tribunal considerar que o recebimento do registo teve lugar após um desses dias, e que tal sucedeu por facto não imputável ao destinatário, aceita que o início da contagem do prazo para a prática do ato seja a data (posterior) do efetivo recebimento e não a data legalmente estabelecida por presunção iuris tantum.
É ao notificado que incumbe demonstrar em juízo que a notificação teve lugar em data posterior à presumida e que tal ocorreu por razões que não lhe são imputáveis.
E deve fazê-lo no momento em que pratica o ato, caso este tenha sido praticado fora do prazo fixado em função da data da notificação presumida.
É esse o entendimento que tem sido seguido pela jurisprudência (cfr. acórdãos do STJ de 21/02/2006, proc. n.º 05B4290, do Tribunal da Relação de Lisboa de 19/04/2007, proc. n.º 5846/06-2 e de 9/06/2014, proc. n.º 2085/13.3TBBRR-A.L1-6 e Tribunal da Relação de Coimbra de 13/11/2013, proc. n.º 113/11.3TACSD.C1).
A respeito da questão de saber qual o momento em que deve ser satisfeito o ónus que impende sobre o mandatário de ilidir a presunção de notificação, respondeu o STJ no referido acórdão de 21/02/2006 nos seguintes termos: “A resposta não poder ser outra senão aquela que foi dada pelas instâncias, ou seja, a de que tal momento é aquele em que o mesmo mandatário pratica o ato, se o fizer já fora do prazo fixado pela data da notificação presumida. Com efeito, se assim não fosse, ficava o tribunal impedido de decidir, ou quanto à admissão ou rejeição imediata das alegações, ou quanto à produção de eventual prova que se mostrasse necessária para demonstrar a notificação tardia”.(…)”.».
Acompanhando e acolhendo esta interpretação que consideramos aplicável à ilisão da notificação da decisão de aplicação de coima, por força das disposições conjugadas dos artigos 80.º do RGIT, 39.º, n.º 2, e 2.º, alínea e) do CPPT, concluímos, como aliás já deixámos consignado, que a Recorrente devia ter alegado e demonstrado a data da efetiva receção da notificação em causa logo no requerimento de recurso. Tendo optado por não o fazer naquele primeiro momento, sibi imputet as atinentes consequências.

Na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, impõe-se confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências, nos termos acima expostos, improcedendo o presente recurso jurisdicional.


4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente e manter a decisão recorrida.


Custas pela Recorrente.

Notifique.

Porto, 7 de fevereiro de 2020


Maria do Rosário Pais
Fernanda Esteves
Barbara Tavares Teles