Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03108/15.4BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/08/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:PLANO DIRETOR MUNICIPAL- REVISÃO- DISCUSSÃO PÚBLICA-RECLAMAÇÃO- DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DA RESPOSTA
Sumário:1-Todos interessados têm o direito de participar no procedimento de formação dos planos territoriais ( art.º 65.º, n.º5 da Constituição), o que «compreende a possibilidade de formulação de sugestões e pedidos de esclarecimento ao longo do procedimento de elaboração, alteração, revisão, execução e avaliação, bem como a intervenção na fase de discussão pública que precede obrigatoriamente a aprovação» ( n.º1 do art.º 6.º do DL 380/99). Por sua vez, as entidades públicas responsáveis pela elaboração, alteração ou revisão «estão sujeitas ao dever de ponderação das propostas apresentadas, bem como de resposta fundamentada aos pedidos de esclarecimento formulados» ( n.º 4 do mesmo preceito).

2-O dever de a Administração ponderar os interesses dos proprietários dos solos no procedimento de formação dos planos, é particularmente intenso nos planos diretores municipais, por se tratarem de planos dotados de eficácia plurisubjetiva, estando em causa, em regra, o interesse do particular na edificabilidade dos prédios de que é proprietário, sem que esse interesse seja elevado ao nível de um direito subjetivo.

3- Da inobservância do dever de fundamentação previsto nos artigos 6.º e 77.º, n.º 5, ambos do DL 380/99, resulta a invalidade do procedimento de elaboração do plano diretor municipal, e, por via dela, a invalidade do próprio plano. Trata-se de uma formalidade essencial, cuja inobservância ou deficiente cumprimento afeta a validade substancial do ato de ponderação efetuado, inquinando o procedimento de formação do plano e o seu resultado.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO
1.1.NB..., N.I.F. (…), e mulher MR..., N.I.F. (…), residentes na Rua (…), moveram a presente ação administrativa especial, contra o MUNICÍPIO DE (...), pedindo que a presente ação seja julgada procedente, declarando-se “inválido, nulo, anulado, ilegal ou irregular” a deliberação da Assembleia Municipal de 25/06/2015, que aprovou a revisão do Plano Diretor Municipal de (...).
Alegam, para tanto, em síntese, que na sequência da deliberação de 29/02/2015 da CMVN_ que abriu à discussão pública a proposta de revisão do PDM, o A. marido apresentou uma reclamação na qual solicitava que o imóvel propriedade dos Autores, inscrito na matriz rústica no artigo 58 da freguesia de (...), que a seu ver tem aptidão construtiva e pretendendo nele edificar, fosse considerado como apto para construção.
Referem que a rua existente no local da situação do imóvel, foi completamente urbanizada, e dotada de infraestruturas (obras de alargamento e repavimentação em asfalto), foram criadas redes de abastecimento público, de água e esgotos, montada a rede elétrica, colocada iluminação pública, sendo o que o dito imóvel apenas tem uma atividade agrícola para autoconsumo.
Daí que na reclamação se tenha pronunciado detalhadamente contra a solução prevista no PDM, e requerido a requalificação das condições de edificabilidade do seu terreno.
Sucede que por deliberação de 25/06/2015 da Assembleia Municipal de VN_ foi aprovada a revisão do PDM e em 06/07/2015 o A. foi confrontado com a resposta da CMVN_ á reclamação apresentada, na qual a aquela entidade se limitava a enunciar o histórico do processo, sem resposta fundamentada, indicando a apenas que a proposta fora apresentada à DRAPN e rejeitada.
Por isso, entendem que a deliberação da AMVN_ que aprovou a revisão do PDM é inválida por vício decorrente do procedimento de aprovação, por não terem sido respeitados os trâmites procedimentais, mormente, os previstos no art.º 77.º do DL n.º 380/99, de 22/09, não constando do ato a as razões de facto e de direito da decisão desfavorável quanto à sua reclamação, que era exigível nos termos do art.º 77, n.º 5 e art.º do DL 380/99, e artigos 151.º, 152.º e 153.º do CPA.
Não se conformam com tal omissão do dever de explicitação das razões que originaram o parecer desfavorável.
1.2. Citado, o Município de VN_ contestou, alegando, em síntese, que a fundamentação da resposta à reclamação apresentada não é devida face ao artigo 77º do Decreto-lei 380/99, de 22/09.
Ademais, os Autores compreenderam o ato, sendo que nenhuma das demais reclamações foi alvo de fundamentação diferente e não houve qualquer impugnação, a não ser a dos Autores.
Entende que o vício em causa não pode gerar a nulidade do ato e que o conteúdo do ato sempre seria o mesmo, dado estar no âmbito de atividade vinculada (dependente do parecer da proposta e parecer prévio da entidade regional da RAN), pelo que sempre se impõe o aproveitamento do ato, sendo certo que o terreno em questão não possui condições para lhe ser conferido o estatuto de urbano.
1.3.O TAF de Braga proferiu sentença que julgou a ação procedente, constando da mesma o seguinte segmento decisório:
«Pelo exposto, julgo procedente a presente acção e anulo o ato impugnado, devendo o Réu suprir a invalidade verificada.
Condeno o Réu no pagamento das custas.
Registe e notifique.»
1.4. Inconformado com a decisão assim proferida que julgou a ação procedente, o Réu interpôs o presente recurso jurisdicional apresentando alegações que terminou com as seguintes Conclusões:
«1ª
Ao anular a deliberação da Assembleia Municipal de (...), de 25.06.2015, que aprovou a Revisão do Plano Diretor Municipal do mesmo concelho, a douta sentença revidenda padece de erro de julgamento.

Mesmo que constitua um ato administrativo, a deliberação em apreço só podia ser contenciosamente impugnada com fundamentos em vícios próprios desse ato.

A ilegalidade que vicie qualquer trâmite procedimental do processo de formação do PDM, ou da sua revisão ou alteração, só pode ser feita valer enquanto vício formal de legalidade externa do próprio Plano.

Nenhuma sindicância judicial autónoma pode ser dirigida contra o ato deliberativo que globalmente aprove o Plano, ou a sua revisão ou alteração, com fundamento nessa ilegalidade.

A ilegalidade formal apontada pelos Autores na petição inicial não foi assacada à deliberação cotejada, como um vício próprio, intrínseco ou específico desse ato, mas foi traçada como uma irregularidade de que padece a revisão do Plano ao nível da sua elaboração, atinente ao modo como decorreu o desenvolvimento desse instrumento regulamentar.

A sentença recorrida deverá ser revogada por a deliberação acometida na ação não padecer do vício que suporta a pronúncia invalidante do decisum, sendo a ação julgada improcedente.

O ato verdadeiramente posto em crise pelos Autores é a resposta da Câmara Municipal de (...), de 28.05.2015, à reclamação apresentada pelo Autor no decurso da discussão pública da revisão do PDM.

Esse ato, enquanto fase intercalar do procedimento complexo de produção regulamentar em matéria de ordenamento do território, não integra a prática de um ato administrativo “tout court”, tal como se mostrava definido no art. 120º do CPA então em vigor.

