Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00145/11.1BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/19/2021
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Helena Canelas
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL – DANOS EM HABITAÇÃO – EMPREITADA DE OBRA PÚBLICA - PRESUNÇÃO DE CULPA
Sumário:I - Nos termos do disposto no artigo 493º n.º 2 do Código Civil “…quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.

II – A lei não fornece um elenco de atividades que devam ser qualificadas como perigosas para efeitos daquele normativo nem fornece um critério em função da qual se deva afirmar a perigosidade da atividade, elucidando apenas que, para o efeito, tanto releva a natureza da própria atividade como a natureza dos meios utilizados.

III – Estando-se perante um conceito indeterminado e amplo, a preencher pelo intérprete e aplicador da norma na solução do caso concreto, a perigosidade haverá de ser apurada caso a caso, em função das características casuísticas da atividade que gerou os danos, da forma e do contexto em que ela é exercida.

IV – A natureza dos trabalhos de escavação, regularização de taludes, aterro e pavimentação, e os meios utilizados, em concreto bulldozers com ripper, escavadoras giratórias de rastos com balde de dente, lamina, camiões, e compressores e trabalhos de aterro, compactação e pavimentação com recurso a cilindros de rolos e pneus, em localização tão próxima da habitação dos autores (11 metros), deve considerar-se enquadrada na hipótese normativa do artigo 493º nº 2 do Código Civil.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:A. SA
Recorrido 1:A., e Outros
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I. RELATÓRIO

A. e M. (devidamente identificados nos autos) instauraram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel em 10/02/2011 ação administrativa comum contra a (1) A. SA, a (2) COMPANHIA DE SEGUROS (...) S.A. e o (3) MUNICÍPIO DE (...) (todos devidamente identificados nos autos), peticionando a condenação solidária dos réus a repararem todos os danos provocados no seu imóvel com a execução da empreitada das obras de construção da Estrada de Funtão, que decorreram entre junho de 2007 e fevereiro de 2008, ou a pagar-lhes o custo da sua reparação e indemnizarem os danos morais sofridos no valor de 200,00€ mensais desde fevereiro de 2008 à sua reparação, que calculou à data de instauração da ação na quantia de 7.000,00€.

Por sentença de 03/07/2020 (fls. 1341 SITAF) a Mmª Juíza do Tribunal a quo julgando parcialmente procedente a ação condenou a ré A. SA, a proceder à reparação dos danos referidos no ponto 30. dos factos provados, realizando as atividades de picagem de reboco, introdução de rede de fibra de vidro, aplicação de reboco, aplicação de novo material cerâmico, remoção de argamassa da juta e aplicação de mástique e nova argamassa, limpeza, preparação e pintura melhor descritas nos artigos 2 a 6 da resposta A ao quesito 4. do relatório pericial ou, em caso de impossibilidade ou excedendo a reparação por meios próprios a quantia de 11.200,00€, a pagar aos autores a quantia de 11.200,00€, absolvendo os demais réus do pedido.

Inconformada a ré A. SA dela interpôs o presente recurso de apelação (fls. 1433 SITAF), formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:

A. A Recorrente entende que a decisão da matéria de facto é incorrecta quanto aos pontos 29 e 30 da matéria de facto provada; que deverão ser dados como NÃO PROVADOS.
B. Esta alteração deverá ser feita com base nos depoimentos das testemunhas indicados e ou transcritos no corpo das alegações e de acordo com o disposto no art. 607º nº 4 do Código de Processo Civil e no art. 347º do Código Civil “à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torna-los duvidosos: se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova.
C. Resultou demonstrado que os meios mecânicos empregues não são aptos a provocar vibrações capazes produzir as fissuras examinadas na habitação em causa.
D. Deverá a matéria de facto ser ampliada
E. De acordo com o disposto no art. 607º/4 do CPC devem ser enunciados na sentença quais os factos que se consideram provados e os factos não provados.
F. Na contestação a Ré, ora Recorrente alegou que a obra em questão foi executada sempre de acordo com as melhores normas da arte de bem construir e dos métodos de construção previstos no projecto e demais elementos do concurso público (art. 13º). A Ré, ora Recorrente entende que este facto está PROVADO.
G. Este facto não consta nem dos factos provados nem dos factos não provados.
H. Apesar de entender que a actividade de construção civil e as obras de escavação ou desaterros que a integram não eram de qualificar como actividade perigosa, a douta sentença em apreço considerou que, no caso em concreto os trabalhos de escavação constituíam uma actividade perigosa.
I. Salvo o devido respeito, apesar da referida tecnicidade do projecto de empreitada, o que é relevante para determinar a alegada perigosidade da actividade é em concreto os trabalhos que foram realizados nas imediações da moradia dos Autores.
J. Ora, tal como foi descrito pelos factos provados, os meios utilizados na obra nas imediações do prédio dos Autores não importam qualquer risco acrescido, relativamente a uma actividade normal de escavação.
K. Mesmo que se considere a actividade da Recorrente, nas obras executadas nas imediações da habitação em causa, como perigosa, o que se não aceita, importa verificar se a Recorrente ilidiu a presunção de culpa.
L. Atentos os factos provados, terá de concluir ter a Recorrente demonstrado que usou de todas as providências que lhe eram exigidas tendo em vista aquele objectivo e, desse modo, ilidiu a presunção de culpa que sobre si impendia, impedindo a sua responsabilidade pela reparação dos danos.
M. Ainda que os danos tivessem sido provocados pelas obras, o que se não aceita, isso seria o resultado, forçoso e forçado, da própria natureza dos trabalhos, uma vez que não havia outro modo de os executar.
N. E, nessa hipótese, não pode ser imputada a responsabilidade ao empreiteiro uma vez que o projecto e o caderno de encargos é da responsabilidade do dono da obra;
O. Não cabendo, portanto, ao empreiteiro aqui Recorrente, suportar o ressarcimento dos alegados danos.

Termina pugnando pela revogação da decisão recorrida com a sua absolvição do pedido.
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Os contra-alegaram os recorridos autores (fls. 1496 SITAF) pugnando pela improcedência do recurso, com manutenção da decisão recorrida, não tendo formulado conclusões, bem como o MUNICÍPIO DE (...) (fls. 1523 SITAF), pugnando igualmente pela improcedência do recurso, formulando a final o seguinte quadro conclusivo, nos seguintes termos:

1.ª - O Recorrente defende que não teve qualquer conduta, seja activa e/ou omissiva, de onde pudesse resultar a sua responsabilidade – quer por factos ilícitos ou pelo risco – e a inerente obrigação de ressarcimento dos danos ocorridos na casa dos então AA.;
2.ª - Defendendo que executou a obra “(…) sempre de acordo com as melhores normas da arte de bem construir e os métodos de construção previstos no projecto e demais elementos do concurso público”, pelo que só se poderá concluir pela responsabilidade do MUNICÍPIO DE (...) em ressarcir os então AA.;
3.ª - Atendendo ao estatuído nos artigos 36.º a 38.º do Regime Jurídico das Empreitadas Públicas, à data consignado no Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, que regulavam, especificamente, a responsabilidade do dono da obra e do empreiteiro, no que concerne a danos causados a terceiros, como é o caso, é possível concluir que: o empreiteiro responde pelos erros de concepção, se a mesma for da sua autoria, enquanto o dono da obra responde pelos erros de execução, se os mesmos forem consequência de ordens ou instruções escritas transmitidas pelo fiscal da obra, ou que tais erros e vícios, provindo embora da iniciativa do empreiteiro, houvessem obtido a expressa concordância do mesmo fiscal;
4.ª - Fora dessas hipóteses, e por falta de um genérico vínculo de subordinação da actividade do empreiteiro relativamente ao dono da obra, este não responde pelos prejuízos causados a terceiros no decurso da execução da empreitada, pois não existe no regime jurídico do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, um princípio geral de responsabilização do dono da obra decorrente dos prejuízos provocados pelo empreiteiro no âmbito da execução do contrato;
5.ª - O que existe, em qualquer dos casos, é, em primeira linha, a responsabilização geral do empreiteiro (artigo 36.º, n.º 1) cingindo-se – como se disse – a responsabilidade do dono da obra aos prejuízos provocados naqueles casos em que os vícios da obra resultaram de ordens ou instruções transmitidas pelo fiscal por aquele nomeado, ou que hajam obtido a sua concordância expressa, e também daqueles outros em que tenha havido erros de concepção do projecto imputáveis ao dono da obra;
6.ª - Aliás, como resulta da douta decisão ora em recurso, não será pelo facto de o empreiteiro ter efectuado a construção em conformidade com o projecto, com o caderno de encargos, com o plano de segurança e saúde e, ter cumprido as orientações e recomendações da fiscalização e do dono da obra, que “(…) se poderá sem mais extrair que a lesão ao direito de propriedade dos AA. tenha emergido de erros de conceção do projeto, ou de ordens ou instruções transmitidas pelo fiscal nomeado pelo dono da obra, ou que hajam obtido a sua concordância expressa. Antes pelo contrário, apenas se prova que os danos verificados no prédio dos Autores, contíguo às obras, se produziram devido aos meios mecânicos utilizados pelo empreiteiro e, ainda que a utilização destes tenha, naquele local, sido consentida pelo dono de obra ao adjudicar à proposta da A. contendo os meios e equipamentos a utilizar, nem o seu poder de direção nem de fiscalização, retiram ao empreiteiro a autonomia no ajustamento dos meios técnicos utilizados à concreta execução da obra. Cabendo ao empreiteiro garantir que a obra se executa com as condições necessárias a evitar a ocorrência de danos a terceiros.”;
7.ª - Além do mais, o Apelante não alega nem prova ter adoptado uma conduta tendente a reduzir e eliminar os próprios riscos inerentes à realização da obra, atenta a proximidade da casa dos AA.;
8.ª - A isto acresce, que a responsabilidade pela indemnização dos prejuízos causados a terceiros, que não resultassem da própria natureza ou concepção da obra, sempre seriam da responsabilidade do empreiteiro tal como se encontrava previsto no ponto 1.10.1, alínea a) do respectivo Caderno de Encargos;
9.ª - Por outro lado, de acordo o disposto nos artigos 342.º, n.º 1 e 487.º, n.º 1, ambos do Código Civil o “onus probandi” relativo à eventual responsabilidade do Apelado, incumbia aos então AA., sendo certo que como bem foi observado pelo Tribunal a quo, os então AA. não demonstraram qualquer “(…) conduta/omissão, traduzida no exercício deficiente dos seus poderes de direção e omissão de fiscalização da obra, de que dependia a sua responsabilização, o que determina desde logo, a sua absolvição do pedido”;
SEM PRESCINDIR,
10.ª - Independentemente de o MUNICÍPIO DE (...) ser inteiramente alheio às fissuras existentes no prédio dos então AA., o certo é que se, por mera hipótese de raciocínio se entendesse o contrário, nunca o ora Apelado poderia ser condenado nestes autos, uma vez que o eventual direito daqueles se encontra prescrito;
11.ª - Tendo em conta a matéria de facto dada como provada, essencialmente nos pontos 32, 42, 44, 45, 46, 47, 48 e 49, a qual, por brevidade, aqui se dá por integrada e reproduzida, constata-se que:
a) O aparecimento das fissuras no prédio dos AA. remonta ao final de Maio, início de Junho de 2007;
b) Previamente a esta acção os AA. intentaram contra a ora Recorrente uma outra acção sobre os mesmos factos no Tribunal Judicial de (...) em 13 de Maio de 2010 (Proc. n.º 716/10.3TBLSD;
c) Nessa acção foi requerida a intervenção principal provocada do MUNICÍPIO DE (...), tendo este sido citado para a acção em 14 de Julho de 2010;
d) O Tribunal Judicial de (...) declarou-se materialmente incompetente para julgar a referida acção, por sentença de 4 de Novembro de 2010, notificada em 8 de Novembro de 2010 e transitada em julgado em 23 de Novembro de 2010.
e) A presente acção foi instaurada em 10 de Fevereiro de 2011, tendo os RR. sido citados em 16 de Fevereiro de 2011.
12.ª - Da conjugação dos factos vindo de elencar e das datas neles referidas, resulta que o direito dos AA. – por eles conhecido e susceptível de ser exercido no máximo em Junho de 2007 – já se encontrava prescrito quando o ora Apelado foi citado naquela primeira acção, isto é, em 14 de Julho de 2010 (cfr. artigo 498.º, n.º 1 do Código Civil);
13.ª - Mesmo que assim se não entendesse, constata-se que a decisão final proferida naquele processo transitou em julgado a 23 de Novembro de 2010, pelo que ainda que os AA. não tivessem o seu direito prescrito aquando da referida citação do Apelado para aquela acção, sempre o mesmo estaria prescrito quando a acção aqui em causa entrou neste Tribunal, ou seja, a 10 de Fevereiro de 2011, para a qual o MUNICÍPIO DE (...) foi citado a 16 de Fevereiro de 2011, uma vez que tal como preceitua o n.º 2, do artigo 279.º do Código de Processo Civil, para que os AA. pudessem beneficiar dos efeitos civis derivados da primeira acção, esta última deveria ter dado entrada em juízo nos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito daquele processo (716/10.3TBLSD) – o que não aconteceu;
14.ª - Não há, assim, margem para dúvidas de que o direito que os AA. pretendiam fazer valer nestes autos contra o Apelado MUNICÍPIO DE (...), há muito se encontra prescrito;
15.ª - Pelo que a douta decisão ora em análise não merece qualquer reparo e deve ser mantida.
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Remetidos os autos a este Tribunal em recurso, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, o Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu Parecer (fls. 1594 SITAF).
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Com dispensa de vistos, foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.
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II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir

