Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00085/14.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/18/2014
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Mário Manuel Feliciano Rebelo
Descritores:RECLAMAÇÃO.
NOTIFICAÇÃO DE CONTRA INTERESSADOS.
NULIDADE.
Sumário:1. Na reclamação contra o indeferimento (tácito) do pedido de anulação da venda devem ser demandados os respetivos contra interessados.
2. São contra interessados aqueles a quem a procedência do pedido possa prejudicar.
3. A identificação dos contra interessados é um ónus do reclamante, sem prejuízo do convite ao aperfeiçoamento do articulado.
4. A falta de notificação dos contra interessados para responder é uma omissão que pode influir decisivamente no exame de cisão da causa, geradora de nulidade do processado posterior à petição inicial (art.º 195º/1, 2 do CPC).*

* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Banco...
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Determinada a anulação do processado posterior à Petição Inicial, com exceção da resposta apresentada pelo RFP.
Ordenada a devolução dos autos à 1ª Instância
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

Banco…, SA, inconformado com a sentença proferida no TAF do Porto que julgou improcedente o pedido de anulação da venda dela recorreu formulando alegações e concluindo como segue:

1) Para prova dos factos alegados na reclamação, o banco reclamante arrolou uma testemunha que, não foi ouvida nos presentes autos, sem que o recorrente tenha sido notificado de qualquer despacho indeferimento da requerida prova testemunhal.

2) Na decisão sobre a matéria de facto o Tribunal a quo ignorou factos alegados pelo banco recorrente em sede de reclamação que revestem grande relevância para a decisão.

3) Na verdade, matéria vertida nas al. c), d), e), g), i e l), alegada nos arts 3º a 7º e 14º a 16º da reclamação não pode ser considerada irrelevante para a decisão da presente causa.

4) Nos termos do nº 2 do art. 123º do CPPT, na sentença o juiz descriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.

5) Ao não pronunciar-se sobre os factos alegados pelo recorrente na reclamação apresentada, o Juiz a quo não deu cumprimento á imposição prevista no nº 2 do art. 123º do CPPT o que constitui, por si só, uma nulidade de sentença, enquadrável nº1 do art 125º do CPPT, na parte em que se refere à não especificação dos fundamentos de facto da decisão.

6) A citação prevista no art. 239º do CPPT tem em vista permitir ao credor com garantia real, além de reclamar os créditos respetivos, acompanhar a licitação para poder providenciar que não ocorra uma degradação do preço da venda.

7) Nos termos do nº 2 art. 248º do CPPT a venda é realizada por leilão eletrónico que decorre durante 15 dias.

8) O leilão designado para o dia 13 de Março apenas esteve publicitado e disponível para apresentação de licitações entre os dias 28.02 e o dia 8.03, ou seja durante 7 dias.

9) O reclamante desconhecia completamente que a execução havia prosseguido, com a designação de nova data para decisão de adjudicação, uma vez que nunca foi notificado nem dos termos/fundamentos da suspensão, nem do subsequente prosseguimento da execução.

10) Assim sendo, a execução não podia ter prosseguido para nova venda sem que os credores com garantia real fossem notificados da existência de novo prazo para licitação e marcação de nova data para a adjudicação.

11) Ora, nos termos do art. 201º do C.P.C. aplicável ex vi art. 909º do C.P.C. e art 257º do C.P.P.T. a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreva produzem nulidade quando a irregularidade cometida possa influir na decisão da causa.

12) O não cumprimento das formalidades prescritas na lei, nomeadamente quanto à publicidade da venda e notificação da data designada para a decisão de adjudicação no âmbito do leilão electrónico, impediu o credor hipotecário (e outros eventuais interessados) de apresentar uma proposta de aquisição, evitando a degradação do preço da venda.

13) O nº4 do art. 886º-A do CPC (actual art. 812º), em que se prevê a notificação da decisão sobre a venda prevista nos seus nºs 1 e 2 aos credores reclamantes de créditos com garantias reais sobre os bens a vender é subsidiariamente aplicável ao processo de execução fiscal.

14) A omissão da notificação desse despacho ao credor com garantia real sobre o bem penhorado (como é o caso em apreço - Hipoteca a favor do Banco), constitui nulidade processual que justifica a anulação da venda, nos termos dos artigos 201º-1 e 909º-e), do CPC (actuais artºs 195º e 839º) aplicáveis "ex vi" alínea c) do nº 1 do art. 257º do CPPT.

15) Tem sido essa a decisão uniforme do Supremo Tribunal Administrativo - v. Acórdãos Proc. Nº 01961/13 de 29.01.2014, Proc. nº 0431/09; de 22/04/2009, Proc. nº0146/09; de 02/04/2009, Proc. nº 0805/08; de 14/07/2008, Proc. nº 0222/08; de 30/04/2008, Proc. nº 0117/08; de 23/04/2008, Proc. nº 02227/08.

16) Também o Tribunal Constitucional no seu Acordão nº 166/2010 - DR de 28/05/2010 - decidiu julgar inconstitucional a norma do artº 252º-3 do CPPT quando interpretada no sentido de dispensar a audição dos credores providos com garantia real na fase da venda por negociação particular.

17) Ainda que assim não fosse, resulta do nº1 do art. 3º da Portaria nº 219/2011, de 01.Junho que a DGCI, além do mais, deve disponibilizar a todos os interessados, a consulta dos anúncios relativos à evolução do leilão relativo à venda dos bens penhorados em execução fiscal.

18) Os anúncios relativos à evolução do leilão, hão-de caber naturalmente, os relativos à suspensão do procedimento de venda e termos subsequentes, designadamente, à retoma do prazo de apresentação das propostas e o seu termo final.

19) Ora, no caso em apreço, o reclamante teve conhecimento da suspensão do procedimento de venda por contacto telefónico com o SF, depois de ter constatado que a venda já não estava publicitada no Portal das Finanças.

20) Posteriormente, por consulta ao processo junto do Serviço de Finanças, o reclamante tomou conhecimento que a venda do imóvel havia tido lugar no passado dia 30 de Março, sem que tenha sido notificado do prosseguimento da execução, reativação do leilão eletrónico ou da nova data designada para a decisão de adjudicação.

21) Pelo que, diferentemente do decidido na sentença recorrida a omissão da notificação de prosseguimento da execução e da data designada para a venda é geradora na nulidade processual do art. 201º do CPC, pelo que a reclamação apresentada pelo credor hipotecário deveria ter sido julgada procedente.

NESTES TERMOS, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V.EXª, DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, ANULADA/REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.

CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
A Exma. PGA junto deste TCAN emitiu esclarecido parecer concluindo dever ser declarada a nulidade por falta de notificação prevista no art.º 187º do CPC, anulando-se o processado ulterior à apresentação da PI e ordenada a baixa dos autos à 1ª instância para aí prosseguirem como incidente de anulação da venda.

DISPENSA DE VISTOS.
Com dispensa de vistos, atenta a natureza urgente do processo (cfr. artigo 675º/4 CPC e artigo 278º/5 do CPPT), o mesmo é submetido à Secção do Contencioso Tributário para julgamento do recurso.


II QUESTÕES A APRECIAR.
As questões que se impõe apreciar neste recurso, delimitadas pelas conclusões formuladas, conforme dispõem os artºs 635º/4 e 639º CPC «ex vi» do artº 281º CPPT, são as seguintes: nulidade da sentença por omissão de pronúncia, erro de julgamento, por se dispensar o cumprimento de formalidades prescritas que influem na decisão da causa.

Porém, tendo em conta o douto parecer emitido pelo Exmo. PGA neste TCAN, a apreciação da nulidade invocada tem precedência sobre todas as restantes e o seu provimento torna inútil a apreciação do recurso.

III a) FUNDAMENTOS DE FACTO.

A sentença fixou os seguintes factos provados:
(i) No sf da Maia, foi instaurada execução Fiscal n.° 1805200901181092 e apensos, contra D…, por dívidas de IMT de 2005 e de IRS de 2005 e 2006. cfr. teor de fls. 42.
(ii) Nessa execução fiscal n.° 1805200901181092 e apensos. foi penhorado em 21/9/2010 o prédio urbano, inscrito na matriz de Lanhelas. com o art. .... cf. teor de fls. 42.
(iii) O leilão electrónico foi marcado para o dia 15/3/2013. ás 10 horas. teor de fls. 4 e de fls. 28.
(iv) O reclamante, na qualidade de credor com garantia real foi citado em 28/1/2013, para a reclamação dos seus créditos, e foi notificado data da venda designada para o dia 13/3/2013, cf teor de fls. 45, teor do oficio 975 e teor de fls. 5 e 6 e de fls. 27.
(v) Foi, em 8/3/2013, suspensa a venda, por pagamento da importância de 20% do valor da execução, teor de fls.31.
(vi) O prédio foi adjudicado em 30/3/2013, à sociedade M..., pelo valor de € 32.000,000, cfr. teor de fls. 43 e fls. 9.
(vii) A nulidade da venda foi pedida em 4/6/2013, teor de fls. 10.
(viii) A reclamação foi intentada no dia 10/09/2013, teor de fls. 17.



III b) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Síntese preliminar dos autos.

B.., SA na qualidade de credor hipotecário, requereu a declaração de nulidade da venda com fundamento no seguinte: o requerente é titular de hipoteca sobre o imóvel registado na CRP sob o n.º 484/Lamelas inscrito na matriz sob o art.º 506.
Foi citado no cumprimento do disposto no art.º 239º CPC e notificado de que a venda seria realizada no dia 15 de Março.
A venda no entanto foi suspensa, após o que prosseguiu sem que o requerente tenha sido notificado da reativação do leilão eletrónico ou da nova data designada para a decisão de adjudicação.
Por outro lado, o leilão não decorreu pelo período de 15 dias, como exige o art.º 248º do CPPT.
Factos que impediram o credor hipotecário de apresentar uma proposta de aquisição.

Termina pedindo «seja reconhecida a falta de notificação ao credor hipotecário da nova data para venda/adjudicação nos presentes autos e consequentemente ordenada a anulação de todo o processado posteriormente a essa omissão, incluindo a venda, como resulta do n.º 2 do art. 165º do CPPT»

O requerimento foi endereçado ao Exmo. Chefe do Serviço de Finanças da Maia com entrada em 4 de Junho de 2013.

Por despacho de 25/9/2013 a Exma. Chefe do Serviço de Finanças da Maia ordenou a remessa da reclamação à Direção de Finanças do Porto para decisão, nos termos do n.º 7 do art.º 257 e do n.º 3 do art.º 277, ambos do CPPT (fls. 31 verso).

Por despacho de 13/12/2013, proferido pela Direcção de Finanças do Porto, foi mantido o acto reclamado (fls. 33).

Com entrada de 10/9/2013 o requerente apresentou reclamação da decisão de indeferimento tácito, nos termos dos n.ºs 5 e 7 do art.º 257º e 276 do CPPT, alegando, no essencial, os fundamentos que invocara no requerimento de 4/6/2013.
E arrolou uma testemunha.

O MMº juiz «a quo» proferiu sentença julgando improcedente a reclamação por não se verificar a imputada nulidade da venda, com base na irregularidade da falta de notificação da executada, que vem formulada no pedido da requerente.

Neste TCAN o Exmo. PGA suscitou a questão prévia de nulidade do processado por falta de notificação da executada para responder ao pedido de anulação da venda, mas apenas a FP, adiantando ainda que dado o pedido formulado, nos autos deveria ter seguido a forma de processual de incidente de anulação da venda.

Notificados, o recorrente e recorrido nada disseram.

Apreciando.
Com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2012, que alterou, entre outras, as normas dos n.ºs 4 a 7 do art.º 257.º do CPPT, a competência para em 1.ª instância conhecer do pedido de anulação de venda executiva deixou de se radicar nos tribunais tributários e passou a radicar-se no órgão periférico regional da AT (ac. do TCAS n.º 06940/13 de 31/10/2013)

O prazo para decisão sobre a matéria é de 45 dias, findo os quais a decisão expressa ou tácita (de indeferimento) pode ser impugnada mediante reclamação para o juiz nos termos do art.º 276º do CPPT (art.º 257º/7 CPPT).

Apresentada que foi a reclamação contra o indeferimento tácito do pedido de anulação da venda, só o ERFP foi notificado para responder.

De facto, o art.º 277º CPPT apenas prevê a notificação da reclamação ao ERFP para a ela responder (Art.º 277º/2 CPPT). No entanto, uma vez que o acto cuja anulação se requer tem repercussões na esfera jurídica de outros interessados, o litígio não se pode cingir ao reclamante e à AT, porque outros interessados podem ter interesses incompatíveis com o reclamante, também eles dignos de tutela jurídica.

Como refere Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado, IV, Áreas Editora, 2011, pp. 311 ainda que se configure o incidente de reclamação como uma ação de impugnação enxertada no processo de execução fiscal e com tramitação especial, nos casos omissos quando não seja de aplicar analogicamente normas do CPPT, deverão aplicar-se as normas do CPTA que regulam a acção administrativa especial.

De qualquer forma, diz o mesmo autor, também perspectivando a reclamação como um incidente do processo de execução fiscal, chegar-se-á à conclusão de que tem de ser admitida nela a intervenção de quem tiver interesse em contradizer a pretensão do reclamante, pois nos processos judiciais, como é o caso do processo de execução fiscal, tem de ser observado o princípio do contraditório, não podendo, salvo caso de manifesta desnecessidade, serem decididas questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham fido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem (art. 3.°, n.° 3, do CPC).

No mesmo sentido, cfr. o ac. do STA n.º 0115/13 de 14-02-2013: I - Na reclamação contra os actos praticados pelo órgão de execução, havendo pessoas com interesse na manutenção do acto reclamado, as mesmas devem ser notificadas para responder à pretensão do reclamante.

Assim, quer por força do disposto no art.º 3º/3 do CPC, quer por força do art.º 57º do CPTA devem ser demandados no processo os contra interessados a quem o provimento do processo impugnatório possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do accto impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo (art.º 57º CPA).

A atribuição do estatuto processual de contra interessado depende do acto reclamado e da avaliação da repercussão que a decisão possa ter na sua esfera jurídica. Mas parece claro que na anulação da veda venda o executado e o adquirente, pelo menos, podem ter interesse na decisão, na medida em que a procedência do pedido os pode prejudicar.

Não se tendo procedido à notificação dos contra interessados, foi omitida a prática de um acto que a lei prescreve que influi decisivamente no exame e decisão da causa, o que implica a anulação do processado posterior à apresentação da petição inicial (art.º 195º/1, 2 CPC), com exceção da resposta apresentada pelo ERFP, uma vez que esta não se mostra afectada pelo acto omitido (art.º 195º/2 do CPC).

A identificação dos contra interessados é um ónus do reclamante como resulta do disposto no art.º 78º/2,f) do CPTA (assim Cons. Jorge Lopes de Sousa, op. cit. pp. 311) sem prejuízo de na sua falta o juiz convidar ao aperfeiçoamento da respectiva petição (art.º 88º/2 CPTA).


Concluindo,
Na reclamação contra o indeferimento (tácito) do pedido de anulação da venda devem ser demandados os respetivos contrainteressados.

São contra interessados aqueles a quem a procedência do pedido possa prejudicar.
A identificação dos contra interessados é um ónus do reclamante, sem prejuízo do convite ao aperfeiçoamento do articulado.

A falta de notificação dos contra interessados para responder é uma omissão que pode influir decisivamente no exame de cisão da causa, geradora de nulidade (art.º 195º/1 do CPC).

Por conseguinte, ao abrigo do disposto no art.º 195º/ 2 do CPC, impõe-se a anulação de todo o processado posteriormente à apresentação da pi, com exceção da resposta apresentada pelo ERFP, a fim de serem corrigidas as irregularidades apontadas e posterior tramitação que ao caso couber.


IV DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em determinar a anulação de todo o processado posterior à apresentação da petição inicial de reclamação, com exceção da resposta apresentada pelo ERFP, devendo os autos prosseguir com notificação dos contra interessados a quem a decisão possa afectar, para responderem, querendo, seguindo-se os ulteriores termos processuais que ao caso couber.

Sem custas.

Porto, 18/9/2014.
Ass. Mário Rebelo
Ass. Fernanda Esteves
Ass. Vital Lopes