Tratando-se um mero trâmite procedimental, é inaplicável a tal resposta da Câmara Municipal o disposto no nº 3 do artº 268º da CRP e nos arts. 124º e 125º do CPA.
10ª
O Autor não alegou na reclamação à revisão do PDM que a qualificação do seu prédio como terreno sem potencial edificativo era lesiva ou eventualmente lesiva dos seus direitos ou interesses, como também não alegou ou demonstrou que, nessa revisão, o prédio sofria qualquer alteração na sua classificação.
11ª
o prédio estava classificado como terreno sem aptidão construtiva, ao manter a mesma classificação nessa revisão em nada ficavam afetados eventuais direitos ou interesses do Autor!
12ª
A (suposta) insuficiência de fundamentação da resposta da Câmara Municipal à reclamação do Autor não significa que essa intervenção do Autor não foi objeto de ponderação, como efetivamente foi, mas apenas que a Câmara Municipal teria omitido uma formalidade complementar a essa sua ponderação.
13ª
Essa omissão seria insuscetível de, «per se», trazer a invalidade da deliberação impugnada e, consequencialmente, a invalidade global da revisão do PDM.
14ª
O elemento essencial à regularidade do procedimento de revisão do Plano reside mais na ponderação efetiva das participações dos cidadãos durante a fase de discussão pública do que na mera comunicação do cumprimento desse dever de ponderar.
15ª
A sentença recorrida não emitiu qualquer juízo avaliativo sobre a primeira parte da fundamentação vertida na resposta da Câmara Municipal à reclamação do Autor, tendo apenas emitido um juízo dessa natureza, mas a outro propósito, sobre a parte final da mesma fundamentação.
16ª
A resposta da Câmara Municipal à reclamação do Autor afigura-se suficientemente fundamentada.
17ª
Ainda que se entenda que a resposta da Câmara Municipal à reclamação do Autor constitui um ato administrativo e que essa resposta padece do vício formal de insuficiência de fundamentação, teria in casu de recusar-se o efeito invalidante desse vício, por aplicação do princípio “utile per inutile non vitiatur”, ao invés do que se decidiu na sentença.
18ª
O tribunal pode não anular um ato inválido por vício de forma quando for seguro que a decisão administrativa não podia ter outro conteúdo decisório.
19ª
A sentença recorrida, ao recusar o aproveitamento do “ato administrativo” (sic) com o argumento de o Réu não ter demonstrado documentalmente que tivesse havido qualquer ponderação da reclamação do Autor por parte da DRAPN, padece de erro de julgamento.
20ª
Esse erro foi desencadeado na sequência de prévio erro de julgamento da matéria de facto na parte em que julgou não provados os factos enunciados nos pontos 1 a 5 do elenco da matéria de facto não provada.
21ª
O Réu impugna, por isso, a decisão negativa desses factos.
22ª
Na ponderação do facto dado como não assente no ponto 10 do referido elenco da matéria de facto não provada, o julgamento desprezou em absoluto o documento nº 4 que o Réu juntou aos autos com a sua pronúncia de 22.01.2016.
23ª
Além de prova documental, nomeadamente os documentos nºs 2 e 4 juntos com essa pronúncia de 22.01.2016, o Réu também indicou prova testemunhal no requerimento probatório.
24ª
Impunha-se que a Mª Juiz a quo ordenasse a produção desse meio de prova para integral apuramento quer daquele facto dado como não assente no ponto 10, quer dos restantes factos que foram julgados não provados.
25ª
Justifica-se assim que este Venerando Tribunal ordene a produção da prova testemunhal indicada pelas partes, nos termos do art. 662º, nº 2, b), do CPC, ex vi do art. 140º do CPTA, para cabal apuramento dos factos que a sentença julgou como não provados.
26ª
Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 77º, nº 5 e 79º, nº 1, ex vi do art. 96º, nº 1, do RJIGT, 341º, 349º, 362º, 371º, nº 1, 376º, nº 1, 392º e 393º, nº 3, do Código Civil, e 411º e 607º, nº 4, do CPC, estes ex vi do art. 140º do CPTA.
Nestes termos:
E nos mais que Vªs Exªs doutamente suprirão, deverá ser concedido inteiro provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e, julgando-se a ação improcedente e não provada, deverá o Réu, ora recorrente, ser absolvido do pedido.
Se assim não for entendido, deverá ser ordenada a produção da prova testemunhal indicada pelas partes, nos termos do art. 662º, nº 2, b), do CPC, ex vi do art. 140º do CPTA, para cabal apuramento dos factos que a sentença julgou como não provados, seguindo-se os ulteriores termos legais.
Se assim for decidido, far-se-á a costumada
JUSTIÇA!»
1.5. Os Autores contra-alegaram, formulando as seguintes Conclusões:
«1. Existe uma contradição entre o que resulta da conjugação do alegado nas conclusões 1 a 6, onde o recorrente defende que o problema não está na deliberação que aprovou o PDM, mas sim no tramite procedimental, e o alegado nas conclusões 7 a 13, onde o recorrente defende que esse tramite não é um acto administrativo e, por isso, não se lhe aplicam as normas que obrigam à fundamentação.
2. A ser certa a tese do réu, chegaríamos ao absurdo, na medida em que o autor não poderia atacar os actos anteriores à deliberação, por não serem actos administrativos, e também não poderia atacar a deliberação porque, apesar de ser um acto administrativo susceptível de impugnação, a mesma não sofreria de um vício pois, nessa tese, nada tem a ver com os tramites processuais anteriores.
3. O recorrente tenta lançar a confusão, tentando separar a deliberação que aprovou o PDM, de todo o procedimento em que a mesma se insere, resultando da sua tese que o dever de fundamentação se aplicaria não ao acto administrativo, mas sim aos tramites procedimentais!
4. O legislador teve o cuidado de, no art. 77, nº 3 do RJIGT, prever expressamente a situação aqui em apreço, impondo a obrigação de fundamentação, que o recorrente não respeitou, sendo certo que igual obrigação resulta do disposto nos artigos 152 e 153 do CPA, bem como do artigo 268, nº 3 da Constituição da República Portuguesa.
5. Também falha a razão ao recorrente quando tenta criar a ideia que autor/recorrido não alegou que a qualificação do seu prédio como terreno sem potencial edificativo era lesiva ou eventualmente lesiva dos seus direitos ou interesses, acrescentando ainda que tal terreno já antes estava classificado da mesma forma.
6. Para além de isso ser totalmente falso (basta ver o teor da reclamação, que consta dos factos provados na sentença), a verdade é que, a tese do recorrente só teria fundamento se existisse na lei alguma disposição a prever que o acto administrativo que aprova a revisão do PDM apenas tem de ser fundamentado na parte em que altera o destino de algum prédio, o que não sucede.
7. A reclamação do recorrido enquadra-se na alínea d) do art. 77, nº 5 do RJIGT, tanto mais que, ao exercer o seu direito de reclamação, aquando da consulta pública, o autor pugnou efectivamente no sentido de ser atribuída aptidão construtiva ao seu prédio, a qual lhe foi negada.
8. Ao contrário do defendido pelo recorrente, não estamos perante uma insuficiência de fundamentação, mas sim da sua falta, sendo certo que em lado algum da sua alegação o recorrente concretiza qual a fundamentação que diz existir.
9. E, ao contrário do que defende o recorrente, uma ponderação (que não existiu) não revelada na fundamentação é inócua.
10. Igualmente não estamos perante uma situação em que (conclusão 18) «o tribunal não pode anular um acto inválido por vício de forma quando for seguro que a decisão administrativa não poderia ter outro conteúdo».
11. Isto porque, ao contrário do alegado pelo recorrente, não existe nos autos, nem no processo administrativo, qualquer documento onde conste a fundamentação que faltou à deliberação que aprovou o PDM.
12. Em desespero de causa, o recorrente vem invocar a necessidade de produção de prova, quanto (i) remete para a prova que diz que já consta nos autos e (ii) se conformou com o douto despacho de 14.6.2018, no sentido de ser suficiente a prova prova documental e não ser necessária a produção de prova adicional para efeitos do conhecimento de mérito.