O objeto dos recursos é delimitado pelas respetivas conclusões, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.

No caso, vêm trazidas em recurso as seguintes questões essenciais:
- saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto, nos termos apontados – (vide conclusões A. a G. das alegações de recurso);
- saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à solução jurídica da causa, por o recorrente empreiteiro não ser o responsável nem dever suportar o ressarcimento dos danos – (vide conclusões H. a O. das alegações de recurso).
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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto

A Mmª Juiz a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis na sentença recorrida:

1. Sob a Ap. 18 de 16.05.2005 da descrição predial n.º 802/20050516 encontra-se registado a favor dos AA. o direito de propriedade sobre o prédio urbano, sito no lugar de (...) ou (...), freguesia de (...), concelho de (...), constituído por terreno para construção urbana, a confrontar a norte com J. e caminho, Sul com estrada e herdeiros de C., nascente com estrada e poente com caminho e R., inscrito na matriz sob o artigo 1279 (doravante prédio dos AA.). – 12 e ss. do suporte físico dos autos.
2. Em 17.5.2005 a A. mulher entrada junto dos serviços do MUNICÍPIO DE (...) de pedido de licenciamento, a que foi atribuído o numero de processo 85/05, de construção de edifício composto de r/c e destinado a habitação unifamiliar, nos termos das peças escritas e desenhadas cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzidas, a edificar no prédio referido no ponto anterior. – fls. 1 e ss. do pa 85/05.
3. Em 21.7.2005 foi emitida pelo Departamento de Urbanismo da Câmara Municipal de (...) (doravante CM_) parecer favorável à aprovação do projeto de arquitetura no âmbito do processo de licenciamento 85/05. – fls. 48 do pa.
4. Em 5.8.2005 foram apresentados os projetos de especialidades no âmbito do processo de licenciamento 85/05. – fls. s/n do pa 85/05.
5. Por deliberação camarária de 5.8.2005 foi aberto o concurso publico para a ¯construção da via de ligação da Vila de (...) à EM562 (Acesso da Zona Industrial de (...) ao nó da A11/IP9 e A42/IC25)‖ (doravante Concurso), de acordo com o projeto patenteado a concurso e regido pelo Programa de Concurso, Caderno de Encargos e respetivos anexos e projetos nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos, constando, além do mais, que os trabalhos de execução da empreitada envolviam escavação com recurso a meios mecânicos e explosivos, compactação e pavimentação, ¯1.10.1 – Salvo disposição em contrario deste Caderno de Encargos, correrão por conta do empreiteiro, que se considerará, para o efeito, o único responsável:
a) A reparação e a indemnização de todos os prejuízos que, por motivos imputáveis ao empreiteiro e que não resultem da própria natureza ou conceção da obra, sejam sofridos por terceiros até à receção definitiva dos trabalhos em consequência do modo de execução destes últimos, da atuação do pessoal do empreiteiro ou dos seus subempreiteiros e fornecedores e do deficiente comportamento da falta de segurança das obras, materiais, elementos de construção e equipamentos;
– fls. 1 a 372 do p.a.
6. A A. S.A. apresentou proposta ao Concurso, que integrava, além do mais: orçamento, do qual constavam trabalhos de terraplanagem, incluindo decapagem, trabalhos de escavação, incluindo com meios mecânicos (lamina, balde ou ripper) na quantidade de 298100m3, com recurso a explosivos na quantidade de 24700m3, carga, transporte e colocação em aterro de materiais, espalhamento, compactação e trabalhos de pavimentação; plano de equipamentos; plano de trabalhos; plano de saúde e segurança; tudo nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos. – fls. 716 e ss. do p.a.

7. Na sequencia de informação de 26.8.2005, por oficio de 1.9.2005, a A. foi notificada pela CM_ para apresentar novo projeto reformulado uma vez que se encontra ¯projectado um arruamento que atravessa o prédio‖ onde a A. pretendia construir a sua habitação. – fls. 476 do pa 85/05.
8. Os AA. pronunciaram-se propondo a cedência de uma parcela de terreno com vista à edificação do novo arruamento .- fls. 477 e ss. do p.a 85/05.
9. Entre os anos 2005 e 2006 os AA. procederam à edificação no prédio referido em 1. de um edifício composto de r/c e destinado a habitação unifamiliar. – fls. 239 e ss. do p.a 85/95 (embargo em Novembro de 2005, fotos construção avançada)
10. Os AA. e os seus dois filhos passaram a habitar o imóvel referido no ponto anterior em meados de março de 2006.
11. Por deliberação de 6.2.2006 a CM_ adjudicou à A. S.A. a empreitada para a ¯construção da via de ligação da Vila de (...) à EM562 (Acesso da Zona Industrial de (...) ao nó da A11/IP9 e A42/IC25)‖. – fls. 673 do p.a.
12. Em 31.3.2006 a Camara Municipal de (…) celebrou com a A., S.A. contrato para a execução da empreitada para a ¯construção da via de ligação da Vila de (...) à EM562 (Acesso da Zona Industrial de (...) ao nó da A11/IP9 e A42/IC25)‖. – fls. 938 e ss. do p.a.
13. Entre a A. S.A. e a COMPANHIA DE SEGUROS (...), SA, foi celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil, titulado pela apólice n.º 0084-07-115161, tendo por objeto a garantia da responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao segurado em consequência da sua atividade de construção civil e obras públicas, sendo o capital seguro de € 2.500.000,00 limitado a € 750.000,00 por sinistro, sujeito a uma franquia geral de 10% dos prejuízos em lesões materiais, no mínimo de € 750,00 e no máximo de € 7.500,00 e uma franquia relativa a responsabilidade civil por trabalhos de derrube ou demolição, trabalhos de escavação, trabalhos de abertura de valsa, de 10% dos prejuízos em lesões materiais no mínimo de € 1.250,00, regendo-se pelas condições particulares e gerais, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e das quais se extrai, além do mais,
“Condições Particulares
[…]
2. Actividade
[…]
b) R. Civil por Utilização de Explosivos, nos termos da legislação em vigor
-O Segurado obriga-se a impedir o acesso de pessoas, bens ou animais ao local onde ocorram detonações, bem como respeitar todas as medidas de segurança impostas por lei ou regulamento.
-Caso não sejam efetuadas medições das vibrações provocadas pelo uso de explosivos, de acordo com NP-2074, e conservados os respectivos registos que comprovem terem sido respeitados os valores limites expressos na referida norma, não serão indemnizáveis quaisquer perdas ou danos provocados pela utilização de explosivos.
-Devem ser tomadas as medidas habituais de prevenção e aviso durante o uso de explosivos.
FICA EXCLUIDO DESTA COBERTURA ADICIONAL
Danos causados a bens moveis /ou imoveis adjacentes e/ou contíguos, pertença de terceiros situados a uma distancia inferior a 150 metros do ponto da explosão.
Perdas ou danos motivados por todo e qualquer tipo de fissuras, fendas ou trepidações a toda e qualquer edificação, as quais não coloquem em causa a estabilidade dos mesmos.
[…]
d) R. civil Trabalhos de Escavação
Ficam garantidos os danos derivados de trabalhos de escavação em obras cujas estruturas e/ou propriedades, adjacentes ou contiguas ao local dos trabalhos, pertença de terceiros, se encontrem a uma distancia superior a 25 metros.
As escavações se realizem em terrenos planos ou com declive pouco acentuado (<=5%)
As escavações não ultrapassem uma profundidade máxima de 5 metros.
Sejam utilizadas as medidas de contenção e segurança tecnicamente apropriadas a cada caso.
Para trabalhos que não se enquadrem nas condições acima descritas a aceitação destes trabalhos ficará sempre dependente de aceitação previa, por escrito, por parte da Seguradora. Para este efeito o Segurado compromete-se a comunica com a antecedência mínima de 15 dias uteis o inicio desses trabalhos, os quais ficarão sujeitos a previa analise de risco. Os riscos que forem aceites após analise de risco ficarão sujeitos a eventual aplicação de premio e franquia suplementares.
[…]
Condições Gerais
[…]
Artigo 5.º - Exclusões Relativas
Salvo convenção expressa em contrario nas Condições Especiais, e sem prejuízo de outras exclusões nelas constantes, o presente contrato não garante também a responsabilidade civil emergente de: […]
l) perdas indirectas de qualquer natureza, lucros cessantes e paralisações.
[…]”
- fls. 161 e ss. do suporte físico dos autos.
14. Os trabalhos de execução da empreitada de construção da via de ligação da Vila de (...) à EM562 (Acesso da Zona Industrial de (...) ao nó da A11/IP9 e A42/IC25) (doravante Empreitada) iniciaram-se em 24 de julho de 2006. – fls. 1417 do p.a.
15. O prédio referido em 1. situa-se, aproximadamente, ao pk 4+000 da Empreitada. – fls. 2398 do p.a.
16. Na sequência de reuniões entre a CM_ e os AA. foi definido um novo traçado para o arruamento cedendo os AA. uma parcela de terreno do prédio referido em 1. com a área de 188 m2. – fls. 188 e ss. do pa 85/05, 4498 do pa
17. No decurso dos trabalhos da Empreitada a 1.ª R. procedeu, além do mais, à execução de trabalhos de escavação e desmonte de rocha.
18. No âmbito de tais trabalhos, em novembro de 2006, fevereiro, março e abril de 2007 a 1.ª R. realizou escavações com recurso à utilização de explosivos, - fls. 2006, 2011, 2133, 2730, 3100
19. Os quais se situaram entre o pk 0,300 e até ao pk 2+525. – fls. 1487, 2154, 2203 e ss., 2771, 3419 do p.a.
20. A execução dos trabalhos com recurso a explosivos foi objeto de um plano de trabalho para atividade com riscos especiais e alvo de controle, através de medição de vibrações e onda aérea, aquando dos rebentamentos. – fls. 2274 e ss. do p.a,
21. Em 25.6.2007 a técnica de segurança da 1.ª R., contatou telefonicamente o A. marido, tendo agendado com o mesmo uma visita à habitação a ocorrer no dia seguinte tendo em vista a realização de vistoria à habitação do A. e levantamento e documentação das patologias.
22. Em 26.6.2007 a técnica de segurança da 1.ª R. e o fiscal da obra deslocaram-se à habitação dos AA., tendo a A. mulher informado que o A. marido lhe tinha dado a indicação para nada assinar e contatado telefonicamente o A. marido este informou que não iria assinar qualquer documento.
23. Perante a recusa dos AA., não foi realizado o levantamento de patologias, tendo a técnica de segurança lavrado relatório do qual se extrai, “Após contacto telefónico com o Sr. A.no dia 25 de junho de 2007 foi marcada vistoria à casa para o dia 26 de junho de 2007, tendo sido explicado todo o procedimento de preenchimento do documento. No dia de hoje, 26 de junho, após comparência para a referida vistoria, a esposa do Sr. A. recusou-se a assinar o documento. Após novo contacto telefónico com o Sr. A., o mesmo disse que não assinava qualquer documento. Na minha presença estava o Eng. L. (Eng. Fiscal da obra).” – fls. 3968 do pa.
24. Nas imediações da habitação dos AA., e sensivelmente a partir de abril de 2007 até agosto de 2007, a 1.ª R. realizou trabalhos, designadamente de escavação, regularização de taludes, aterro e pavimentação,
25. Utilizando bulldozers com ripper, escavadoras giratórias de rastos com balde de dente, lamina, camiões, e compressores. - fls 3589, 3951 e ss., 4248 e ss., 4585 e ss., 4646 e ss., 4720 e ss.
26. E trabalhos de aterro, compactação e pavimentação com recurso a cilindros de rolos e pneus. – fls. 3788 e ss., 4291 e ss.
27. Os referidos trabalhos de escavação foram realizados a distancias de 11 metros e superiores da habitação dos AA. – relatório pericial.
28. E a uma profundidade de cerca de 3,5 metros abaixo do piso da habitação dos AA. – relatório pericial.
29. A realização pela 1.ª R. dos trabalhos referidos em 24. e 26. e a utilização na obra dos meios mecânicos referidos nos pontos 25. e 26. nas proximidades da moradia dos AA., provocou vibrações que se propagaram no solo,
30. Causando, na habitação dos AA., fissuras nas paredes interiores, algumas vazantes, e nos azulejos que revestem as paredes interiores, nas paredes exteriores em alvenaria de granito, nos tetos interiores, nos materiais cerâmicos das casas de banho e cozinhas, e nas juntas das pedras exteriores, nos termos constantes do relatório pericial que aqui se dá por reproduzido.
31. As referidas fissuras prejudicam a estética da habitação dos AA., criando desconforto visual.
32. As referidas fissuras começaram a aparecer por volta do final de maio / inicio de junho de 2007, apercebendo-se os AA. das mesmas e associando-as aos trabalhos de execução da Empreitada.
33. A reparação das fissuras referidas no ponto anterior implica picagem de reboco, introdução de rede de fibra de vidro, aplicação de reboco, aplicação de novo material cerâmico, remoção de argamassa da juta e aplicação de mástique e nova argamassa, limpeza, preparação e pintura.
34. A reparação das fissuras ascende ao valor de € 6.000,00 e a pintura das paredes interiores da habitação dos AA. € 5.200,00.
35. Os AA. sentem-se desgostosos por verem a sua casa inestética em resultado das fissuras,
36. E, bem assim, sofrem com a falta de condições de salubridade na copa e cozinha resultantes da humidade e infiltrações, obrigando-os a mudar os tapetes, o sofá e loiças de sitio na cozinha nos períodos de chuva.
37. A 1.ª ré executou os trabalhos de construção da via em conformidade com o projeto e cadernos de encargos elaborados pelo dono da obra (3.º R.), nos quais estava previsto que a via, designadamente na confrontação com o prédio referido em 1., estaria a uma cota inferior a este, seguindo as orientações e recomendações da fiscalização e do dono de obra e dispondo de director de obra, encarregado e técnica coordenadora de segurança.
38. A execução da empreitada obedeceu ao Plano de Segurança e Saúde aprovado pelo MUNICÍPIO DE (...). – fls. 1937 e ss. e 1949 do p.a.
39. A execução da empreitada foi acompanhada pela equipa de fiscalização e coordenação de segurança, M., Lda., contratada pelo MUNICÍPIO DE (...), deslocando-se diariamente à obra e que realizou um acompanhamento intensivo dos trabalhos, elaborando registos e relatórios mensais de acompanhamento pormenorizados e completos. – ver relatórios de fiscalização e relatórios de visitas, constantes do p.a. a fls. 1544 e ss., 1803 e ss., 2504 e ss., 2095 e ss., 2144 e ss., 3127 e ss., 3445 e ss., 3515 e ss., 3680 e ss., 4024 e ss., 4344 e ss., 4686 e ss., 4895 e ss.
40. A equipa de fiscalização e coordenação de segurança realizou uma fiscalização intensiva dos trabalhos, designadamente ao nível das condições de segurança e saúde, determinando ao empreiteiro correções de situações de não conformidades e impondo-lhe a implementação de medidas. – ver relatórios de coordenação de segurança constantes do p.a. a fls. 1582 e ss., 1727 e ss., 2603 e ss., 2747 e ss., 3304 e ss., 3481 e ss., 3743 e ss., 3790, 4161 e ss., 4227 e ss., 4868 e ss., 4986 e ss.

41. Por despachos de 10.8.2007 foram aprovados o projeto de arquitetura e os projetos de especialidades no âmbito do processo de licenciamento 85/05, emitindo-se em 10-8-2007 o alvará de obras de construção n.º 164/07. - fls 48 e 204 do pa 85/05.
42. Em 13.5.2010 os AA. instauraram junto do Tribunal Judicial de (...), ação de processo sumário, a que foi atribuído o numero de processo 716/10.3TBLSD, contra a A. S.A. peticionando a condenação da R. a reparar os estragos provocados pela obra de construção da ¯Estrada de Funtão que liga a Vila de (...), junto ao nó A42/IC25 e A11/IP9, à Zona Industrial de (...), (...), ou a pagar aos AA. o custo da sua reparação e indemnizarem os danos morais sofridos no valor de € 200,00 mensais desde fevereiro de 2008 à sua reparação e que, na data de instauração dos autos, perfaz a quantia de € 6.400,000, alegando em síntese que os trabalhos foram realizados com recurso a explosivos e maquinaria pesada que induziram vibrações no solo que se transmitiram às fundações da sua moradia, provocando-lhe danos, nomeadamente fissuração generalizada, solicitando em agosto de 2007 quando apareceram as primeiras fissuras uma vistoria que não foi realizada, sofrendo os AA. desgosto e incómodos por viverem numa casa danificada. – fls. 633 e ss. do suporte físico dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
43. No processo 716/10.3TBLSD a R., A., S.A., foi citada em 19.5.2010. – fls. 664 e ss. do suporte físico dos autos.
44. A R., A., S.A., apresentou contestação requerendo a intervenção acessória provocada da Companhia de Seguros (...), S.A. – fls. 667 e ss. do suporte físico dos autos.
45. Os AA. apresentaram replica, pronunciando-se sobre o incidente, deduzindo incidente de intervenção principal provocado do MUNICÍPIO DE (...) e, bem assim, sobre a contestação da R., aduzindo no ponto 10.º que “Neste contexto em 26 de junho de 2007, já depois de iniciadas as obras de construção da via e com a casa a apresentar algumas fissuras em consequência das obras, embora menores e menos largas que as que se desenvolveram de forma mais visível em Agosto de 2010 e ainda não na zona do telhado” – fls. 685 do suporte físico dos autos.
46. Admitidos os referidos incidentes foram citados os intervenientes MUNICÍPIO DE (...) em 14.7.2010 e a Companhia de Seguros (...) em 15.7.2010. – fls. 690 e 692 do suporte físico dos autos.
47. O interveniente MUNICÍPIO DE (...) suscitou, na sua contestação, a incompetência material do tribunal judicial de (...) e a Companhia de Seguros (...), a prescrição do direito de indemnização dos AA. – fls. 695 e ss. do suporte físico dos autos
48. Em 4.11.2010 o Tribunal Judicial de (...) proferiu sentença no processo 716/10.3TBLSD, notificada em 8.11.2010 e transitada em julgado em 23.11.2010, declarando-se materialmente incompetente para apreciar a ação, por caber aos tribunais administrativos a competência para apreciar litígios relativos a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais obras publicas. – fls. 544 e ss. do suporte físico dos autos.
49. A presente ação foi instaurada em 10.2.2011, tendo os RR. sido citados em 16.2.2011. – fls. 1 e ss., 89 e ss. do suporte físico dos autos.

E consignou não se terem provados os factos que não constam dos pontos dados como provados, designadamente os seguintes:

1. Os rebentamentos explosivos provocaram vibrações que se faziam sentir na habitação dos AA., causando as fissuras na sua habitação.
2. Nas proximidades da habitação dos AA. a 1.ª R. realizou trabalhos, designadamente de regularização de taludes, com recurso a martelo hidráulico. - fls. 3419 do pa (martelo hidráulico apenas ao pk 2+000 em zona de escavação com recurso a explosivos)
3. A moradia dos AA. apresenta fissuras nas telhas, telhas partidas, fissuração de juntas da cumieira e gueiros do telhado. – relatório pericial a fls. 611 e ss. do suporte físico dos autos.
4. Os trabalhos realizados na obra pela 1.ª R. e os danos referidos em 30. dos Factos Provados provocaram o aparecimento de humidade na habitação dos AA., especialmente na copa e na cozinha,
5. Determinando condições de salubridade improprias, designadamente permitindo a entrada de chuva nas zonas da copa e da cozinha.
6. Na visita de 26.6.2007 a técnica de segurança da 1.ª R e o fiscal da obra apresentaram à A. mulher um relatório de levantamento do estado da habitação em branco, pretendendo que esta o assinasse em branco.
**
B – De direito

1. Da decisão recorrida

Pela sentença recorrida, de 03/07/2020 (fls. 1341 SITAF) a Mmª Juíza do Tribunal a quo, julgando parcialmente procedente a ação administrativa comum que foi instaurada por A. e M. contra a (1) A. SA, a (2) COMPANHIA DE SEGUROS (...) S.A. e o (3) MUNICÍPIO DE (...) (na qual estes haviam peticionado a condenação solidária dos réus a repararem todos os danos provocados no seu imóvel com a execução da empreitada das obras de construção da Estrada de Funtão, que decorreram entre junho de 2007 e fevereiro de 2008, ou a pagar-lhes o custo da sua reparação e indemnizarem os danos morais sofridos no valor de 200,00€ mensais desde fevereiro de 2008 à sua reparação, que calculou à data de instauração da ação na quantia de 7.000,00€) condenou a ré A. SA, a proceder à reparação dos danos referidos no ponto 30. dos factos provados, realizando as atividades de picagem de reboco, introdução de rede de fibra de vidro, aplicação de reboco, aplicação de novo material cerâmico, remoção de argamassa da juta e aplicação de mástique e nova argamassa, limpeza, preparação e pintura melhor descritas nos artigos 2 a 6 da resposta A ao quesito 4. do relatório pericial ou, em caso de impossibilidade ou excedendo a reparação por meios próprios a quantia de 11.200,00€, a pagar aos autores a quantia de 11.200,00€, absolvendo os demais réus do pedido.

2. Da tese do recorrente

A ré recorrente A. SA, pugna pela revogação da decisão recorrida com a sua absolvição do pedido, imputando-lhe em primeira linha em erro de julgamento quanto à matéria de facto (vide conclusões A. a G. das alegações de recurso) e ainda erro de julgamento quanto à solução jurídica da causa, defendendo, em suma, não dever ser, enquanto empreiteira, suportar o ressarcimento dos danos – (vide conclusões H. a O. das alegações de recurso).

3. Da análise e apreciação do recurso
3.1 Do erro de julgamento quanto à matéria de facto

3.1.1 Sustenta a recorrente que os pontos 29. e 30. da matéria de facto dada como provada na sentença deverão ser dados como não provados, e ainda que a matéria de facto deve ser ampliada, aditando-se aos factos provados o que foi alegado no artigo 13º da sua contestação – (conclusões A. a G. das alegações de recurso).

