Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00301/18.1BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/31/2018
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Mário Rebelo
Descritores:OMISSÃO DO DESPACHO A ORDENAR A SUSPENSÃO DA VENDA. RECLAMAÇÃO. CONVOLAÇÃO.
Sumário:
1. Se após dedução de embargos de terceiro a AT não ordenou a suspensão da execução quanto aos bens embargados e procedeu à sua venda o embargante poderá requerer anulação da venda com base nulidade processual prevista na alínea c) do art. 839º do CPC, por remissão da alínea c) do n.º 1 do art. 257º do CPPT.
2. Mas depois de vendidos os bens, a reclamação contra a omissão do despacho de suspensão é inviável.
3. Se for deduzida, poderá ser convolada em requerimento de anulação da venda, dirigido ao órgão periférico regional da administração fiscal, se verificados os respetivos requisitos. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MM... – Metalomecânica S.A.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a sentença recorrida
Ordenar a baixa dos autos
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

RECORRENTE: Exmo. Representante da Fazenda Pública
RECORRIDO: MM... – Metalomecânica S.A.
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pelo MMº juiz do TAF de Penafiel que julgou procedente a reclamação contra a decisão do órgão de execução fiscal de não suspender a venda após a dedução de embargos de terceiro.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
A. O Tribunal fixou como objeto da reclamação, a decisão oficiosa de prosseguimento da execução e de indeferimento da suspensão do processo de execução fiscal quanto aos bens penhorados objeto dos embargos de terceiro, consubstanciado na decisão de abertura das propostas de venda no leilão eletrónico e dos ulteriores termos do processo quanto aos mesmos.
B. A douta sentença determinou a anulação da decisão reclamada de prosseguimento da execução e de indeferimento da suspensão do processo de execução fiscal quanto aos bens penhorados objeto dos embargos de terceiro, consubstanciada na decisão de abertura das propostas de venda no leilão eletrónico e dos ulteriores termos do processo quanto aos mesmos por vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por violação do art° 172° do CPPT.
C. Do conspecto dos factos provados resulta que à data em que a reclamante solicitou à AT a "revogação do despacho que ordenou a prossecução da venda e a sua substituição por outro que determine a suspensão dos auto" - já tinham sido abertas as propostas e adjudicado bens aos respetivos licitantes.
D. Com efeito, a abertura de propostas e a adjudicação dos bens penhorados, ocorreram em 27-04-2018 e a reclamação foi apresentada posteriormente, em 30­04-2018.
E. Conforme se irá requerer que seja aditado ao probatório, a reclamante teve conhecimento da data marcada para abertura de propostas em 06-04-2018, pelo que a extemporaneidade do requerido não pode atribuir-se ao desconhecimento do ato.
F. Com a adjudicação dos bens penhorados, os interesses a proteger não serão apenas os interesses da administração tributária e os interesses da executada, ou ainda da aqui reclamante, mas também o direito daqueles que, estranhos àquela relação, adquiriram e pagaram os bens penhorados no processo de execução;
G. Assim a venda apenas poderá ser anulada nos precisos termos previstos no art° 257° do CPPT.
H. Ora, na data em que a Reclamante apresentou petição solicitando a revogação do despacho que ordenou a prossecução da venda dos bens e sua substituição por outro que determine a suspensão dos autos atenta a pendência dos embargos apresentados, a venda já tinha ocorrido.
I. Pelo que o Órgão de Execução Fiscal nunca poderia suspender a venda, quando muito ponderar a sua anulação sendo necessário, contudo, que tal procedimento tivesse sido requerido, nos termos do citado art° 257 do CPPT, designadamente, ouvidos os demais interessados na venda, isto é os adjudicatários dos bens já vendidos, tal como é exigência do n° 4 daquele preceito.
J. Pelos motivos supra expostos a Fazenda Pública não se conforma com a decisão do Tribunal de anular a decisão de abertura das propostas de venda no leilão eletrónico, afigurando-se que o Tribunal cometeu erro de julgamento de facto e de direito (por violação dos ares 257° do CPPT), ao determinar que o Órgão de Execução Fiscal, deveria ter revogado a decisão de venda, e suspendido o processo de execução fiscal, face a requerimento que apenas lhe foi apresentado após a venda.
Por fim:
K. Por se considerar relevante para a boa decisão da causa, requer-se a ampliação da matéria de facto de modo a que da mesma passe a constar: "O) A reclamante MM... METALOMECANICA S.A., NIPC 5…79, na petição inicial do processo de embargos de terceiro que apresentou em 24-04-2018 admitiu que teve conhecimento da data agendada para abertura de propostas e adjudicação de bens em 06­04-2018 - art° 8° da petição inicial dos embargos de terceiro a correr termos neste Tribunal sob o n° 283/18.0BEPNF, cuja junção aos autos foi determinada por despacho de 04-06­2018."
Termos em que deverá ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta Sentença recorrida com as devidas e legais consequências
*
CONTRA ALEGAÇÕES.
O recorrido contra alegou e concluiu:
1 - Veio o Recorrente apresentar recurso da sentença proferida que julgou procedente a reclamação e determinou a anulação da decisão reclamada.
2 — Porquanto, por um lado não se conforma o Recorrente com o objeto da reclamação definido pelo Tribunal a quo e ainda entende que a matéria assente deve ser objeto de ampliação.
3 - Contudo, soçobram in tottum tais alegações, devendo, por isso, manter-se inalterada a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo.
4 — Quanto à ampliação requerida carece a mesma de sentido legal e factual porquanto a data do conhecimento da venda é irrelevante para apuramento da tempestividade da reclamação.
5 —A decisão reclamada, conforme bem decidido pelo Tribunal a quo, refere-se ao despacho de prosseguimento da venda face à pendencia dos embargos de terceiro.
6 — Sendo que, tal decisão é manifestamente violadora do disposto no artigo 172.° do CPPT.
7 — Pelo que, nenhum reparo — factual ou legal — merece a decisão recorrida.
Termos em que, julgando improcedente o recurso apresentado pela Fazenda Nacional e, consequentemente, mantendo a decisão recorrida, farão V/Exas. a desejada e costumada JUSTIÇA!
*
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.
*
II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento de facto e de direito ao julgar procedente a reclamação deduzida contra o acto de prosseguimento da execução fiscal, após dedução de embargos de terceiro.
*
III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:
A) O Serviço de Finanças de A... instaurou contra a CA — Estruturas Metálicas, SA, pessoa coletiva n.° 5…77, abreviadamente designada executada, o processo de execução fiscal n.° 1759201301053167 e apensos, para execução de dívidas de IRS, IVA, IMI, IUC e coimas, no montante global de €317.695,17 (ris. 50).
B) Anteriormente a CA — Estruturas Metálicas, SA, era denominada MM... —Segurança Rodoviária, SA (fls. 34 a 41 verso).
C) Em 28/11/2014 e 09/02/2015 foram penhorados à executada diversos bens oferecidos por si como garantia para suspensão do processo de execução fiscal, na sequência do pedido de pagamento em prestações da dívida exequenda, tendo sido nomeado fiel depositário CCDB, contribuinte fiscal n.° 1…19 (fls. 21 a 50).
D) Por incumprimento do plano prestacional foi marcada por despacho de 09/03/2018, a venda judicial dos bens penhorados, na modalidade de leilão eletrónico, a terminar em 27/04/2018
(fls. 21 a 50).
E) A executada e o fiel depositário foram notificados deste despacho por carta registada com aviso de receção recebidas em 19/03/2018 (fls. 30 a 32).
F) Em 24/04/2018, a reclamante (MM... — Metalomecânica, SA, pessoa coletiva n.° 5…79) deduziu embargos de terceiro por apenso ao processo de execução fiscal n.° 1759201301053167 e apensos em relação aos bens penhorados nesse processo de execução fiscal em 28/11/2014 e 09/02/2015 e em que se discute a sua posse (fls. 21 a 50 dos autos e 215 a 297 do SITAF).
G) Os embargos de terceiro foram remetidos a este tribunal em 30/04/2018 (fls. 21 a 50 e 215 a 297 do SITAF).
H) Em 27/04/2018 procedeu-se à abertura das propostas e adjudicação dos bens penhorados no processo de execução fiscal (fls. 21 a50, 79 e 80).
I) Em 27/04/2018 forma adjudicados três dos bens penhorados (fls. 79 a 80).
J) Um dos bens penhorados foi adjudicado à MES, SA, pessoa coletiva n.° 5…50, sociedade comercial constituída em 23/03/2018, de que é presidente do conselho de administração MGOC (fls. 81 a 82 verso).
K) MGOC é presidente do conselho de administração da reclamante desde 23/06/2017 (fls. 70 a 78 verso).
L) Até 09/05/2015 não foi depositado o valor das vendas / adjudicações efetuadas (fls. 21 a 50,
79 e 80)
M) CCDB fiel depositário dos bens penhorados e presidente do conselho de administração da executada, foi presidente do conselho de administração da reclamante até 31/05/2017, data em renunciou ao cargo, tendo a renuncia sido registada em 16/10/2017 (fls. 21 a 50 e 61 a 78 verso).
N) A petição inicial da reclamação foi apresentada em 30/04/2018 (fls. 2 a 20 e 50).
3.1.2 — Inexiste matéria de facto julgada não provada com relevância para a decisão da causa.
3.1.3 — Motivação.
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, na parte em que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.° da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos (arts. 76.°, n.° 1, da LGT e 362.° e seguintes do Código Civil (CC)) identificados em cada um dos factos.
Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito ou por não terem relevância para a decisão da causa.
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IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Em 24 de abril de 2018 a ora Reclamante deu entrada no Serviço de Finanças de A... do incidente de embargos de terceiro contra a ofensa da posse relativa a vários equipamentos industriais penhorados nos autos, cuja venda estava agendada para o dia 27 de abril de 2018, pelas 10 horas e em relação à qual expressamente pediu a suspensão.
Não obstante a dedução dos embargos de terceiro, e o pedido expressamente formulado de suspensão, a AT procedeu à venda no dia 27 de abril de 2018, pelas 10horas.
A Reclamante alega que a venda tornará irremediavelmente afetado o direito da Requerente que verá a sua indústria totalmente paralisada, atenta a essencialidade do equipamento o qual constitui o “cérebro” da linha de produção onde laboram cerca de 100 trabalhadores.
Acresce que a posse alegada pela Requerente em sede de embargos era do conhecimento do Serviço de Finanças.
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O Exmo. Representante da Fazenda Pública contestou, dizendo em síntese o seguinte:
No Serviço de Finanças de A..., foi instaurado em 11/10/2013 o processo de execução fiscal n.º 1759201301053167 contra a sociedade “MM... – Segurança Rodoviária. S.A” que com a alteração do pacto social levado a registo em 6/10/2015 passou a denominar-se CA – Estruturas Metálicas S.A.
Pelo menos até 14/10/2016 a executada vincula-se pela assinatura da respetiva administração cujo quadro é constituído por CCDB (Presidente) e ACHDB (Vice Presidente).
Citada para pagamento, a executada apresentou em 21/10/2014 pedido de pagamento em prestações assinado pelo administrador Sr. CCDB e ofereceu em garantia para suspensão do processo de execução fiscal, o “centro de corte e furação – KBS – refª 3EQB32530” que indicou encontrar-se nas instalações da executada (MM...).
O bem foi penhorado em 1/12/2014 e nomeado fiel depositário do mesmo o Sr. CCDB.
Em 5/2/2015 fora ainda oferecidos à penhora uma cabine de pintura, linha de corte e perfilagem e linha de corte de rolos de chapa, com indicação de que se encontravam nas instalações da executada “MM... Segurança Rodoviária. S.A”, os quais foram penhorados em 9/2/2015 e entregues ao fiel depositário Sr. CCDB.
Tendo deixado de cumprir o plano de pagamento em prestações, o OEF designou data para venda dos bens penhorados tendo a executada sido notificada do despacho de marcação da venda em 19/3/2018, e na mesma data foi também notificado o fiel depositário dos bens penhorados.
O Sr. CCDB também figura no Registo Comercial como administrador da aqui Reclamante até 16/10/2017, data em que foi registada a cessação de funções reportada a 31/5/2017, por renúncia.
Em 24 de abril de 2018 deu entrada no Serviço de Finanças de A... requerimento de embargos de terceiro apresentado por “MM...- Metalomecânica S.A.”, ao qual eram juntos dois contratos de sublocação imobiliária com as datas de 5/2/2015 e 20/6/2017. O primeiro deles, assinado por CCDB como representante legal das duas intervenientes (em 5/2/2015 o Sr. CC mantinha-se fiel depositário dos bens penhorados).
Em 27 de abril de 2018 foram abertas as propostas de venda tendo sido adjudicados pelo menos três dos bens penhorados. Um os compradores foi a sociedade MES S.A., sendo presidente do CA o Sr. MGOC, que é o actual administrador da Reclamante, na sequência da renúncia ao cargo pelo Sr. CCDB.
Na data em que foi apresentada a presente Reclamação (30/4/2018) já haviam sido recebidas propostas e adjudicados os bens penhorados em 27/4/2018, pelo que o pedido da autora é impossível.
Para ser considerado o pedido de suspensão dos autos e da revogação do despacho de 9/3/2018 que designou data para abertura das propostas e adjudicação, deveria a presente reclamação ter sido apresentada antes da referida adjudicação e não depois desta.
Terminou pedindo que “...atenta a impossibilidade originaria da lide, deverá a presente reclamação ser extinta com as necessárias e legais consequências”
O MMº juiz proferiu sentença equacionando e “definindo” previamente o objecto do processo, uma vez que a Reclamante embora invoque a decisão reclamada e peça a sua revogação, não a identificou concretamente nem juntou qualquer decisão. Confrontando as alegações, as informações do órgão de execução fiscal e da contestação, concluiu o MMº juiz que a decisão reclamada é a decisão que determinou o prosseguimento do processo de execução fiscal quanto aos bens penhorados objecto de embargos de terceiro, consubstanciada na decisão de abertura das propostas do leilão eletrónico e adjudicação dos bens realizada em 27/4/2018.
Embora a decisão reclamada tenha sido equacionada como o despacho que ordenou a prossecução da venda, na verdade, não houve qualquer decisão do órgão de execução fiscal a ordenar a prossecução da venda. O que houve foi uma omissão do dever de suspender a execução fiscal após a dedução de embargos de terceiro (quanto aos bens embargados).
Ou seja, a Reclamante configura a questão como se após a apresentação da petição de embargos o órgão de execução fiscal tivesse ordenado a prossecução da venda, quando o que aconteceu foi que o órgão de execução fiscal omitiu o despacho de suspensão e com isso manteve a venda já agendada.
Todavia, definindo-se assim o objecto do processo, o MMº juiz determinou a anulação da “decisão” reclamada de prosseguimento da execução e de indeferimento da suspensão do processo de execução fiscal 1)
A Autoridade Tributária não se conforma e daí o presente recurso, sustentando que a sentença errou no julgamento de facto e de direito. No julgamento de facto, defende dever ser acrescentado aos factos provados que a Reclamante admitiu no art.º 8º da petição de embargos que teve conhecimento da data agendada para abertura de propostas e adjudicação e bens em 06/4/2018, pelo que a extemporaneidade do requerido não pode atribuir-se ao desconhecimento do acto.
Com a alusão à “extemporaneidade do requerido”, pretende demonstrar que a presente reclamação é tardia, uma vez que foi deduzida depois de realizada a venda, mas podia ter sido feita antes, pelo menos desde 6/4/2018.
Todavia, o aditamento deste facto não tem qualquer relevo para a discussão aqui em causa.
O que cuidamos não é saber a data em que a Reclamante teve conhecimento da data da venda (o que poderia relevar para a tempestividade dos embargos de terceiro – cfr. art.º 237º/3 do CPPT), mas sim o acto que a AT, mais concretamente o órgão de execução fiscal, deveria ter praticado e não praticou – suspensão da execução quanto aos bens embargados, nos termos do art.º 172º do CPPT.
Ora tendo deduzido embargos de terceiro, com as inerentes e legais consequências na tramitação da execução fiscal, a Reclamante nada contribuiu para a ilegalidade da AT, pelo que não tem qualquer pertinência, neste caso, o aditamento à matéria de facto da data em que a Reclamante teve conhecimento da projetada venda dos bens penhorados.
E quanto ao erro de direito, sustenta o Exmo. Representante da Fazenda Pública que à data em que a Reclamante solicitou à AT a revogação do despacho que ordenou a prossecução da venda e a sua substituição por outro que determine a suspensão dos autos já tinham sido abertas as propostas e adjudicação dos bens aos respetivos licitantes (Conclusão C).
Portanto, a suspensão da venda não era possível porque já tinha sido realizada (Conclusões H e I).
A Reclamante teve conhecimento da data marcada para abertura de propostas em 6/4/2018, pelo que a extemporaneidade do requerido não pode atribuir-se a desconhecimento do acto (Conclusão E);
Com a adjudicação dos bens penhorados, os interesses a proteger não serão apenas os interesses da AT e da executada, mas também os dos adquirentes dos bens (Conclusão F).
Assim, a venda apenas poderá ser anulada nos termos do art. 257º do CPPT (Conclusão G).
Vejamos então.
Os embargos de terceiro são deduzidos por quem, não sendo parte na causa, seja titular de posse ou de qualquer direito incompatível com a realização ou o âmbito de ato ou diligência judicialmente ordenada, de apreensão ou entrega de bens.
Não contendo o CPPT qualquer definição privativa ou própria do processo de execução fiscal para o conceito de “terceiro”, há que recorrer às normas (subsidiárias) do CPC relativas aos embargos de terceiro, nomeadamente ao disposto nos actuais arts. 342º e 343º do novo CPC (e art.º 350º para os embargos de terceiro com função preventiva) onde se definem terceiros, para efeitos de embargos, como aqueles que não são partes na causa e onde também se referencia o cônjuge que tenha a posição de terceiro.
O incidente de embargos de terceiro, dirigido ao tribunal, é apresentado no órgão de execução fiscal (Art.º 237º/2 CPPT), no prazo de 30 dias contados desde o dia em que foi praticado o acto ofensivo da posse ou direito, ou daquele em que o embargante teve conhecimento da ofensa, mas nunca depois de os bens terem sido vendidos (Art.º 237º/3 CPPT) 2)
E de acordo com o art.º 172º do CPPT a ação judicial que tenha por objecto a propriedade ou posse dos bens penhorados suspende a execução quanto a esses bens (sem prejuízo de continuar noutros bens) precisamente para evitar que a venda judicial efectuada em execução fique sem efeito, por a coisa vendida não pertencer ao executado e for reivindicada pelo dono (cfr. art.º 839º/1-d) CPC).
Assim, como bem salientou o MMº juiz, “...o órgão de execução fiscal não pode deixar de suspender, mesmo oficiosamente, o processo de execução fiscal quanto aos bens penhorados em relação aos quais tenham sido apresentados embargos de terceiro que tenham por objecto a sua propriedade ou posse”.
Porém, não obstante a apresentação dos embargos no Serviço de Finanças em 24/4/2018 o órgão de execução fiscal não suspendeu a execução e procedeu à venda dos bens embargados em 27/4/2018, incumprindo assim o disposto no art. 172º do CPPT.
O processo de execução fiscal tem natureza judicial (art.º 103º/1 LGT).
E embora o órgão de execução fiscal possa praticar no mesmo actos materialmente administrativos, o cumprimento do art. 172º do CPPT não pertence a essa categoria de actos, configurando antes um acto de natureza judicial 3)
Ora, a prática de um acto judicial que a lei não admita bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa (art.º 195º/1 do CPC, "ex vi" do art.º 2º e) do CPPT).
A omissão do despacho a ordenar a suspensão da execução quanto aos bens embargados e consequente prossecução para venda, constitui uma irregularidade que influi na decisão da causa - conduziu à venda dos bens penhorados.
Por conseguinte, tal omissão com as consequências descritas e em circunstâncias normais, implicaria a anulação dos termos subsequentes do processo que dela dependem absolutamente, nos termos do art.º 195º/2 do CPC.
Contudo, não podemos perder de vista o facto de nesta altura a venda já ter sido ordenada e realizada. Para além disso, sabemos que com o cumprimento do art.º 172º do CPPT o que o embargante pretendia era a suspensão da venda.
Do mesmo modo, com a Reclamação deduzida em tribunal, o que o Reclamante pretende é apenas que a venda não se “concretize”. Mas como já foi efetuada, pretende com a reclamação e com a ilegalidade cometida, que se anulem todos os actos posteriores nos termos do art. 195º do CPC. Incluindo a venda.
Ou seja, embora não o diga, o que o Reclamante/Recorrido continua a pretender é a anulação da venda.
Mas a anulação da venda com base em nulidade processual encontra-se prevista na alínea c) do art. 839º do CPC, por remissão da alínea c) do n.º 1 do art. 257º do CPPT.
Ora, como salienta Jorge Lopes de Sousa 4), “...no processo de execução fiscal, nestas situações de anulação derivada e nulidades processuais, a possibilidade de requerer a anulação da venda não depende de prévia arguição de nulidade de qualquer acto processual, efectuada nos ternos do art. 205º do CPC, que estabelece o regime geral deste tipo de nulidades, pois a alínea c) do n.º 1 do art. 257º do CPPT, por remissão para o art. 909º do CPC, estabelece um prazo especial de 15 dias para requerer a anulação das vendas com fundamento em nulidades processuais.”
Em situação idêntica, mas à luz do CPT, cfr. o ac. do STA n.º 023728 de 22-03-2000 Relator: BAETA DE QUEIRÓZ ; Sumário: I - Aquele que, por ter intentado acção cujo objecto é a posse ou propriedade do bem penhorado, requer a suspensão da execução fiscal quanto a esse bem e vê o seu pedido recusado por despacho do chefe da repartição de finanças, pode recorrer desse despacho, nos termos do artigo 355º do Código de Processo Tributário.
II - Subindo o recurso a tribunal já depois de consumada a venda do referido bem, é inútil o prosseguimento da lide, pois a pretensão do recorrente não mais pode ser satisfeita.
De resto, depois de apresentados os embargos de terceiro, o único acto lesivo que se praticou na execução foi a realização da venda, porque os autos não documentam qualquer outro com essa capacidade ofensiva.
Ora, também por esta razão, sendo este o único acto lesivo que o Reclamante pretende ver reparado, deveria ter agido em conformidade e pedido a anulação da venda, nos termos do art.º 257º do CPPT em requerimento dirigido ao órgão periférico regional da administração fiscal (art.º 257º/4 CPPT) nos prazos previstos no n.º 1 do mesmo preceito, com eventual reclamação para o tribunal nos teros do art. 257º/7 do CPPT.
Assim, não o tendo feito, podemos concluir que a presente reclamação enferma de erro na forma de processo, suscetível de convolação nos termos do art.º 98/4 do CPPT e 97º/3 LGT.
O dever de convolação depende da adequação do pedido para onde se convola ação, da tempestividade e da inexistência de pendência de meio processual adequado.
Com efeito, é perante o pedido ou conjunto de pedidos formulados pelo interessado que se afere a adequação das formas de processo e consequentemente, a existência de erro na forma de processo.
A Reclamante não formula expressamente na petição inicial o pedido de anulação da venda, pedindo apenas revogação da decisão reclamada.
Contudo, esta questão não altera a substância das coisas. Pelo que consideramos que o pedido contem, pelo menos de forma implícita, o pedido de anulação da venda.
No que respeita à tempestividade, admitindo que a Reclamante formula o pedido de anulação da venda com base no disposto na alínea c) do art.º 839º do CPC, deverá ser formulado no prazo de 15 dias após a data da venda (ou da data em que o requerente tomar conhecimento do facto que servir de fundamento à anulação), nos termos do art.º 257º/1-c) e n.º 2 do mesmo preceito.
A venda foi realizada em 27/4/2018 e a petição inicial foi apresentada em 30/4/2018.
Portanto, também quanto ao prazo nada obsta à convolação.
E tão pouco há notícia de que tenha sido formulado algum pedido de anulação da venda por parte da Reclamante/Recorrida.
Assim sendo, e dada a inexistência de qualquer outro obstáculo à convolação, a sentença deverá ser revogada e na ausência de outros impedimentos, é de ordenar, que se convole a petição de reclamação em requerimento de arguição de anulação da venda, nos termos dos arts. 97.º/3 da LGT, e 98.º/4, do CPPT
***
V DECISÃO.
Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a convolação da petição inicial em requerimento de anulação da venda, dirigido ao órgão periférico regional da administração fiscal.
Custas pelo Reclamante, em primeira instância.
Porto, 31 de outubro de 2018.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina da Nova
Ass. Bárbara Tavares Teles
-*-
1) Esta questão levantaria um outro problema que é saber se dos actos omissivos do órgão de execução fiscal é possível reclamar diretamente para o tribunal, ou deverá antes fazer a respetiva arguição para o OEF e só então, perante decisão desfavorável, reclamar para o tribunal. Considerando o que infra se decide acerca do erro na forma de processo, não curamos desta questão. Em todo o caso, cfr. a anotação de Jorge Lopes de Sousa in "Código de Procedimento e de Processo Tributário", vol. IV pp. 271.

2) Se os embargos tiverem função preventiva, cfr. o Ac. do STA n.º 01279/15 de 26-10-2016
Relator: FRANCISCO ROTHES
Sumário: I - O prazo para a dedução de embargos de terceiro, de «30 dias contados desde o dia em que foi praticado o acto ofensivo da posse ou direito ou daquele em que o embargante teve conhecimento da ofensa» (art. 237.º, n.º 3 do CPPT), não se aplica (nem faria sentido algum que se aplicasse) aos embargos de terceiro com função preventiva, uma vez que o art. 350.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do art. 167.º do CPPT, estabelece um outro prazo para deduzir estes embargos: «antes de realizada, mas depois de ordenada, a diligência a que se refere o artigo 342.º».
II - Apesar de os embargos de terceiro com função preventiva poderem ser deduzidos no período entre o despacho que ordenou alguma das diligências previstas no n.º 1 do art. 342.º do CPC e a sua realização, nunca o poderão ser depois dos atinentes bens serem vendidos na execução fiscal (cfr. art. 237.º, n.º 3, do CPPT).

3) Cfr. Ac do STA n.º 0312/18 de 11-04-2018- Relator: FRANCISCO ROTHES

4) in "Código de Procedimento e de Processo Tributário", 2011 vol. IV, pp. 183.

5) Cfr. Ac. do STA n.º 01508/14 de 16-12-2015 - Relator: FRANCISCO ROTHES
Sumário: I - A ilegalidade da liquidação de IVA por erro na determinação do sujeito passivo (violação das normas de incidência subjectiva) não pode erigir-se em fundamento da oposição à execução fiscal onde está a ser cobrada coercivamente a dívida resultante desse acto, não sendo subsumível a nenhuma das alíneas do rol taxativo do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, antes devendo a sua discussão judicial ser efectuada através do processo de impugnação judicial regulado nos arts. 99.º e segs. do CPPT.
II - Na interpretação das peças processuais devem observar-se os critérios impostos pelos princípios do moderno processo e bem assim pelo princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, pelo que o tribunal deve extrair da redacção dada ao pedido na petição inicial o sentido mais favorável aos interesses do peticionante, estabelecendo, ainda que com recurso à figura do pedido implícito, qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica.

6)Ac. do STA n.º 01271/13 de 04-03-2015 Relator: FRANCISCO ROTHES
Sumário: II - Invocada a nulidade da citação em processo de oposição à execução fiscal, há que ponderar se é possível a convolação da petição inicial em requerimento dirigido à execução fiscal (cf. art. 97.º, n.º 3, da LGT e art. 98.º, n.º 4, do CPPT), possibilidade a que não obsta o facto de o pedido formulado ter sido o de anulação do despacho de reversão, se o mesmo puder ser interpretado como de declaração de nulidade da citação, sendo que este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a adoptar uma posição de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face da concreta causa de pedir invocada, se possa intuir que a verdadeira pretensão de tutela jurídica é diversa da formulada.
III - Se a tal nada mais obstar, assumindo a referida interpretação do pedido e, assim, concluindo pela verificação do erro na forma do processo, deverá a petição inicial ser convolada em requerimento dirigido à execução fiscal.