13. De qualquer modo, não há produção de prova que faça com que um acto administrativo passe a ter uma fundamentação que dele não consta!!!
14. Sobre isso, diz-se na sentença sob recurso (sublinhado e negrito nosso):
«III
A questão que cabe ao Tribunal apreciar prende-se com o vício de fundamentação por incumprimento do artigo 77º, n.ºs 5 e 6 do Decreto-lei 380/99, de 22 de setembro e dos artigos 151º, 152º e 153º do C.P.A..
IV
Com relevo para a decisão a proferir, em torno da questão decidenda, julgam-se provados os seguintes factos:
...
Fundamentação:
Os factos dados como assentes supra tiveram por base os documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, e/ou não resultaram controvertidos.
A matéria de facto não provada resultou da ausência de suporte documental quanto aos concretos aspetos ali referidos, sendo que os documentos ora juntos se revelaram insuficientes, não só pela ausência de referência à sua autoria, como à indeterminação do seu conteúdo.
...
Considerando que está em causa apenas o vício de fundamentação, fixou-se matéria de facto unicamente relevante para que se profira decisão quanto a esta invocação. Da matéria fixada resultou que a fundamentação dada à rejeição da reclamação do Autor (que suportará o ato de revisão do PDM) foi a seguinte:
“A pretensão contraria as disposições do Regime Jurídico da RAN – Reserva Agrícola Nacional (D.L. 73/2009, de 31 de Março), no que concerne à redelimitação da RAN. A proposta foi apresentada à DRAPN – Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte e rejeitada.”.
No decurso do processo, o Réu juntou documentação no sentido de demonstrar a rejeição por parte da DRAPN (e que vincularia o indeferimento).
Todavia, tal documentação revelou-se inidónea a provar o que o Réu pretendia – provou-se que há um documento com o teor que o Réu reporta (cfr. factos 8 a 11 supra) mas não se demonstrou que tivesse havido qualquer ponderação por parte da DRAPN quanto à reclamação do Autor.»
15. O réu desconsiderou ostensivamente os interesses do autor, nem sequer se dando ao trabalho de ponderar os seus argumentos, os quais tinha de analisar expressamente e a decisão que os desatendesse teria de ser fundamentada de facto e de direito.
16. Ora, como sublinha a sentença:
«Acresce que a invocação, também pelo Réu, de que a resposta dada ao Autor foi a mesma que foi dada a muitos outros reclamantes e que nenhum mais se queixou é um argumento completamente inócuo. Mal estavam os direitos se só existissem na medida em que há mais do que uma pessoa a exercê-los. Além do mais, a ilegalidade não legitima a sua perpetuação no tempo, o facto de ter havido falta de fundamentação em vários atos e tal não ter tido quaisquer consequências (nomeadamente queixas) não pode permitir que se convalide o ato que é, por falta de fundamentação, anulável.»
17. E não se diga, como faz o recorrente, que “o julgamento desprezou em absoluto o documento nº 4 que o réu juntou aos autos na sua pronúncia de 22.01.2016”, quer porque a sentença levou em conta essa realidade, quer porque o recorrente nem sequer concretiza o relevo que pretende dar a tal documento.
18. Aliás, a tese do recorrente traduz uma ostensiva ofensa ao princípio da livre apreciação da prova (art. 607, nº 5 do CPC), sublinhando-se que o réu não invoca a nulidade da sentença por omissão de pronuncia.
19. A sentença foi clara e inequívoca:
«O Réu sustenta que o procedimento encetado passou pela recolha das reclamações, triagem das mesmas (mediante análise por parte de um representante da DRAPN) e que só parte das apresentadas foram, efetivamente, a emissão de parecer quer pela DRAPN quer pela entidade regional da RAN. A do Autor terá ficado só pela triagem inicial, tendo merecido por parte do representante da DRAPN um “N”.
Ora, desde logo, é forçoso afirmar que se desconhece, de todo, a autoria do “N” e de todas as aposições manuscritas constantes do documento 2 (levado à matéria de facto assente sob os pontos 8 a 11). Ainda que o Réu sustente que as mesmas sejam do representante da DRAPN e da representante do Município, tal não conseguiu retirar das meras aposições que do documento constam.
Por outro lado, desconhece-se, também, o significado das aposições manuscritas:
“Pretende manter em Espaço Agrícola”;
“Para análise”;
“N”.
Acresce, ainda, que não se provou o procedimento que o Réu diz ter sido efetuado – mormente quanto à análise pelo representante da DRAPN – nem o que (assumindo que o procedimento haja sido efetuado como referido pelo Réu) motivou aquele representante a emitir parecer desfavorável quanto ao pedido do Autor. Ou seja, não se demonstrou que tivesse havido intervenção do referido técnico, nem o que sustentou a sua alegada emissão de parecer com o teor de “N”.
Mais, não foi possível verificar se houve alguma instrução quanto ao pedido do Autor, se a sua pretensão foi sequer liminarmente analisada ou se a mesma, a final, teria qualquer viabilidade.
Não havendo sido demonstrado o cumprimento de qualquer trâmite, nem quanto à emissão de um parecer que o Réu afirma ser vinculativo e que não permitiria qualquer margem de decisão e que, portanto, obrigaria ao aproveitamento do ato administrativo, não é possível aferir, sequer, da eventual legalidade do ato, desconsiderando a falta de fundamentação já julgada.
Isto é, não é possível apreciar e julgar a validade do conteúdo do ato administrativo impugnado, quando, na verdade, não se demonstrou que o procedimento, que culminou com a sua emissão, era legal, excetuando a questão da fundamentação (que se julgou ocorrer).
Em suma, não pode, de modo algum, proceder-se ao referido aproveitamento do ato administrativo, anulando-se o mesmo pelo vício de fundamentação como acima referido.»
20. Por tudo o exposto, o recurso não merece provimento.
TERMOS em que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo réu, assim se fazendo a devida
JUSTIÇA.»
1.6. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 146º, n.º 1 do CPTA, o Ministério Público não emitiu parecer.
1.7. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2. Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.1. Assentes nas enunciadas premissas, e antes de elencarmos as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN, as questões a decidir são as seguintes:
a- saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento sobre a matéria de direito por ter considerado que a deliberação da Assembleia Municipal de VN_ que a aprovou a revisão do PDM é anulável, por força de vício do procedimento decorrente da falta de fundamentação da resposta à reclamação apresentada pelo Autor em sede de revisão do PDM, violando, assim, o disposto no artigo 77.º do DL 380/99, art.º 268, n.º3 da CRP e artigos 124.º e 125.º do CPA;
b- se enferma de erro de julgamento por ter recusado o aproveitamento do “ato administrativo”, com o argumento de o Apelante não ter demonstrado documentalmente que tivesse havido qualquer ponderação da reclamação apresentada pelo Autor, por parte da DRAPN;
Subsidiariamente,
c- se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento sobre a matéria de facto na parte em que julgou não provados os factos enunciados nos pontos 1 a 5 do elenco da matéria de facto não provada, impondo-se determinar a produção de prova testemunhal.
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III- FUNDAMENTAÇÃO
III.A- DE FACTO
3.1. A 1.ª Instância deu como assentes os seguintes factos:
«1. Pelo aviso 1978/2001, 2ª Série, publicado em Diário da República, em 05.03.2001, foi iniciado procedimento de revisão do PDM – cfr. doc. 1 junto com a petição inicial;
2. Em 29.01.2015, foi aberto período de discussão pública no âmbito do procedimento de revisão do PDM, por aviso publicado em Diário da República, 2ª Série, em 13.02.2015;
3. O Autor, em 31.03.2015, apresentou participação/reclamação, nos termos do artigo 77º do RJIGT, com o seguinte teor – cfr. doc. 2 junto com a petição inicial:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

4. Tal reclamação deu origem ao n.º de registo 10281/2015;
5. Com data de 09.06.2015, foi publicado o seguinte edital – cfr. doc. 5 junto com a petição inicial:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

6. A pronúncia quanto à reclamação do Autor foi desfavorável, com a seguinte ponderação – cfr. doc. 6 junto com a petição inicial:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

7. Em 25.06.2015, a Assembleia Municipal de (...) deliberou aprovar a revisão do PDM de (...) – cfr. doc. 7 junto com a petição inicial;
8. Foi elaborado documento pelo Réu, do qual, entre o mais se retira, quanto à reclamação do Autor o seguinte – cfr. doc. 2 junto com o requerimento de 22.01.2016 (apenas no suporte físico do processo):
“Análise técnica – A pretensão contraria o princípio da continuidade e representatividade;
Decisão – desfavorável”;
9. Foi aposto, à mão, junto do nome do Autor, o seguinte – cfr. doc. 2 junto com o requerimento de 22.01.2016 (apenas no suporte físico do processo):
“Pretende manter em Espaço Agrícola”;
10. Foi aposto, à mão, em observações, o seguinte - cfr. doc. 2 junto com o requerimento de 22.01.2016 (apenas no suporte físico do processo):
“Para análise”;
11. Foi aposto, à mão, junto de “desfavorável” o seguinte – cfr. doc. 2 junto com o requerimento de 22.01.2016 (apenas no suporte físico do processo):
N”;
12. O documento 2 encontra-se assinado em dois locais, com datas de 15.04.2015 e 21.04.2015 – cfr. doc. 2 junto com o requerimento de 22.01.2016 (apenas no suporte físico do processo);
13. O Autor não teve conhecimento do referido nos pontos 8 a 11;
14. A petição inicial que origina os presentes autos foi remetida a este Tribunal, via correio eletrónico, em 24.09.2015 – cfr. fls. 1 dos autos em suporte físico.
Matéria de facto não provada
Não resultou provado que:
1. A pretensão de reclassificação do terreno reclamada pelo Autor foi rejeitada pela Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte (DRAPN);
2. Após recolha de todas as reclamações apresentadas, os técnicos do Município procederam, de acordo com orientação previamente definida em reunião com o representante da DRAPN (Engenheiro Luís brandão), a uma triagem, visando afastar as que não cumpriam os critérios fixados na lei, elaborando no final desse trabalho de análise técnica um relatório para submeter à apreciação do mesmo representante da DRAPN;
3. O técnico municipal incumbido de proceder à triagem das reclamações referentes aos solos das freguesias de (…), União de Freguesias de (...), (…) (Arqª IA...) considerou, de acordo com os referidos critérios, que a reclamação apresentada pelo Autor não merecia deferimento, ainda que parcial, dada a qualificação do solo proposta: “Espaço Agrícola” com a condicionante “RAN”;
4. Antes desse relatório ter sido submetido à apreciação do representante da DRAPN, a Diretora do Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal entendeu submeter à análise do mesmo representante a possibilidade de retirar a condicionante “RAN” ao solo em questão, mantendo apenas a qualificação de “Espaço Agrícola”;
5. O representante da DRAP não aceitou (“N”) a retirada daquela condicionante, mantendo o indeferimento da reclamação e a proposta inicial de qualificação do solo: “Espaço Agrícola” com a condicionante “RAN”.
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Com interesse e relevância para a decisão a proferir, nada mais se julgou provado ou não provado.
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Fundamentação:
Os factos dados como assentes supra tiveram por base os documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, e/ou não resultaram controvertidos.
A matéria de facto não provada resultou da ausência de suporte documental quanto aos concretos aspetos ali referidos, sendo que os documentos ora juntos se revelaram insuficientes, não só pela ausência de referência à sua autoria, como à indeterminação do seu conteúdo.
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III.B.DE DIREITO
Vem o presente recurso interposto pelo Apelante Município contra a sentença recorrida que julgou a ação procedente por considerar que a deliberação de 26 de junho de 2015 da Assembleia Municipal de (...) (AMVN_) que aprovou a revisão do plano diretor municipal de (...) (PDM) é anulável por falta de fundamentação da reposta dada à reclamação apresentada pelo Autor marido na fase de discussão pública daquele PDM.
Vejamos.
A atividade de planificação é tão antiga como a vida do homem em sociedade, mas registou um impulso assinalável com a passagem do Estado Liberal para o Estado de Direito Social, marcada por uma forte intervenção do Estado que deixou de limitar a sua atuação à condição de garante da ordem pública interna e de segurança externa, passando à condição de prestador, em ordem a assegurar o desenvolvimento económico e social e a promoção da justiça social. Com a assunção de um papel ativo na criação de condições de vida dignas, a Administração Pública passou a sentir necessidade de programar racionalmente a sua atividade, definindo opções, construindo estratégias de desenvolvimento e fixando metas, para o que teve a necessidade de recorrer aos denominados planos, como instrumentos adequados a essa programação.
Essa atividade de planificação, também abarca a planificação territorial ou do espaço, como instrumento ao serviço da transformação social e económica sustentável, não se deixando a ocupação do solo entregue ao arbítrio, mas enquadrando-a, em ordem a garantir um urbanismo ordenado. Ao nível dos instrumentos de planificação e para o que releva à economia destes autos, assumem particular significado os planos municipais de ordenamento do território, podendo ler-se no artigo 84.º, n.º1 do DL 380/99 ( versão aplicável aos autos) que: « 1- O plano diretor municipal estabelece o modelo de estrutura espacial do território municipal, constituindo uma síntese da estratégia de desenvolvimento e ordenamento local prosseguida, integrando opções de âmbito nacional e regional com incidência na respetiva área de intervenção».
De acordo com o disposto no n.º1 do artigo 69.º do D.L. n.º 380/99, de 22/09, os Planos Municipais de Ordenamento do Território “são instrumentos de natureza regulamentar, aprovados pelos municípios”. A sua “elaboração” é da competência da Câmara Municipal (74º nº 1)
E no artigo 70.º do mesmo diploma, prevê-se expressamente que os planos diretores municipais visam estabelecer, entre outros, a « tradução, no âmbito local, do quadro de desenvolvimento do território estabelecido nos instrumentos de natureza estratégica de âmbito nacional e regional» ( al. a), a « expressão territorial da estratégia de desenvolvimento local» ( al.b), a «articulação das políticas setoriais com influência local» ( al. c), a « base de uma gestão programada do território municipal» ( al. d), a «definição da estrutura ecológica municipal» ( al. e), os «princípios e as regras de garantia da qualidade ambiental e da preservação do património cultural» ( al. f)., os «parâmetros de uso do solo» ( al. i), os « parâmetros de uso e fruição do espaço público» ( al. j).
Constituem «o núcleo central ou o instituto fundamental de todo o direito do urbanismo» - cfr. Fernando Alves Correia, in Manual de Direito do Urbanismo, Vol. I, Almedina, pág.240 – nele se definindo os princípios e regras respeitantes à ocupação, uso e transformação do solo, de tal forma que, por via dos mesmos, também os particulares ficam a conhecer o tipo e intensidade de utilização que podem dar à sua parcela de terreno, sendo como tal « um fator de previsibilidade das decisões administrativas de gestão urbanística» - cfr. ob. cit.pág, 241.
No que tange ao uso do solo, dispõe o n.º1 do art.º 71 que o seu regime é definido nos planos municipais através da classificação e da qualificação do solo, dispondo-se no art.º 72, n.º1 que a «classificação do solo determina o destino básico dos terrenos, assentando na distinção fundamental entre solo rural e solo urbano» e no art.º 73,º, n.º1 que a qualificação do solo « atenta a sua classificação básica, regula o aproveitamento do mesmo em função da utilização dominante que nele pode ser instalada ou desenvolvida, fixando os respetivos uso e, quando admissível, edificabilidade».
Deste modo, pode afirmar-se que o plano diretor municipal tem como função primordial a estruturação espacial do território municipal, função que se alcança pela referenciação espacial dos vários usos e atividades neles admitidos, ou seja pela afetação de parcelas do território ao desempenho de determinados fins. E a conformação do território municipal faz-se através da técnica do zonamento funcional, pela qual o município procede às escolhas fundamentais referentes à localização de funções e das atividades humanas a prever – habitacionais, industriais, turísticas, comerciais e de serviços, tendo na sua base as tarefas essenciais para definição do regime do uso do solo: a sua classificação e qualificação.
De harmonia com o preceituado no n.º 1 do artigo 15.º da LBPOTU “a classificação do solo determina o destino básico dos terrenos e assenta na distinção fundamental entre solo rural e solo urbano”.
O solo rural é aquele para o qual é reconhecida vocação para as atividades agrícolas, pecuárias, florestais ou minerais, assim como o que integra os espaços naturais de proteção ou de lazer, ou que seja ocupado por infraestruturas que não lhe confiram o estatuto de solo urbano.
O solo urbano, por seu turno, é aquele para o qual é reconhecida vocação para o processo de urbanização e de edificação, nele se compreendendo os terrenos urbanizados ou cuja urbanização seja programada, constituindo o seu todo o perímetro urbano
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Por outro lado, conforme preceituado no n.º 3 do citado preceito legal “a qualificação dos solos regula, com respeito pela sua classificação básica, o aproveitamento dos terrenos em função da atividade dominante que neles possa ser efetuada ou desenvolvida, estabelecendo o respetivo uso e edificabilidade”.
É, precisamente, nestas concretas tarefas de classificação e qualificação dos solos, as quais se apresentam como o fim último da atividade de planeamento urbanístico, que a Administração municipal goza de uma ampla margem de conformação, que contudo, não é ilimitada..
Como sublinha Fernanda Paula Oliveira - Cfr. in “A discricionariedade de planeamento urbanístico municipal na dogmática geral da discricionariedade administrativa”, Almedina, 2011, págs 127/128- se na decisão de classificação dos solos o município se encontra vinculado pelas classes de solos legalmente admitidas - já que, nos termos da lei, os planos apenas os podem classificar como urbanos ou rurais-, já na determinação concreta daqueles que devem ser reconduzidos a cada uma das referidas classes tal discricionariedade é manifesta, desde logo porque, mesmo quando a lei aponta as características mais marcantes de cada uma daquelas classes, fá-lo com o auxílio de conceitos indeterminados que apelam, claramente para uma decisão do próprio município: o solo urbano é definido como aquele para o qual é reconhecida (pelo município) vocação para o processo de urbanização, nele se integrando os solos já urbanizados e os solos cuja urbanização seja programada (pelo município) ou passível de ser programada (no entender do município); o solo rural, por sua vez, é aquele para o qual é reconhecida (pelo município) vocação para atividades não artificiais – agrícolas, pecuárias, florestais e minerais -, integrando os espaços naturais de proteção ou de lazer, ou ainda solos que embora admitam alguma ocupação urbanística, esta não implique a sua reclassificação como solo urbano”.
Importa sublinhar, que com a aprovação do Decreto Regulamentar n.º 11/2009, que estabeleceu os critérios gerais a que os municípios devem atender na classificação dos solos, como rústicos ou urbanos, delimitando, por essa via, o perímetro urbano, esta discricionariedade é, hoje, mais limitada, mas “porque estão em causa meros critérios abstratos (alguns recorrendo mesmo à utilização de conceitos indeterminados: aptidão, incompatível, indispensabilidade, adequação), os municípios continuam a deter uma ampla margem de discricionariedade que, para além de garantir a autonomia de que estas entidades territoriais estão dotadas (e devem estar, nestes domínios), permite a adequação desta tarefa à realidade local. Alguns destes critérios apontam, mesmo, para opções tomadas previamente pelos próprios municípios, como a definição da sua estratégia de desenvolvimento local, com as quais a tarefa de classificação do solo tem de estar articulada, por ser uma forma de as implementar.
O que significa continuar a remeter-se o essencial desta opção para o próprio município (para a sua conceção de ocupação territorial e para as estratégias económicas e sociais por si definidas (…)” – (Cfr. Autora e obra citadas, pág.390/391).
Uma vez concluída a tarefa de classificação dos solos, procede-se à sua qualificação, a qual se reconduz à determinação das potencialidades dos terrenos em função do uso dominante que neles pode ser desenvolvido, estabelecendo, para além dos correspondentes usos, também quando admissível, a respetiva edificabilidade.
O Decreto Regulamentar 11/2009, à semelhança do que se estabeleceu para a classificação dos solos, fixou critérios para a respetiva qualificação, ou seja, para a determinação do uso dominante a que podem ser afetos os solos rurais e os solos urbanos.
Avultam entre tais critérios verdadeiros princípios jurídicos de planeamento territorial, tais como o princípio da compatibilidade de usos (garantindo a separação de usos incompatíveis e favorecendo a mistura de ocupações e usos compatíveis sempre que tal contribua para uma maior diversidade e sustentabilidade territoriais), o princípio da graduação (garantindo que nas áreas onde convirjam interesses públicos entre si incompatíveis seja dada prioridade àqueles cuja prossecução determine o mais adequado uso do solo, em termos ambientais, económicos, sociais e culturais) e o princípio da estabilidade (consagrando critérios de qualificação do solo e de definição da utilização dominante que representem um referencial estratégico e garantístico estável no período de vigência do plano).
Todavia, considerando “o facto de aqueles critérios se encontrarem identificados de um modo bastante aberto (utilizando de forma acentuada, conceitos indeterminados ou correspondendo a princípios jurídicos da atividade administrativa cuja conteúdo é relativamente indeterminado), terá de se concluir que também aqui cabe em grande medida à câmara municipal “fechar aquela discricionariedade”, juntando aos critérios da lei outros, determinados por si, que sejam adaptados à realidade física, económica, e social do seu território, de onde se conclui existir uma ampla discricionariedade por parte da Administração municipal”- (Cfr. Autora e obra citadas, pág. 402).
O grau de discricionariedade de que gozam os órgãos administrativos na tarefa de planeamento do território é, enquanto discricionariedade normativa, bastante acentuado” e este “nível de discricionariedade é particularmente visível no caso do planeamento municipal, na medida em que o município pode, em função de uma estratégia previamente por si definida, estabelecer o respetivo modelo de ocupação territorial, decidindo por um ou por outro tipo de destino ou utilização a atribuir a cada parcela do território, pela melhor localização de um equipamento coletivo ou de novas zonas verdes, pela delimitação mais ampla ou mais restrita do respetivo perímetro urbano, determinando a este propósito, a direção que a expansão urbana há- de tomar, etc.” – (Cfr. autora e obra cit., pág. 127/128).
Esta discricionariedade de planeamento de que goza a Administração comporta várias dimensões: a discricionariedade de elaboração do plano, compreendendo a discricionariedade quanto à decisão de elaboração do plano (o an); quanto à determinação do momento mais adequado para o efeito (o quando); e quanto ao tipo de instrumento a adotar; a discricionariedade procedimental e a discricionariedade na determinação dos conteúdos dos instrumentos planificadores. Esta última dimensão integra, por sua vez, a discricionariedade de aposição de condições, termos, modos e outras cláusulas acessórias ao plano (quomodo) e a de definição das concretas opções de ocupação territorial (o quid).
A todas estas dimensões acresce ainda o poder de modificação (revisão e alteração) do plano, por forma a adaptar-se à evolução das condições económicas, sociais, culturais e ambientais que determinaram a elaboração do mesmo.
Sublinhamos que toda a regulamentação referente a ordenamento do território é dinâmica, sendo a própria lei de bases da política do ordenamento do território e de urbanismo- Lei n.º 48/98, de 11.8, aplicável ao tempo- que impõe a mutação dos instrumentos reguladores por mutação da realidade: «Os instrumentos de desenvolvimento territorial e os instrumentos de política sectorial são alterados sempre que a evolução das perspetivas de desenvolvimento económico e social o determine» (artigo 25.º, n.º 1). Sendo que, quanto aos instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares, determinando embora um período de vigência mínima, determina, também, a obrigatoriedade de revisão em prazo legalmente definido (art. 25.º, n.º 2 e art. 27 do citado diploma).
Nesse sentido lê-se também no art.º 71.º, n.º2 do DL 380/99 que a «reclassificação ou requalificação do uso do solo processa-se através dos procedimentos de revisão ou alteração dos planos municipais de ordenamento do território» e no n.º 3 do art.º 72.º estabelece-se que a «requalificação do solo como solo urbano tem caráter excecional sendo limitada aos casos em que tal for comprovadamente necessário face à dinâmica demográfica, ao desenvolvimento económico e social e à indispensabilidade de qualificação urbanística».
O legislador acautelou a necessidade de revisão dos instrumentos de planeamento urbanístico, em razão da necessidade de adaptação ás novas exigências da evolução da sociedade e às conceções que em cada momento se vão impondo, tudo em ordem a descobrir as melhores formas de garantir a vida dos seres humanos na mais completa harmonia possível com a natureza. «Essas novas conceções vão sendo plasmadas na lei, nas diversas leis, sempre no sentido de procurar evitar cometer alguns dos erros que se cometeram no passado, de modo que só é possível falar em estabilidade definitiva nesta área em casos muito excecionais que terão de resultar inequivocamente da lei»- (cfr. Acórdão do Pleno do STA, de 06/03/2007, Processo n.º 0873/03).

Dito isto, e centrando agora nossa abordagem no procedimento de formação dos planos, com o que contende o essencial da questão em discussão nestes autos, trata-se de uma fase indiscutivelmente importante, em que assume relevância a participação dos interessados como um dos limites à liberdade de modelação ou conformação dos mesmos (art.º 65º.5 da CRP, art.º 5º f) e 21º. 2 da Lei n.º 48/98, art.º 6º, 40º, 48º, 58º, 65º, 77º do DL 380/99).
É irrefragável que todos os interessados têm o direito de participar no procedimento de formação dos planos territoriais ( art.º 65.º, n.º5 da Constituição), o que «compreende a possibilidade de formulação de sugestões e pedidos de esclarecimento ao longo do procedimento de elaboração, alteração, revisão, execução e avaliação, bem como a intervenção na fase de discussão pública que precede obrigatoriamente a aprovação» ( n.º1 do art.º 6.º do DL 380/99), sendo que as entidades públicas responsáveis pela elaboração, alteração ou revisão « estão sujeitas ao dever de ponderação das propostas apresentadas, bem como de resposta fundamentada aos pedidos de esclarecimento formulados» ( n.º 4 do mesmo preceito).
No que tange especificamente ao direito de participação relativamente ao processo de formação dos planos diretores municipais rege o artigo 77.º do DL 380/99, que contém uma disciplina particularmente minuciosa, o que se compreende tendo em conta que estes planos produzem efeitos jurídicos diretos e imediatos em face dos particulares.
Lê-se neste preceito:
«1- Ao longo da elaboração dos planos municipais de ordenamento do território, a câmara municipal deve facultar aos interessados todos os elementos relevantes para que estes possam conhecer o estádio dos trabalhos e a evolução da tramitação procedimental, bem como formular sugestões à autarquia e à comissão mista de coordenação.
2-(…)
3- Concluído o período de acompanhamento e, quando for o caso, decorrido o período de concertação, a câmara municipal procede à abertura de um período de discussão pública, através de aviso a publicar …dos quais consta a indicação do período de discussão, das eventuais sessões públicas a que haja lugar, dos locais onde se encontra disponível a proposta, acompanhada do parecer da comissão mista de coordenação ou da comissão de coordenação regional e dos demais pareceres eventualmente emitidos, bem como da forma como os interessados podem apresentar as suas reclamações, observações ou sugestões.
4-(…)
5- A Câmara municipal ponderará as reclamações, observações, sugestões e pedidos de esclarecimento apresentados pelos particulares, ficando obrigada a resposta fundamentada perante aqueles que invoquem, designadamente:
a) A desconformidade com outros instrumentos de gestão territorial eficazes;
b) A incompatibilidade com planos, programas e projetos que devessem ser ponderados em fase de elaboração;
c) A desconformidade com disposições legais e regulamentares aplicáveis;
d) A eventual lesão de direitos subjetivos.
6- A resposta referida no n.º anterior será comunicada por escrito aos interessados, sem prejuízo do disposto no artigo 10.º, n.º 4, da lei n.º 83/95, de 31 de agosto.
7-(…)
8- Findo o período de discussão pública, a câmara municipal divulga e pondera os respetivos resultados e elabora a versão final da proposta para aprovação.
9.-(…)».
Uma vez concluída a versão final da proposta para aprovação, a mesma é objeto de “parecer” da respetiva “Comissão de Coordenação Regional” que incide “sobre a conformidade com as disposições legais e regulamentares vigentes, bem como sobre a articulação e coerência da proposta com os objetivos, princípios e regras aplicáveis no município em causa, definidos por quaisquer outros instrumentos de gestão territorial eficaz” (artº 78º), sendo posteriormente aprovado “pela assembleia municipal, mediante proposta apresentada pela câmara municipal” (artº 79º nº 1), sendo certo que a Assembleia Municipal dispõe de poderes para introduzir alterações à proposta apresentada pela câmara municipal que eventualmente considere adequadas (artº 79º nº 2).
À inegável amplitude dos poderes discricionários que assistem à administração municipal, no domínio da planificação urbanística, quis o legislador contrapor a existência de uma disciplina rigorosa do procedimento de formação dos planos de forma a permitir uma avaliação conscienciosa dos vários interesses abrangidos.
« A doutrina salienta, ainda que, “quanto mais a Administração tende a subtrair-se ao domínio da lei”, não se apresentando como mera executora da mesma, mas antes dotada de um poder criativo e conformador do direito, tanto mais necessária se torna a participação do cidadão, na dupla perspetiva ( subjetiva e objetiva), com a função de “compensar” um poder discricionário que, em alguns setores, como o da planificação urbanística, atinge uma extensão considerável. Reconhece-se, de facto, que a subordinação da atividade planificatória a um procedimento administrativo, no qual seja reconhecido ao particular o direito de apresentar e de fazer valer as suas próprias razões e os seus próprios interesses, em contraditório com os outros particulares e com os representantes da comunidade e dos vários interesses coletivos, e a consequente obrigação imposta à Administração de levar em consideração, nas opções que vier a tomar no domínio do conteúdo do plano, as “sugestões” e “observações” dos cidadãos, através de uma motivação suficientemente pormenorizada, constituem limites apreciáveis à liberdade de conformação da Administração»- ( cfr. Fernando Alves Correia, in Manual de Direito do Urbanismo, Vol. I, Almedina.pág. 284-285).
Precise-se que o artigo 65.º, n.º5 da Constituição impõe uma participação dita preventiva, que tem lugar logo após a divulgação da decisão ou deliberação de elaboração/revisão do plano, assim como prevê uma participação que verse sobre a proposta do plano, por via de regra no período de discussão pública, que é a situação que temos em mãos, dita de participação sucessiva ou formal. E abrange também os mecanismos considerados essenciais para garantir a eficácia do direito á participação, que pressupõe, por um lado, a disponibilização aos interessados de toda a informação relevante sobre os objetivos e opções do plano, e por outro lado, o dever de a Administração examinar e ponderar as reclamações, observações, sugestões e pedidos de esclarecimento apresentados pelos particulares no exercício do direito de participação e, bem assim, a obrigação de levar ao conhecimento dos interessados o resultado de tal exame e ponderação.
No âmbito do processo de formação dos planos diretores municipais, conforme decorre do art.º 77.º do DL 380/99, acima transcrito, a participação sucessiva ocorre logo que concluída a fase de elaboração da proposta do plano e aberto o período de discussão pública.
Resulta do quadro legal que já enunciámos que a Administração tem o dever de ponderar os interesses dos proprietários dos solos no procedimento de formação dos planos, que é particularmente intenso nos planos diretores municipais, atento o facto de serem dotados de eficácia plurisubjetiva. Em regra, está em causa o interesse do particular na edificabilidade dos terrenos de que é proprietário, sem que, esse interesse seja elevado ao nível de um direito subjetivo. Ou dito de outra forma, o proprietário não é titular de um poder de exigir que o seu interesse seja consagrado no plano. Os interesses do proprietário do solo não têm de antemão qualquer preferência ou primazia perante os interesses públicos. O proprietário do solo tem apenas o direito de exigir que o seu “interesse” seja tomado em consideração no procedimento de ponderação.
Posto isto, está em causa saber se o Tribunal a quo errou ao considerar que na situação em apreço o apelante não cumpriu o dever de responder fundamentadamente à reclamação apresentada pelo apelado em sede de discussão pública da proposta de revisão do PDM de VN_ ou se, como sustenta o Apelante, esse dever foi devidamente observado.
Resulta da matéria de facto apurada, que pelo aviso 1978/2001, 2ª Série, publicado em Diário da República, em 05.03.2001, foi iniciado procedimento de revisão do PDM de VN_, e que em 29/01/2015 foi aberto o período de discussão pública, tendo nessa sequência, o Autor marido, em 31/02/2015, apresentado participação/reclamação, nos termos do artigo 77º do RJIGT, que dirigiu ao Senhor Presidente da CMVN_, insurgindo-se contra o facto de o imóvel de que é proprietário, juntamente com a A. mulher, localizado em Novais, contra as suas expectativas na proposta de PDM, não passou a ter possibilidade de edificação, quando devia, pelo que a qualificação obrigatória em sede de revisão do PDM não foi corretamente realizada, requerendo a requalificação das condições de edificabilidade do seu terreno com a criação de um corredor de 40 mts de largura paralela à via- Rua da Corredoura- de espaço residencial, espaço urbano de baixa densidade ou outro qualquer cenário que viabilize a construção de uma habitação, tendo como mínimo o definido para os parâmetros de edificabilidade em solo rural no regulamento do PDM, de 0,04m/m2 de área de construção.
Essa reclamação não foi atendida, tendo sido rejeitada com base no seguinte argumentário:
“A pretensão contraria as disposições do Regime Jurídico da RAN – Reserva Agrícola Nacional (D.L. 73/2009, de 31 de Março), no que concerne à redelimitação da RAN. A proposta foi apresentada à DRAPN – Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte e rejeitada.”.
A senhora juiz a quo considerou que, pese embora o Réu tenha junto documentação no sentido de demonstrar a rejeição por parte da DRAPN (e que vincularia o indeferimento), «essa documentação revelou-se inidónea a provar o que o Réu pretendia provou-se que há um documento com o teor que o Réu reporta (cfr. factos 8 a 11 supra) mas não se demonstrou que tivesse havido qualquer ponderação por parte da DRAPN quanto à reclamação do Autor.».
E depois de explanar o que a jurisprudência e a doutrina entendem quanto ao dever de fundamentação dos atos administrativos (artigos 152.º e 153.º do CPA, 268.º, n.º3 da Constituição) considerou que no caso, não se podia dispensar a fundamentação, como sustenta o Réu quando alega que o Autor não invocou qualquer dos fundamentos do artigo 77º, n.º 5 do RJIGT, pelo que, a fundamentação não era obrigatória.
Lê-se na sentença recorrida a seguinte fundamentação a respeito do incumprimento deste dever de fundamentação:
«(…)Desde logo se afirme que a fundamentação é um imperativo constitucional e que, ainda que haja situações pontuais em que a mesma possa ser dispensada, como se referiu acima, tal não é o caso (artigo 152º, n.º 2 do C.P.A.).
Por outro lado, da leitura do referido artigo 77º do RJIGT, também não decorre a tese que o Réu pretende fazer valer. Senão atente-se no artigo 77º, n.º 5:
5 - A câmara municipal ponderará as reclamações, observações, sugestões e pedidos de esclarecimento apresentados pelos particulares, ficando obrigada a resposta fundamentada perante aqueles que invoquem, designadamente:
a) A desconformidade com outros instrumentos de gestão territorial eficazes;
b) A incompatibilidade com planos, programas e projectos que devessem ser ponderados em fase de elaboração;
c) A desconformidade com disposições legais e regulamentares aplicáveis;
d) A eventual lesão de direitos subjectivos.” [sublinhado próprio].
Do que se retira deste artigo é que a fundamentação é obrigatória, designadamente, nas situações ali referidas, mas não unicamente naquelas. A expressão designadamente equivale a exemplificativamente, nomeadamente, a que seja naquelas situações mas também pode ser noutras. Ou seja, a norma não é fechada, taxativa, mas aberta, permite que se inclua, para além daquelas situações, outras, que devem, também, ser obrigatoriamente fundamentadas.
Portanto, não é imperioso que o Autor preencha qualquer das alíneas do artigo 77º, n.º do RJIGT para que a fundamentação seja obrigatória. Aliás, como já se foi referindo, a fundamentação obrigatória decorre, desde logo, do C.P.A. e da C.R.P..
Mas, ainda que a leitura que o Réu faz, fosse a correta (com o que não se concorda), sempre se diria que a situação invocada pelo Autor cabe na alínea d) do já transcrito artigo 77º, n.º 5 – eventual lesão de direitos subjetivos. Sendo a referência legal a “eventual lesão” não se exige lesão efetiva, bastando que, para tal, o Autor a invoque. Cotejada a reclamação/participação do Autor, é fácil de verificar que tal invocação existe, pelo que também por esta via, a fundamentação era devida.
Por ser assim, o ato impugnado é anulável (de acordo com o artigo 163º do C.P.A. vigente à data).
Quanto ao argumento do Réu de que o Autor compreendeu a fundamentação do ato, a verdade é que tal não se demonstrou no presente processo. Veja-se que o Autor, apenas, invoca este vício e não questiona (como faria se tivesse compreendido o iter cognoscitivo empreendido pelo Réu) a não reclassificação do terreno. Refere, de forma genérica, que era, para si, expectável a reclassificação, uma vez que verificou os mapas de 2002, porque a zona tem redes de abastecimento público de água e esgotos, iluminação pública, rede elétrica, mas não ataca o teor do ato, pura e simplesmente, porque não conhece o que o sustenta. Daí que se não se possa degradar em não essencial a formalidade existente.
Acresce que a invocação, também pelo Réu, de que a resposta dada ao Autor foi a mesma que foi dada a muitos outros reclamantes e que nenhum mais se queixou é um argumento completamente inócuo. Mal estavam os direitos se só existissem na medida em que há mais do que uma pessoa a exercê-los. Além do mais, a ilegalidade não legitima a sua perpetuação no tempo, o facto de ter havido falta de fundamentação em vários atos e tal não ter tido quaisquer consequências (nomeadamente queixas) não pode permitir que se convalide o ato que é, por falta de fundamentação, anulável.
No que concerne à circunstância de se estar perante atividade vinculada e que o Réu sempre teria que decidir do modo que decidiu, tal merece maior reflexão e explanação.
O Réu sustenta que o procedimento encetado passou pela recolha das reclamações, triagem das mesmas (mediante análise por parte de um representante da DRAPN) e que só parte das apresentadas foram, efetivamente, a emissão de parecer quer pela DRAPN quer pela entidade regional da RAN. A do Autor terá ficado só pela triagem inicial, tendo merecido por parte do representante da DRAPN um “N”.
Ora, desde logo, é forçoso afirmar que se desconhece, de todo, a autoria do “N” e de todas as aposições manuscritas constantes do documento 2 (levado à matéria de facto assente sob os pontos 8 a 11). Ainda que o Réu sustente que as mesmas sejam do representante da DRAPN e da representante do Município, tal não conseguiu retirar das meras aposições que do documento constam.
Por outro lado, desconhece-se, também, o significado das aposições manuscritas: “Pretende manter em Espaço Agrícola”;
Para análise”;
N”.
Acresce, ainda, que não se provou o procedimento que o Réu diz ter sido efetuado – mormente quanto à análise pelo representante da DRAPN – nem o que (assumindo que o procedimento haja sido efetuado como referido pelo Réu) motivou aquele representante a emitir parecer desfavorável quanto ao pedido do Autor. Ou seja, não se demonstrou que tivesse havido intervenção do referido técnico, nem o que sustentou a sua alegada emissão de parecer com o teor de “N”.
Mais, não foi possível verificar se houve alguma instrução quanto ao pedido do Autor, se a sua pretensão foi sequer liminarmente analisada ou se a mesma, a final, teria qualquer viabilidade.
Não havendo sido demonstrado o cumprimento de qualquer trâmite, nem quanto à emissão de um parecer que o Réu afirma ser vinculativo e que não permitiria qualquer margem de decisão e que, portanto, obrigaria ao aproveitamento do ato administrativo, não é possível aferir, sequer, da eventual legalidade do ato, desconsiderando a falta de fundamentação já julgada.
Isto é, não é possível apreciar e julgar a validade do conteúdo do ato administrativo impugnado, quando, na verdade, não se demonstrou que o procedimento, que culminou com a sua emissão, era legal, excetuando a questão da fundamentação (que se julgou ocorrer).
Em suma, não pode, de modo algum, proceder-se ao referido aproveitamento do ato administrativo, anulando-se o mesmo pelo vício de fundamentação como acima referido.»
É contra o assim decidido que o Apelante se insurge, invocando como fundamento da sua inconformidade, prima facie, que a deliberação impugnada- deliberação da Assembleia Municipal de VN_ que aprovou a proposta final de revisão do PDM- não podia ser questionada com fundamento no vício de procedimento mas apenas com fundamento em vícios próprios dessa deliberação, pelo que nenhuma sindicância judicial autónoma pode ser dirigida contra o ato deliberativo que globalmente aprove o PDM, ou a sua revisão ou alteração, com fundamento nessa ilegalidade. Porém, advoga concomitantemente que o ato que decidiu a reclamação apresentada pelo A. não integra a prática de nenhum ato administrativo nos termos do art.º 120.º do CPA, mas um mero tramite procedimental, pelo que lhe é inaplicável o disposto no n.º3 do art.º 268.º da CRP e nos artigos 124.º e 125.º do CPA.
Sem razão.
É inegável que a ilegalidade que os apelados assacaram à deliberação impugnada reside num vicio do procedimento de formação do plano diretor municipal, atinente ao modo como decorreu o desenvolvimento desse instrumento regulamentar, que teve repercussão naquele ato final.
De acordo com a tese do Apelante, como bem notam os apelados, teríamos um resultado absurdo, « na medida em que o autor não poderia atacar os atos anteriores à deliberação, por não serem atos administrativos, e também não poderia atacar a deliberação, porque apesar de ser um ato administrativo suscetível de impugnação, a mesma não sofreria de um vício porque, nessa tese, nada tem a ver com os trâmites processuais anteriores.
Resulta de forma evidente e explicita da leitura da p.i. que os Autores impugnaram a deliberação da Assembleia Municipal de VN_ que aprovou a proposta final de revisão do PDM e não o ato de tramite traduzido na resposta que a CMVF deu à reclamação que apresentou no decurso do período de discussão pública da revisão daquele plano. Ora, é consabido que as decisões proferidas pela Administração durante a instrução de um qualquer procedimento administrativo em regra não são impugnáveis diretamente por não serem atos com eficácia externa, mas tal não significa que o cometimento de irregularidades ou de ilegalidades nesse processo de formação da decisão final não possa ser arguida em de impugnação da decisão final, quando se verifique que foi preterida uma formalidade essencial, que inquinou a decisão final de ilegalidade.
Da inobservância do dever de fundamentação, resulta a invalidade do procedimento de elaboração do plano, e, por via dela, a invalidade do próprio plano. Trata-se de uma formalidade essencial, cuja inobservância ou deficiente cumprimento afeta a validade substancial do ato de ponderação anteriormente efetuado, inquinando o procedimento de formação do plano e o seu resultado.
No caso, está em discussão saber se atendendo à reclamação apresentada pelo Autor contra a proposta de revisão do PDM no decurso da discussão pública daquele plano, impendia sobre a CMVN_ o dever de responder fundamentadamente a essa reclamação e, caso se conclua afirmativamente, se esse dever foi cumprido ou incumprido considerando o conteúdo dessa resposta.
Como vimos supra, impende sobre a Administração Municipal um dever de fundamentação das respostas que seja instada a dar em consequência de reclamações que os particulares lhe tenham dirigido em relação à proposta de revisão do PDM, o que no caso, exige uma apreciação concreta das razões invocadas pelos mesmos.
A Lei n.º 48/98, de 11/08, estabelece, no artigo 5.º, f), e no artigo 21.º, os princípios da participação dos cidadãos nos procedimentos de elaboração, de execução, avaliação e revisão dos instrumentos de gestão territorial. Estes princípios foram concretizados no Decreto-Lei n.º 380/99, de 22/9, e nos termos do artigo 77.º do DL 380/99, esse dever é particularmente intenso tendo em conta que no âmbito da elaboração/revisão dos PDM, as suas disposições normativas são diretamente aplicáveis. E neste conspecto, importa notar que o escopo nuclear da regularidade do procedimento de elaboração do plano repousa na efetiva ponderação das objeções postas pelos interessados em sede de discussão pública.
Na reclamação apresentada pelo Autor, o mesmo requereu que o imóvel de sua propriedade, inscrito na matriz rústica no artigo 58 da freguesia de (...), que tem aptidão construtiva e pretendendo nele edificar, fosse considerado como apto para construção. Para tal, aduziu um conjunto de razões, entre as quais, que a rua existente no local da situação do imóvel, foi completamente urbanizada, e dotada de infraestruturas (obras de alargamento e repavimentação em asfalto), que foram criadas redes de abastecimento público, de água e esgotos, que foi montada a rede elétrica e colocada iluminação pública, e que dito imóvel apenas tem uma atividade agrícola para autoconsumo, pelo que, o dito imóvel reúne condições de edificabilidade, devendo o município proceder á requalificação do mesmo no sentido requerido.
Daí que, perante o teor da resposta a essa reclamação, os Autores considerem que a deliberação da AMVN_ que aprovou a revisão do PDM é inválida por vício decorrente do procedimento de aprovação, uma vez que não foram respeitados os trâmites procedimentais, mormente, os previstos no art.º 77.º do DL n.º 380/99, de 22/09, por não constar da resposta dada as razões de facto e de direito da decisão desfavorável quanto à sua reclamação, que era exigível nos termos do art.º 77, n.º 5 e art.º do DL 380/99, e artigos 151.º, 152.º e 153.º do CPA, ou seja, por não ter havido uma apreciação concreta dos motivos que explicitaram na reclamação.
E, tal como entendeu a sentença recorrida, cremos assistir-lhes razão. Na verdade, considerando o teor da reclamação apresentada pelos Autores, a resposta dada pela CMVN_, não satisfaz o dever de fundamentação que impende sobre aquela entidade, na medida em que dessa resposta o Autor, assim como qualquer destinatário colocado na sua situação, não logra perceber porque razão os argumentos que aduziu não levaram a uma decisão diferente, no caso, à requalificação do seu imóvel como apto para construção. A resposta em causa limitou-se a informar que a reclamação apresentada foi rejeitada por se tratar de um imóvel inserido em zona RAN. Mas isso já o Autor sabia antes de ter apresentado a dita reclamação a qual se destinava precisamente a alterar essa inserção do prédio em zona RAN. A resposta dada não fornece ao Autor nenhuma razão que o esclareça quanto à falência dos argumentos que aduziu em prol da requalificação do seu imóvel, ou seja, porque razão a invocação quanto à rua existente no local da situação do imóvel, ter sido completamente urbanizada, e dotada de infraestruturas (obras de alargamento e repavimentação em asfalto), o fato de terem sido criadas redes de abastecimento público, de água e esgotos, montada a rede elétrica, colocada iluminação pública, e o facto de dito imóvel apenas ter uma atividade agrícola para autoconsumo, não conduziu à pretendida requalificação do referido prédio para zona urbana.
Como vimos, a Administração Municipal na sua tarefa de planeamento do território goza de uma discricionariedade acentuada, “na medida em que o município pode, em função de uma estratégia previamente por si definida, estabelecer o respetivo modelo de ocupação territorial, decidindo por um ou por outro tipo de destino ou utilização a atribuir a cada parcela do território, pela melhor localização de um equipamento coletivo ou de novas zonas verdes, pela delimitação mais ampla ou mais restrita do respetivo perímetro urbano, determinando a este propósito, a direção que a expansão urbana há- de tomar, etc.”. Como assim, em situações como a presente, em que o Autor reclamava a requalificação do seu imóvel de modo a nele poder edificar, tendo o município amplos poderes ao nível do planeamento municipal, impendia sobre o mesmo o dever de explicitar as razões que nessa sua estratégia seriam quiçá impedimento ao reconhecimento da pretensão formulada.
Contrapõe o Apelante que o Autor não alegou na reclamação que apresentou que a requalificação do seu prédio como terreno sem potencial edificativo era lesiva dos seus direitos ou interesses, como também não alegou ou demonstrou que, nessa revisão, o prédio sofria qualquer alteração na sua classificação ( vide conclusão 10.ª), pelo que, se antes da revisão do PDM o prédio estava classificado como terreno sem aptidão construtiva, ao manter a mesma classificação nessa revisão em nada ficavam afetados eventuais direitos ou interesses do Autor.
Esta forma de equacionar a falta de interesse do Autor na requalificação do seu terreno é deveras bizarra. Como é que se pode afirmar que em face do conteúdo da reclamação apresentada pelo Autor na fase de discussão pública da proposta do PDM de VN_, o mesmo não alegou que a requalificação do seu prédio como terreno sem potencial edificativo era lesiva dos seus interesses, quando o mesmo invocou que pretendia que fosse viabilizada a possibilidade de construção de uma habitação, alegando expressamente que a sua necessidade para esse efeito passava pela requalificação das condições de edificabilidade do seu terreno « tendo como mínimo o definido para os parâmetros de edificabilidade em Solo Rural constantes do regulamento do PDM de 0,4m/m2 de área de construção».
Também não é necessário um grande esforço para perceber que não tem qualquer sentido a conclusão retirada pelo Apelante segundo a qual se o prédio do Autor já estava classificado como terreno sem aptidão construtiva, ao manter a mesma classificação nessa revisão em nada ficavam afetados eventuais direitos ou interesses do mesmo. Isso seria partir do pressuposto que o Autor tinha de se resignar à impossibilidade para todo o sempre de ver alterada a classificação atribuída ao seu prédio ainda que as suas necessidades de utilização desse prédio se tivessem modificado, deixando quiçá de lhe interessar a sua exploração agrícola e surgido a necessidade de nele construir uma habitação, e que fosse insensível às alterações da realidade, cuja evolução é muito dinâmica, ao ponto de se resignar a obter para o seu património uma mais valia como é seguramente um terreno ter potencialidade construtiva, não aproveitando das alterações que eventualmente tenham ocorrido no local da situação do seu prédio. Dificilmente admitimos existirem situações em que o reconhecimento de aptidão construtiva a um prédio não corresponda a um interesse relevante do seu proprietário, quando como se sabe, a aptidão construtiva de um prédio é um atributo que automaticamente eleva o seu valor comercial.
Daí que, tal como entendeu a 1.ª Instância, não podemos deixar de considerar que assiste razão aos Autores, e que a deliberação impugnada é efetivamente anulável por falta de fundamentação, não tendo sido cumprido o sentido da previsão normativa no que aos apelados diz respeito.
Estamos perante o desrespeito de uma formalidade essencial, vício procedimental com virtualidade invalidante do PDM.
E sendo assim, consideramos igualmente que no caso não estão verificados os pressupostos que permitam aplicar a teoria do aproveitamento dos atos inválidos, conquanto, não constando da resposta fornecida pela CMVN_ a ponderação das razões ventiladas pelo Autor, não podemos concluir que o ato a proferir pela CMVN_ só poderia ser aquele e não outro ato de conteúdo diverso, caso tivesse analisado os argumentos invocados.
A teoria do aproveitamento dos atos ilegais, que reconhece relevância dogmática e força diversificadora à eficiência e economia dos atos públicos, considerando que a “ economia de meios é também, em si, um valor jurídico, correspondendo a uma das dimensões do interesse público” podendo-se acrescentar que ele constitui também, e em primeira linha, um dos princípios retores que a CRP ( art. 267.º, n.º5) impõe à atuação administrativa, que se negue relevância invalidante à preterição de uma formalidade, mantendo-se o ato impugnado, quando se possa afirmar que o ato só podia ter como conteúdo o que teve em concreto.
No caso, de forma alguma, se poderia sustentar ser indiferente ao sentido da decisão a proferir a concreta ponderação das razões invocadas pelo Autor na reclamação que apresentou, pelo que, não podemos afiançar que se tivesse sido cumprido o dever de fundamentação na resposta à reclamação, o Município não teria chegado a uma diferente conclusão, que não fosse apenas a de desatender a pretensão do Autor pelo facto de ab initio o seu terreno já estar classificado como terreno sem aptidão construtiva. Note-se que não existe nos autos, nem no processo administrativo, qualquer documento onde conste a fundamentação que faltou à deliberação que aprovou o PDM.
Sendo assim, a sentença nunca poderia retirar o efeito anulatório do vício de omissão de fundamentação, ao abrigo do princípio do aproveitamento do ato. No caso concreto, a fundamentação da reclamação apresentada não era inócua à prolação do ato, tendo em consideração as razões aduzidas pelo Autor nesse documento e os amplos poderes de conformação ao nível do planeamento municipal que é reconhecido á Administração Municipal.
Termos que se impõe manter o decidido pela 1.ª Instância.
Invoca ainda o Apelante, subsidiariamente, que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria facto dada como não provada e que deverá ser ordenada a baixa dos autos à 1.ª Instância para produção de prova testemunhal.
Mas sem razão.
No caso a questão central a decidir era apenas a de saber se a deliberação que aprovou a proposta de revisão do PDM de VN_ era ou não inválida por força do incumprimento do dever de fundamentação que impendia sobre a Administração Municipal em relação ás reclamações apresentadas pelos particulares interessados no âmbito da discussão pública da proposta, no caso, de revisão do PDM de VN_. E para esse desiderato, não releva a produção de prova testemunhal mas o que efetivamente consta da resposta escrita que foi remetida ao Autor a esse respeito, e essa, como vimos, não deixa dúvidas quanto ao incumprimento do dever de fundamentação.
Recorde-se que os factos que se deram como não provados, na sentença recorrida foram os seguintes:
«1. A pretensão de reclassificação do terreno reclamada pelo Autor foi rejeitada pela Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte (DRAPN);
2. Após recolha de todas as reclamações apresentadas, os técnicos do Município procederam, de acordo com orientação previamente definida em reunião com o representante da DRAPN (Engenheiro LB…), a uma triagem, visando afastar as que não cumpriam os critérios fixados na lei, elaborando no final desse trabalho de análise técnica um relatório para submeter à apreciação do mesmo representante da DRAPN;
3. O técnico municipal incumbido de proceder à triagem das reclamações referentes aos solos das freguesias de (…), União de Freguesias de (...), (…) (Arqª IA...) considerou, de acordo com os referidos critérios, que a reclamação apresentada pelo Autor não merecia deferimento, ainda que parcial, dada a qualificação do solo proposta: “Espaço Agrícola” com a condicionante “RAN”;
4. Antes desse relatório ter sido submetido à apreciação do representante da DRAPN, a Diretora do Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal entendeu submeter à análise do mesmo representante a possibilidade de retirar a condicionante “RAN” ao solo em questão, mantendo apenas a qualificação de “Espaço Agrícola”;
5. O representante da DRAP não aceitou (“N”) a retirada daquela condicionante, mantendo o indeferimento da reclamação e a proposta inicial de qualificação do solo: “Espaço Agrícola” com a condicionante “RAN”.»
Estes factos, ainda que provados por recurso à realização de prova testemunhal, não tinham qualquer relevância para conferir fundamentação ao ato impugnado, posto que deles não se poderia extrair em que medida os argumentos invocados pelo Autor eram, ou não eram, aptos a determinar a pretendida requalificação do seu prédio.
Além do mais, como bem observam os apelados, não há produção de prova que faça com que um ato administrativo passe a ter uma fundamentação que dele não consta.
Logo, bem decidiu a senhora juiz a quo, quando considerou que para conhecer do mérito da ação não era necessária a produção de prova testemunhal, sendo bastante os elementos de prova documentais juntos aos autos e constantes do processo administrativo, obstando à prática de atos inúteis.
Em face do explanado, soçobram todos os fundamentos de recurso.
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IV-DECISÃO

Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.

Custas pelos Apelantes (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Porto, 08 de abril de 2022

Helena Ribeiro
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa