Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00390/05.9BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/30/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Cristina Flora
Descritores:FACTURAS FALSAS
FUNDADA DÚVIDA
Sumário:I. Não confere direito à dedução de IVA o «imposto que resulte de operação simulada», constante de vulgarmente chamadas “facturas falsas” – de acordo com o n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA;
II. É à AT que cabe o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação, face à presunção legal de veracidade das declarações dos contribuinte, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita nos termos do art. 75.º, n.º 1 da LGT;
III. Para fazer cessar a presunção de veracidade a favor do contribuinte, prevista no art. 75.º da LGT, é suficiente que a AT demonstre a existência de “indícios fundados”, não se impondo a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam;
IV. Quando haja cessação da presunção de veracidade da contabilidade, cabe ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do IVA;
V. Não basta ao contribuinte criar dúvida, ainda que fundada, quando cessa a presunção do disposto no art. 75.º da LGT, pois o regime previsto no art. 100.º do CPPT aplica-se nos casos em que é a AT a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação, mas já não quando recai sobre o contribuinte o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito, motivo porque a dúvida a existir lhe é desfavorável;
VI. Haverá erro de julgamento de facto quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto;
VII. O princípio da livre apreciação da prova e o princípio da imediação limita o reexame da matéria de facto fixada no tribunal a quo, pois a sua alteração apenas pode ocorrer em caso de erro manifesto ou grosseiro ou se os elementos documentais apontarem inequivocamente em sentido diverso.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:A..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga, que julgou procedente a impugnação apresenta por A...& FILHOS, LDA, da liquidação de IVA e juros compensatórios, do ano de 2000, no montante de 10.278,86€.

A Recorrente apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:
I
A acima identificada impugnante, veio apresentar impugnação judicial, nos termos dos arts. 99º e seguintes do CPPT, requerendo a anulação das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respectivos juros compensatórios, relativas ao exercício de 2000, no valor global de € 10 278,86, e que tiveram na sua origem numa acção de inspecção, realizada pelos Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Braga,
II

Na qual, em suma, não foi considerado pela Administração Fiscal o direito à dedução do IVA suportado pelas facturas emitidas por F... Gomes Ribeiro, por se entender que não titulavam verdadeiras operações tributáveis.

III

Ora, nas situações, como a que está em causa nos autos, em que a liquidação resulta da não-aceitação pela AT do direito à dedução do IVA suportado por facturas, por se entender que as operações tituladas por tais facturas são simuladas, é jurisprudência assente que compete à AT fazer prova da existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas foram simuladas, e,

IV

feita essa prova, compete à impugnante o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do artigo 19º do CIVA, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada.

V

Ora, e salvo o devido respeito, entende a Fazenda Pública que enferma a douta sentença recorrida de erro na apreciação da prova produzida nos autos no que respeita á efectiva existência das operações tituladas pelas facturas em causa e, consequentemente do direito aplicável.

VI

Na douta sentença ora recorrida, a Meritíssima Juiz “ a quo”, deu como provados os factos enunciados sob os n.ºs 1 a 7 (da matéria de facto dada como provada), no entanto, é entendimento da Fazenda Pública que não poderiam ter sido dado como provados os factos enunciados nos itens 5, 6 e 7, atento o teor dos documentos juntos aos autos e os depoimentos das testemunhas inquiridas.

VII

Aliás, parece-nos que a douta sentença recorrida entra em contradição ao dar como provados esses factos, e posteriormente considerar que “ da prova produzida resulta fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário …”.

VIII

Nas situações, como a que está em causa nos autos, em que a liquidação resulta da não-aceitação pela AT do direito à dedução do IVA suportado por facturas, por se entender que as operações tituladas por tais facturas são simuladas, é jurisprudência assente que compete à AT fazer prova da existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas foram simuladas, e,

IX

feita essa prova, compete à impugnante o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do artigo 19º do CIVA, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada. (Ac. TCAN de 09.03.2006, processo 00870/04), in www.dgsi.pt


X

Ora, considerou a douta sentença recorrida que, “… o facto das facturas 634 e 639, não terem descriminados os valores e respectivas quantidades, não pode a Administração Fiscal, concluir pela existência de negócios simulados.” e, “ Também o facto dos pagamentos terem sido efectuados através de suprimentos a um dos sócios da impugnante não é indicador da existência de negócios fictícios.

XI

Sucede que, a Meritíssima juiz “a quo”, fez uma análise isolada dos dois factos em causa, os quais, assim analisados, não se lhe afiguraram decisivos em termos de prova a fazer pela AT.

XII

Ora, não estão em causa única e simplesmente os dois factos invocados pela Meritíssima Juiz “ a quo” na douta sentença recorrida, estão em causa, muitos outros, que ponderados em conjunto, se mostram, face às regras da experiência, fortemente indiciadores de que as facturas em causa não titulam operações reais.

XII

Das diligências feitas pela IT, que se encontram explanadas no RIT, foram apurados uma série de factos, que igualmente se encontram descritos no RIT, nomeadamente a fls. 6 e 7, que conjugados uns com os outros, revelam-se aptos e suficientes para fundamentar a conclusão de que as operações em causa são simuladas.

XIII

Assim, entende a Fazenda Pública que logrou a Administração Tributária atentos estes factos - índice, fazer a prova que lhe competia, pelo que, e contrariamente ao doutamente decidido, a impugnante não logrou contrariar os fortes indícios apontados pela AT quanto à efectiva existência das operações tituladas nas facturas dos autos.

XIV

Conforme resulta da douta sentença ora recorrida, entendeu a Meritíssima Juiz “a quo” que, “ …a impugnante produziu prova testemunhal sendo que os respectivos depoimentos merecem credibilidade.”

XV

Mais uma vez, e salvo o devido respeito, entende a FP que a prova testemunhal apresentada pela impugnante, que se resume ao depoimento de apenas duas das testemunhas por esta arroladas, foi claramente insuficiente para demonstrar que as facturas a que se reporta o relatório dos Serviços de Inspecção titulam operações efectivas, porquanto,

XVI

a testemunha F..., é administrativo na impugnante, pelo que, o seu depoimento se encontra prejudicado face ao vinculo laboral existente, além de que, o seu testemunho revelou poucos ou nenhuns conhecimentos acerca dos factos com interesse para a decisão da causa e, os poucos conhecimentos que tinha, não tinham sido apreendidos de forma directa.

XVII

Do seu depoimento gravado na cassete nº 1, lado A, de 1000 rotações a 2160 rotações, retira-se que, era o sócio gerente da impugnante A..., quem fiscalizava o andamento da pretensa obra, quem fiscalizava o fornecimento dos materiais e, quem mandava pagar, nunca se tendo a testemunha deslocado à obra, limitando-se a receber ordens superiores.

XVIII

Também a explicação avançada por esta testemunha quanto à regularidade dos pagamentos feitos pela impugnante ao pretenso fornecedor, por transferências dos saldos da conta de fornecedores por crédito da conta de suprimentos do sócio A..., decorridos mais de dois anos após a realização integral dos respectivos trabalhos e, numa altura em que a impugnante dispunha de elevados saldos para solver tais dívidas, como apurou a IT, não merece credibilidade alguma.

XIX

Do depoimento da testemunha Ar..., pretenso subcontratado do F... na pretensa obra, (cujo depoimento foi prestado no processo de impugnação nº 366/05.6BEBRG, tendo-se procedido ao aproveitamento do referido depoimento prestado nesses autos), o qual se encontra gravado na cassete nº 1(com duplicado), lado A, de 0022 rotações a 1000 rotações, resulta que o mesmo poucos conhecimentos tinha acerca dos factos relevantes dada a inexistência de relações comerciais com a impugnante.

XX

A referida testemunha prestou um depoimento vago e impreciso quanto a aspectos essenciais que permitissem aferir acerca da realidade das operações, desconhecendo quem procedia ao fornecimento dos materiais, tendo mesmo referido que encomendava algum material ao F..., mas desconhecia quem o fornecia, não identificando concretamente as pessoas que diz terem realizado os serviços, nem sequer o valor dos mesmos.

XXI

Também, não poderia a sentença recorrida ter dado como assente que “ Os trabalhos eram executados por alguns trabalhadores do referido F...…”, quando a IT apurou, que o F... G...tinha apenas um trabalhador inscrito na Segurança Social, facto este que consta no RIT, não sendo o depoimento prestado pelas testemunhas arroladas pela impugnante apto a fazer tal prova, porque impreciso quanto a este facto.

XXII

Tal como já se decidiu jurisprudencialmente no Ac. TCAN de 24/01/2008 (Proc. N.º 01834/04), “ VII – Sem prejuízo dos princípios da livre admissibilidade dos meios de prova (cf. Art. 115º, nº 1 do CPPT) e da livre apreciação da prova (cf. Art. 655º do CPC), a prova testemunhal, por si só, ou seja, desacompanhada de outros elementos de prova, designadamente documentais, dificilmente servirá para convencer o Tribunal da realidade das operações e/ou da sua dimensão.

VIII- Muito menos servirá se nas facturas em causa a descrição dos serviços prestados se mostra vaga e imprecisa e se não há qualquer indicação do destino ou local de entrega dos bens fornecidos e se a prova testemunhal se revela frágil e inconclusiva relativamente aos elementos que cumpre apurar, quais sejam as datas e o local em que os serviços foram prestados e os materiais foram entregues, a quantidade e preço unitário dos serviços e materiais e o pagamento dos serviços prestados e das mercadorias vendidas.”


XXIII

Decorre do exposto, que a Administração Tributária verificou e apontou uma pluralidade de factos susceptíveis de serem considerados como sérios e credíveis no sentido da não existência das operações que as facturas supostamente titulam, pelo que cabia à impugnante demonstrar que – ao contrário dos sérios indícios apurados pela Inspecção Tributária – tais operações se realizaram, o que não fez.

XXIV

Assim, não logrou a impugnante fazer prova bastante acerca da efectividade das operações que as facturas supostamente titulam e tanto assim é que, a Meritíssima Juiz “ a quo” faz apelo ao art. 100º, n.º 1 do CPPT.

XXV

O certo é que, o ónus consagrado no artigo 100º nº 1 do CPPT, contra a Administração Tributária, de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a AT, apenas existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação e não quando, como in casu, é à impugnante que compete demonstrar a existência e quantificação dos factos tributários em que se funda a dedução do imposto, neste sentido o Ac. do TCAN, de 24-01-2008, Proc n º. 1834/04.
XXVI

Face ao exposto, a M Juiz “a quo” ao dar como provados factos constantes dos itens 5, 6 e 7 (da matéria de facto dada como provada) e ao fazer apelo ao artigo 100º do CPPT, considerando que a impugnante conseguiu gerar fundada dúvida acerca da efectividade das operações em causa, proferiu decisão contrária e contraditória à matéria factual, fazendo uma má interpretação desta, pelo que deverá ser proferido acórdão que decida pela improcedência da mesma, como é de inteira

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A Recorrida apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

1ª Entendeu, e muito bem, o Tribunal “a quo”, considerar procedente a impugnação determinando a anulação das liquidações adicionais de IVA relativas ao ano de 2000. Vem, no entanto, a Ilustre Representante da Fazenda Pública, discordar da douta decisão por considerar que a mesma “sofre de errada interpretação e aplicação da lei” (ponto 1) e ainda que “enferma de erro na apreciação da prova produzida nos autos” (conclusão 5ª).

2ª Embora não o alegue expressamente, a Ilustre Recorrente acaba por impugnar os pontos nº 5, 6 e 7 dos factos provados. (conclusão 6ª)

3ª Para fundamentar a sua tese alega a Recorrente que face aos factos apurados em sede de fiscalização, competia à Recorrida demonstrar clara e inequivocamente que, não obstante esses factos, os aludidos serviços descritos nas facturas haviam sido efectivamente concretizados e eram reais. (ponto nº 9 e conclusão 13ª)

4ª Só que, contrariamente à douta opinião da Recorrente, a Administração Fiscal não cumpriu o ónus da prova que lhe competia. Com efeito, alega a Ilustre Recorrente que a Administração Fiscal conseguiu reuniu um conjunto de indícios que levaram a considerar que as facturas que deram origem às liquidações em causa nos presentes não correspondiam a transacções efectivas. (pontos nº 20, 21 e 22)

5ª Ora, é jurisprudência pacífica que os indícios que levam a considerar que determinadas transacções são inexistentes, são indícios sérios, credíveis, de natureza objectiva e não de natureza subjectiva.

6ª No caso dos presentes autos a AF apoia-se exclusivamente em factos de natureza subjectiva relacionados com situações de irregularidade fiscal por parte do fornecedor da Recorrida, F....

7ª A AF deveria ter reunido indícios de que a obra em causa não foi executada ou que foi executada por uma terceira pessoa que não o F.... O que, seguramente, não fez.

8ª E uma vez que a AF não reuniu um conjunto de indícios sérios e seguros de natureza objectiva que indiciassem que as facturas do F... não titulavam transacções reais, nada mais a Recorrida tinha de provar.

9ª No entanto, e apesar disso, a Recorrida fez prova suficiente que tais facturas titulavam transacções reais. E fê-lo não só através de prova documental mas também através de prova testemunhal.

10ª Vem agora, a Ilustre Recorrente, pretender substituir-se ao Tribunal fazendo uma apreciação crítica dos depoimentos de testemunhas que mereceram toda a credibilidade por parte do Tribunal. Com o devido respeito entende a Recorrida que tal apreciação é da competência exclusiva do Tribunal não podendo a Recorrente substituir-se à livre apreciação que o Juiz faz segundo a sua prudente convicção.

11ª Aliás, a impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto não se traduz numa derrogação do princípio da livre apreciação da prova (art.º 655º do CPC). Ou seja, não pode a Recorrente pretender substituir a convicção adquirida pelo Tribunal “a quo” sobre determinados factos, pela convicção que ela própria terá sobre os mesmos.

12ª Assim sendo, e tendo em conta a matéria de facto dada como provada, não poderia ter sido outra a douta sentença do Tribunal “a quo”.
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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As questões a apreciar e decidir consistem em apreciar os seguintes vícios que a Recorrente imputa à sentença recorrida:

_ Erro de julgamento (de facto) na apreciação da prova produzida, uma vez que não poderiam ser dado como provados os factos enunciados nos números 5, 6 e 7, atendendo aos documentos juntos aos autos e ao depoimento das testemunhas;
_ Erro de julgamento (de direito), a AT fez prova das operações simuladas, cabendo à Impugnante o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento ao seu direito de dedução do IVA, não bastando criar dúvida fundada sobre a sua veracidade.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

“1. Na sequência da inspecção efectuada à Impugnante foi notificada da liquidação adicional de IVA com n° 04353937, relativa ao período 2000, no valor de 8 450.31€ e juros compensatórios, no valor de 814.18 € e 1 014.37 € tendo todas datas limite de pagamento 31.01.2005, (fls. 35 a 37 dos autos);
2. A Impugnante em 16.12.2004, procedeu ao pagamento das respectivas liquidações;
3. Foi efectuada à Impugnante uma inspecção a qual ocorreu entre 15.07.2004 e terminou em 23.09.2004;
4. Da qual foi elaborado o Relatório cujo teor consta de fls. 25 a 34 do autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
5. Os trabalhos de electricidade, no prédio de Ab... & Filhos, Lda, em Braga, foram executados por F...;
6. A obra consistia na execução dos trabalhos de electricidade, num prédio, que era composto por 8 pisos com 4 apartamento, num total de 32 apartamentos;
7. Os trabalhos foram executados entre Abril/Maio e Novembro de
2000, tendo F... recorrido aos serviços de Ar....

Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos dos autos e documentos constantes do processo administrativo apensos por linha bem como no depoimento das testemunhas inquiridas.
Não resultam provados ou não provados quaisquer outros factos com interesse para a decisão.”
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2. Do Direito

I. Conforme resulta dos autos, a Impugnante, ora Recorrida, foi objecto de uma acção de inspecção ao exercício de 2000, no âmbito da qual, a Administração Tributária (AT) efectuou correcções meramente aritméticas, em sede de IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado) que estão na origem da liquidação impugnada.

As correcções fundaram-se, no essencial, no entendimento de que algumas facturas e vendas a dinheiro emitidas pelo fornecedor e prestador de serviços F... titulavam transacções simuladas ou fictícias, efectuando-se a correcção com fundamento no disposto no n.º 3 do art. 19.º do CIVA (Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado).

A sentença recorrida julgou procedente a impugnação por entender, em síntese que “[a] prova produzida pela Administração Fiscal não é suficiente credível sobre a existência de operações simuladas, relativas às facturas n° 634, 636 e 639°.
Assim, a impugnante logrou, fazer prova de que, as facturas emitidas em 2003, por F..., tem correspondência a negócios concretos e reais e não a transacções fictícias. Da prova produzida resulta fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário pelo que as liquidações subjacentes devem ser anuladas.”


Neste contexto, invoca a Recorrente erro de julgamento (de direito), uma vez que a AT fez prova das operações simuladas, cabendo à Impugnante o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento ao seu direito de dedução do IVA, não bastando criar dúvida fundada sobre a sua veracidade. Por outro lado, entende a Recorrente, que a sentença enferma de erro de julgamento (de facto) na apreciação da prova produzida, uma vez que não poderiam ser dado como provados os factos enunciados nos números 5, 6 e 7, atendendo aos documentos juntos aos autos e ao depoimento das testemunhas.

Apreciando.

Está em causa o direito à dedução do IVA de três facturas que a AT considera que são simuladas ou fictícias, ou seja, que não titulam qualquer operação ou transacção.

O IVA assenta numa estrutura de entrega e respectiva dedução, pelos vários intervenientes na cadeia, até ao consumidor final, que o suporta, sem o poder deduzir.

O IVA funciona, pois, pelo método indirecto subtractivo, de acordo com o qual o sujeito passivo deduz, ao imposto liquidado nos seus outputs, o imposto liquidado nos respectivos inputs.

Como determina o 2.º parágrafo, do n.º 2, do artigo 1.º, da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro), “[e]m cada operação, o IVA, calculado sobre o preço bem o serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.” .

O direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica que é a neutralidade. No entanto, o exercício desse direito obedece a requisitos objectivos e subjectivos.

O exercício do direito à dedução do imposto tem por requisitos objectivos o facto de o imposto suportado dever constar de factura passada na forma legal (36.º, n.º 5, do CIVA), de se tratar de IVA português, e não se tratar de uma despesa excluída do direito à dedução, nos termos do disposto no artigo 21.º do CIVA, e como requisitos subjectivos, exige-se que o sujeito passivo tenha direito à dedução do IVA, e que os bens e serviços deverão estar directamente relacionados com o exercício da actividade em causa.

Por outro lado, “não confere direito à dedução de IVA o «imposto que resulte de operação simulada», constante de vulgarmente chamadas “facturas falsas” – de acordo com o n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA.” – Acórdão do STA de 27/02/2008, proc. n.º 01062/07 (actualmente, dispõe o n.º 3 do art. 19.º do CIVA na Redacção do D.L.nº 197/2012, de 24 de Agosto, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2013 que “[n]ão pode deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da fatura”).

O Tribunal de Justiça (TJ), no Despacho proferido no Caso Menidzherski Biznes Reshenia, Processo C-572/11, de 4 de Julho de 2013 decidiu que “[o]s artigos 168.°, alínea a), e 203.° da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, bem como os princípios da neutralidade fiscal e da protecção da confiança legítima, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que seja recusado ao destinatário de uma factura o direito a deduzir o imposto sobre o valor acrescentado mencionado nessa factura quando as operações a que esta última se refere não foram efectivamente realizadas, ainda que o risco de perda de receitas fiscais não exista por o emissor da referida factura ter pago o imposto sobre o valor acrescentado nesta indicado. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio efectuar, de acordo com as regras nacionais relativas à produção de prova, uma apreciação global de todos os elementos e de todas as circunstâncias de facto do litígio que lhe foi submetido para determinar se tal sucede com as operações a que as facturas em causa no processo principal dizem respeito.”.

Nessas situações em que as facturas (ou documentos equivalentes) são emitidas na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem não tiveram lugar, é à AT que cabe o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação, considerando o princípio da legalidade administrativa. Por outro lado, ao contribuinte cabe provar a existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito, ou seja, a efectiva existência das alegadas transacções. (cfr. Acórdãos do STA de 30/04/2003, proc. n.º 0241/03, de 24/04/02, proc. n.º 102/02, de 17/04/02, proc. n.º 26.635, de 09/10/02, proc. n.º 871/02 e de 14/11/01, proc. n.º 26.015).

Na verdade, o art. 75.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) estabelece uma presunção legal de veracidade das declarações dos contribuinte, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita: “[p]resumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”.

O que significa que, se a AT não demonstrar a falta de correspondência com a realidade do teor das declarações, contabilidade e da escrita, estas são consideradas verdadeiras (nesse sentido, cfr. Diogo Leite de campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª ed., Vislis, 2012, p. 664).

Para tanto, é suficiente que a AT demonstre a existência de “indícios fundados”, não se impondo a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam.

São suficientes indícios fundados para fazer cessar a presunção de veracidade a favor do contribuinte, prevista no art. 75.º da LGT, ou seja os indícios devem ser objectivos, sólidos e consistentes, que traduzam uma probabilidade elevada de que os documentos não titulam operações reais, de forma a ver legitimada a sua actuação.

Quando haja cessação da presunção de veracidade da contabilidade, nesses casos, cabe ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19.º do CIVA.

Com efeito, no Acórdão do Pleno do Contencioso Tributário (CT) do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 07/05/2003, proc. n.º 01026/02 escreveu-se que “[t]endo a Administração Fiscal, por considerar não se terem efectivamente realizado as operações consubstanciadas em determinadas facturas, existentes na escrita do contribuinte, obstado à dedução do IVA que daquelas facturas consta, ao abrigo do disposto no artigo 19.º nº 3 do CIVA, cabe ao contribuinte, no processo em que impugne a actuação da Administração, a prova dos pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.”.

Saliente-se que, não basta ao contribuinte criar dúvida, ainda que fundada, pois o disposto no art. 100.º do CPPT, pois este preceito legal não se aplica quando cessa a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita, uma vez que, nesses casos, o ónus da prova cabe ao contribuinte, e nessa medida, existindo dúvida tem de ser processualmente valorada contra este, por ser quem tem o ónus da prova. (nesse sentido, cfr. Acórdão do STA de 24/10/2007, proc. n.º 0479/07).

Sumariou-se neste último acórdão, a propósito do revogado art. 78.º do Código de Processo Tributário (CPT) que estabelecia a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes e da contabilidade, e do art. 121.º do CPT que corresponde ao actual art. 100.º do CPPT que “[o] art. 78.º do CPT, ao estabelecer casos de cessação da presunção de veracidade dos dados e apuramentos resultantes de contabilidade ou escrita organizada segundo a lei comercial ou fiscal, tem ínsita a determinação de que nesses casos em que cessa a presunção é sobre o contribuinte que recai o ónus da prova dos factos sobre que se gerarem dúvidas. V - Entre estas situações de inversão do ónus da prova no procedimento tributário inclui-se a de existirem indícios fundados de que a contabilidade ou escrita não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte, regra esta que tem de ser harmonizada com a do art. 121.º do CPT, de forma a entender-se que, quando existam esses indícios, não se está perante situação de «dúvida fundada» que justifique a anulação do acto de liquidação.” (sublinhado nosso).

Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário-anotado e comentado, Vol. II, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, p. 133, escreve ainda que “[o] alcance inequívoco da cessação da presunção nestas situações, é o de determinar que, quando elas ocorrem, será sobre o contribuinte que recai o ónus da prova dos factos declarados ou inscritos na sua contabilidade ou escrita sobre que existem dúvidas probatórias. (…) será de concluir que, nos casos em que se verificar uma destas situações em que no procedimento tributário é atribuído o ónus da prova ao contribuinte, as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de, nos termos daquele nº1, justificarem a anulação do acto” .

Em suma, cessando a presunção prevista no art. 78.º da LGT, cabe ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19.º do CIVA, e deste modo, não há lugar à aplicação do disposto no art. 100.º do CPPT, porquanto a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário, que deve ser decidida contra a AT, apenas existe nos casos em que seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação.

Passemos, então, ao caso dos autos.

Relativamente à questão de saber se a AT recolheu indícios suficientes que colocasse em causa a veracidade das operações subjacentes às facturas e vendas a dinheiro em causa (no total de três), a sentença recorrida, após ter descrito os indícios recolhidos pela AT e constantes do Relatório de inspecção, entendeu que “[c]ompetia à Administração Fiscal e nos termos do art. 342° do Código Civil, o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação. Face aos factos apurados em sede de fiscalização, competia à Impugnante demonstrar clara e inequivocamente que, não obstante esses factos, as aludidas serviços descritos nas facturas, haviam sido efectivamente concretizadas e eram reais.”.

Após à análise da prova produzida pela Impugnante (ora Recorrida) a sentença conclui que “[a] prova produzida pela Administração Fiscal não é suficiente credível sobre a existência de operações simuladas, relativas às facturas n° 634, 636 e 639. Assim, a impugnante logrou, fazer prova de que, as facturas emitidas em 2003, por F..., tem correspondência a negócios concretos e reais e não a transacções fictícias. Da prova produzida resulta fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário pelo que as liquidações subjacentes devem ser anuladas.”.

Entende a Recorrente, que a sentença enferma de erro de julgamento (de facto) na apreciação da prova produzida, uma vez que não poderiam ser dado como provados os factos enunciados nos números 5, 6 e 7, atendendo aos documentos juntos aos autos e ao depoimento das testemunhas.

Invoca, desde logo, que a prova testemunhal apresentada pela Impugnante, que se resume ao depoimento de apenas duas das testemunhas por esta arroladas, foi claramente insuficiente para demonstrar que as facturas a que se reporta o relatório dos Serviços de Inspecção titulam operações efectivas (conclusão XV das alegações de recurso).

Para o conhecimento do invocado erro de julgamento de facto há que atender que vigora no processo tributário português, no que diz respeito às regras de apreciação da prova, o regime jurídico estabelecido para o processo civil, por força do disposto no art. 2.º, al. e) do CPPT.

Deste modo, prevê o art. 607.º, n.º 5 do CPC que “ [o] juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”

Este preceito legal consagra o princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual, o juiz aprecia a prova produzida de acordo com a sua própria convicção, sendo que o princípio da imediação limita o reexame da matéria de facto fixada no tribunal a quo, pois a sua alteração apenas pode ocorrer em caso de erro manifesto ou grosseiro ou se os elementos documentais apontarem inequivocamente em sentido diverso.

Em suma, apenas haverá erro de julgamento de facto quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto.

In casu, e relativamente ao depoimento da testemunha F..., invoca a Recorrente que esta é administrativo na sociedade Impugnante, pelo que, o seu depoimento se encontra prejudicado face ao vínculo laboral existente, além de que, o seu testemunho revelou poucos ou nenhuns conhecimentos acerca dos factos com interesse para a decisão da causa e os poucos conhecimentos que tinha, não foram apreendidos de forma directa (conclusão XVI das alegações de recurso), por outro lado, invoca ainda que era o sócio gerente da impugnante A..., quem fiscalizava o andamento da pretensa obra, fiscalizava o fornecimento dos materiais, e mandava pagar, nunca se tendo a testemunha deslocado à obra, limitando-se a receber ordens superiores.

Ou seja, a Recorrente, em súmula, coloca em causa quer a credibilidade da testemunha (dado o seu vínculo com a Impugnante) quer a consistência o seu depoimento (os conhecimentos dos factos narrados não eram de forma directa, nunca se tendo deslocado à obra).

No que diz respeito à credibilidade da testemunha dado o seu vínculo laboral com a Impugnante, refira-se, desde logo, que tal circunstancialismo, de per se, não descredibiliza o depoimento prestado.

É claro que as relações das testemunhas com as partes é um elemento a ter em consideração na valoração da prova, e pode consubstanciar motivo justificado para se dar mais ou menos relevo ao depoimento prestado, como por exemplo, quando a testemunha hesite no depoimento, caia em contradições, ou manifeste qualquer sinal exterior discursivo ou comportamental que revele que o relacionamento existente com alguma, ou ambas das partes, está a influenciar ou condicionar, de algum modo, o seu depoimento.

Agora, o que não se pode pretender é que se desconsidere um depoimento sempre que uma testemunha tenha um relacionamento com uma das partes, pois essa situação não constitui nem inabilidade para depor, nem impedimento que previsto na lei processual civil (cfr. art.s 616.º, e 617.º do CPC, na redacção anterior à Lei 41/2013, de 23/06), e por conseguinte, o seu depoimento é livremente apreciado pelo juiz.

Deste modo, cabe ao juiz a quo aferir da credibilidade da testemunha, não cabendo ao tribunal de recurso, por respeito ao princípio da imediação, desqualificar o valor do depoimento da testemunha, com o fundamento de que aquela tem um vínculo laboral com a Impugnante.

No que diz respeito à alegação da Recorrente de que o testemunho de F... revelou poucos ou nenhuns conhecimentos acerca dos factos com interesse para a decisão da causa e, os poucos que tinha, não tinham sido apreendidos de forma directa (nunca se tendo deslocado à obra), também nesta parte, o invocado não merece provimento.

Apesar de a testemunha não ter se ter deslocado à obra em causa nos presentes autos, deste facto não se poderá tirar a ilação, como faz a Recorrente, de que aquela não tinha conhecimento directo dos factos, e por esta via sindicar o erro de julgamento de facto da sentença recorrida.

Com efeito, a testemunha foi clara a explicar a razão de ciência dos factos relacionados com a obra. Desde logo, o modo como precisou o lugar da obra revela que efectivamente conhecia a existência do local, precisando sem que lhe fosse perguntado nada a esse respeito que “ali não havia ruas”. Por outro lado, releva também que a obra ficava próximo do local onde a testemunha trabalhava, o que explica como conhecia com pormenor o local em questão.

Ademais, afirmou que conhecia os trabalhadores do emitente da factura F... G...há vários anos, e que estes iam ao armazém da empresa que fica próximo da obra, e que havia documentação que lhe passava pelas mãos durante o decurso da obra, pelo que tais factos justificam que tenha conhecimento da obra, mesmo sem lá ir. Por outro lado, identificou pelos nomes, dois dos três trabalhadores do emitente da factura, justificando que já não se lembrava do nome do terceiro. Mais justificou que o emitente das facturas era amigo do sócio da Impugnante, e essa é a razão que levou à utilização da conta suprimentos.

Por outro lado, não se vislumbra porque não merece credibilidade o depoimento relativamente ao pagamento por suprimentos, sendo certo que a alegação da Recorrente nesta matéria é genérica, apenas colocando em causa a credibilidade com base no que “apurou a IT” (conclusão XVIII) o que também é manifestamente insuficiente para que se possa alterar a matéria de facto fixada pelo juiz a quo.

Relativamente ao depoimento da testemunha Ar... subcontratado do F... na obra ora em causa, a Recorrente invoca que resulta que o mesmo é vago e tinha poucos conhecimentos acerca dos factos relevantes dada a inexistência de relações comerciais com a impugnante, tendo prestado um depoimento vago. (conclusão XIX e XX).

Sucede que, não se vislumbra em que medida é que o depoimento desta testemunha foi vago, pois a Recorrente, não indica concretamente quais as passagens do seu depoimento que levam à tal conclusão, como o deveria fazer atento ao disposto no art. 690.º-A, n.º 1 e 2 do CPC, para que se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida. Por outro lado, chamamos uma vez mais, à colocação o princípio da imediação, que limita a tarefa de reexame da matéria de facto fixada no tribunal a quo, que só pode ser modificada se ocorrer erro manifesto ou grosseiro ou se os elementos documentais fornecerem uma resposta inequívoca em sentido diferente, situação que não ocorre no caso dos autos.

Em suma, não se verifica o invocado erro de julgamento da matéria de facto.

Passemos, então, a aferir do invocado erro de julgamento de direito que a Recorrente assaca à sentença recorrida.

Invoca a Fazenda pública, nas conclusões de recurso XXIII e XXIV que a AT verificou e apontou uma pluralidade de factos susceptíveis de serem considerados como sérios e credíveis no sentido da não existência das operações que as facturas supostamente titulam, sendo certo que a Impugnante não fez prova bastante acerca da efectividade das operações que as facturas supostamente titulam, e tanto assim é que, a Meritíssima Juiz “ a quo” faz apelo ao art. 100º, n.º 1 do CPPT.

Ora, neste ponto, a sentença recorrida considerara que “[f]ace aos factos apurados em sede de fiscalização, competia à Impugnante demonstrar clara e inequivocamente que, não obstante esses factos, as aludidas serviços descritos nas facturas, haviam sido efectivamente concretizadas e eram reais”, e conclui que “[a] prova produzida pela Administração Fiscal não é suficiente credível sobre a existência de operações simuladas, relativas às facturas n° 634, 636 e 639°.
Assim, a impugnante logrou, fazer prova de que, as facturas emitidas em 2003, por F..., tem correspondência a negócios concretos e reais e não a transacções fictícias. Da prova produzida resulta fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário pelo que as liquidações subjacentes devem ser anuladas.”.

Conforme resulta do relatório de inspecção, a AT enuncia vários factos que, no seu entender, indiciam que as três facturas (e documentos equivalentes) números 634, 636 e 639, são simuladas ou fictícias, sendo que uns são indícios unicamente relacionados com o emitente das facturas, mas outros relacionam-se com a Impugnante.

Relativamente à factura número 634 o indício apontado foi o de esta se referir à venda de diverso material que o emitente não possuía para venda, já quanto à factura n.º 636 encontraram uma contradição entre o seu descritivo (referia-se a 64 apartamentos) e o respectivo orçamento (que apenas referia 32 apartamentos). A factura n.º 636, bem como a 639, no seu descritivo se reportavam a serviços de electricidade prestados na obra “Santana Ribeiro” e não mencionavam as quantidades de cada produto, nem os preços unitários dos materiais aplicados, nem o número de trabalhadores e de horas de mão-de-obra gastas, sendo certo que o emitente da factura apenas tinha inscrito um único trabalhador na segurança social.

Outro indício que fez com que a AT “aglutinasse” as 3 facturas na mesma situação, foi o facto de todas elas terem sido pagas, não por meios financeiros da sociedade, mas por crédito da conta de suprimentos do sócio da Impugnante, António Alberto Carvalho Barbosa.

Relativamente aos indícios que são unicamente relacionados com o emitente da factura, tais como, o facto de o emitente da factura apenas tinha inscrito um único trabalhador na segurança social, e a venda de material que o emitente não possui para venda, não poderiam, de per se, consubstanciar indícios suficientes para desconsiderar a materialidade de determinadas operações que foram facturadas.

Na verdade, por um lado, os destinatários dos produtos/serviços não têm como conhecer tais incongruências, que se situam unicamente na esfera do emitente da factura, e por outro lado, tais indícios podem revelar tão-somente irregularidades no cumprimento das normas contabilísticas, pois poderia haver outros trabalhadores não inscritos na segurança social que estivessem ilegalmente a serviço da empresa, bem como poderia ter sido adquirido material sem factura. Ou seja, tais indícios, de per se, seriam insuficientes para que se concluísse pela simulação das operações.

Por isso é que, nesses casos, a AT deve recolher indícios de outra natureza, que se situem, de igual modo, na esfera jurídica do destinatário das facturas, para que possa concluir, de forma consistente, pela conjugação de todos os indícios, pela existência de indícios da simulação da operação.

In casu, os indícios recolhidos pela AT, e que se situam directamente na esfera da Impugnante, e que são determinantes, é a forma de pagamento das referidas facturas, que sem explicação aparente, não se inserem nas formas normais de pagamento de serviços/vendas como pagamento a dinheiro, cheque ou transferência, tendo havido, antes, fluxo financeiro que passa pela conta de suprimentos. Para além do mais, tal pagamento ocorre quase dois anos após a realização dos trabalhos, sendo que havia saldo nas contas de disponibilidades da Impugnante para o pagamento das quantias em causa.

