Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01269/13.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/19/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:PROCEDIMENTO DISCIPLINAR – ESTRUTURA ACUSATÓRIA – PRINCIPIO DA IMPARCIALIDADE
Sumário:A intervenção do instrutor do processo disciplinar, na fase de defesa do arguido, que culmina com o relatório final, e, simultaneamente, na face decisória, configura uma violação do princípio geral da imparcialidade.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:D.
Recorrido 1:Ordem dos Revisores Oficiais de Contas
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO

D., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos presentes autos, que, em 22 de outubro de 2018, julgou a presente ação totalmente improcedente, e, consequentemente, absolveu a ORDEM DOS REVISORES OFICIAIS DE CONTAS do pedido.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)
a) Porque não conhece do vício de violação do princípio da imparcialidade da atuação da Administração Pública, consagrado no art. 6.° do CPA e concretizado na disposição do art. 44.°/1-d) do mesmo Código - vício qua havia sido suscitado na petição inicial -, a sentença sofre da nulidade cominada no art. 615.°/1-d) do CPC.
b)Está adquirido nos autos que o vogal do Conselho Disciplinar da recorrida incumbido da instrução do processo disciplinar aberto contra o ora recorrente, o Dr. F., foi também, para além de acusador e autor da proposta de deliberação impugnada nos autos, participante na respetiva votação.
c) Esta identidade entre o instrutor, o acusador e o aplicador da pena constitui uma violação flagrante da estrutura acusatória de qualquer processo sancionatório, seja penal, contra-ordenacional ou disciplinar, que constitui uma garantia institucional de imparcialidade, sem a qual não pode assegurar-se que o juízo de quem julga não é contaminado pelo juízo de quem acusa.
d) A participação daquele vogal do Conselho Disciplinar da entidade recorrida na deliberação que condenaria o arguido, ora recorrente, constitui uma violação do disposto nos arts. 39.°/1-c) e 40.°-b) do Código do Processo Penal.
e) Estes preceitos, que sempre seriam aplicáveis, diretamente, enquanto emanação do disposto no art. 32°/10 da Constituição da República, são, de todo o modo, objeto da expressa remissão constante da alínea a alínea e) do art. 48.° do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Revisores de Contas em vigor ao tempo dos factos (publicado DR, 2ª Série, n.° 27, de 09 de fevereiro de 2010), que determina que"nenhum membro do Conselho Disciplinar pode intervir na instrução ou julgamento de processos disciplinares ou de inquérito (...) quando se verificar qualquer dos casos de impedimento previstos na legislação processual penal”.
f) Interpretados no sentido de o vogal (do Conselho Disciplinar) instrutor do processo disciplinar poder participar e/ou votar na deliberação final condenatória do arguido, os arts. 63.°, designadamente o seu n.° 4, e 48.°-e) do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Revisores de Contas em vigor ao tempo dos factos (publicado DR, 2ª Série, n.° 27, de 09 de fevereiro de 2010), são normas inconstitucionais por violação do disposto no art. 32.°/10 e 266.°/2 da Constituição da República, na parte em que consagra o princípio da imparcialidade - questões de constitucionalidade que, aqui, desde já, para todos os efeitos, desde já se deixam invocadas.
g) O facto de o Conselho Disciplinar da entidade recorrida, na deliberação impugnada, se limitar a identificar as normas que considera terem sido violadas pelo arguido, ora recorrente, e a enunciar, de modo abstrato, sem qualquer concretização factual, as infrações disciplinares que lhe imputa, constitui violação do dever de fundamentação dos ato administrativos, consagrado e configurado nos arts. 124.°/1-a) e 125.°/1 do CPA - norma esta que determina a necessidade de a fundamentação do ato incorporar, expressamente, os "fundamentos de facto da decisão''.
h) A tese do tribunal recorrido, segundo a qual o ato impugnado “apropriou” o relatório do instrutor (tese que, se fosse correta, tornaria ainda mais chocante a violação da estrutura acusatória do processo - pois que o órgão decisor se limitaria a assimilar a proposta do instrutor) não respeita, porém, nem o conteúdo do ato impugnado nem a estrutura que o Regulamento Disciplinar lhe imprime.
i) A decisão final do processo disciplinar não pode rebaixar-se ao estatuto de mera homologação, ou apropriação, do relatório do instrutor, exigindo-se (exigindo o art. 63.°/4 do Regulamento Disciplinar) uma decisão autónoma, relatada pelo presidente do órgão colegial.
j) O tribunal recorrido violou as normas seguintes: arts. 608.°/2 e 615.°/1-d) do CPC; arts. 32.°/10 e 266.72 da Constituição da República; arts. 39.°/1-c) e 40.°-b) do Código do Processo Penal; arts. 124.°/1-a) e 125.°/l do CPA, na versão em vigor ao tempo dos factos; arts. 63.° e 48.°-e) do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Revisores de Contas em vigor ao tempo dos factos (publicado DR, 2ª Série, n.° 27 (…)”.
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Notificado que foi para o efeito, a Recorrida produziu contra-alegações, que rematou nos seguinte termos:”(…)

A} Questão Processual:
& 1 Nulidade da sentença do Tribunal a quo por omissão de pronúncia
1) Contrariamente ao que refere o Recorrente, o Digníssimo Tribunal a quo pronunciou-se sobre a alegada violação do princípio da imparcialidade e dos também invocados pelo Recorrente violação impedimentos previstos no art.° 39.° e seguintes do Código Penal, negando expressamente a sua existência no caso da deliberação disciplinar em apreço (vide fls.18,19 e 29 da douta sentença); por conseguinte, não devendo proceder a invocada pelo Recorrente nulidade da sentença, por omissão de pronúncia sobre a violação do princípio da imparcialidade.
B) Questões de Direito substantivo:
& 1 Nulidade do acórdão do Conselho Disciplinar da Recorrida por violação do princípio do acusatório;
2) Os art.°s 63 n° 4 e n° 8 e 35° do RD e o art.° 83° n° 2 do EOROC estabelecem expressamente que o Instrutor seja um membro do Conselho Disciplinar e que este vote na deliberação punitiva;
3) Tendo em conta a especificidade do processo disciplinar, designadamente, a não existência de uma estrutura acusatória, pois como acima ficou demonstrado, o EOROC e o RD não fazerem separação de poderes entre o instrutor e o decisor, sendo que neste processo disciplinar (por natureza uno), a decisão não constitui uma fase diferente como acontece no processo penal;
4) O art.° 32.° da CRP sob a epígrafe “garantias do processo criminal” só se aplica ao processo criminal - o direito penal prescreve as sanções mais gravosas da nossa ordem jurídica, pelo que há uma necessidade acrescida de consagrar direitos e garantias, sendo o direito disciplinar um minus face ao direito penal, afasta o Princípio do Acusatório do processo disciplinar.
5) Por outro lado, os impedimentos do instrutor do processo disciplinar estão expressamente previstos no art.° 48.° do RD, pelo que não existe lacuna:
6) Caso existisse lacuna, o que não se concede, ainda assim, nunca se aplicariam, no caso em apreço, os impedimentos previstos nomeadamente no CPP, que em caso algum não podem ser aplicados “tout court”, sendo necessário aplicar com as necessárias adaptações.
7) Saliente-se o caráter residual do processo penal relativamente ao processo disciplinar resulta do art.° 84.° do RD, que apenas é aplicável em caso de lacuna, em tudo o que não estiver previsto no RD, no EOROC, a título subsidiário, e, no final da ordem estabelecida, a seguir ao Código de Procedimento Administrativo (CPA);
8) E a própria lei das associações públicas profissionais Lei 2/2013 de 10 de janeiro, estabelece no n.° 8.° do art.° 18° com a epígrafe “poder disciplinar “ que “nos casos omissos, são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as normas procedimentais previstas no estatuto disciplinar dos trabalhadores que exercem funções públicas, que também afasta, assim, a aplicação do direito processual penal;
9) Acresce que, o Conselho Disciplinar da OROC tem autonomia decisória, podendo a deliberação não coincidir com a sanção proposta pelo instrutor, que não subordina a decisão punitiva;
10) A posição individual do instrutor de 1/5 não tem qualquer expressividade face à decisão coletiva; nem se exige unanimidade no RD para a deliberação punitiva;
11) Não se vislumbrando perante a evidência e a gravidade das infrações disciplinares cometida peio Recorrente que a decisão pudesse ser não coincidir com a presente, ainda que o Vogal Instrutor não tivesse votado;
12) Saliente-se que, como aliás bem se refere no acórdão do STJ de 2003.09.24- rec.° n.° 3739 e do acórdão do STA de 14.06.2005, proferido no proc.0 0443/05 referente à então Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (ex-CTOC), invocado pelo Recorrente, nos processos sancionatórios, sempre que estes não disponham de regras próprias que salvaguardem aqueles valores - (objetividade e isenção- corolários do princípio da imparcialidade), é necessário arredar o julgador que inquine a posição de objetividade da decisão a proferir.
13) no caso do presente processo disciplinar encontra-se salvaguardado o principio da imparcialidade porquanto, nos estatutos da OROC e na respetiva regulamentação existem regras próprias que salvaguardam aquele princípio, destacando-se, assim, a isenção e a independência que advêm naturalmente da apreciação do relatório, subjacente ao princípio da livre apreciação de prova, por mais quatro pessoas diversas do instrutor e, por um órgão (conselho disciplinar) diferente do próprio instrutor, da diminuta ponderação que o voto do instrutor tem na votação, da não exigência de unanimidade da votação e dos demais regras referentes a garantias de defesa e independência).
14) Não ocorrendo, qualquer violação dos princípios constitucionais consagrados no art.° 32° ou no art.° 266 n.° 2 da CRP ou do art.° 6° do CPA, pois foram salvaguardadas todas as garantias audiência e de defesa.
15) a existência de lacuna nas normas da ex-CTOC quanto à previsão do instrutor votar a deliberação punitiva e quanto aos impedimentos do instrutor (o que como vimos não acontece no caso da OROC), o não afastamento da estrutura acusatória (como acontece no caso das normas da OROC desde logo porquanto está previsto que o instrutor é designado de entre os membros do conselho disciplinar (83.° n.° 2 do EOROC e art.° 35.° do RD) e que o mesmo instrutor intervém na votação deste órgão (art.° 63.° n° 8 e n.° 4 do EOROC);} e, ainda, a composição de apenas 3 elementos do órgão disciplinar daquela Câmara (incluindo o instrutor) com ponderação significativa na votação, representam dissemelhanças, de tal forma significativas em relação ao processo disciplinar da OROC que, afastam a aplicabilidade da fundamentação do Acórdão da ex-CTOC no caso sub judice.
16) Ainda que se admita, o que não se concede, a aplicação do n.° 10 do art.° 32.° da CRP ao processo disciplinar, este impõe que nos processos sancionatórios seja assegurado ao arguido os direitos de defesa e de audiência e, sendo que esses direitos não foram postos em causa pela atuação da Recorrida, nem impugnados pelo então A./ora Recorrente) no processo em apreço;
17) qualquer violação deste princípio terá naturalmente de resultar da falta de objetividade da ponderação dos interesses no caso concreto, traduzida em factos concretos e devidamente comprovados e não na potencialidade de qualquer situação envolver quebra do princípio da imparcialidade sem que a mesma se traduza ou concretize através de qualquer ato ou facto.
18) Fora isso, a violação do princípio da imparcialidade na atuação da Administração só poderá ocorrer quando se verifique a violação de qualquer outro preceito legal ou regulamentar que tenha na sua génese o referido principio, que não o próprio artigo 6.° do Código do Procedimento Administrativo
19) apenas da conjugação de norma concretizadora, com o princípio constitucional da imparcialidade, poderá resultar a anulação da decisão disciplinar o que acontece no caso da ex CTOC; resultando evidencia que tal não acontece no caso em crise.
20) Assim qualquer violação deste princípio terá naturalmente de resultar da falta de objetividade da ponderação daqueles interesses no caso concreto, traduzida em factos concretos e devidamente comprovados e não na potencialidade de qualquer situação envolver quebra do princípio da imparcialidade sem que a mesma se traduza ou concretize através de qualquer ato ou facto.
21) Fora isso, a violação do princípio da imparcialidade na atuação da Administração só poderá ocorrer quando se verifique a violação de qualquer outro preceito legal ou regulamentar que tenha na sua génese o referido princípio, que não o próprio artigo 6.° do Código do Procedimento Administrativo.
22) Pelo que se afigura, no nosso modesto, mas convicto entender, julgada corretamente, à luz do regime disciplinar e da atuação da Recorrida, o invocado, vício da deliberação punitiva pelo facto desta ter sido subscrita pelo vogal do Conselho Disciplinar incumbido da instrução do processo disciplinar instaurado ao ora Recorrente.
& 2 Anulabilidade do acórdão do Conselho Disciplinar da Recorrida, por falta de fundamentação do acórdão disciplinar.
23) conforme se refere na douta sentença a fls. 26, do teor do relatório - parte integrante da decisão impugnada constam os factos imputados ao Autor [segmento dedicado à súmula da Acusação -fls. 33], assim como os factos que foram considerados provados [segmento dedicado aos factos provados- fls.35 e 36] pelo que não assiste razão ao Autor quando afirma que a decisão ora impugnada não se encontra fundamentada de facto.
A fundamentação da decisão impugnada é clara ...é congruente ... é suficiente...e é contextuai.
24) “ ... presunção legal que a adoção de uma decisão punitiva concordante com a pena proposta no relatório final do instrutor assume a respetiva fundamentação" (Ac. STA proc.° 38240 de 05-04-2000), o que constitui, aliás, jurisprudência assente.
25) Contrariamente ao que o Recorrente alega, nem a deliberação é omissa na imputação de factos concretos ao Recorrente, nem era imposta outra especificação ou fundamentação ao ato impugnando nos termos do art.° 125° do CPA, peio que não existe vício de falta de fundamentação suscetível de anular o acórdão punitivo (…)”.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, tendo ainda sustentado a inexistência de qualquer nulidade de sentença, por omissão de pronúncia.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a determinar se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em (i) nulidade de sentença, por omissão de pronúncia, bem como em (ii) erro de julgamento de direito, por ofensa do disposto nos artigos “(…) arts. 32.°/10 e 266.72 da Constituição da República; arts. 39.°/1-c) e 40.°-b) do Código do Processo Penal; arts. 124.°/1-a) e 125.°/l do CPA, na versão em vigor ao tempo dos factos; arts. 63.° e 48.°-e) do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Revisores de Contas em vigor ao tempo dos factos (publicado DR, 2ª Série, n.° 27 (…)”.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO

O quadro fáctico [positivo, negativo e respetiva motivação] apurado na decisão recorrida foi o seguinte: “(…)

A. Mediante ofício de 26 de março de 2016 foi comunicado ao Presidente do Conselho Disciplinar da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas que, após conclusões apuradas das fichas dos Controlos de Qualidade, deveria ser instaurado processo disciplinar contra o Autor - cfr. documento de fls. 4 do procedimento administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
B. Mediante ofício de 26 de abril de 2012 foi comunicado ao Autor o seguinte:
"(...) Com a presente vimos comunicar-lhe que o Conselho Disciplinar, nos termos regulamentares, deliberou a abertura do processo acima identificado, tendo por base participação apresentada pelo Conselho Diretivo da OROC, relacionada com questões na qualidade do trabalho.
Mais informo que o instrutor nomeado Dr. F., Vogal deste Conselho, oportunamente contactará o Colega no âmbito das averiguações a desenvolver com vista à instrução do processo.”
- cfr. documento de fls. 94 do procedimento administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
C. O Autor prestou declarações no âmbito do processo disciplinar n.° 07/2012 no dia 18 de julho de 2012 - cfr. documento de fls. 96 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
D. Mediante ofício de 17 de outubro de 2012 foi comunicada ao Autor a nota de culpa elaborada no âmbito do processo disciplinar no identificado em C), tendo o Autor apresentado a sua defesa - cfr. documento de fls. 101, 102 a 104 e 105 a 120 do procedimento administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
E. A 19 de fevereiro de 2013 o instrutor do processo disciplinar nomeado elaborou relatório final, cujo teor ora se transcreve:
“I - ANTECEDENTES
Por deliberação do Conselho Disciplinar de 24.04.2012, foi instaurado o presente processo disciplinar contra D. (ROC n.° 635) na sequência de participação do Conselho Diretivo, no âmbito das ações de controlo de qualidade levadas a cabo pela Ordem dos Revisores Oficiais de Conta (OROC), ao abrigo do disposto no artigo 68.° do Estatuto da OROC (EOROC).
A referida participação indica os seguintes factos sobre os quais incidiram as averiguações:
a) O arguido D. (ROC n.° 635) foi objeto de uma ação de controlo de qualidade através do processo n.° 56/11 instruído pela Comissão do Controlo de Qualidade;
b) O controlo de qualidade vertical recaiu sobre um dossier de trabalho, relativo ao ano de 2010, da empresa de T., S.A.
c) Com base no relatório emitido pelo controlador-relator a Comissão do Controlo de Qualidade (CCQ), em sessão de 22.03.2012, identificou as seguintes deficiências:
i) “Controlo horizontal
• Existem algumas observações de relevância que requerem a imediata intervenção do ROC, no sentido de serem superadas as seguintes deficiências:
- Falta de implementação completa das recomendações constantes do controlo de qualidade efectuado em outubro de 2008;
- Insuficiência de formação profissional do ROC e colaboradores com reflexo na organização geral dos papéis de trabalho.
ii) “Controlo vertical
• Controlo com resultado insatisfatório. O trabalho efectuado, tendo também em consideração as recomendações do controlo de qualidade de 2008 não implementadas é manifestamente insuficiente para suportar o parecer emitido, não tendo sido cumpridas, entre outras, as DRA 230, 300, 400, 510 e 700.
Face ao anteriormente exposto, foi o arguido ouvido em 18.07.2012, tendo sido elaborado o respetivo auto de declarações que se encontra junto ao processo (a fls. 93 a 96 do processo).
Com base nos documentos que deram origem à instauração do processo disciplinar e na sequência da audição do arguido, foi proferida acusação contra D. (ROC n.° 635) nos termos a seguir descritos
II - ACUSAÇÃO
Da nota de culpa emitida a 16.10.2012 (a fls. 98 a 100), constam as seguintes acusações:
a) Não respeitou as determinações da OROC ao não ter cumprido as recomendações formuladas no relatório do controlo de qualidade realizado em 2008;
b) Não organizou um processo instruído de acordo com as normas da auditoria em vigor, tendo sido detetadas as seguintes principais deficiências:
i) Ausência de trabalho efectuado relativamente à avaliação dos riscos, incumprindo a DRA 400;
ii) Planeamento de auditoria deficiente, incumprindo a DRA 300;
iii) Falta de evidências do trabalho efectuado, incumprindo o DRA 510;
iv) Não fundamentação das conclusões relevantes por áreas, que lhe permitiram formular a sua opinião profissional, incumprindo a DRA 230;
c) Não frequentou ações de formação profissional exigidas pelo Regulamento de Formação, com reflexo na organização geral dos papéis de trabalho.
Tais comportamentos constituem incumprimento dos deveres constantes do art.° 62.°, n.°s 1, 2 e 4 e art.° 64.° n.°1, do EOROC, do art.° 5.° n.°s 1 e 2 e art.° 12.° n.° 5 do Código de Ética e Deontologia Profissional (CEDP) (que vigorou até 31.12.2011) e dos pontos 2.6.1, 2.6.2, 2.6.3, 2.6.4, 2.6.5 e 2.8.1 do atual Código de Ética da OROC (CEOROC).
Tais atos e omissões constituem infrações disciplinares nos termos do art.° 80.° do EOROC e do art.° 2 do Regulamento Disciplinar (RD).
III - DEFESA
Em resposta à Nota de Culpa (a fls. 102 a 116), o arguido apresentou um texto praticamente igual ao que apresenta janeiro de 2012 em resposta ao relatório do controlador - relator, apenas um pequeno acrescento, num dos 40 comentários formulados, no qual sustenta, em sua defesa, o que a seguinte se sintetiza:
a) Já ter cumprido algumas das recomendações formuladas no relatório do controlo de qualidade realizado em 2008;
b) Quanto às deficiências na organização de um processo instruído de acordo com as normas de auditoria em vigor, o arguido alega que:
i) o seu bom conhecimento da entidade e a pequena dimensão da empresa contribuem para reduzir os riscos de auditoria;
ii) quanto ao planeamento, procede a uma análise prévia sobre as situações de exceção e as contas e massas patrimoniais de maior dimensão, fazendo incidir o esforço de auditoria sobre essas transações e contas;
iii) quanto à falta de evidências, dá exemplos da sua existência, em várias áreas, embora de forma pontual.
IV- FACTOS PROVADOS
Das averiguações efetuadas e da documentação constante do processo resultam provados os seguintes factos imputáveis ao arguido:
a) Não cumpriu com todas as recomendações decorrentes do controlo de qualidade realizado em 2008, não tendo, ainda, dado satisfação às seguintes:
1) Elaboração de memorando de planeamento (em observância do parágrafo 15 das Normas Técnicas de Revisão/Auditoria (NTRA) e da Ordem de Revisão/Auditoria (DRA) 300 Planeamento, designadamente nos seus parágrafos 3 e 9;
2) Avaliação formal dos riscos (como estabelece o parágrafo 15 das NTRA e a DRA 400 - Avaliação do Risco, designadamente nos seus parágrafos 2 e 9);
3) Tratamento das imparidades dos clientes/idade dos saldos e revisão da cobertura dos seguros (atento o parágrafo 19 das NTRA e o estabelecido na DRA 510 - Prova de Revisão); e
4) Conclusões por áreas de trabalho (atento o parágrafo 19 das NTRA e a DRA 230 - Papéis de Trabalho, designadamente nos seus parágrafos 10 e 11);
b) Não cumpriu com o procedimento de organizar um processo instruído de acordo com as normas de auditoria em vigor, concretamente quanto a:
1) Evidência do trabalho que terá sido efectuado relativamente à avaliação dos riscos, incumprindo o parágrafo 15 das NTRA e os parágrafos 2 e 9 da ORA 400 - Avaliação do Risco;
2) Deficiências no planeamento de auditoria, incumprindo o parágrafo 15 das NTRA e os parágrafos 3 e 9 da ORA 300 - Planeamento;
3) Falta de evidências do trabalho efectuado, incumprindo o parágrafo 19 das NTRA e o estabelecido na DRA 510 - Prova de Revisão;
4) Não fundamentação das conclusões relevantes por áreas, que permitiram formular a sua opinião profissional, incumprindo o parágrafo 19 das NTRA e a ORA 230 - Papéis de Trabalho.
v - APRECIAÇÃO
Relativamente à conclusão do controlo de qualidade sobre a insuficiência de formação profissional do ROC e colaboradores, conforme mencionado em 5.c), verifica-se que no mapa de formação profissional do ROC relativo aos anos de 2009, 2010 e 2011, estão registados, no total destes 3 anos, 55,75 créditos de formação em temas de auditoria, contabilidade, fiscalidade, gestão e fraude, sendo que o volume de formação exigido pelo regulamento da OROC é de 60 créditos por triénio. Quanto aos colaboradores, o controlador refere que têm qualificações académicas apropriadas à função que exercem. Pelo exposto, entendemos que o facto apontado não assume gravidade suscetível de sancionamento disciplinar, embora seja de fazer sentir ao arguido a necessidade de, no futuro, ter em atenção o integral cumprimento da regulamentação profissional.
Relativamente ao não cumprimento de todas as recomendações decorrentes do controlo de qualidade realizado em 2008, o relatório do controlador refere que o arguido já cumpriu, nomeadamente, as seguintes: melhoria na referenciação dos papéis de trabalho, cálculo da materialidade e elaboração de programas por áreas de trabalho. A este respeito alega o arguido:
(a) ter cumprido algumas das recomendações, sem, porém, dar uma resposta cabal a esta acusação nem enumerar as que já cumpriu e as que estão em fase de implementação; e
(b) quanto às imparidades de clientes, sendo que o respetivo saldo representa 21% do total do ativo, refere que a entidade "não apresenta qualquer histórico expressando risco notável" de incobrabilidade, mas não refere que testes de auditoria efetuou a este respeito.
Resultam, assim, provadas as infrações de que o arguido vem acusado, identificadas na alínea a) do ponto 7., que se consubstanciam no incumprimento dos deveres constantes dos artigos 62.0, nº. 4 e 64º n.º 1, do EOROC, dos artigos 5.0, n.ºs 1 e 2 e 12.° n.°5 do CEDP (que vigorou até 31.12.2011), a que correspondem os pontos 2.6.1.b), 2.6.4. e 2.8.1. do atual CEOROC.
Relativamente ao não cumprimento do procedimento de organizar um processo instruído de acordo com as normas de auditoria em vigor, o arguido invoca em sua defesa:
(a) que o seu bom conhecimento da entidade e a pequena dimensão da empresa contribuem para reduzir os riscos de auditoria;
(b) que, quanto ao planeamento, procede a uma análise prévia sobre as situações de exceção e as contas e massas patrimoniais de maior dimensão fazendo incidir o esforço de auditoria sobre essas transações e contas;
(c) que, quanto à falta de evidências, dá exemplos da sua existência, em várias áreas, embora de forma pontual.
Quanto à não fundamentação das suas conclusões por áreas de trabalho não apresentou contestação direta a este ponto.
Constata-se que o arguido procura atenuar a gravidade das faltas, ao argumentar com o conhecimento que diz ter da empresa e com a pequena dimensão da mesma, o que, supostamente, justificaria a simplificação dos trabalhos de revisão/auditoria Sendo certo que o conhecimento da empresa e do negócio em que a mesma opera pode ser um factor positivo na realização dos trabalhos e que, tendencialmente, melhora a qualidade da revisão/auditoria, tal factor não pode justificar o não cumprimento das normas aplicáveis. Dão-se, assim, como provadas as infrações de que o arguido vem acusado, sendo-lhe por isso imputável o incumprimento das Normas de Revisão/Auditoria enumeradas na alínea b) do ponto 7. Tal incumprimento constitui violação das disposições constantes dos artigos 62.° n.° 4 e 64.° n.° 1, do EOROC, dos artigos 5°, nº.s 1 e 2 e 12.0 n.° 5 do CEDP (que vigorou até 31.12.2011), a que correspondem os pontos 2.6.1.b), 2.6.4. e 2.8.1. do atual CEOROC.
Os incumprimentos referidos nos anteriores pontos 9. e 11. Constituem infrações disciplinares nos termos do artigo 80° do Estatuto da OROC e do artigo 20 do Regulamento Disciplinar.
O arguido atuou livre e voluntariamente, não podendo desconhecer que a sua conduta era reprovável e punida por lei.
As infrações praticadas pelo arguido são de natureza diferenciada, configurando, por isso, acumulação de infrações. A acumulação de infrações constitui circunstância agravante, em conformidade com o disposto na alínea d) do n.° 1 e no n.° 3 do art.° 22.° do RD.
Por último, assinala-se que no registo disciplinar do arguido nada consta.
VI - PROPOSTA
As infrações provadas, cometidas pelo arguido, consubstanciam-se na violação dos deveres previstos:
No n.° 4 do artigo 62.°do EOROC (dever de organizar um processo instruído de acordo com as normas de auditoria em vigor);
No n.° 1 do artigo 64.°do EOROC (dever de observar as normas, avisos e determinações emanados da Ordem);
Nos nº. s 1 e 2 do artigo 5.° e no n.° 5 do artigo 12.°, todos do CEOP em vigor à data da prática dos atas e a que correspondem os pontos 2.6.1.b), 2.6.4. e 2.8.1. do atual CEOROC.
Estas violações constituem infrações disciplinares nos termos do artigo 80.° do EOROC e do artigo 2. ° do RD
Face à natureza, número e gravidade das infrações provadas e considerando os antecedentes profissionais e disciplinares do arguido, o seu grau de culpabilidade e as circunstâncias agravantes e atenuantes propõe-se que seja aplicada a D. (ROC n.° 635), em cúmulo jurídico nos termos do artigo 20.°do RO, a pena única de multa, graduada em € 6 000, prevista na alínea c) do n.° 1 do artigo 81.° do EOROC e na alínea c) do artigo 13.° do RD.
Nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 89° do EOROC e do n.° 1 do artigo 83º do RD, ficam a cargo do arguido as despesas do processo, no valor de 350,00 € (trezentos e cinquenta euros), conforme deliberação da Assembleia Geral da OROC de 20 de dezembro de 2012.”
- cfr. documento de fls. 121 a 128 do procedimento administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
F. Em 19 de fevereiro de 2013 foi proferido Acórdão pelo Conselho de Disciplina, o qual aplicou uma sanção disciplinar ao Autor correspondente a multa no valor de 6.000,00 euros, acrescida de custas no valor de 350,00 euros - cfr. documento de fls. 129 e 130 do procedimento administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
G. O instrutor nomeado Francisco José Ramalho de Melo Albino integrou o Conselho de Disciplina, na qualidade de vogal, que deliberou sobre o relatório final identificado em E) e que emitiu a decisão identifica em F) - cfr. documento de fls. 131 do procedimento administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
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Não se provaram outros factos com relevância para a boa decisão da causa.
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Motivação da decisão sobre a matéria de facto
Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.
Na determinação do elenco dos factos provados, foi considerado e analisado pelo tribunal o conjunto de documentos que se encontram juntos aos autos e aos procedimentos administrativos apensos, o qual não foi objeto de impugnação ou reparo por qualquer das partes, razão pela qual foi digno de crédito para efeitos probatórios.
Para melhor elucidação ficou identificado, a propósito de cada facto, o documento que em concreto alicerçou a conclusão do tribunal (…)”.
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III.2 - DO DIREITO
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I- Da nulidade imputada à decisão judicial recorrida, por omissão de pronúncia
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O Recorrente começa por arguir a nulidade da sentença recorrida, com fundamento na alínea d) do artigo 615º do CPC ex vi artigo 1º do CPTA.
Invoca, para tanto, que o Tribunal a quo não conheceu “(…) do vício de violação do principio da imparcialidade da atuação da Administração Pública, consagrado no art. 6.° do CPA e concretizado na disposição do art. 44.°/1-d) do mesmo Código - vício qua havia sido suscitado na petição inicial -, [pelo que] a sentença sofre da nulidade cominada no art. 615.°/1-d) do CPC (…)”

Quid iuris?
De acordo com o art. 608º n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), “(…) O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, (...).”

A inobservância de tal comando é, como se sabe, sancionada com a nulidade da sentença: art. 615º n.º 1 al. d) CPC.

O exato conteúdo do que sejam as questões a resolver de que falam tais normativos foi objeto de abundante tratamento jurisprudencial.

Destaca-se, nesta problemática, o Acórdão produzido por este Tribunal Central Administrativo Norte de 07.01.2016, no processo 02279/11.5BEPRT: cujo teor ora parcialmente se transcreve: “(…) “As causas determinantes de nulidade de decisões judiciais correspondem a irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua validade encontrando-se tipificadas, de forma taxativa, no artigo 615.º do CPC. O que não se confunde, naturalmente, com errados fundamentos de facto e/ou de direito.
Determina o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 1.º do CPTA, que a nulidade por omissão de pronúncia ocorre “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Este preceito relaciona-se com o comando ínsito na primeira parte do n.º 2 do artigo 608.º do mesmo diploma, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras – cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão); e os acórdãos, entre outros, do STA de 03.07.2007, rec. 043/07, de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09 de 17/03/2010, rec. 0964/09).
Do mesmo modo estipula o artigo 95.º do CPTA que “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras”.
Questões, para este efeito, são pois as pretensões processuais formuladas pelas partes no processo que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer ato (processual), quando realmente debatidos entre as partes – cfr. Antunes Varela in RLJ, Ano 122.º, p. 112 – a decidir pelo Tribunal enquanto problemas fundamentais e necessários à decisão da causa – cfr. Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220 e 221.
Exige-se pois ao Tribunal que examine toda a matéria de facto alegada pelas partes e analise todos pedidos formulados por elas, com exceção das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se torne inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões – cfr. M. Teixeira de Sousa, ob. e pp. cits.”.
Posição que se manteve no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 20.10.2017, no Procº. n.º 00048/17.6, que: “(…) A questão está desde logo em saber se o tribunal se deixou de pronunciar face ao suscitado e, em qualquer caso, se teria de o fazer.
Referiu a este propósito o STJ, no seu acórdão de 21.12.2005, no Processo n.º 05B2287 que:
“A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (art. 668º nº 1 d) do CPC), traduzindo-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever consignado no art. 660º nº 2 - 1ª parte - do CPC, só acontece quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições dos pleiteantes, nomeadamente as que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções (excetuados aqueles cuja decisão esteja prejudicada por mor do plasmado no último dos normativos citados), não, pois, quando tão só ocorre mera ausência de discussão das "razões ou dos "argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas.”
Como se refere no Acórdão, desta feita do STA nº 01035/12, de 11-03-2015, “a nulidade de sentença por omissão de pronúncia só ocorre quando o tribunal deixar de apreciar questão que devia conhecer (artigos 668.º, n.º 1, alínea d) e 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil revogado, aplicável no caso sub judice).
(…)
Resulta também do artº 95º, nº 1, do CPTA que, sem prejuízo do disposto no número seguinte, o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras.
Como este Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo, haverá omissão de pronúncia sempre que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer, inclusivamente, não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento – cf. neste sentido Acórdãos de 19.02.2014, recurso 126/14, de 09.04.2008, recurso 756/07, e de 23.04.2008, recurso 964/06.
Numa correta abordagem da questão importa ainda ter presente, como também vem sublinhando de forma pacífica a jurisprudência, que esta obrigação não significa que o juiz tenha de conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes hajam produzido. Uma coisa são as questões submetidas ao Tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa para fazer valer o seu ponto de vista.
Sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes.”

Em reforço deste entendimento, ressalte-se o expendido no Acórdão do S.T.A. de 12.06.2018 [processo n.º 0930/12.7BALSB], consultável em www.dgsi.pt: “(…)
24. Caraterizando a arguida nulidade de decisão temos que a mesma se consubstancia na infração ao dever que impende sobre o tribunal de resolver todas as questões que as partes hajam submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja ou fique prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2, CPC].
25. Com efeito, o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos/pretensões pelas mesmas formulados, ressalvadas apenas as matérias ou pedidos/pretensões que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se haja tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões.
26. Questões para este efeito são, assim, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que exigem decisão do julgador, bem como, ainda, os pressupostos processuais [gerais e específicos] debatidos nos autos, sendo que não podem confundir-se aquilo que são as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com o que são as razões de facto ou de direito, os argumentos, ou os pressupostos em que cada a parte funda a sua posição nas questões objeto de litígio (…)”.

Munidos destes considerandos de enquadramento jurisprudencial, e regressando ao caso concreto, adiante-se, desde já, que não assiste razão ao Recorrente na arguida nulidade de sentença.

Na verdade, o Recorrente impetrou ao ato impugnado, a par da falta de fundamentação, os vícios traduzidos na “violação da estrutura acusatória do processo disciplinar, do princípio da imparcialidade e da proibição da participação na decisão de titulares impedidos”.

Ora, com reporte à apontada violação do princípio da imparcialidade, vem referido na fundamentação de direito da sentença recorrida o seguinte “(…) Acresce que, o Autor não invocou factos suscetíveis de evidenciar ou sequer indiciar que tenha sido violado o princípio da imparcialidade, pelo que nenhuma nulidade há a assacar à decisão ora impugnada [destaque nosso] (…)”.

Ora, a pronúncia em questão, nos termos em que se mostra supra expressada na parágrafo antecedente, revela-nos que o Tribunal a quo, pese embora o tenha feito de uma forma manifestamente sintética, efetivamente, tomou posição sobre a invocada violação do princípio da imparcialidade, tendo emitido um juízo de manifesta insuficiência da alegação fáctica do A. na perspetiva da sua conformação com a verificação da causa de invalidade em análise.

Poder-se-á equacionar da certeza ou [do erro] do julgamento assim efetuado.

Mas tal interrogação não se insere no vício de nulidade sentença, por omissão de pronúncia, antes se incluindo no âmbito de eventual erro de julgamento.

De facto, saber se o Tribunal a quo decidiu com acerto, ou se pelo contrário fez incorreta interpretação e/ou aplicação da lei, são questões que já não contendem com a nulidade da sentença, mas sim com o erro de julgamento - este, traduzindo uma apreciação da questão em desconformidade com a lei [Vd. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., p. 686, sublinham que não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário].

Por conseguinte, a sentença recorrida não padece da assacada nulidade por omissão de pronúncia, a qual improcede.
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II- Do imputado erro[s] de julgamento de direito, por ofensa do disposto nos artigos “(…) arts. 32.°/10 e 266.72 da Constituição da República; arts. 39.°/1-c) e 40.°-b) do Código do Processo Penal; arts. 124.°/1-a) e 125.°/l do CPA, na versão em vigor ao tempo dos factos; arts. 63.° e 48.°-e) do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Revisores de Contas em vigor ao tempo dos factos (publicado DR, 2ª Série, n.° 27 (…)”.
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As questões decidendas traduzem-se em saber se a sentença recorrida, ao julgar inverificados os suscitados vícios de (i) “violação da estrutura acusatória dos processos sancionatórios, do princípio da imparcialidade e da proibição da participação na decisão de titulares impedidos” e de (ii) “falta fundamentação do ato impugnado”, incorreu em erro de julgamento nos termos e com o alcance supra transcritos.

Vejamos, convocando, desde já, a ponderação de direito que, nestes particulares conspectos, ficou vertida na decisão judicial recorrida:
“(…)
1. Da nulidade do acórdão do conselho de disciplina da Entidade Demandada, por violação do princípio do acusatório;
Alega o Autor que a decisão ora impugnada padece de nulidade, por violação da estrutura acusatória do processo disciplinar, dado que o instrutor do processo disciplinar de que foi alvo, integrou o órgão deliberativo – decisor - que lhe aplicou a sanção disciplinar correspondente a multa no valor de 6.000,00 euros.
A Entidade Demandada considera que o regime do processo disciplinar é autónomo do processo penal, sendo que apenas serão aplicadas as normas do Código do Processo Penal em tudo o que não estiver expressamente regulado no regulamento de disciplina.
Vejamos.
Dispõe o Artigo 83.° n.° 2 do Regulamento da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas [Decreto-lei n.° 487/99, de 16 de novembro, com alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.° 224/2008, de 20 de novembro e pelo Decreto-lei n.° 185/2009, de 12 de agosto] que “A instrução é feita por um membro do conselho disciplinar designado para o efeito pelo presidente.” Nesse mesmo sentido dispõe o Artigo 35.° n.° 1 do Regulamento de Disciplina do Revisores Oficiais de Conta, nos termos do qual “Mandada instaurar procedimento disciplinar, as participações, queixas ou autos de notícia serão distribuídas ao vogal do Conselho Disciplinar nomeado para a instrução do respetivo processo, na primeira sessão do Conselho Disciplinar posterior à sua apresentação”.
Ante o exposto, dúvidas não restam de que a instrução do processo disciplinar fica a cargo de um Vogal do Conselho de Disciplina, nomeado pelo Presidente deste órgão para o efeito. Sendo que, no âmbito da realização das diligências processuais - de prova - que se impuseram ao caso concreto, o Conselho Disciplinar poderá cometer a um revisor oficial de contas com domicílio profissional situado no mesmo distrito onde o arguido tenha instalado o dele, a realização de diligências probatórias [n.° 4 do Artigo 35.° n.° 1 do Regulamento de Disciplina do Revisores Oficiais de Conta], assim como, poderá o instrutor ser secretariado ou solicitar ao Conselho Diretivo a colaboração de técnicos e peritos [n.°5 do Artigo 35.° do Regulamento de Disciplina do Revisores Oficiais de Conta].
Note-se, porém, que em todas essas situações o instrutor continua a ser um Vogal do Conselho de Disciplina.
Findas as diligências probatórias necessárias, o instrutor deverá deduzir a acusação [cfr. Artigo 45.° do Regulamento de Disciplina], a qual será notificada ao arguido para apresentação de defesa [cfr. Artigos 56.° e 57.° do Regulamento de Disciplina]. Após as alegações, o instrutor apresentará os autos à primeira sessão do Conselho Disciplinar, elaborando, para o efeito, um relatório no qual indique os factos que considere provados, a sua qualificação, gravidade e pena que considera adequada, o qual é submetido a deliberação do Conselho de Disciplina [cfr. Artigo 63.°, n.° 1, 2 e 3 do Regulamento de Disciplina].
Já em sede de deliberação, caso existam votos de vencidos os mesmos deverão ser fundamentados, sendo que se o instrutor ficar vencido o acórdão será lavrado pelo primeiro dos vogais que fizerem vencimento [cfr. nºs 7 e 8 do Artigo 63.° do Regulamento de Disciplina].
Ora, se das disposições regulamentares disciplinares aplicáveis não restam dúvidas que o instrutor é um vogal do Conselho de Disciplina - ou seja, um membro do órgão com competências decisórias - também não há dúvidas que o mesmo tem competência para deliberar o relatório que é submetido a deliberação ao Conselho de Disciplina; tanto que, caso este seja vencido, a competência para a elaboração do Acórdão será da competência doutro Vogal [que também integra o Conselho de Disciplina].
É verdade que nos termos do Artigo 48.° alínea e) do nenhum dos membros do Conselho de Disciplina pode intervir na instrução ou julgamento de processos disciplinares ou de inquérito, quando se verifique qualquer dos casos de impedimentos previstos na legislação processual penal. Assim como é verdade, que resulta do Artigo 39.° e 40.° do Código de Processo Penal uma linha que separa, de forma clara, a fase de instrução a fase de julgamento, com o propósito de garantir que quem acusa não é o mesmo que julga [“Nenhum juiz pode exercer a sua função num processo penal (...) quando tiver intervindo no processo como representante do Ministério Público, órgão de polícia criminal, defensor, advogado do arguido ou parte civil ou perito”; - Artigo 39.°, n.° 1 alínea c - "Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver (...) presido a debate instrutório" - Artigo 40.°, alínea b)].
Acontece que, pese embora ao processo disciplinar seja de aplicar subsidiariamente a disposições do processo penal, a verdade é que os princípios que subjazem a um e outro não são idênticos. E ainda que a remissão seja expressa, atendendo às diferenças e à natureza dos dois processos, o regime dos impedimentos previsto nos Artigos 39.° e seguintes do Código de Processo Penal, deverá ser sempre aplicado ao processo disciplinar com as devidas adaptações.
Ora, sem prejuízo, desde logo, das garantias de defesa e imparcialidade de que terão, naturalmente, ser asseguradas ao arguido [o processo disciplinar não deixa de assumir um caráter sancionatório], o processo disciplinar não tem a mesma rigidez e formalidade que o processo penal. Como é, aliás, de esperar, dada a natureza da responsabilidade que se discute num e noutro [Responsabilidade disciplinar vs. Responsabilidade criminal]. O processo disciplinar, ainda que organizado em várias fases - instrução; acusação, defesa e julgamento - estas não são tão estanques e desenraizadas entre si como as fases próprias do processo penal; e tal diferença afere-se, desde logo, pelo facto de os órgãos do Conselho de Disciplina deliberarem sobre o relatório final elaborado pelo instrutor, no qual já constam os factos provados, a sua qualificação jurídica e, até, a proposta de pena a aplicar ao arguido.
Ora, isso não se verifica no processo penal. O juiz do processo penal não decide aprovar ou não o que resulta da acusação ou do despacho de pronúncia, antes emite decisão - findo o inquérito e a, eventual, fase de instrução - em função das provas que são produzidas na fase de julgamento [aliás todas as provas deverão ser produzidas na fase de julgamento].
Como se pode verificar pelas disposições supra referidas, o Vogal nomeado instrutor tem competências para a fase instrutória e para a fase deliberativa, resultando, também dessas mesmas disposições legais, uma ligação inegável entre os vários trâmites. O relatório elaborado pelo instrutor, caso seja aprovado pelo Conselho, acaba por ser, ele próprio, a decisão do processo disciplinar [à semelhança do que sucede noutros processos disciplinares de ordens profissionais - v.g. Ordem dos Advogados]. Ou seja, o processo disciplinar não tem fases totalmente estanques nem autónomas entre si, ao contrário do que sucede no processo penal. Por estas razões, não se afigura que o instrutor nomeado esteja impedido para a deliberação prevista no Artigo 63.° do Regulamento de Disciplina [“Com efeito, o processo disciplinar é um processo administrativo, embora especial e, como tal, embora sujeito à exigência constitucional da garantia de audiência e defesa do arguido (art.° 32.° n.° 10 da CRP], não deixa de ter uma tramitação própria, desde logo corre perante a administração e não perante um tribunal, além de conceitos, princípios e institutos próprios do direito disciplinar. É essa diversidade que justifica que o regime de impedimentos e recusa do processo penal não possa ser aplicado tout court no processo disciplinar (...)", Acórdão do STA de 01/03/2011, p. 01231/09 disponível em www.dgsi.pt].
Por outro lado, não resulta expressamente das disposições regulamentares aplicáveis que o instrutor esteja impedido de deliberar na fase de julgamento. Aliás, as disposições regulamentares aplicáveis apontam, precisamente, em sentido contrário, dado que dispõe que caso o instrutor seja vencido na deliberação [o que significa que toma posição na mesma], o Acórdão será redigido por outro Vogal.
Acresce que, o Autor não invocou factos suscetíveis de evidenciar ou sequer indiciar que tenha sido violado o princípio da imparcialidade, pelo que nenhuma nulidade há a assacar à decisão ora impugnada.
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2. Da anulabilidade do acórdão do conselho de disciplina da Entidade Demandada, por preterição do dever de fundamentação;
O Autor alega que a decisão ora impugnada padece de um vício de falta fundamentação, uma vez que não contém de forma direta ou indireta a referência a algum facto em concreto, remetendo, para o efeito, para o documento 7 que juntou com a petição inicial - fls. 39 dos autos. Assegurando que a decisão se limita a enunciar as disposições legais violadas.
A Entidade Demandada assegura que não existe razão ao Autor, porquanto a deliberação disciplinar impugnada identifica as situações fácticas concretas - e imputadas ao Autor - bem como os deveres violados e as respetivas consequências; fazendo referência, para o efeito, para o relatório do instrutor e o Acórdão proferido no processo disciplinar n.° 7/2012.
Vejamos.
Nos termos do Artigo 124.° do CPA91, impende sobre a Administração Pública o dever de fundamentar os atos que são por si praticados, podendo a mesma corresponder a uma fundamentação por remissão, mediante concordância com anteriores pareceres, informações ou propostas, desde que para eles remeta expressamente, passando estes a fazer parte integrante do ato a fundamentar.
Trata-se de um dever com assento constitucional conforme resulta do n° 3 do Artigo 268° da CRP segundo o qual “os atos administrativos (...) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.”
Entende-se, portanto, por fundamentação a obrigação de enunciar expressamente os motivos e as razões de facto e de direito que levaram a Administração Pública a decidir daquela forma e não de outra, permitindo o perfeito esclarecimento do destinatário do ato, relativamente ao percurso cognoscitivo e valorativo seguido pela Administração Pública, permitindo-lhe optar entre a aceitação da sua legalidade ou pela reação contenciosa, administrativa ou judicial, contra o mesmo.
De acordo com o Artigo 125.° do CPA91, são requisitos do dever de fundamentação: i) a clareza, segundo a qual a fundamentação terá de ser inteligível e liberta de ambiguidades e obscuridades, tendo em conta a figura de um destinatário normal e razoável que na situação concreta compreenda as razões decisivas e justificativas da decisão; ii) a congruência, na medida em que os fundamentos apresentados relacionar-se entre si de forma lógica e racional; iii) a suficiência, que se tem por verificado quando a fundamentação se estenda a todos os elementos em relação aos quais o órgão decisor se pronunciou, para que consiga reconstituir o percurso lógico e jurídico do procedimento que terminou com a decisão final; iv) e, por fim, a contextualidade, segundo a qual a fundamentação dos atos deve ocorrer quando estes são praticados e como resultado dos elementos instrutórios que se vão recolhendo ao longo do procedimento, sob pena de se inverter a lógica de um procedimento de tomada de uma decisão administrativa.
Não obstante a Jurisprudência e Doutrina maioritária conotarem o dever de fundamentação, como um mero requisito formal do ato administrativo, que se cumpre desde que o destinatário do ato perceba o seu conteúdo, certo é que este vai muito mais além do que a mera externalização da motivação que subjaz à sua prática. Não sendo um requisito substantivo, de per si, não se concebe que o dever de fundamentação seja visto como mero requisito de forma, totalmente abstraído do conteúdo material do ato [Nesse sentido veja-se na Doutrina GOMES, JOSÉ OSVALDO, Fundamentação do Ato Administrativo, Coimbra Editora, 1981; DUARTE, DAVID, “A Fundamentação e a Linguagem: As Suas Funções Locutórias e as Medidas Normativas de Suficiência”, Anotação ao Acórdão do STA 7/11/2012, processo n° 40 073, in CJA n° 41 setembro/outubro 2003 e Procedimentalização, Participação e Fundamentação: Para uma Concretização do Princípio da Imparcialidade Administrativa como Parâmetro Decisório, Almedina; COLAÇO ANTUNES, LUÍS FILIPE, “A fundamentação do Ato e o Procedimento Administrativo. Centralidade ou Periferia da fundamentação”, in Revista do Ministério Público, Ano 20.°, janeiro-março, 1999, n.° 77].
A fundamentação é, portanto, uma forma de legitimação das decisões administrativas, o que importa um mínimo de conformidade do conteúdo decisório dos atos administrativos com a lei, desde logo, por respeito ao princípio da legalidade nos termos do Artigo 3.° do CPA. A lei pretende, e exige, um discurso claro e objectivo que não se baste com um mero enunciado genérico ou inconclusivo. Os próprios requisitos do dever de fundamentação, ainda que sejam qualificados de formais [posição que se respeita, mas que não lhe se acolhe], satisfazem objetivos puramente materiais, uma vez que se estabelece uma conexão inegável entre o discurso justificador e o conteúdo material do ato [DUARTE, DAVID, op. cit. "A Fundamentação...", pág. 44 e seguintes].
A Jurisprudência qualifica o dever de fundamentação de requisito meramente formal do ato administrativo [vide, entre outros, Acórdão do TACN de 26-02¬2015, p. 0048/11 e de 24-05-2012, p. 00731/09, ambos disponíveis em www.dgsi.pt]. Porém, entende-se, conforme o exposto, que o dever de fundamentação não se encontra totalmente abstraído do conteúdo material do ato [vide corrente substancialista defendida na Doutrina Italiana por SANTI ROMANO, Corso di Diritto Amministrativo, I, 1930, pág. 266 e seguintes e GIANNINI, Motivazione dell'atto amministrativo, in EdD, 1977, pág. 260 e seguintes e, entre a nossa Doutrina, por LUÍS FILIPE COLAÇO ANTUNES, Direito Administrativo de Garantia do Cidadão e da Administração - Tradição e Reforma, Almedina, pág.25 e JOSÉ OSVALDO GOMES, "Fundamentação..." pág. 53]. Na Jurisprudência minoritária dos Tribunais Superiores, ainda que não se tenha concluído pela materialidade do dever de fundamentação, concluiu-se, todavia, no Acórdão do TCAN de 11/01/2013, p. 01772/07.7BEPRT, que "I. A obrigação de fundamentar a decisão administrativa surge como concretização da obrigação geral de fundamentação dos atos administrativos, que, de forma expressa e acessível devem dar a conhecer aos respetivos destinatários os motivos por que se decide de determinado modo e não de outro; II. A fundamentação do ato não consubstancia apenas um dever da administração, é também um direito subjetivo do administrado a conhecer os fundamentos factuais e as razões legais que permitem à autoridade administrativa conformar-lhe negativamente a sua esfera jurídica; III. Fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram a entidade administrativa à prática do ato, é enunciar as premissas de facto e de direito nas quais a respetiva decisão administrativa assenta; IV. O dever/direito de fundamentação visa, além do mais, impor à Administração que pondere muito bem antes de decidir, e permitir ao administrado seguir o processo mental que conduziu à decisão, a fim de lhe poder esclarecidamente aderir, ou de lhe poder reagir através dos meios legais ao seu dispor; V. A obrigação de fundamentar constitui um importante sustentáculo da legalidade administrativa, e o direito à fundamentação constitui instrumento fundamental da garantia contenciosa, pois que é elemento indispensável na interpretação do ato administrativo;" [Acórdão do TCAN de 11/01/2013, p. 01772/07.7BEPRT, disponível em www.dgsi.pt.]
E mesmo que a lei permita, conforme resulta do n.° 1 do Artigo 125.° do CPA91, a fundamentação per relationem, esta, além de ter de cumprir com os requisitos já enunciados, deverá constar, ainda que de forma anexa, ao ato que pretende fundamentar, porquanto esta fará parte integrante do ato em questão.
Ora, conforme já se referiu supra, o Conselho de Disciplina na fase de julgamento delibera sobre o relatório que é apresentado pelo instrutor, pelo que sendo o mesmo aprovado por aquele órgão deliberativo, além do Acórdão, fará parte integrante da decisão o relatório apresentado pelo instrutor, do qual constam os factos provados no processo disciplinar.
Não se tratando de uma fundamentação per relationem propriamente dita, o Acórdão do Conselho de Disciplina apropria o relatório final [que fará parte integrante da decisão final], emitindo uma decisão final de aprovação [ou não] do relatório do instrutor, assim como, de aplicação [se for o caso] de sanção disciplinar ao arguido.
Ora, do teor do relatório - parte integrante da decisão impugnada - constam os factos imputados ao Autor [segmento dedicado à súmula da Acusação - fls. 33], assim como, os factos que foram considerados provados [segmento dedicado aos factos provados - fls. 35 e 36], pelo que não assiste razão ao Autor quando afirma que a decisão ora impugnada não se encontra fundamentada de facto.
A fundamentação da decisão impugnada é clara, dado que é inteligível e liberta de ambiguidades e obscuridades, sendo possível compreender as razões decisivas e justificativas da decisão [o Autor não respeitou recomendações da OCR, porquanto não cumpriu com as recomendações que lhe foram feitas em relatório de controlo de qualidade, assim como, não organizou um processo instruído de acordo com as normas de auditoria em vigor - especificando o relatório quais são as normas infringidas]; é congruente, na medida em que os fundamentos apresentados relacionar-se entre si de forma lógica e racional, não havendo contradições; é suficiente, dado que se estenda a todos os elementos em relação aos quais o órgão decisor se pronunciou, os quais já haviam sido, até, comunicados ao Autor em sede de controlo de qualidade [em momento pretérito à instauração do processo disciplinar] tendo o Autor tido a oportunidade de se pronunciar sobre os mesmos já nessa sede; e é contextual, dado que a fundamentação do mesmo não se deu em momento posterior ao da tomada de decisão, antes seguindo um processo lógico de decisão.
Assim, constata-se que a decisão ora impugnada não padece de um vício de fundamentação (…)”.

Espraiada a fundamentação vertida na decisão judicial recorrida, adiante-se que o assim considerado e decidido, desde logo, em matéria do suscitado vício de falta de fundamentação é de manter.

Com efeito, como é jurisprudência pacífica, um ato estará suficientemente fundamentado sempre que um destinatário normal, colocado perante o ato em causa, possa ficar ciente do sentido da decisão nele prolatada e das razões que a sustentam, permitindo-lhe optar conscientemente entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação.

Fazendo apelo a esta orientação jurisprudencial, é para nós absolutamente apodítico que o ato administrativo em crise identifica as razões de facto e direito que estão na base da decisão tomada, encontrando-se suficientemente fundamentado, estribando-se no Relatório final constante de fls. 32 a 38 dos autos [suporte físico].

De facto, a decisão ora sindicada tem na sua génese a aquisição procedimental de que o Autor, aqui Recorrente, ao não cumprir (i) com “(…) todas as recomendações decorrentes do controlo de qualidade realizado em 2008, não tendo, ainda, dado satisfação às seguintes: 1) Elaboração de memorando de planeamento (em observância do parágrafo 15 das Normas Técnicas de Revisão/Auditoria (NTRA) e da Ordem de Revisão/Auditoria (DRA) 300 Planeamento, designadamente nos seus parágrafos 3 e 9; 2) Avaliação formal dos riscos [como estabelece o parágrafo 15 das NTRA e a DRA 400 - Avaliação do Risco, designadamente nos seus parágrafos 2 e 9]; 3) Tratamento das imparidades dos clientes/idade dos saldos e revisão da cobertura dos seguros [atento o parágrafo 19 das NTRA e o estabelecido na DRA 510 - Prova de Revisão]; e 4) Conclusões por áreas de trabalho (atento o parágrafo 19 das NTRA e a DRA 230 - Papéis de Trabalho, designadamente nos seus parágrafos 10 e 11) (…)”, bem como (ii) ao não cumprir com “(…) o procedimento de organizar um processo instruído de acordo com as normas de auditoria em vigor, concretamente quanto a: 1) Evidência do trabalho que terá sido efectuado relativamente à avaliação dos riscos, incumprindo o parágrafo 15 das NTRA e os parágrafos 2 e 9 da ORA 400 - Avaliação do Risco; 2) Deficiências no planeamento de auditoria, incumprindo o parágrafo 15 das NTRA e os parágrafos 3 e 9 da ORA 300 - Planeamento; 3) Falta de evidências do trabalho efectuado, incumprindo o parágrafo 19 das NTRA e o estabelecido na DRA 510 - Prova de Revisão; 4) Não fundamentação das conclusões relevantes por áreas, que permitiram formular a sua opinião profissional, incumprindo o parágrafo 19 das NTRA e a ORA 230 - Papéis de Trabalho (…)”, transgrediu os “(…) deveres constantes dos artigos 62º, nº. 4 e 64º, nº.1, do EOROC, dos artigos 5º, nº.1 e 2 e 12º, nº. 5 do CEDP [que vigorou até 31.12.2001], a que correspondem os pontos 2.6.1. b), e e2.6.4 e 2.8.1 do atual CEOROC (…)”, incorrendo, por isso, em responsabilidade disciplinar “(…) nos termos do artigo 80º do EOROC e do artigo 2 do RD (…)” [cfr. fls. fls. 37 e seguintes do Relatório Final e Acórdão censurado nos autos a fls. 39 dos autos físicos].

Perante este quadro, um destinatário médio compreende razoavelmente o iter cognoscitivo-valorativo da R. na determinação da censurabilidade ético-disciplinar da sua conduta, que conduziu à proposta de aplicação da pena de multa graduada em € 6,000,00, acolhida no Acórdão proferido pelo Conselho Nacional de Disciplina.

O que, desde logo, obsta à verificação de um qualquer vício de falta de fundamentação.

Pelo que bem andou, neste particular conspecto, o Tribunal a quo ao decidir em conformidade com o que se vem de atravessar.

Idêntica conclusão, porém, já não é atingível no domínio do julgamento efectuado a propósito dos suscitados vícios de “violação da estrutura acusatória dos processos sancionatórios, do princípio da imparcialidade e da proibição da participação na decisão de titulares impedidos”, por se nos afigurar assistir razão ao Recorrente.

De facto, destaca-se, nesta problemática, o Acórdão produzido pelo Supremo Tribunal Administrativo, de 14.06.2015, no processo nº. 0443/05, que reza, na parte que interessa, o seguinte: “(…)
A Constituição consagra, no art. 32º/10, o direito de audiência e defesa a assegurar em “quaisquer processos sancionatórios”, incluindo-se nestes, seguramente, os processos disciplinares que são a sua espécie típica.
Ora, este direito fundamental de defesa postula um tratamento justo e imparcial do arguido. A imparcialidade do julgador é, sem sombra de dúvida, condição da eficácia da defesa do arguido, que ficará comprometida se aquele não agir com objetividade e isenção. O procedimento no qual se conforma o direito, para ser justo, não pode dispensar-se de regras que preservem o princípio da imparcialidade. Daí que as normas do CPP que regulam o impedimento do juiz em processo penal, votadas à salvaguarda do núcleo essencial do direito de audiência e defesa, arredando da decisão final o julgador que, pelo anterior contacto com o processo possa ter já uma convicção íntima que inquine a posição de objetividade que deve presidir à apreciação da prova e influencie negativamente a decisão a proferir, consubstanciem um verdadeiro princípio geral de direito e tenham vocação de aplicação genérica a todos os demais processos sancionatórios, sempre que estes não disponham de regras próprias que salvaguardem aqueles valores (cfr. acórdão STJ de 2003.09.24 – recº nº 3739).
No caso em apreciação, o processo disciplinar, de estrutura acusatória, está regulado no DL nº 452/99, de 05.11, sem que dele constem normas relativas a impedimentos. Esta imprevisão, sob pena de inconstitucionalidade, por atentar contra o direito fundamental de defesa, tem de interpretar-se como incompletude a carecer de integração e não como expressão de uma regulamentação completa e fechada, na qual não há lugar para as regras concretizadoras do princípio da imparcialidade. E, nesta matéria, sufraga-se o entendimento da sentença recorrida, segundo o qual a integração das lacunas, neste procedimento especial, deve fazer-se, por analogia, com apelo, sucessivamente e por ordem, ao direito processual disciplinar, às normas e princípios gerais da atividade administrativa, às normas e princípios do direito processual penal e, por último, ao direito processual civil, matriz de todo processo (cf., neste sentido, Luís Vasconcelos Abreu, in “Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: As Relações com o Processo Penal”, pp 84/85 e Leal Henriques in “ Procedimento Disciplinar”, 4ª ed., pág. 111).
Dito isto, é de toda a evidência que a estrutura acusatória do processo disciplinar (arts. 74º e 75º do DL nº 452/99, de 5.11), assente na separação entre a entidade que acusa e a entidade que decide é incompatível com a possibilidade de o instrutor/acusador ser, também julgador, ainda que por integração em órgão colegial. No caso concreto ocorreu, pois, uma incontornável violação do princípio geral da imparcialidade (art. 6º CPA), sendo a conduta ilegal, desde logo à luz do art. 44º/1/d) do CPA, norma concretizadora daquele princípio geral e aplicável por força das disposições combinadas dos arts.1º do DL nº 452/99, de 5.11 e 2º/b)5/7 do CPA, ou, se dúvidas houver a respeito, por violadora das normas dos arts. 39º/1/c) e 40º do CPP, a aplicar com as necessárias adaptações, as quais, para preservarem a imparcialidade, afastam do poder decisório a entidade que tenha acusado e/ou tenha sido instrutora do processo (…)”.

Posição que se acolheu no aresto deste Tribunal Administrativo Norte no aresto de 07.04.2017, tirado no processo nº. 2615/13.8BEPRT, que versou sobre questão de contornos idênticos: “(…)
Da inverificação da violação do princípio da imparcialidade
A este respeito entende a Recorrente no essencial, que não se verificará a imputada violação do principio da imparcialidade, na medida em que os art.ºs 63º nº 4 e nº 8 e 35º do RD e o art.º 83º nº 2 do EOROC estabelecem expressamente que o Instrutor seja um membro do Conselho Disciplinar e que este vote na deliberação punitiva.
Em qualquer caso, mostra-se que o sistema punitivo aplicado a esta Ordem se mostra anacrónico, suscetível de determinar a desaplicação dos referidos normativos por inconstitucionalidade.
Entende em qualquer caso a Ordem que o art.º 32.º da CRP sob a epígrafe “garantias do processo criminal” invocado no Acórdão recorrido só se aplicará ao processo criminal e que os impedimentos do instrutor do processo disciplinar estão expressamente previstos no art.º 48.º do RD.
Refira-se que o Artº 84º do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Revisores Oficiais de Contes refere expressamente que “em tudo o que não estiver previsto no presente Regulamento são aplicáveis, subsidiariamente e pela mencionada ordem, os princípios consignados nos:
a) Estatuto da Ordem e nos respetivos Regulamentos;
b) Código do Procedimento Administrativo;
c) Código Penal;
d) Código de Processo Penal.
Adianta ainda a Recorrente que o instrutor do processo disciplinar é apenas um dos 5 membros do Concelho Disciplinar, pelo que a sua posição não prevalecerá necessariamente.
Em qualquer caso, o que aqui está em causa é uma posição de princípio, sendo que o facto do instrutor ter assento no órgão disciplinar decisor certamente que tem a prerrogativa de influenciar a decisão final a proferir, sendo que, na prática tem, por assim dizer, voto de qualidade, perante a eventual divisão dos restantes quatro membros, desempatando a decisão.
Em bom rigor o instrutor vota a sua própria proposta.
O n.º 10 do artigo 32.º da CRP assegura expressamente que em todos os processos sancionatórios, “são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa”, pelo que a questão colocada não é despiciente, pois que o referido normativo constitucional equipara as garantias de qualquer processo sancionatório ao do processo criminal.
Como refere Eduardo Correia, já citado no segmento interlocutório, "(...) na medida em que as penas disciplinares são um mal infligido a um agente, devem (...) em tudo quanto não esteja expressamente regulado, aplicar-se os princípios que garantem e defendem o indivíduo contra todo o poder punitivo (...)".
Também, José Beleza dos Santos sustenta, citado no acórdão do TCAS nº 03645/08, de 02-10-2008, que "(...) As sanções disciplinares têm fins idênticos aos das penas crimes; são, por isso, verdadeiras penas: como elas reprovam e procuram prevenir faltas idênticas por parte de quem quer que seja obrigado a deveres disciplinares e essencialmente daquele que os violou. (...) aquelas sanções têm essencialmente em vista o interesse da função que defendem, e a sua atuação repressiva e preventiva condicionada pelo interesse dessa função, por aquilo que mais convenha ao seu desempenho atual ou futuro. (...) No que não seja essencialmente previsto na legislação disciplinar ou desviado pela estrutura específica do respetivo ilícito, há que aplicar a este e seus efeitos as normas do direito criminal comum. (...)” - José Beleza dos Santos, Ensaio sobre a introdução ao direito criminal, Atlântida Editora/968, págs.113 e 116.
É incongruente que o instrutor disciplinar, ao mesmo tempo que dirige o procedimento, analisa as provas e elabora o relatório final, no âmbito do qual propõe a aplicação de pena disciplinar, participe ainda na deliberação final que aplica definitivamente a pena.
Em face de tudo quanto se expendeu, não merece censura o entendimento adotado pelo tribunal a quo, segundo o qual, ao não ter sido respeitada a separação entre a entidade que acusa e a entidade que decide, foi violado o princípio da imparcialidade previsto nos artigos 266.º, n.º 2 da CRP (…)”.

Conforme emerge do assim transcrito, a intervenção do instrutor do processo disciplinar, na fase de defesa do arguido, que culmina com o relatório final, e, simultaneamente, na face decisória, configura uma violação do princípio geral da imparcialidade.

Ora, as razões da jurisprudência que se vem de transcrever valem, igualmente, para o processo disciplinar visado nos autos, que é regulado pelo Regulamento Disciplinar da Ordem dos ROC, pois também ele está sujeito às garantias de imparcialidade, atento o disposto no artigo 266º, nº.2 da CRP.

Posto isto, há que olhar para o caso concreto e indagar se, à luz do critério normativo adotado, há, ou não, lugar à violação das apontadas garantias de imparcialidade.

A resposta é, manifestamente, favorável às pretensões do Recorrente pelas razões que de seguida se indicam.

O probatório - mormente as suas alíneas a), b), e), f) e g) - mostra-nos que, no âmbito do processo disciplinar instaurado ao Autor, (i) foi nomeado como instrutor do processo o Dr. F.; (ii) que o mesmo Dr. F. elaborou o relatório final, no qual propôs a aplicação ao Autor de uma pena disciplinar de multa graduada em € 6,000,00; e ainda que (iii) o mesmo Dr. F. participou, como vogal do Conselho Disciplinar da Ré, no processo de tomada de decisão de aplicação de uma pena disciplinar de multa graduada em € 6,000,00 ao aqui Autor [cfr. alíneas a), b), e), f) e g)].

Ou seja, é inequívoco na afirmação que o instrutor do processo disciplinar interveio na fase de defesa do Autor, que culminou com o relatório final, e, simultaneamente, na face decisória, que desembocou na decisão punitiva posta em crise nos presentes autos.

Assente a realidade que antecede, assoma como evidente que não foi respeitada a separação entre a entidade que acusa e a entidade que decide, ocorrendo, por isso, e citando o citado Acórdão do S.T.A., inteiramente aplicável à situação dos autos, ressalvadas as particularidades do caso concreto, que não lhe retiram força persuasiva, uma “(…) incontornável violação do princípio geral da imparcialidade (art. 6º CPA) (…)”.

Deste modo, não tendo sido este o caminho trilhado na sentença recorrida, é mandatório concluir que esta não fez correta subsunção do tecido fáctico apurado nos autos ao bloco legal e jurisprudencial aplicável, sendo, por isso, merecedora da censura que o Recorrente lhe dirige.

Assim, impõe-se conceder provimento ao presente recurso, revogar a decisão recorrida por erro de julgamento na questão acima tratada, e julgar procedente a presente ação.
Assim se decidirá.
* *
IV – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso interposto, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a presente ação.
*
Custas pela Recorrida.
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Registe e Notifique-se.
* *
Porto, 19 de fevereiro de 2021,



Ricardo de Oliveira e Sousa
João Beato
Helena Ribeiro