3.1.2 Nada obstando ao conhecimento do recurso quanto ao imputado erro de julgamento da matéria de facto, tendo a recorrente dado cumprimento aos respetivos ónus, tal como previstos no artigo 640º do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º nº 3 do CPTA, cumpre apreciar e decidir.

3.1.3 Na sentença recorrida foi dado como provado nos indicados pontos 29. e 30. do probatório o seguinte:
29. A realização pela 1.ª R. dos trabalhos referidos em 24. e 26. e a utilização na obra dos meios mecânicos referidos nos pontos 25. e 26. nas proximidades da moradia dos AA., provocou vibrações que se propagaram no solo,
30. Causando, na habitação dos AA., fissuras nas paredes interiores, algumas vazantes, e nos azulejos que revestem as paredes interiores, nas paredes exteriores em alvenaria de granito, nos tetos interiores, nos materiais cerâmicos das casas de banho e cozinhas, e nas juntas das pedras exteriores, nos termos constantes do relatório pericial que aqui se dá por reproduzido.

3.1.4 Tendo a Mmª Juíza a quo discorrido o seguinte, no que a estes pontos respeita, em sede da respetiva motivação (vide pág. 20 ss. da sentença):
«(…)
Relativamente aos pontos 29 a 31 dos Factos Provados o Tribunal considerou, desde logo, o relatório pericial e no qual se mostram discriminadas as fissuras existentes na habitação dos AA., sendo um facto notório que tal fissuração é um elemento inestético na habitação suscetível de criar desconforto visual.
Quanto à circunstancia de o material usado em obra provocar vibrações e serem estas a causa da fissuração, o Tribunal conjugou os resultados da perícia, adotando a posição do perito do Tribunal, com o depoimento das testemunhas T., L., F., A. e ainda os depoimentos de J. e A..
Com efeito, importa reter que as testemunhas foram, no essencial, unanimes quanto à revelação de que os meios mecânicos em obra provocam em maior ou menor vibrações e que o tipo de solo, embora não seja o mais apto à propagação de tais ondas vibratórias, não é inócuo a elas. A divergência encontrou-se, sobretudo, na capacidade de em face do grau de vibração e do tipo de solo, as mesmas causarem os danos reclamados pelos AA.
Ora, relativamente a esta factualidade o Tribunal não pode deixar de notar nas testemunhas ligadas funcionalmente às Rés um discurso de claro favorecimento da posição daquelas, menorizando a aptidão dos trabalhos por si realizados como causa dos danos. Note-se, aliás, que nesta matéria a testemunha Luís Sousa assumiu uma postura claramente mais imparcial, notando as vibrações provocadas pela maquinaria mas dispensando-se de estabelecer a causalidade por falta de conhecimento.
Estas insuficiências foram preenchidas pelo convencimento quanto às conclusões obtidas no relatório pericial e justificadas pelo perito do Tribunal em decorrência da análise que fez do tipo de fissura existente. Descreveu de forma assertiva e convicta as motivações que o levaram a estabelecer um juízo de causa-efeito, assentando no tipo de moradia e a sua recente construção à data dos factos, distancias, tipo de solo, tipo de maquinaria utilizada neste tipo de obra e no tipo de fissuração existente, permitindo ao tribunal, conjugadas as regras da experiencia – atentos o tipo de maquinas, ter ficado convencido não se tratarem de fissuras de assentamento, distancia - formar a sua convicção.
Nesta matéria, como dissemos já supra, o perito dos RR. revelou um discurso claramente mais parcial e conciso, adotando uma postura defensiva em sede de prestações de esclarecimentos, que em face da parca fundamentação da sua posição no relatório não levou o Tribunal a considerá-la.
Não ficou, contudo, demonstrada a matéria dos pontos 3. a 5 dos Factos não provados, atenta a impossibilidade de se estabelecer um nexo seguro de causalidade entre os danos verificados na zona da chaminé e a obra dos autos.
Com efeito, retenha-se que o perito do Tribunal notou que tais danos se poderiam dever à má execução, das ligações de impermeabilização entre o telhado e a chaminé, no elemento do rufo, não lhe sendo possível estabelecer com segurança que os mesmos tenham origem nos trabalhos da obra.
Do relatório pericial e dos esclarecimentos prestados pelos peritos do Tribunal e dos RR. o Tribunal não logrou pois convencer-se que as deficiências ao nível do telhado resultassem da execução da obra, tendo os peritos notado que os problemas de humidade e infiltrações – e a consequente falta de salubridade - não resultam da fissuração provocada pela obra, mas antes da deficiência daquela área do telhado e do deficiente isolamento térmico, os quais não apresentam nexo causal com os trabalhos executados pelas RR.
A este respeito, note-se que o Tribunal, à mingua de uma analise objetivo como a realizada em sede de perícia, não pode sustentar posição diversa assente em meras percepções subjetivas como as que resultam das declarações do A. e dos depoimentos dos seus filhos, cuja parcialidade foi aliás notória pelos discursos pouco sustentados e reveladores de favorecimento à tese dos AA.
Ademais, o próprio relatório elaborado por Antonio Pinheiro e o seu testemunho revelaram a falta de sustentação em elementos concretos que permitissem ao tribunal de uma forma segura estabelecer a sua convicção nos mesmos.
Neste contexto, demonstrada a causalidade das fissuras com a obra, o Tribunal ancorou-se também quanto à matéria constante de 33 e 34 dos Factos Provados com as conclusões alcançadas pelos peritos do Tribunal e dos AA. quanto aos trabalhos necessários e aos custos da reparação da fissuração existente. (…)»

3.1.5 A recorrente sustenta que importava decidir se os meios mecânicos utilizados na obra tinham aptidão para, nas circunstâncias concretas dos trabalhos executados, produzir os danos na moradia dos autores, ou se esses danos foram originados por outras causas; que a este propósito a Mmª Juíza a quo entendeu que foram decisivas as conclusões obtidas no relatório pericial e justificadas pelo perito do tribunal; que a conclusão a que o perito nomeado pelo tribunal chegou sobre as vibrações produzida pelas obras baseia-se, essencialmente, no facto de, alegadamente, para a realização dos trabalhos, ter sido utilizada uma escavadora giratória, equipada com martelo pneumático (que os Srs. Peritos sublinharam que produz vibrações consideráveis”), mas que no entanto o Tribunal considerou não provado sob ponto dos factos dados como não provados que «2. Nas proximidades da habitação dos AA. a 1.ª R. realizou trabalhos, designadamente de regularização de taludes, com recurso a martelo hidráulico. - fls. 3419 do PA (martelo hidráulico apenas ao pk 2+000 em zona de escavação com recurso a explosivos)”, entendendo, nos termos vertidos na respetiva fundamentação da matéria de facto, que «…o Tribunal, todavia, se afastou quanto ao ponto 2 dos Factos não provados das conclusões alcançadas no relatório pericial pelos peritos do Tribunal e dos AA.. Com efeito, não se logrou provar a utilização de martelo pneumático ou roc perfurador nas imediações da habitação dos AA. pelas seguintes ordens de razão: em primeiro lugar, a conclusão dos peritos assenta na mera visualização do talude que revela marcas que lhes sugeriam a utilização do martelo e não em qualquer outro elemento objetivo e mais seguro, designadamente a própria analise dos elementos documentais do p.a.; em segundo lugar, em todo o p.a. apenas se deteta a utilização de martelo hidráulico ao pk 2+000 em zona de escavação com recurso a explosivos para regularização de taludes e em todo caso mediante previa comunicação à fiscalização; em terceiro lugar, todas as testemunhas ouvidas e que acompanharam a obra afirmaram de forma espontânea, unanime e convincente, não se denotando contradições nos seus discursos, que naquele local não foi utilizado martelo pneumático. Da conjugação de tais elementos ficou, pois, o Tribunal convicto quanto aos meios mecânicos utilizados na obra na zona das imediações da habitação dos AA.»; que assim não se compreende que se subscreva uma conclusão dos peritos que foi obtida sob premissas que são falsas; que se os peritos consideram um conjunto de meios mecânicos como aptos a produzir vibrações que causaram as fissuras na moradia, tendo destacado o martelo pneumático ou Roc perfurador como causa de vibrações consideráveis, o seu julgamento terá de ser afastado; que na resposta ao quesito 10º do relatório pericial o perito nomeado pelo Tribunal e o indicado pelos Autores deram como certa a utilização de escavadora giratória de rastos equipada com martelo pneumático, mas tal afirmação foi infirmada pelo perito nomeado pelos R. e absolutamente desmentida pela realidade demonstrada no testemunho qualificado de todas as testemunhas técnicas intervenientes na empreitada, e bem assim pelo PA junto aos autos; que este erro, cometido pelos peritos do Tribunal e dos Autores, enfraquece e diminui substancialmente a credibilidade do seu laudo, sobretudo se se tiver em conta que esse engano se manifestou numa questão capital para a sorte da acção, ie: (i) que modelos (tipos) de máquinas foram empregues na escavação do terreno nas imediações da chamada casa do jardineiro, (ii) em ordem a saber se a utilização das mesmas, in casu (mas não em teoria), seria apta a provocar vibrações no solo (iii) cuja propagação por ondas até ao edifício (iv) poderia abalá-lo (v) provocando as fissuras examinadas; que aqueles dois peritos asseveraram que essa escavação foi levada a cabo com recurso a escavadora giratória de rastos equipada com martelo pneumático (roc) (cfr. resposta ao quesito 10 e respostas dadas nos esclarecimentos prestados na audiência de julgamento - minutos 00:22:43 a 00:23:39); que a decisão judicial em crise não apontou um único erro ao teor das respostas do perito nomeado pelas Rés nem ao depoimento qualificado das testemunhas técnicas, limitando-se a Mmª Juiz a quo, nalguns passos da sentença, a interrogar-se sobre a índole tendenciosa dos respetivos depoimentos (mas contraponto, noutros trechos da decisão vg pág. 19-5º-6º parágrafos, a genuinidade destes mesmos depoimentos); que por outro lado o perito do Tribunal não refere que as obras se realizaram a uma distância mínima de 11 metros (cfr. ponto 27 dos factos provados) que impede que ocorram movimentos e/ou vibrações susceptíveis de causarem as fissuras do prédio dos Autores; que não basta demonstrar que ocorreram vibrações (e mesmo isso ficou por provar), seria também necessário que ficasse assente que a trepidação pela sua natureza e intensidade foi, sem margem para dúvida, causa única e adequada ao aparecimento das fissuras; que determinar essa conexão exige análise e ponderação dos diversos factores envolvidos, mormente: modelos das máquinas, características do solo, distanciamento, tipo, frequência e duração momentânea e total das vibrações, projecto, materiais, métodos construtivos e execução da construção da casa; é preciso notar que nem sequer estamos a falar do uso intensivo de fortes explosivos a uma distância de 11 metros da habitação; que do que se cuida aqui é da utilização de máquinas que, pese embora provoquem vibrações, como, de resto, muitas outras actividades mecânicas e humanas, esse fenómeno é meramente residual, como resulta dos depoimentos das testemunhas T. (acta de audiência 19/06/2020 10-08-37— 06:17:41 - minutos 00:09:52 a 00:12:31; 00:14:01 a 00:17:39; 00:19:06 a 00:19:23), F, (acta de audiência 04/02/2020 09-36-49 – 04:54:27 – minutos 03:39:51 a 03:40:49) e L. (acta de audiência 19/06/2020 10-08-37 – 06:17:41 – minutos 01:49:26 a a 01:49:43, 02:12:29 a 02:13:04, 03:27:16 a 03:27:55); que aliás quanto ao depoimento desta última testemunha (L.), o Tribunal a quo disse na sentença (pág. 21 segundo parágrafo) que «... a testemunha L. assumiu uma postura claramente mais imparcial, notando as vibrações provocadas pela maquinaria mas dispensando-se de estabelecer a causalidade por falta de conhecimento», e, por conseguinte, nem o próprio engenheiro que chefiava a fiscalização independente da empreitada e que a acompanhou presencialmente considerou seguro, ou se quer provável, determinar a relação causal dada como provada pelo Tribunal; mas atento o seu depoimento deve considerar-se que esta testemunha deu como improvável o nexo causal (minutos 01:48:15 “Induz vibração. Se a fissura pode ser relativa…também tem a ver com o tipo de construção: se tiver lá uma construção nova, se calhar não vai notar nada. minutos 01:49:26 “Normalmente as vibrações são dissipadas e poderão nem afectar, nem chegar…” minutos 01:49:38 “Pode induzir vibração, mas uma coisa mínima.” minutos 01:50:09 “ À partida não. Num maciço rochoso é muito mais propício a …vibrações”); que o Tribunal a quo desconsiderou também os factos reveladores da deficiente edificação da chamada casa do jardineiro e bem assim das desconformidades com o projecto que à posteriori veio a ser licenciado; que esses factos ficaram bem demonstrados nos depoimentos, nomeadamente das testemunhas F. e J. (de acordo com o depoimento da testemunha Engº F. o tipo de construção da casa é propício ao aparecimento de fissuras cfr: minutos 03:41:07 a 03:42:35. E o Engº J. – depoimento gravado Audiência 19-06-2020 10-08-37 –06:17:41, minutos 02:18:59 a 02:32:32, elenca as duas diferentes características do terreno sobre o qual a casa foi construída: parte da casa está assente em zona escavada e parte em zona aterrada com a terra retirada da escavação, sendo, por isso, susceptível e provocar assentamentos diferenciais; constatou, igualmente, esta testemunha a falta de pilares de betão de estrutura de suporte da casa, a falta de material isolantes da telha e a falta da parede exterior em tijolo, que estavam previstos no projecto de licenciamento respectivo); que a Mmª Juíza a quo destacou o depoimento da testemunha A. (A.: identificada na Acta de audiência de julgamento de 4 de Fevereiro de 2020. O seu depoimento encontra-se gravado no sistema digital em uso neste Tribunal dos minutos 04:15:00 aos minutos 04:54:22) dizendo que «“O Tribunal reputou ainda convincentes as declarações das testemunhas F. e A., T. e L., quer pela razão de ciência que demonstraram – revelando conhecimento direta da execução da empreitada -, quer por os seus depoimentos se mostrarem contextualizados, espontâneos, compatíveis entre si e revelaram coincidência com a prova documental produzida. Com efeito, as testemunhas revelaram um conhecimento pormenorizado dos trabalhos desenvolvidos nas imediações da habitação dos AA., revelando conhecer a sua localização, apontando para maio/junho de 2007 o início dos trabalhos naquela área, e esclarecendo de forma cabal e concreta os equipamentos que ali foram usados, enunciando-os e explanando o seu modo de funcionamento de forma unanime, não reveladora de dúvidas ou inconsistências internas e entre si.”; mas que o depoimento destas testemunhas permitem demonstrar que as vibrações produzidas pelas máquinas da Ré não são causa das fissuras na moradia dos Autores: quer pelo facto de não serem significativas as vibrações produzidas; quer pelo facto de as fundações da moradia padecerem de deficiências que deram origem às fissuras; que para além das deficiências relativas à construção da moradia dos Autores, existem outros factos que permitem afastar a conclusão de que as vibrações causaram as fissuras, designadamente, que na matéria de facto provada consta, no ponto 21. que «Em 25.6.2007 a técnica de segurança da 1.ª R., contatou telefonicamente o A. marido, tendo agendado com o mesmo uma visita à habitação a ocorrer no dia seguinte tendo em vista a realização de vistoria à habitação do A. e levantamento e documentação das patologias», no ponto 22 que «Em 26.6.2007 a técnica de segurança da 1.ª R. e o fiscal da obra deslocaram-se à habitação dos AA., tendo a A. mulher informado que o A. marido lhe tinha dado a indicação para nada assinar e contatado telefonicamente o A. marido este informou que não iria assinar qualquer documento» e no ponto 23. que «Perante a recusa dos AA., não foi realizado o levantamento de patologias, tendo a técnica de segurança lavrado relatório do qual se extrai, “Após contacto telefónico com o Sr. A. no dia 25 de junho de 2007 foi marcada vistoria à casa para o dia 26 de junho de 2007, tendo sido explicado todo o procedimento de preenchimento do documento. No dia de hoje, 26 de junho, após comparência para a referida vistoria, a esposa do Sr. A. recusou-se a assinar o documento. Após novo contacto telefónico com o Sr. A., o mesmo disse que não assinava qualquer documento. Na minha presença estava o Eng. L. (Eng. Fiscal da obra)”– fls. 3968 do pa.; que se na data referida os Autores não permitiram que a Ré procedesse ao levantamento das patologias existentes na sua habitação, impediu a Ré de verificar qual o estado da sua habitação em Junho de 2007, e que de acordo com o disposto no art. 347º do Código Civil “à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos: se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova.”; que no caso em apreço impunha-se que os Autores demonstrassem que as obras realizadas pela Ré foram causa dos danos na sua moradia (a causalidade não se presume); que no entanto, quer as deficiências apontadas ao relatório pericial dos peritos maioritários, quer os depoimentos referidos permitem assegurar, ou, no mínimo, tornar muitíssimo duvidoso que as obras fossem a causa das fissuras na moradia dos Autores, e que agravando ainda mais a dúvida, verificou-se que os Autores impediram a realização de uma vistoria em Junho de 2007, questionando que se a moradia dos Autores nessa data não tinha fissuras, porque é que os Autores não permitiram a vistoria?

3.1.6 Não obstante a argumentação da recorrente não é de concluir que a factualidade em causa (a vertida nos pontos 29. e 30. dos factos dados como provados) deveria ter sido dada como não provada.

3.1.7 É que, desde logo, o que foi dado como provado na sentença recorrida nos pontos 29. e 30. sob escrutínio, foi-o por referência aos trabalhos referidos em 24., 25. e 26., isto é, aos trabalhos realizados pela recorrente nas imediações da habitação dos autores, a partir de abril de 2007 até agosto de 2007, designadamente trabalhos de escavação, regularização de taludes, aterro e pavimentação, com utilização de bulldozers com ripper, escavadoras giratórias de rastos com balde de dente, lamina, camiões, e compressores e de aterro, compactação e pavimentação com recurso a cilindros de rolos e pneus. Sendo que nos termos vertidos nos pontos 27. e 28. dos factos dados como provados, os referidos trabalhos de escavação foram realizados a distancias de 11 metros e superiores da habitação dos autores, e a uma profundidade de cerca de 3,5 metros abaixo do piso da habitação dos autores.

3.1.8 Quando o que foi dado como não provado no ponto 2. dos factos dados como não provados respeita, tão só, e apenas, ao recurso a martelo hidráulico nos trabalhos realizados na proximidade da habitação dos autos, designadamente dos trabalhos de regularização de taludes.

3.1.9 Pelo que as afirmações constantes dos pontos 29. e 30. dos factos dados como provados na sentença em nada contendem ou bulem com a motivação plasmada pela Mmª Juíza a quo a respeito da matéria que deu como não provada no ponto 2. dos factos não provados, que incide sobre matéria distinta.

E também não é de considerar que se tenha chegado a uma conclusão fundada em premissas falsas, como alega a recorrente, nem que deva ser afastado o juízo feito a este respeito apenas por não se ter provado a utilização de martelo pneumático ou roc perfurador nos trabalhos realizados nas imediações da habitação dos autores. Isto face às respostas vertidas no Relatório da Peritagem Colegial (fls. 780 ss. SITAF), aos quesitos 3º, 8º, 10º e 11º do objeto da perícia.

3.1.10 Com efeito, recorde-se que perguntado no Quesito 3º do objeto da perícia de «as escavações levadas a cabo pela ré construtora para a construção da via são a causa desses estrados?», os peritos indicados pelo Tribunal e pelos autores responderam que «sim». Tendo o perito indicado pelos réus respondido o seguinte: «é opinião do perito nomeado pelos Réus que, como nos trabalhos de escavação foram somente utilizados meios mecânicos tradicionais (i. é, balde de escavadora de rastos e lâmina de acerto) e tendo sido realizada a uma distância superior a 11 m, que não ocorreram movimentos e/ou vibrações suscetíveis de causarem estragos que apresenta o prédio dos Autores».
E ao quesito 8º do objeto da perícia, em que era perguntado «A que distância se situa o imóvel em causa do local das escavações efetuadas, e a que profundida foram estas executadas?», os senhores peritos responderam unanimemente, quanto à distância, que «A menor distância entre o início das escavações e a habitação é de 11 metros, sendo todas as restantes a uma maior distância», e quanto à profundidade das escavações, que «As escavações foram executadas até uma profundida de cerca de 3,5 metros abaixo do piso da habitação».

Sendo que no que respeita ao quesito 10º, em que era perguntado se «A utilização de “buldózer” com “riper” e giratórias, nas imediações do prédio dos autores, são suscetíveis de provocar as fissuras que o mesmo apresenta?» os peritos indicados pelo Tribunal e pelos autores responderam o seguinte: «A terraplanagem é o conjunto de operações de escavação, transporte, espalhamento ou depósito, e compactação de terreno (aterros), necessários para a execução da estrada de modo a cumprir o perfil de projeto, incluindo nesta tarefa a execução do leito do pavimento. Para além da terraplanagem é ainda necessário executar o pavimento betuminoso que incluem transporte, espalhamento, e compactação da mistura betuminosa. Atendendo às características do solo, figura 30, foram por certo utilizados equipamentos mecânicos, tais como: - “Bulldozer”, que dispõe de “ripper” para escavar e lâmina para movimentar o solo em pequenas distâncias, que provoca vibrações; - Escavadoras “giratórias” de rastos, que dispõe de “balde de dentes” para escavar e colocar o solo em camião que provoca vibrações; - Escavadoras “giratórias” de rastos equipada com “martelo pneumático” para escavação de rocha, no registo fotográfico visualiza-se vestígios de utilização deste tipo de equipamento, figura 30, de referir que a realização desta tarefa produz vibrações consideráveis (sublinhado no original); - Camião para transporte; - Motoniveladora, que dispõe de lâmina para espalhamento e acerto de cotas do terreno; - Cilindros estáticos e cilindros vibradores para compactação do solo e do pavimento betuminoso, estes equipamentos produzem vibrações consideráveis (sublinhado no original)». Acrescentando estes peritos, ainda a tal respeito, o seguinte: «I. A utilização de “Bulldozer” com “ripper” junto ao prédio é seguramente suscetível de provocar as fissuras no prédio. II. A utilização de “giratórias” com “martelo pneumático”, figura 30, é seguramente suscetível de provocar as fissuras no prédio», e ainda «De referir também que a topografia e geologia do terreno e o traçado da estrada muito próximo da casa, figura 30, outros equipamentos utilizados (i.é. cilindros) originaram seguramente também vibrações suscetíveis de provocar as fissuras no prédio». Já o perito indicado pelos réus remeteu para a resposta que havia dada ao quesito 3º.

E quanto ao quesito 11º do objeto da perícia, em que era perguntado «No caso de resposta afirmativa ao quesito anterior, qual a probabilidade de tal ter acontecido, tendo em conta o tipo de solo existente no local?», a resposta dada pelos peritos indicados pelo Tribunal e pelos autores foi: «Probabilidade muito elevada, pois trata-se de solo rochoso, figura 30». Tendo o perito indicado pelos réus dado como «Prejudicada» a resposta ao quesito.

3.1.11 E neste contexto, conjugado o assim vertido no relatório pericial, com os longos e extensos esclarecimentos prestados pelos senhores peritos em sede de audiência final (levada a cabo ao longo de duas sessões sucessivas, em 04/02/2020 e 19/06/2020 – cujas respetivas atas constam de fls. 929 e fls. 1334 SITAF), e bem assim com os depoimentos prestados pelas testemunhas, cujas gravações ouvimos integralmente, a nossa convicção é síncrona com a que foi firmada pela Mmª Juíza a quo. E o cabal esclarecimento dos factos não deixa de resultar, aliás, também do modo ativo como a Mmª Juíza a quo dirigiu a audiência final questionando quer os senhores peritos quer as testemunhas sempre que o considerou conveniente e adequado para a elucidação de qualquer aspeto. Sendo que, particularmente, e no que respeita aos esclarecimentos prestados pelos senhores peritos, também consideramos, tal como o fez a Mmª Juíza a quo que o perito indicado pelos réus adotou uma postura defensiva e protetória em sede de prestações de esclarecimentos, não elucidativa ou esclarecedora, pelo menos com razão de ciência bastante, das respostas dissonantes que verteu no relatório pericial perante as conclusões e explicitações ali feitas pelos demais peritos.

3.1.12 É, pois, de subscrever e manter o juízo factual feito pela Mmª Juíza do Tribunal a quo.

3.1.13 Sendo que não se vislumbra ter ocorrido, neste aspeto, qualquer violação do disposto no artigo 347º do Código Civil (que se refere ao modo de contrariar a prova plena), afigurando-se que a recorrente aludiu este normativo em lapso, querendo, por ventura, referir-se ao artigo 346º do mesmo Código, na medida em que mencionou que à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torna-los duvidosos: se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova, que é o que consta do artigo 346º do Código Civil.

Mas o que resulta, em face do conjunto da prova (e contraprova) produzida nos autos é, precisamente, e no que concretamente respeita aos pontos 29. e 30. dos factos dados como provados na sentença, que eles se mostram provados, não tendo sido infirmados, nem subsistindo dúvida, que as identificadas fissuras foram causadas pelos trabalhos executados pela recorrente, com utilização dos meios mecânicos referidos nos pontos 25. e 26. do probatório, pelas vibrações que se propagaram no solo.

E a circunstância de os autores não terem consentido à recorrente, na ocasião, e na sequência do contacto telefónico feito em 25/06/2007 pela técnica de segurança desta no sentido de agendamento de uma visita à habitação, a ocorrer no dia seguinte (26/06/2007), a realização de vistoria à habitação para levantamento e documentação das patologias (vide pontos 21., 22. e 23. do probatório), não basta nem é suficiente para afastar a existência contemporânea das fissuras, decorrentes dos trabalhos executados pela recorrente.

Isto quando a Mmª Juíza a quo verteu em sede de motivação do julgamento da matéria de facto quanto àqueles pontos 21., 22. e 23. dos factos dados como provados e bem assim ao ponto 6. dos factos dados como não provados o seguinte: “O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade inscrita matéria dos pontos 21 a 23 dos Factos Provados e 6 dos Factos não provados, referentes à realização pelo empreiteiro da vistoria à habitação dos AA., em resultado da contextualização espontânea e plausível do relato das testemunhas M. e L., que presenciaram e intervieram nos eventos relativos à peritagem, descreveram de forma coerente os eventos, reproduzindo de forma essencialmente idêntica os eventos – divergindo, mas sem que tal se mostrasse de relevo por se reputar dever ao lapso temporal, quanto à tomada de fotografias.
A testemunha A. revelou que, no âmbito das suas funções de técnica de segurança, contatou telefonicamente o A., reproduzindo as conversações tidas com o mesmo no que ao agendamento, realização e termos de desenvolvimento da vistoria se referia, notando ter obtido do A. a sua concordância. Nesta parte, de resto, o depoimento foi corroborado pelo próprio A.. As testemunhas A. e L. relataram de forma coerente a visita à habitação dos AA.. referindo que apenas encontraram a A. mulher a qual, de imediato, informou que não iria assinar qualquer documento, o que em nova conversa telefónica com o A. foi reforçado pelo A. As testemunhas de forma espontânea e assertiva negaram que tivessem pedido à A. mulher que assinasse qualquer auto de vistoria em branco.
A este respeito desvalorizaram-se as declarações do A. e os depoimentos dos seus filhos J. e A., quer pela ausência de conhecimento direto – dado terem revelado que relatavam o que lhes teria sido indicado pela A. mulher -, quer pela apresentação de um discurso claramente sinóptico e inexistência de corroboração periféricas, reveladores, à luz das regras da experiencia, de total implausibilidade.
Com efeito, importa notar, e o A. nem sequer o negou nas suas declarações, que o A. fora informado no dia anterior dos tramites da vistoria, tendo este alias referido que sabia como a mesma se processava atenta a expropriação da sua anterior moradia. Afigura-se, desde logo, estranho que o A. bem sabendo que iria realizar uma cirurgia que o impossibilitava de estar presente na vistoria se iria realizar no dia seguinte, ainda assim a tenha agendado para aquele dia. Mas mais, a testemunha J. referiu de forma espontânea e natural, que o pai disse à mãe para não assinar, porque iria com o advogado dado que à data estavam em negociações com a Camara relativas à cedência de parte do seu terreno (o que, de resto, é confirmado pelos documentos do p.a.).
Note-se que o A., de forma que se revela manifestamente contraria aos próprios elementos documentais existentes, afirmou ao Tribunal que nessa data não estava representado por advogado.
Acrescente-se que face à circunstancia de a vistoria estar a ser acompanhada por um fiscal, imparcial ao empreiteiro, afasta desde logo a plausibilidade da versão trazida aos autos pelo A. de que a falta de realização da vistoria se tivesse ficado a dever à tentativa de imporem à sua esposa a assinatura de um documento em branco.
Neste contexto, o que o Tribunal ficou convencido foi de que, num contexto de negociações quanto à cedência de parcela com o MUNICÍPIO DE (...) e porventura por indicação do seu advogado, o A. terá dito à sua mulher para nada assinar e, nessa medida, a A. mulher dando conta ab initio de que nada iria assinar, obstaculizou a realização da vistoria e que estava dependente da própria colaboração dos AA.” – (vide pág. 18 ss. da sentença).

Não podendo, assim, neste contexto, retirar-se que os autores pretenderam ocultar uma qualquer realidade, e que por essa via impediram ou obstaculizaram, por algum modo, a sua constatação, como parece pretender a recorrente, conducente a um distinto julgamento factual a fazer pelo Tribunal.

3.1.14 Mantêm-se, pois, inalterados os pontos 29. e 30 dos factos dados como provados na sentença.

3.1.15 Simultaneamente não há que aditar ao probatório, como pretende a recorrente, o que foi alegado no artigo 13º da sua contestação (fls. 118 SITAF), no sentido de a obra em questão ter sido executada de acordo com as melhores normas da arte de bem construir e dos métodos de construção previstos no projeto e demais elementos do concurso público.

3.1.16 Isto porque tal consubstancia já uma conclusão jurídica e um juízo valorativo, extravasando o mero juízo factual. E essa conclusão jurídica, a fazer-se, haverá de assentar ou suportar-se em dados factuais, concretamente alegados e provados. E, como é geneticamente considerado, no que respeita às leges artis, enquanto métodos ou procedimentos que constituem standards contextualizados de atuação considerados pela comunidade técnica e/ou científica como os mais adequados, não basta alegar que as condutas seguidas lhe são conformes, é necessário que seja alegado (e provado) quais em concreto elas são e como foram observadas.

3.1.17 Razão pela qual tal questão não devia, nem deve, tal qual, ser levada ao probatório.

3.1.18 Por tudo o exposto, não colhe, pois, o recurso na parte em que vem dirigido ao julgamento da matéria de facto feito na sentença recorrida, que assim se mantém.

3.2 Do imputado erro de julgamento quanto à solução jurídica da causa

3.2.1 A recorrente imputa erro de julgamento à sentença recorrida quanto à solução jurídica da causa, defendendo não ser a responsável nem dever suportar o ressarcimento dos danos – (vide conclusões H. a O. das alegações de recurso).
Vejamos.

3.2.2 A sentença recorrida começou por evidenciar que considerando que os factos constitutivos do direito indemnizatório reclamado pelos autores se situam em momento anterior ao da entrada em vigor da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, que aprovou o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais e Entidades Públicas, haveria de aplicar, no caso, o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas então constante do Decreto-Lei n.º 48051, de 21, de novembro de 1967. O que se mostra correto (vide, a título ilustrativo, o acórdão deste TCA Norte de 29/05/2020, Proc. nº 00453/12.4BEPRT, em que se sumariou que «Se o evento danoso, que constitui o facto constitutivo da responsabilidade civil extracontratual acionada na ação, ocorreu em 08/01/2008 e o novo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, apenas entrou em vigor 30 dias após a data da sua publicação (cfr. artigo 6º), sendo, por conseguinte, posterior à data em que aquele se verificou, o regime jurídico a aplicar é o decorrente do DL. nº 48.051, de 21 de novembro de 1967 que estabelecia àquela data, o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por atos de gestão pública, e não o aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.»)

Após o que explicitou o seguinte: “Na vigência do DL 48051 (antes da entrada em vigor do n.º 5 do art. 1.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro) numa obra pública executada por empreitada em que o dono da obra é uma autarquia local e o empreiteiro uma pessoa coletiva de direito privado, no que respeita à responsabilidade civil extracontratual, há que distinguir entre o dono da obra e o empreiteiro. Ao primeiro, enquanto pessoa coletiva de direito público, tem aplicação o disposto Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de novembro de 1967. Mas já quanto ao segundo, apenas têm aplicação as regras gerais da responsabilidade civil extracontratual previstas nos artigos 483.º e seguintes do CC.” Acrescentando: “Esta circunstância leva-nos à aplicação nos presentes autos de dois regimes de responsabilidade, a saber o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais entidades públicas por danos resultantes do exercício da função administrativa no que concerne à responsabilidade da 3.ª Ré e o regime da responsabilidade civil extracontratual previsto no Código Civil quanto à 1.ª Ré (a 2.ª Ré responderá, sendo caso disso e sem prejuízo das especificidades do contrato do seguro, na medida da responsabilidade da 1.ª Ré).

Depois da apreciação da imputação de ilicitude e culpa feita ao 3º réu MUNICÍPIO DE (...), a sentença recorrida debruçou-se sobre a imputação feita à 1ª ré A. SA, ora recorrente, discorrendo o seguinte:
Quanto à culpa da 1.ª R. é sabido que a culpa consiste no nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto ilícito à vontade do agente, exprimindo uma ligação reprovável ou censurável da pessoa com esse facto, podendo revestir as modalidades de dolo e negligência ou mera culpa (art. 483.º, n.º 1 do CC). «Agir com culpa significa, pois, atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta é reprovável quando pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo» (cf. A. Varela, in RLJ, ano 102º, p.58 e segs.).
Em termos de culpa, a regra é a do artigo 487º, n.º 1 do Código Civil: “É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa”.
Acontece porém que, de acordo com o disposto no artigo 493º, n.º 2 do mesmo Código, “Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de as prevenir”.
Esta norma estabelece precisamente uma presunção de culpa por parte de quem exerce uma atividade perigosa e se se pode afirmar que nem toda a obra de construção civil pode considerar-se por si só uma atividade perigosa, a verdade é que a perigosidade a que se refere o artigo há-de ser apreciada em cada caso e em função das circunstâncias concretas do mesmo – Pires de Lima e Antunes Varela, citando Vaz Serra, Código Civil – Anotado, Volume I, página 495.
No Acórdão do STA de 25/02/2010, no Proc.º n.º 01250/09, afirmou-se que “(...) uma atividade só pode qualificar-se como perigosa quando o perigo acompanhar o seu bom exercício – mesmo que se saiba que o perigo não se converterá em dano enquanto a conduta for boa. Portanto, atividade perigosa é aquela que merece o qualificativo enquanto tudo corre bem, e não a que somente o recebe quando as coisas correm mal e os danos acontecem – pois a perigosidade há de estar no processo, e não no resultado. Não fora assim, toda a atividade suscetível de causar prejuízos seria sempre perigosa, o que constituiria uma conclusão absurda por alargar demasiadamente o conceito em análise, desajustando-o dos limitados fins que o legislador teve em vista ao concebê-lo”.
Considerou-se no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28.2.2012, P. 777/05.7TBTVD.L1-1 que “há que dar por adquirido que a actividade de construção civil e as obras de escavações ou desaterros que a integram, abstractamente consideradas, ou seja, só por si e abstraindo dos meios utilizados, não constituem actividade que revista perigo especial para terceiros, não sendo, consequentemente, de qualificar como actividade perigosa, para efeitos do disposto no artº 493º nº 2 do Código Civil. De qualquer modo, há que não esquecer que a construção civil e obras similares são, sem dúvida, uma actividade que acarreta riscos (sobretudo para os trabalhadores) mas que se insere num complexo de acções e omissões que permitem calcular e prever qualquer anomalia, em termos de evitar a produção de danos dela decorrentes, pelo que, em derradeira análise, e conjugando a actividade em causa com os princípios que devem nortear a qualificação de uma actividade como perigosa ou não, o máximo que podemos conceder é que saber se a actividade de construção civil urbana é ou não actividade perigosa é matéria a apreciar, em cada caso, segundo as circunstâncias (neste sentido cf. Acórdão do S.T.J. de 27/11/2004, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).”
No caso “sub judice” atenta a dimensão das obras que a empreitada em causa nos autos envolveu, demandando trabalhos de escavação de elevada monta, tanto mais que deram origem a mais do dobro do volume de escavação do que se encontrava previsto no projeto com direito ao ressarcimento ao empreiteiro pelos trabalhos a mais, alcançando na zona da imediação da habitação dos AA. a profundidade de 3,6 metros, trabalhos de remoção de inertes e pavimentação, e que, genericamente, envolveram o recurso a explosivos e a um conjunto de instrumentos e maquinaria pesada - bulldozers com ripper, escavadoras giratórias de rastos com balde de dente, lamina, camiões, e compressores, cilindros - será de considerar-se, “pela natureza dos meios utilizados” como o exercício de actividade perigosa, para efeitos do disposto no artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil. Não estamos perante o normal exercício de uma qualquer obra pública ou do exercício de uma atividade de construção civil, mas sim perante a edificação de uma via pública que, pelas caraterísticas do terreno em que foi implantada, representou uma obra de elevada tecnicidade, e de um grau de dificuldade ao nível da engenharia civil que determinou não só que se prolongasse no tempo, mas também um conjunto de trabalhos de dimensões consideráveis e envolvendo meios humanos e mecânicos relevantes. Assim, neste contexto, incumbia à 1.ª ré fazer a prova de que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos, de que adotou a diligência necessária para evitar a ocorrência de eventuais danos.
Considerando o probatório é aqui que falha a posição da 1.ª R.. Com efeito, é certo que vem demonstrado que a 1.ª R. executou a obra em conformidade com os projetos e peças procedimentais, obedecendo ao plano de segurança e saúde, seguindo as orientações e recomendações da fiscalização e do dono de obra, obedecendo às instruções e recomendações da fiscalização e implementando as medidas por esta determinadas ao nível da saúde e segurança, sendo a obra acompanhada pelo diretor de obra, encarregado e coordenador de segurança.
Sucede que não se vislumbram que medidas de contenção e segurança, designadamente ao nível da adequação dos meios mecânicos utilizados à circunstância de os trabalhos serem realizados a uma distancia de 11 metros da habitação dos AA., foram tomadas pela R.. Com efeito, cumpre notar que tendo por referencia a implantação do traçado da via era ao pk 4+000 o único local em que existia uma habitação nas proximidades da zona em que os trabalhos estavam a ser executados, mas nem a R. o alegou, nem tão pouco demonstrou que medidas especificas tomou para que os trabalhos naquela zona fossem desenvolvidos de molde a diminuir os riscos que a maquinaria por si utilizada envolvia. Na realidade, naquele local o que o p.a. demonstra é que, não obstante ali se situar a “casa do jardineiro”, a R. não adotou quaisquer cautelas adicionais comparativamente às demais zonas da obra.
É alias de notar que, não obstante os trabalhos se terem iniciado naquela zona desde abril de 2007 prolongando-se até sensivelmente agosto de 2007, a R. apenas no final de junho de 2007 diligenciou no sentido de proceder a vistoria com vista ao levantamento de patologias.
Temos pois que concluir que a 1.ª R. não demonstrou que adotou todas as providencias necessárias e exigíveis tendo em vista o objetivo de reduzir e eliminar os riscos que a obra por si realizada determinava na habitação adjacente e, desse modo, não ilidiu a presunção de culpa que sobre si impendia.

E de seguida disse:
No que respeita ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, a nossa ordem jurídica acolhe a teoria da causalidade adequada, segundo a qual a causa de um dano é a condição que, abstratamente, se mostre apta a produzi-lo. Essa adequação obtém-se a partir de um juízo de prognose a posteriori, baseado no conhecimento médio e na experiência comum, e tomando em conta as circunstâncias do caso.
Segundo esta teoria, dominante na jurisprudência e na doutrina, “o dano considerar-se-á efeito do facto lesivo se, à luz das regras práticas da experiência e a partir das circunstâncias do caso, era provável que o primeiro decorresse do segundo, de harmonia com a evolução normal (e, portanto, previsível) dos acontecimentos” (in Fernando Pessoa Jorge, Ensaio sobre..., pág. 392 e 393, Antunes Varela, Das obrigações em Geral, vol. I, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 2003, pág. 617).
“A teoria da causalidade adequada” pelo menos na sua formulação mais generalizada “parte da situação real posterior ao facto e, normalmente, ao dano e afirma a conexão entre um e outro, desde que seja razoável admitir que o segundo decorreria do primeiro, pela evolução normal das coisas”. Por isso no artigo 563.º do Código Civil, “o legislador quis afirmar uma ligação positiva, em termos de juízo de probabilidade, entre o facto lesivo e o dano” (Pessoa Jorge, Ensaio…, pág. 411 e segs.)
Na formulação negativa da teoria da causalidade adequada, de harmonia com a doutrina de Ennecerus-Lehmann, a condição deixará de ser causa do dano sempre que seja de todo indiferente para a produção do dano e só se tenha tornado condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias. O que afasta os danos que não são consequência normal do facto, mas antes o resultado de uma evolução extraordinária, imprevisível e portanto improvável (os chamados desvios fortuitos).
Contudo, o nexo de causalidade adequada subsiste ainda que o facto não seja produtor do dano, desde que seja a causa adequada de outro facto que o produz, tendo o segundo origem na oclusão do primeiro, ou como consequência provável dele segundo o curso normal dos acontecimentos.
Atenta a matéria factual provada, e recorrendo às regras da experiencia comum (art. 349.º do CC), verificamos que os AA. não demonstraram, por um lado, que os danos por si invocados tivessem ficado a dever aos rebentamentos explosivos, e, por outro, que as deficiências ao nível das fissuras nas telhas, telhas partidas, fissuração de juntas da cumieira e gueiros do telhado, aparecimento de humidade e infiltrações e consequentes condições de salubridade improprias, designadamente nas zonas da copa e da cozinha., determinando-lhes sofrimento a falta de condições de salubridade na copa e cozinha resultantes da humidade e infiltrações, e incómodos pela necessidade de os obrigar a mudar os tapetes, o sofá e loiças de sitio na cozinha nos períodos de chuva, resultassem e tivessem como causa da sua produção qualquer atividade levada a cabo pela 1.ª R..
Opostamente, temos já como demonstrado o nexo de causalidade entre a realização pela 1.ª R. dos trabalhos de escavação, regularização de taludes, aterro, compactação e pavimentação, utilizando para tanto equipamentos como bulldozers com ripper, escavadoras giratórias de rastos com balde de dente, lamina, camiões, compressores e cilindros, e as fissuras nas paredes interiores, algumas vazantes, e nos azulejos que revestem as paredes interiores, nas paredes exteriores em alvenaria de granito, nos tetos interiores, nos materiais cerâmicos das casas de banho e cozinhas, e nas juntas das pedras exteriores, fissuras essas que prejudicam a estética da habitação dos AA., criando desconforto visual e determinando-lhes desgosto.
A prova recolhida permite, pois quanto a estes danos determinar que foram provocados pelos trabalhos e meios mecânicos utilizados pela 1.ª R., concluindo-se pela existência de um nexo de causalidade entre o facto e os danos.
Como se sabe, «para haver obrigação de indemnizar, é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém» (cf. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, Coimbra, 1986, p. 557). Os danos tanto podem ser patrimoniais como morais.
«Alude-se ao dano patrimonial ou material para abranger os prejuízos que, sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, podem ser reparados ou indemnizados, senão directamente (mediante restauração natural ou reconstituição específica da situação anterior à lesão) pelo menos indirectamente (por meio de equivalente ou indemnização pecuniária). Ao lado destes danos pecuniariamente avaliáveis, há outros prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética), que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização» (cf. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, Coimbra, 1986, p. 561).
O critério da indemnização é o da restauração natural, sendo a indemnização em dinheiro apenas atribuível quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa (arts. 562º e 566.º do Código Civil).
Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos patrimoniais, mas também aos danos não patrimoniais, abrangendo os danos já produzidos à data da ação e os danos que ainda venham a ocorrer, e abarcando o dano emergente, ou seja a perda ou diminuição de valores que já integravam o património do lesado mas também os lucros cessantes, ou seja as vantagens que o lesado deixou de perceber em consequência do facto ilícito (art. 564º, n.º 1 do Código Civil).
Nos casos em que não possa ser averiguado o valor exato dos danos (em função do critério da teoria da diferença), o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados – cfr. nº 3 do art. 566.º do mesmo Código -, funcionando, por conseguinte, em sede de danos patrimoniais, a equidade como critério residual, apenas para o caso de não ter sido possível averiguar o valor exato dos danos – cfr. Ac. STJ de 19/02/2004, Proc. n.º 03B4271, in base de dados do ITIJ.
Nos termos demonstrados nos autos, e considerando o nexo de causalidade supra analisado, verifica-se que a conduta ilícita da 1.ª R. determinou que na habitação dos AA. fissuras nas paredes interiores, algumas vazantes, e nos azulejos que revestem as paredes interiores, nas paredes exteriores em alvenaria de granito, nos tetos interiores, nos materiais cerâmicos das casas de banho e cozinhas, e nas juntas das pedras exteriores.
Considerando o critério da reconstituição natural e vislumbrando-se que a 1.ª R., pela natureza da actividade de construção civil que desenvolve, possa através de meios próprios proceder à reparação dos danos, impõe-se que a mesma proceda a tal reparação realizando as atividades de picagem de reboco, introdução de rede de fibra de vidro, aplicação de reboco, aplicação de novo material cerâmico, remoção de argamassa da juta e aplicação de mástique e nova argamassa, limpeza, preparação e pintura – melhor descritas nos artigos 2 a 6 da resposta A ao quesito 4. do relatório pericial – ou, revelando-se a impossibilidade de a 1.ª R. não proceder por si própria a tal reparação ou excedendo a reparação por meios próprios a quantia de € 11.200,00, deverá pagar aos AA. a quantia de € 11.200,00.
Demonstrou-se, ainda, que as fissuras provocadas pela conduta da R. prejudicam a estética da habitação dos AA., criando desconforto visual e determinando-lhes desgosto. É consensual a ideia de que só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afetem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objetivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, mas afastando-se os fatores subjetivos, suscetíveis de sensibilidade exacerbada, particularmente embotada ou especialmente requintada, e apreciando-se a gravidade em função da tutela do direito; o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Não são pois ressarcíveis meros transtornos, incómodos, desgostos e preocupações, que não revestem gravidade.
Neste contexto, entende o Tribunal que os AA. não sofreram danos não patrimoniais merecedores de tutela jurídica. Com efeito, da matéria de facto provada resulta claramente (como aliás se referiu em sede de fundamentação de facto), o dano dos AA. revelou-se essencialmente, assumindo proporções que alcançam o patamar da gravidade, em razão das infiltrações, humidades e diminuição das condições de salubridade da sua casa, revelando-se uma clara desvalorização no que à questão estética determinada pelas fissuras se reporta.
Mas, como sabemos, a indemnização apenas pode ser atribuída pelos danos relativamente aos quais foi demonstrado o nexo de causalidade. Entendemos, pois, que não são indemnizáveis, por denotarem uma mera contrariedade e não um desgosto dotado de gravidade, os danos não patrimoniais provados.

Quanto à responsabilidade imputada à 2ª ré COMPANHIA DE SEGUROS (...) S.A., enquanto seguradora da 1ª, muito embora entendendo que face às condições contratuais do seguro se encontravam cobertos por ele 50% dos danos a cargo da 1.ª Ré, isto é, 5.600,00€, e que considerando a franquia de 10% e que esta tinha o valor mínimo de 750,00€, sobre a 2.ª Ré impenderia a obrigação de pagar a quantia de 4.850,00€, porque veio a julgar procedente perentória da prescrição no que a esta 2ª ré respeita, e que entre a seguradora e o responsável direto (a 1ª ré) ocorre como disse “uma relação de solidariedade imperfeita ou imprópria, dado o escalonamento sucessivo que caracterizam as relações internas entre ambos os condevedores, sendo o devedor principal o responsável direto, do qual a seguradora é mero garante da indemnização no confronto dos lesados”, concluiu caber à 1.ª Ré suportar a totalidade da indemnização.

Condenando-a, assim, a proceder à reparação dos danos referidos em 30. dos factos provados, realizando as atividades de picagem de reboco, introdução de rede de fibra de vidro, aplicação de reboco, aplicação de novo material cerâmico, remoção de argamassa da juta e aplicação de mástique e nova argamassa, limpeza, preparação e pintura – melhor descritas nos artigos 2 a 6 da resposta A ao quesito 4. do relatório pericial – ou, em caso de impossibilidade ou excedendo a reparação por meios próprios a quantia de 11.200,00€, a pagar aos autores essa indicada quantia de 11.200,00€.

3.2.3 A recorrente defende não ser a responsável nem dever suportar o ressarcimento dos danos. Sustenta para o efeito, em suma, que apesar de entender que a atividade de construção civil e as obras de escavação ou desaterros que a integram não eram de qualificar como atividade perigosa, a sentença considerou que, no caso em concreto os trabalhos de escavação constituíam uma atividade perigosa; que apesar da referida tecnicidade do projeto de empreitada, o que é relevante para determinar a alegada perigosidade da atividade é em concreto os trabalhos que foram realizados nas imediações da moradia dos autores; que tal como foi descrito pelos factos provados, os meios utilizados na obra nas imediações do prédio dos autores não importam qualquer risco acrescido, relativamente a uma atividade normal de escavação; que mesmo que se considere a atividade da recorrente, nas obras executadas nas imediações da habitação em causa, como perigosa, importa verificar se a recorrente ilidiu a presunção de culpa; que atentos os factos provados, ter-se-á de concluir ter a recorrente demonstrado que usou de todas as providências que lhe eram exigidas tendo em vista aquele objetivo e, desse modo, ilidiu a presunção de culpa que sobre si impendia, impedindo a sua responsabilidade pela reparação dos danos; que ainda que os danos tivessem sido provocados pelas obras, o que se não aceita, isso seria o resultado, forçoso e forçado, da própria natureza dos trabalhos, uma vez que não havia outro modo de os executar e nessa hipótese não pode ser imputada a responsabilidade ao empreiteiro um vez que o projeto e o caderno de encargos é da responsabilidade do dono da obra, não cabendo, portanto, à empreiteira recorrente suportar o ressarcimento dos alegados danos.

Mas não lhe assiste razão.

3.2.4 É certo que a responsabilidade civil pressupõe, em regra, a culpa do agente (por dolo ou mera negligência), incidindo sobre o lesado o ónus de provar a culpa (cfr. artigos 483º e 487º do Código Civil), o legislador, ciente de que em muitos casos essa prova poderá ser difícil, estabeleceu situações de inversão do ónus da prova, em que a responsabilidade continua a depender da culpa do agente, mas essa culpa se presume-se.

E um desses casos é precisamente o exercício de atividade tida por perigosa pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, nos termos do artigo 493º n.º 2 do Código Civil, de acordo com o qual “…quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.

3.2.5 A lei não fornece um elenco de atividades que devam ser qualificadas como perigosas para efeitos daquele normativo nem fornece um critério em função da qual se deva afirmar a perigosidade da atividade, elucidando apenas que, para o efeito, tanto releva a natureza da própria atividade como a natureza dos meios utilizados.

3.2.6 Nesse contexto a jurisprudência, considerando estar-se perante um conceito indeterminado e amplo, a preencher pelo intérprete e aplicador da norma na solução do caso concreto, tem vindo a afirmar que a perigosidade haverá de ser apurada caso a caso, em função das características casuísticas da atividade que gerou os danos, da forma e do contexto em que ela é exercida.

A este respeito, e neste sentido, veja-se, a título ilustrativo, o acórdão do STJ de 17/05/2017, Proc. nº 1506/11.1TBOAZ.P1.S1, in. www.dgsi.pt/jstj, onde se escreveu o seguinte:
Como se sabe, a responsabilidade civil pressupõe, em regra, a culpa do agente por dolo ou mera negligência, incidindo sobre o lesado o ónus de provar a culpa do agente, a qual é apreciada segundo as regras do bom pai de família ajustadas às concretas circunstâncias (artigos 483º e 487º do Código Civil). Ciente de que em muitos casos essa prova pode ser difícil, o legislador estabeleceu situações de inversão do ónus da prova, em que a responsabilidade continua a depender da culpa do agente mas essa culpa presume-se, cabendo ao agente o ónus de provar, em termos que diferem consoante os casos, que o evento não se deveu a culpa sua, sob pena de responder por culpa presumida. Um desses casos é precisamente o exercício de actividade tida por perigosa pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados (artigo 493º, n.º 2, do Código Civil).
A lei não indica, porém, um elenco de actividades que devam ser qualificadas como perigosas para efeitos da norma e também não fornece um critério em função da qual se deva afirmar a perigosidade da actividade, esclarecendo apenas que, para o efeito, tanto releva a natureza da própria actividade como a natureza dos meios utilizados. Por esse motivo é aceite que a perigosidade tem de ser apurada caso a caso, em função das características casuísticas da actividade que gerou os danos, da forma e do contexto em que ela é exercida. Trata-se afinal de um conceito indeterminado e amplo a preencher pelo intérprete e aplicador da norma na solução do caso concreto, o que deve ser feito tendo por base o critério valorativo ali fixado, ou melhor a «directriz genérica» indicada pelo legislador.
Para definir o conceito de “atividade perigosa”, o Prof. Vaz Serra socorreu-se da densificação, já então, levada a cabo pelas doutrina e jurisprudência italianas sobre “attività pericolosa, per sua natura o per la natura dei mezzi adoperati” (artigo 2050º do Codice Civile), considerando “actividades perigosas” as «que criam para os terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada das outras actividades».
A doutrina e a jurisprudência convergem na afirmação de que é actividade perigosa, para o efeito, aquela que possui uma especial aptidão produtora de danos, um perigo especial, uma maior susceptibilidade ou aptidão para provocar lesões de gravidade e mais frequentes, e que essa perigosidade deve ser aferida a priori e em abstracto e não em função dos resultados danosos, em caso de acidente, muito embora a magnitude destes possa evidenciar o grau de perigosidade da actividade ou risco dessa actividade.
Perfilhando esse entendimento, têm sido consideradas perigosas, além de outras, as seguintes atividades: a prática de patinagem, as corridas de cavalos a galope, as corridas de karting, a exploração de parques aquáticos (mas já não a exploração normal de uma piscina), a prática desportiva consistente na circulação das motos de água, a gestão das infraestruturas de caminhos-de-ferro, o transporte e a condução de energia eléctrica, em alta tensão, o uso de explosivos, o lançamento de foguetes ou de fogo-de-artifício e o comércio e armazenamento de inflamáveis.
A jurisprudência também tem sublinhado, com frequência, que a actividade da construção civil não é em si mesma, intrinsecamente, sempre perigosa. Será perigosa em determinadas situações, mas noutras não. Tudo depende da tarefa concreta no decurso da qual ocorreram os danos, da forma como a mesma está organizada, do perigo inerente a essa tarefa, dos meios e equipamentos afectos à sua realização, da sua dimensão e envergadura, dos materiais que estão a ser empregues, do risco inerente ao manuseio desses meios, equipamentos e materiais.

3.2.7 Resulta do probatório que a empreitada de obra pública, de construção da via de ligação da Vila de (...) à EM562 (Acesso da Zona Industrial de (...) ao nó da A11/IP9 e A42/IC25), que foi executada pela recorrente, enquanto empreiteira, e cujo traçado, na sequência de reuniões entre a Câmara Municipal de (...) e os autores foi redefinido, cedendo os autores uma parcela de terreno com a área de 188 m2, implicou, entre outros, e no que aqui releva, os trabalhos que foram levados a cabo nas imediações da habitação dos autores, de escavação, regularização de taludes, aterro e pavimentação, utilizando bulldozers com ripper, escavadoras giratórias de rastos com balde de dente, lamina, camiões, e compressores e trabalhos de aterro, compactação e pavimentação com recurso a cilindros de rolos e pneus, os quais foram realizados a distancias de 11 metros e superiores da habitação dos autores, e a uma profundidade de cerca de 3,5 metros abaixo do piso da habitação dos autores, trabalhos que provocaram vibrações que se propagaram no solo causando na habitação dos autores fissuras nas paredes interiores, algumas vazantes, e nos azulejos que revestem as paredes interiores, nas paredes exteriores em alvenaria de granito, nos tetos interiores, nos materiais cerâmicos das casas de banho e cozinhas, e nas juntas das pedras exteriores, nos termos constantes do relatório pericial.

3.2.7 Ora, a natureza dos trabalhos de escavação, regularização de taludes, aterro e pavimentação, e os meios utilizados, em concreto bulldozers com ripper, escavadoras giratórias de rastos com balde de dente, lamina, camiões, e compressores e trabalhos de aterro, compactação e pavimentação com recurso a cilindros de rolos e pneus, em localização tão próxima da habitação dos autores (11 metros), deve considerar-se enquadrada na hipótese normativa do artigo 493º nº 2 do Código Civil, como bem entendeu a sentença recorrida.

3.2.8 Simultaneamente, nada decorre dos autos que permita concluir que a recorrente tenha usado de todas as providências que lhe eram exigidas com vista a ilidir a presunção de culpa que sobre si impendia.

Aliás, e tal como se entendeu na sentença recorrida, não obstante a tão grande proximidade dos trabalhados que levava a cabo face à habitação dos autores, não se vê que a recorrente tenha adotado quaisquer cautelas adicionais comparativamente às demais zonas da obra.

Pelo que a presunção de culpa não se mostra afastada.

3.2.9 E se é assim, não pode colher o argumento, de que a recorrente também lança mão, com vista a eximir-se da responsabilidade, de que os danos decorrentes da obra sempre seriam resultado, forçoso e forçado nas suas palavras, da própria natureza dos trabalhos.

3.2.10 Não incorrendo a sentença recorrida no erro de julgamento que lhe vem imputado, há que negar-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

O que se decide.
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IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente – artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
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Notifique.
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D.N.
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Porto, 19 de março de 2021

M. Helena Canelas (relatora)
Isabel Costa (1ª adjunta)
Rogério Martins (2º adjunto)