Consideramos que, os indícios apurados relativamente a aspectos específicos da contabilidade do emitente da factura, conjugados com estes outros apurados já na contabilidade do destinatário das facturas, são indícios fundados, suficientemente sólidos, para que se tenha legitimada a actuação da AT, e fazer cessar a presunção de veracidade a favor do contribuinte, prevista no art. 75.º da LGT.

Assim sendo, cabia ao contribuinte, ora Recorrida, o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19.º do CIVA.

Ora, grosso modo, a sentença recorrida acaba por seguir esta linha de raciocínio, pois atendeu às alegações da Impugnante relativamente aos factos que conduziriam à prova necessária ao seu direito de dedução do imposto, e neste contexto, realizou-se audiência de inquirição de testemunhas, cujos depoimentos julgou credíveis e suficientes para dar como provado os factos números 5, 6 e 7, como supra exposto, pese embora, a final, a juiz a quo, tenha concluído pela existência de “fundada dúvida” e com este fundamento julgado procedente a impugnação.

Como já tivemos oportunidade de enunciar, seguindo a doutrina e jurisprudência do STA uniforme nesta matéria, in casu, a AT recolheu indícios suficientes da sua actuação, e nessa medida, cabe ao contribuinte o ónus da prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19.º do CIVA, e assim sendo, não há lugar à aplicação do disposto no art. 100.º do CPPT, porquanto a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário, que deve ser decidida contra a AT, apenas existe nos casos em que seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação.

Ou seja, in casu, e ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, não tem aplicação o disposto no art. 100.º do CPPT.

Mas isso não significa, necessariamente, que o recurso mereça provimento, na medida em que, a matéria de facto dada como pela Meritíssima Juíza do TAF de Braga e relativamente a qual, não se verifica, como vimos, erro de julgamento, é suficiente para julgar que a Impugnante cumpriu o ónus que sobre si impendia, e nessa medida, sempre a impugnação deveria ter sido julgada procedente.

Aliás, a própria Fazenda nas suas alegações de recurso refere que foi proferida sentença em sentido contrário ao dado como provado os factos constantes do n.º 5, 6 e 7 (aos quais assacou erro de julgamento), considerando que se conclui pela existência de fundada dúvida (cfr. conclusões XXVI).

Na verdade, a factualidade dada como provada, conduz à conclusão de que as facturas titulam operações verdadeiras, pois quer a obra a que se referem, quer os serviços e materiais existiram, uma vez que resulta provado que “os trabalhos de electricidade, no prédio de Ab... & Filhos, Lda, em Braga, foram executados por F...”, emitente das facturas, e tal “obra consistia na execução dos trabalhos de electricidade, num prédio, que era composto por 8 pisos com 4 apartamento, num total de 32 apartamentos”, e “os trabalhos foram executados entre Abril/Maio e Novembro de 2000, tendo F... recorrido aos serviços de Ar....”.

Ora, estando provado nos autos tal factualidade, fica afastada qualquer dúvida na realização das operações, pelo contrário, está provada a realização das mesmas.

Em suma, cabendo o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19.º do CIVA, e ficando provado a materialidade das operações subjacentes às facturas que estavam indiciadas pela AT como simuladas ou fictícias, então, há que concluir que a Impugnante logrou satisfazer o ónus da prova que a onerava, e nessa medida, a impugnação devia ser julgada procedente, tal como o foi (pese embora com fundamentação diversa).

Por conseguinte, o recurso não merece provimento, devendo ser de manter a decisão recorrida que julgou procedente a impugnação, mas com a presente fundamentação.

3. Sumário do acórdão

I. Não confere direito à dedução de IVA o «imposto que resulte de operação simulada», constante de vulgarmente chamadas “facturas falsas” – de acordo com o n.º 3 do artigo 19.º do Código do IVA;

II. É à AT que cabe o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, ou seja, dos pressupostos legais da sua actuação, face à presunção legal de veracidade das declarações dos contribuinte, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita nos termos do art. 75.º, n.º 1 da LGT;

III. Para fazer cessar a presunção de veracidade a favor do contribuinte, prevista no art. 75.º da LGT, é suficiente que a AT demonstre a existência de “indícios fundados”, não se impondo a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam;

IV. Quando haja cessação da presunção de veracidade da contabilidade, cabe ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do IVA;

V. Não basta ao contribuinte criar dúvida, ainda que fundada, quando cessa a presunção do disposto no art. 75.º da LGT, pois o regime previsto no art. 100.º do CPPT aplica-se nos casos em que é a AT a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação, mas já não quando recai sobre o contribuinte o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito, motivo porque a dúvida a existir lhe é desfavorável;

VI. Haverá erro de julgamento de facto quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto;

VII. O princípio da livre apreciação da prova e o princípio da imediação limita o reexame da matéria de facto fixada no tribunal a quo, pois a sua alteração apenas pode ocorrer em caso de erro manifesto ou grosseiro ou se os elementos documentais apontarem inequivocamente em sentido diverso.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida.

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Custas pela Recorrente.
D.n.
Porto, 30 de Outubro de 2014.
Ass. Cristina Flora
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos