Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 01103/06.3BEPRT |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 02/08/2013 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | Rogério Paulo da Costa Martins |
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Descritores: | IMPUGNABILIDADE ACTO ADMINISTRATIVO ACTO CONFIRMATIVO ACTO EXECUÇÃO PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL OMISSÃO DE PRONÚNCIA AUTONOMIA PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS DE LICENCIAMENTO DA EDIFICAÇÃO E DE LICENÇA OU AUTORIZAÇÃO DE UTILIZAÇÃO ACTO CONSTITUTIVO DE DIREITOS ACTO REVOGATÓRIO - REVOGAÇÃO ILEGAL |
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Sumário: | 1. Qualquer decisão administrativa pode ser hoje impugnável, questão é que o seu conteúdo projecte efeitos jurídicos para o exterior, isto é, tenha eficácia externa, independentemente de ser lesivo ou não, face ao disposto no artigo 51º, nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. 2. Para que um acto administrativo seja confirmativo de outro, é necessário, além da identidade dos sujeitos, que os dois actos tenham os mesmos pressupostos, a mesma fundamentação e o mesmo regime jurídico. 3. Em relação aos actos de execução admite-se a impugnabilidade na medida em que padeçam de vícios próprios ou não respeitem os limites impostos pelo acto que visam executar. 4. Não se consagra no artigo 95º, n.º2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, uma regra de patrocínio do autor pelo tribunal sob pena de se subverterem por completo os princípios basilares do processo – quer civil quer administrativo – como sejam o do dispositivo, consagrado no artigo 264º do Código de Processo Civil, e da igualdade das partes, consignado, entre outros, no artigo 3-A do mesmo diploma. 5. O tribunal não pode substituir-se às partes no seu ónus de alegar e provar os factos que interessam a cada uma, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo os factos notórios ou de conhecimento geral (cf. artigos 264º, 514º e 664.º, 2.ª parte, do Código de Processo Civil). 6. Em particular nas acções administrativas especiais cabe ao autor o ónus de indicar na petição inicial “os factos e as razões de direito que fundamentam a acção” e formular o pedido que seja o corolário lógico desses factos e fundamentos jurídicos, nos termos do disposto no artigo 78.º, n.º 2, alíneas g) e h), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. 7. O não conhecimento de vícios eventualmente existentes mas não alegados, não constitui omissão de pronúncia. 8. Os procedimentos administrativos de licenciamento da edificação e de licença ou autorização de utilização são procedimentos autónomos e com tramitação própria. 9. O despacho que autoriza a alteração do uso de estabelecimento para restauração e bebidas é um acto constitutivo de direitos e constitui revogação ilegal deste acto, face ao disposto nos artigos 140º e 141º do Código de Procedimento Administrativo, o despacho que no mesmo procedimento e proferido mais de um ano depois, indefere a pretensão da requerente por falta de legitimidade, com base na alínea c) do artigo 83º daquele diploma, e, consequentemente, ordena o arquivamento dos autos por não ter sido aditado ao processo a autorização por parte dos condóminos respeitante à mudança de uso pretendida. 10. Não constitui acto revogatório de acto constitutivo de direitos o despacho que ainda naquele procedimento ordena a cessação de utilização do aludido estabelecimento, dado ter um objecto distinto do acto que autoriza a alteração do uso de estabelecimento para restauração e bebidas, reportando-se antes a uma situação de facto, a utilização do estabelecimento sem licença de uso que não chegou sequer a ser requerida.* * Sumário elaborado pelo Relator |
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Recorrente: | M & M, Lda. |
Recorrido 1: | Município de Vila Nova de Gaia e Outro(s). |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Não emitiu parecer. |
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Decisão Texto Integral: | EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Invocou para tanto que o despacho saneador violou, por erro de interpretação e aplicação ao caso concreto, o disposto nos artigos 7ºe 95º, n.º2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, nos artigos 92º, 107º e 109º, n.sº1 e 2, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, e no artigo 55º, n.º1, do Código de Procedimento Administrativo. Imputou ao acórdão recorrido, por seu turno, a violação do disposto nos artigos 15°, 17°, 19°, 20°, 21º, 22°, 26°, 28° e 63° do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20.11, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15.10, e nos artigos 133º, alínea h), 140º e 141º, estes do Código de Procedimento Administrativo. Os Recorridos apresentaram contra-alegações autónomas, a defenderem a improcedência de ambos os recursos.
O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer. * Cumpre decidir já que nada a tal obsta. * I – O primeiro recurso, do despacho saneador. São estas as conclusões das alegações do primeiro recurso jurisdicional e que definem respectivo objecto: I. Os actos de 19.01.2006, 30.03.2006 e 05.04.2006 para além dos vícios derivados dos do acto de 17.08.2005, enfermam de vícios próprios, os quais, embora não estejam expressamente elencados na petição inicial, devem ser obrigatoriamente considerados nos autos, por força do disposto no nº 2 do art.º 95º CPTA. II. Os actos de cessação da utilização, e de posse administrativa são da competência do presidente da câmara municipal, enquanto o despejo administrativo é competência da Câmara Municipal. III. Porém, nos autos administrativos sub judice, os mesmos foram praticados por vereador, no exercício de poderes subdelegados pelo presidente da câmara, o qual, por sua vez, os tinha recebido por delegação da câmara municipal. IV. Contudo, tais poderes não são delegáveis e, por conseguinte, também não são subdelegáveis, conforme se pode verificar da mera análise dos respectivos normativos: nenhum deles (art. 107º e 109º do RJUE) prevê a possibilidade de delegação de poderes. V. Os actos impugnados foram praticados no exercício ilegal de uma delegação e subdelegação de poderes, que a lei não prevê, nem permite. VI. Ao que acresce que o acto de que determinou a posse administrativa dos imóveis em que se encontra instalado o estabelecimento da recorrente não determinou o prazo durante o qual a medida deverá perdurar. VII. A ausência de tal indicação constitui um vício próprio do acto que determinou a posse administrativa. VIII. O que também sucede com o acto de 19.01.2006, que ordenou a cessação de utilização do estabelecimento da recorrente, o que, em consequência, invalida também o acto de 05.04.2006. IX. Ainda que o acto de 05.04.2006 seja meramente confirmativo, por reiterar a cessação da utilização do estabelecimento, o certo é que também ele padece de vícios próprios, por ter sido emanada por entidade incompetente para o efeito e por não conter os requisitos (de prazo) de que a lei faz depender a sua validade. X. O que demonstra que quer o acto determinativo da posse administrativa, quer o de cessação de utilização e despejo administrativo têm que ser entendidos como meros actos instrumentais, de natureza temporária ou transitória, enquanto não se verifica o cumprimento dos requisitos legais, materiais ou procedimentais cuja falta é necessariamente seu fundamento. XI. Daí que sem que os referidos actos contenham o prazo pelo qual se manterão ou a circunstância ou acontecimentos (substantivo e/ou procedimental) que determinarão a sua caducidade, tais actos estejam feridos de invalidade e, por isso, sejam anuláveis. XII. Pelo exposto, se conclui como na petição inicial, devendo os actos impugnados ser declarados nulos ou, subsidiariamente, anulados, também com fundamento nos vícios ora invocados. XIII. Face ao acima referido, conclui-se que os actos de 30.03.2006 e de 05.04.2006, não obstante a natureza que assumam, possuem vícios próprios, determinantes da respectiva anulação, sobre os quais o Tribunal a quo se deveria ter pronunciado, o que não fez. XIV. Ao decidir como decidiu, o Tribunal violou, entre outras, as normas dos artºs 7º e 95º, nº 2 do CPTA, 92º, 107º e 109º, nº 1 e 2 do RJUE, e artº 55º, nº 1 do CPA. XV.O Tribunal a quo deveria ter julgado as excepções invocadas improcedentes. * Antes de mais importa referir que, ao contrário do que se pode depreender das conclusões I e VIII, no despacho recorrido, não se julgou inimpugnável o acto de 19.01.2006 mas apenas os actos de 30.03.2006 e 05.04.2006, por serem um de mera execução e ou outro meramente confirmativo do acto de 17.08.2005. O acto de 19.01.2006 foi objecto da decisão de mérito, de improcedência da impugnação. Dito isto vejamos. Dispõe o artigo 51º, nº 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos: «Ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.» Face ao disposto neste preceito é hoje entendimento pacífico o de que a impugnabilidade do acto administrativo, depende apenas da sua externalidade, ou seja, da susceptibilidade de produzir efeitos jurídicos que se projectem para fora do procedimento onde o acto se insere. Neste pressuposto, mostra-se irrelevante, para aferir da impugnabilidade do acto, que ele seja definitivo ou não, lesivo ou não, bem como a sua localização no procedimento. Qualquer decisão administrativa pode ser hoje impugnável, questão é que o seu conteúdo projecte efeitos jurídicos para o exterior, isto é, tenha eficácia externa, independentemente de ser lesivo ou não. Neste sentido ver o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.12.2009, no processo 0140/09, e a vasta doutrina aí citada. Há no entanto que ter em conta também o disposto no artigo 53.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, invocado na decisão recorrida para julgar procedente a matéria de excepção, que: “Uma impugnação só pode ser rejeitada com fundamento no carácter meramente confirmativo do acto impugnado quando o acto anterior: a) Tenha sido impugnado pelo autor; b) Tenha sido objecto de notificação ao autor; c) Tenha sido objecto de publicação, sem que tivesse de ser notificado ao autor. Estes requisitos, não são, no entanto, de aplicação cumulativa mas alternativa. Cada alínea, por si só, contém uma previsão autónoma das restantes. Como refere Mário Aroso de Almeida, em “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, 4ª edição revista e actualizada, p. 163: “…o acto meramente confirmativo também não pode ser impugnado por quem, estando constituído no ónus de impugnar o acto anterior dentro dos prazos legais, não o tenha feito, na medida em que, de outro modo, se estaria a permitir que o litígio fosse suscitado sem observância dos prazos legais. Neste sentido, as alíneas b) e c) do artigo 53.° estabelecem que o acto meramente confirmativo não pode ser impugnado se o acto anterior tiver sido notificado ao interessado ou, em alternativa, se o acto anterior tiver sido publicado, nos casos em que o interessado não tivesse de ser notificado e, por isso, bastasse a publicação para que ele se lhe tornasse automaticamente oponível (cfr., a propósito, artigo 59.°)” . O preceito em análise manteve o que dispunha o artigo 55º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (com sublinhado nosso): “O recurso só pode ser rejeitado com fundamento no carácter meramente confirmativo do acto recorrido quando o acto anterior tiver sido objecto de notificação ao recorrente, de publicação imposta por lei ou de impugnação de deduzida por aquele.” Daí que se mantenha válida a doutrina (e a jurisprudência) emanada na vigência da legislação anterior. Um acto confirmativo não é um acto administrativo uma vez que nada inova na esfera jurídica do destinatário que não vê alterado o “status quo ante”, limitam-se a manter uma situação (lesiva) anteriormente criada, sem produzir qualquer efeito — cfr. Rogério Soares, in “Direito Administrativo (Lições)”, pág. 346; Sérvulo Correia, in “Noções de Direito Administrativo”, página 347. O acto confirmativo é aquele que se limita a repetir um acto administrativo anterior, «sem nada acrescentar ou retirar ao seu conteúdo» — Marcello Caetano, in “Manual de Direito Administrativo” Volume I, página 452. Para que um acto administrativo seja confirmativo de outro, é necessário, além da identidade dos sujeitos, que os dois actos tenham os mesmos pressupostos, a mesma fundamentação e o mesmo regime jurídico (cfr. neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11-10-2006, tirado no Proc. 0614/06, em www.dgsi.pt). Dito de outro modo, um acto é confirmativo quando emana da entidade que proferiu decisão anterior, apresenta objecto e conteúdo idênticos aos desta e se dirige ao mesmo destinatário, limitando-se a repetir essa decisão, perante pressupostos de facto e de direitos idênticos — Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19-06-2007, processo n.º 0997/06. Como referia Mário Esteves de Oliveira, in Direito Administrativo, Volume I, 1980, p. 411: “Para que o acto confirmativo se considere contenciosamente inimpugnável necessário se torna que estejam preenchidos diversos requisitos, de que as nossas jurisprudência e doutrina se têm feito eco. Em primeiro lugar é necessário que o acto confirmado e o acto confirmativo hajam sido praticados ao abrigo da mesma disciplina jurídica: se, entre a prática de um e de outro, se verifica uma alteração legal ou regulamentar dessa disciplina, o acto posterior não se considera confirmativo e é susceptível de impugnação contenciosa. O mesmo se diga para a modificação das condições fácticas que rodeiam a prática do acto. Em segundo lugar, o acto confirmativo só não pode ser impugnado se o particular já tivesse conhecimento (por qualquer dos modos referidos no art.º 52º do RSTA) do acto confirmado antes da interpretação do recurso contra o acto confirmativo. O terceiro requisito para que o acto confirmativo se diga impugnável é a total correspondência entre os seus diversos elementos – efeitos jurídicos, interessados, fundamentos de facto e de direito (art. 140 nº 2 do Projecto do CPAG) – e os do acto confirmado; se assim não acontecer, o acto só será de considerar como parcialmente confirmativo e então torna-se susceptível de impugnação contenciosa, podendo arguir-se contra ele todas as ilegalidades concretas (não vícios em abstracto) que não pudessem ser deduzidas contra o acto parcialmente confirmado.” Em relação, em particular, aos actos de execução admite-se a impugnabilidade na medida em que padeçam de vícios próprios ou não respeitem os limites impostos pelo acto que visam executar (neste sentido ver Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição, páginas 156 a 158. No caso concreto, temos, desde logo, o acto praticado pelo Vereador AB(...), de 30.03.2006, proferido ao abrigo da subdelegação de competências atribuída por despacho do Senhor Presidente da Câmara de 28 de Outubro de 2005, com competência conferida pela Câmara da Reunião Extraordinária realizada na mesma data, que designou o dia 02.05.2066, pelas 10h30m para a posse administrativa das lojas 2 e 3, sitas na Rua (…), Madalena, Vila Nova de Gaia, com a selagem das entradas de acesso às lojas. Este acto, como decidido e não foi posto em causa pela Recorrente, trata-se de um mero acto de execução do acto de 17.08.2005. O despacho de 05.04.2006, também proferido pelo Sr. Vereador AB(...), que mantém a decisão de cessação de utilização e de posse administrativa e selagem das entradas das lojas, determinou a extinção do procedimento por inutilidade superveniente e consequentemente o arquivamento do pedido, é, por seu turno, claramente confirmativo do acto principal aqui em causa, o que a Recorrente também não põe em causa. Indiscutível é também que, como decidido, a Recorrente não imputou a estes actos vícios autónomos. Sustenta, para se insurgir contra o decidido, que o Tribunal a quo deveria ter considerado oficiosamente, face ao disposto no artigo 95º, n.º2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vícios autónomos que afectam estes actos e que não considerou. Mas sem razão. Determina este preceito que: Nos processos impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o acto impugnado, excepto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito, assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares pelo prazo comum de 10 dias, quando o exija o respeito pelo princípio do contraditório. Não se consagra no entanto aqui uma regra de patrocínio do autor pelo Tribunal sob pena de se subverterem por completo os princípios basilares do processo – quer civil quer administrativo – como sejam o do dispositivo, consagrado no artigo 264º do Código de Processo Civil, e da igualdade das partes, consignado, entre outros, no artigo 3-A do mesmo diploma, aplicável por força do disposto no artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais. Cabe ao autor o ónus da alegação e prova dos factos que integram a causa de pedir, ou seja, em que fundamenta o seu pedido e cabe ao demandado alegar e provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito arrogado pelo autor bem como a matéria de impugnação – artigo 342º, n.º2, do Código Civil, e artigos 264º, 487º e 516º, estes do Código de Processo Civil. Assim como cabe ao autor, a par dos factos em que fundamenta o pedido, indicar as razões de direito, sem o que o articulado inicial será inepto, por ininteligibilidade – artigo 193º, n.º 2, alínea a), e 467º, n.º1, alínea d), do Código de Processo Civil. O tribunal não pode substituir-se às partes no seu ónus de alegar e provar os factos que interessam a cada uma, porquanto o dever de investigação que a lei processual comete ao juiz apenas abarca a matéria de facto trazida ao processo os factos notórios ou de conhecimento geral (cfr. artigos 264º, 514º e 664.º, 2.ª parte, do Código de Processo Civil). Em particular nas acções administrativas especiais cabe ao autor o ónus de indicar na petição inicial “os factos e as razões de direito que fundamentam a acção” e formular o pedido que seja o corolário lógico desses factos e fundamentos jurídicos, nos termos do disposto no artigo 78.º, n.º 2, alíneas g) e h), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. O ónus de alegação de factos em que se funda o pedido anulatório tem relevo para definir o limite da previsão do invocado nº 2 do artigo 95º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, como tem para definir o limite da liberdade que o juiz tem para definir o direito, nos termos do disposto no artigo 664º do Código de Processo Civil. Como sustentam Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, no Código de Processo nos Tribunais Administrativos, volume I, reimpressão da edição de 2004, página 554, “…como restringimos o poder conferido ao juiz pelo art. 90º/1 à realização de diligências probatórias em relação aos factos alegados pelas partes (ou pelo Ministério Público) como fundamentos concretos do seu pedido – quanto muito em relação aos respectivos factos instrumentais (no sentido do art.264º/2 do CPC) – isso significa que a identificação judicial de causas de invalidade de actos administrativos impugnados se vai resumir (i) às ilegalidades que o autor inadvertidamente não detectou nos factos principais alegados, (ii) e, eventualmente, a ilegalidades reveladas pelos factos instrumentais, na sequência da instrução e discussão da causa.” O que significa que o dever de o juiz detectar vícios não invocados se restringe à causa de pedir (complexo de factos) invocada pelo autor. Por outro lado, é entendimento pacífico que o não conhecimento de vícios eventualmente existentes mas não alegados, não constitui omissão de pronúncia. Como defendem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, no Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, edição 2005, páginas 486-487, “…a circunstância de todos os vícios passarem a ser de conhecimento oficioso não tem, a nosso ver, a consequência de tornar passíveis de arguição de nulidade, por omissão de pronúncia (…). Caso o juiz deixe de apreciar um vício não suscitado no processo, apesar de ser de conhecimento oficioso, não desrespeita o comando contido no artigo 660.º, n.º 2, apenas podendo entender-se que o juiz não detectou o vício ou que o considerou como não verificado e não encontrou, por isso, motivo para exercer a apreciação oficiosa.” Tese que a nossa Jurisprudência tem sufragado, como, a título de exemplo, no acórdão de 19.10.2006 do Tribunal Central Administrativo Norte, processo nº 01197/04.6 BEPRT: “I. Do regime legal decorrente dos arts. 78.º, n.º 2, als. g) e h), 86.º, 91.º, n.ºs 5 e 6 e 95.º, n.º 2 todos do CPTA ressuma que nas acções administrativas especiais impende sobre o autor o ónus de alegar na petição inicial toda a matéria relativa à acção, expondo articuladamente “os factos e as razões de direito que fundamentam a acção” que constituem a sua causa ou causas de pedir e, bem assim, formular em função da(s) mesma(s) pretensão/pedido sob pena de ininteligibilidade. II. O autor deve arguir logo no articulado inicial todas as ilegalidades de que padeça em seu entendimento o acto produzido ou a omissão ocorrida, articulando, em conformidade, toda a factualidade que corporiza tal arguição, sendo que tal invocação deve dizer respeito não apenas às ilegalidades sancionadas com o desvalor da anulabilidade mas também às geradoras de inexistência jurídica ou nulidade. III. De harmonia com o disposto no art. 91.º, n.º 5 do CPTA o autor, em sede das alegações de direito, pode apresentar novos fundamentos do pedido, novas causas de pedir, mas exige-se, todavia, como condição legal e legítima de tal invocação, que o conhecimento daqueles novos fundamentos seja superveniente. IV. Com o art. 95.º, n.º 2 do CPTA e deveres nele impostos visou-se potenciar a resolução global do litígio que se criou com a emissão dum acto administrativo, já que, por um lado, impõe ao juiz que se pronuncie sobre todas as causas de invalidade suscitadas nos autos pelo autor (na petição inicial, em articulado superveniente – art. 86.º -, e nas alegações de direito uma vez respeitado o comando do n.º 5 do art. 91.º) e pelo MºPº e, por outro, impõe ao juiz que exercite “ex officio” o seu dever de identificação e de pronúncia quanto a novas causas de ilegalidade do acto e independentemente do desvalor que delas decorre, dever esse que se coloca a cada juiz em qualquer instância. V. O referido preceito diz respeito ao exercício dum poder-dever do tribunal, o qual não confere faculdade/direito às partes de suscitar novas ilegalidades para além das peças/articulados e dos momentos processuais definidos e segundo o regime previsto nos referidos arts. 78.º, 86.º e 91.º todos do CPTA. VI. O facto de todas as ilegalidades assacáveis a um acto administrativo, no fundo, terem passado a ser de conhecimento oficioso não gera que o não conhecimento de ilegalidades que se evidenciem por parte do tribunal ao abrigo do poder-dever vertido no art. 95.º, n.º 2 constitua nulidade por omissão de pronúncia [arts. 660.º, n.º 2 1ª parte e 668.º, n.º 1, al. d) ambos do CPC]. VII. O tribunal não está onerado com dever de pronúncia nos termos do art. 95.º, n.º 2 do CPTA quanto a ilegalidades que o autor venha a suscitar fora dos locais e momentos próprios já que tal constituiria um atropelo, um entorse ao poder-dever oficioso do juiz em termos dele, de “motu proprio” e no uso dos seus deveres legais, identificar a existência de causas de invalidade diversas daquelas que haviam sido alegadas.” E no acórdão deste mesmo Tribunal Central Administrativo Norte, de 20.12.2007, processo n.º 01082/04.1BEBRG: “1. A nulidade de sentença, por excesso de pronúncia, verifica-se quando o Tribunal conhece de questões de que não devia tomar conhecimento – art. 668º, nº 1, al. d), 2ª-. parte, do C.P.C., aplicável, ex vi, dos arts. 1º e 140º do CPTA. 2. De acordo com o art. 95º, nº 2 do CPTA, o Tribunal não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras. 3. É nula a sentença, por excesso de pronúncia, se aprecia e anula o acto impugnado com base na violação do nº 1 do art.9º do Dec. Lei 11/2003.” No caso concreto a Autora não invocou no articulado inicial factos concretos dos quais se pudesse concluir pela existência (ou não) de vícios que posteriormente invocou, de incompetência do autor dos actos e de falta de determinação do prazo de duração das medidas impostas, quer em relação em relação despacho de 30.03.2006, de mera execução, quer em relação ao despacho de 05.04.2006, meramente confirmativo. Por outro lado não se trata de vícios que determinem a nulidade e, portanto, o conhecimento oficioso a todo o tempo, face à regra geral de invalidade dos actos administrativos, consignada no artigo 135º do Código de Procedimento Administrativo. Bem andou o Tribunal a quo a não considerar estes vícios e julgar quer o despacho de 30.03.2006 quer o despacho de 05.04.2006 actos inimpugnáveis absolvendo os Demandados da instância nessa parte. Pelo que improcede este recurso jurisdicional. * II – O segundo recurso, do acórdão. São estas as conclusões das alegações do segundo recurso jurisdicional e que definem respectivo objecto: XVI.Está em causa, nos presentes autos, o acto de 17.08.2005, do Vereador da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, que determinou o arquivamento do procedimento licenciamento com o POP 2(….)/00 e que respeita à alteração do uso do estabelecimento da Autora para estabelecimento de restauração e bebidas. XVII. Está demonstrado nos autos (e, por isso, consta do rol dos factos provados incluídos no relatório da sentença recorrida) que por despacho do Sr. Vereador PM(…), de 07.02.2003, foi deferido o pedido de licenciamento de alteração de uso apresentado pela Autora, o que lhe foi convocado pelo ofício nº 4128(…), de (…).02.2003; XVIII. E que em (…).01.200, foi emitido o alvará de licença de construção nº (…)/04, relativo ao processo nº 2(…)/00, pelo qual, nos termos do art. 21º do DL 445/91, de 20.11, com as alterações introduzidas pelo DL 250/94, de 15.10, em nome da Autora foi licenciada uma construção que incide sobre o prédio sito na Rua (…), da freguesia da Madalena, relativa ao licenciamento da alteração do uso para estabelecimento de restauração e bebidas. XIX. Contrariamente ao que se refere na sentença recorrida, os procedimentos administrativos de licenciamento da edificação e de licença ou autorização de utilização são procedimentos autónomos e com tramitação própria XX. Daí que a emissão ou recusa de licença de utilização apresenta plena autonomia do acto de licenciamento da construção, podendo assentar em razões que não se prendem com a existência ou não daquela licença. XXI. Quer no domínio da lei antiga, quer no domínio da lei nova, o licenciamento da obra e a autorização de utilização são realidades diversas e com finalidades distintas. XXII. O licenciamento da obra visa assegurar o respeito pelo direito público da construção dos edifícios (normas técnicas, ambientais, de ordenamento, de salubridade, etc.) e define os termos em que é descondicionado o exercício do ius aedificandi do requerente (vide artºs. 15°, 17° e 63° do DL n.º 445/91 de 20.11 e artºs. 11° n.º 1 e 24° do DL n.º 555/99 de 16.12). XXIII. A autorização de utilização destina-se a verificar a conformidade da obra concluída com o projecto aprovado e com as condições do licenciamento (artºs. 26° n.º 2 do DL n.º 445/91 e 62° n.º 2 do DL n.º 555/99). XXIV. A esta dualidade de natureza correspondem procedimentos administrativos autónomos, embora conexos, com tramitações próprias e que se extinguem, cada um deles, com a prolação de um acto administrativo separado que se não confunde com o outro (vide artºs. 20° a 22° e 26° a 28° do DL 445/91 e artºs. 19° a 24°, 26° e 62° a 66° do DL 555/99) XXV. A individualidade dos procedimentos é ainda corroborada pela circunstância de a eventual desconformidade da obra com o projecto aprovado deixar incólume a validade do licenciamento da edificação e de o acto de licenciamento da obra e o acto de autorização da utilização do edifício serem titulados por alvarás distintos, com especificações próprias (cfr. art.ºs 21º, 22°, 26° e 28° do DL n.º 445/91 e art.º 77° do DL 555/99). XXVI. No caso dos autos, com a prolação do acto de 07.02.2003, a Administração definiu definitivamente (porque o acto não foi atacado e se consolidou) a situação jurídica do particular face ao requerimento que este apresentou, ou seja, face ao pedido de alteração do uso do estabelecimento para restauração e bebidas. XXVII. Por força do referido acto de licenciamento, a Autora ficou autorizada/licenciada para afectar o dito estabelecimento ao uso pretendido. XXVIII. A questão do licenciamento de utilização não se coloca nos presentes autos, pois do que aqui se trata é tão só de verificar se o acto de 17.08.2005 de algum modo conflitua com o de 07.02.2003, nomeadamente porque este último se consolidou e definiu, em definitivo, que a Autora pode afectar o seu estabelecimento, ao uso de restauração e bebidas, formando-se em consequência, caso decidido ou caso resolvido administrativo. XXIX. A decisão de 17.08.2005 não respeita a qualquer pedido de licenciamento de utilização, que não foi formulado pela Autora; antes respeita ao procedimento nº 2(…)/00, no qual o pedido formulado foi o de licenciamento da alteração de uso para restauração e bebidas. XXX. E, assim, atendendo a que o acto final do procedimento já tinha sido proferido em 07.02.2003 e que o mesmo não foi impugnado, temos que o acto de 17.08.2005, objecto dos presentes autos, incide sobre a mesma realidade procedimental e o mesmo pedido formulado pela Autora. XXXI. Ora, se o acto de 07.02.2003 deferiu o pedido, concedendo o licenciamento (na sequência do qual foi emitido o respectivo alvará), já o de 17.08.2005 foi proferido exactamente em sentido contrário, ordenando o arquivamento do procedimento, o que constitui revogação implícita do acto de 07.02.2003, na medida em que, como se demonstrou, ambos incidem sobre a mesma pretensão da Autora. XXXII. É hoje inequívoco que os actos de licenciamento urbanístico são constitutivos de direitos na esfera dos particulares deles requerentes, como resulta do teor do art. 73º do DL 555/99, de 16.12. XXXIII. Nos termos dos artºs 140º e 141º do CPA, sem a concordância dos interessados, que in casu não se verifica, os actos constitutivos de direitos apenas podem ser revogados com fundamento na respectiva ilegalidade e dentro do prazo mais longo de interposição do recurso contencioso. XXXIV. Assim, sendo o acto de 07.02.2003 constitutivo de direitos, o mesmo apenas poderia ser revogado dentro do prazo de um ano e com fundamento na respectiva ilegalidade. XXXV. Sucede, porém, que o acto de 17.08.2005 não só não procede à revogação expressa do acto de 07.02.2003, pelo que, assim sendo, não se fundamenta na respectiva ilegalidade, como o mesmo foi proferido depois de decorridos mais de 2 anos e quatro meses. XXXVI. Não tendo sido invocada a ilegalidade do acto de 07.02.2003 no prazo de um ano, o mesmo consolidou-se, tornou-se definitivo e inatacável, pelo que se impõe concluir pela ilegalidade do acto de 17.08.2005, que constitui acto revogatório face àquele. XXXVII. Deste modo, é forçoso concluir que se mostram verificados os vícios que a Autora imputa ao acto de 17.08.2005. XXXVIII.O acto de 17.08.2005 é violador do caso decidido administrativo e constitui acto revogatório ilegal, pelo que deve ser considerado nulo, pela aplicação da sanção prevista na alínea h) do artº 133º do CPA ou, quando muito, anulado, por se tratar de revogação administrativa ilegal, ainda que meramente implícita, proibida pelo artº 140º, nº 1, al. b) do CPA. XXXIX. Ao decidir como decidiu, o Tribunal violou, entre outras, as normas dos artºs 15°, 17°, 19°, 20°, 21º, 22°, 26°, 28° e 63° do DL 445/91, de 20.11, com as alterações introduzidas pelo DL 250/94, de 15.10, artºs 140º e 141º do CPA alínea h) do artº 133º do CPA. XL. O Tribunal deveria ter julgado a acção procedente e, em consequência declarado nulo ou anulado os actos administrativos de 17.08.2005, 19.01.2006, 30.03.2006 e 05.04.2006. * 1. – Ficaram assentes os seguintes factos, fixados na decisão recorrida, sem reparos nessa parte: I) A Autora e dona e legítima possuidora de um estabelecimento denominado “B”, sito na Rua (…), Madalena, Vila Nova de Gaia, facto que resulta admitido face ao posicionamento das partes nos respectivos articulados. II) As fracções (CV e CX) onde o mencionado estabelecimento se encontra situado são arrendadas, tal como sucede com a fracção DA, sita no n° (…) da mesma rua e que serve de apoio ao estabelecimento, facto que resulta admitido face ao posicionamento das partes nos respectivos articulados. III) A Autora apresentou junto da demandada, em 01.02.2000, um pedido de licenciamento de instalação de estabelecimento de cafetaria, o qual originou o processo registado na edilidade em questão sob o nº. 2(…)/00, conforme emerge da análise de fls. 28 e seguintes dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. IV) Por ofício n° 200145(…), de 17.08.2001, a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia notificou a Autora para “esclarecer a sua pretensão, atendendo a que todo o processo se refere ao licenciamento de um estabelecimento de cafetaria, embora na memória descritiva e fotos do local se possa ler cafetaria e snack-bar” - fls.25 a 27 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. V) Por requerimento n° 104(…), de 01.10.2001, a Autora esclareceu que o pedido formulado se destina à instalação de serviços de restauração e bebidas, tendo, também, junto o aditamento necessário ao respectivo projecto de arquitectura, conforme emerge da análise de fls. 47 a 67 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. VI) Por despacho de 10.12.2001, do Vereador FP(…), proferido ao abrigo da subdelegação de competências atribuída por despacho do Senhor Presidente da Câmara de 18.12.2000, com competência conferida pela Câmara da Reunião Extraordinária realizada em 19.10.1999, foi deferido o pedido de aprovação do projecto de arquitectura, conforme emerge de fls. 42 a 43 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. VII) A Autora apresentou os respectivos projectos de especialidade, conforme emerge de fls. 54 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. VIII) Por requerimento n° 5465/02, de 24.07.2002, a Administração do Condomínio do imóvel em que se integra o estabelecimento em licenciamento, participou à Edilidade a existência de problemas de exaustão e de calor, provocados pelo referido estabelecimento da Autora e requereu que fosse revisto o processo de licenciamento “de forma a garantir que a sua aprovação não venha a causar danos, nem riscos a terceiros”, conforme emerge de fls. 68 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. IX) Em 26.09.2002 foi elaborada, pelos Serviços Técnicos da Câmara, a informação-proposta n° 2002/58(…), na qual se refere a existência de uma reclamação do proprietário do estabelecimento confinante, relativamente ao sobreaquecimento da parede onde se insere o grelhador, e pela qual se propõe que a Autora seja notificada para apresentar projecto de isolamento térmico, ficando o licenciamento condicionado à satisfação do mencionado requisito, conforme emerge de fls. 103 e 104 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. X) A aludida informação-proposta obteve despacho de concordância do Sr. Vereador PM(…), tendo sido notificada a Autora através do ofício n° 2002/6287, de 16.10.2002, conforme emerge de fls. 103 e 104 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. XI) Por despacho do Sr. Vereador PM(…), de 07.02.2003, proferido ao abrigo da subdelegação de competências atribuída por despacho do Senhor Presidente da Câmara de 23.10.2002, com competência conferida pela Câmara da Reunião Extraordinária realizada em 14.01.2002, foi deferido o pedido de licenciamento o licenciamento do pedido de alteração de uso apresentado pela Autora, o que lhe foi comunicado pelo ofício n°4128(…), de 13.02.2003, conforme emerge de fls. 107 e 108 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. XII) Em 06.01.2004, foi emitido o alvará de licença de construção n° 10(…), relativo ao processo n° 2(…)/00, pelo qual, nos termos do artigo 210 do DL 445/91, de 20.11, com as alterações introduzidas pelo DL 250/94, de 15.10, em nome da Autora foi licenciada uma construção que incide sobre o prédio sito na Rua (…), da freguesia da Madalena, relativa ao licenciamento da alteração de uso para estabelecimento de restauração e bebidas, conforme emerge de fls. 109 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. XIII) Por despacho do Vereador AB(...), de 17.08.2005, em virtude, por um lado, da requerente, aqui Autora, não ter aditado ao processo 2(…)/00 a autorização por parte dos condóminos respeitante à mudança de uso pretendida, e, por outro, de inexistir qualquer indicio para a resolução do problema de fumos e cheiros suscitado pelo funcionamento do estabelecimento da Autora [objecto da apresentação de reclamações por parte de vizinhos junto da demandada], foi decidido indeferir a pretensão da requerente, aqui Autora, por falta de legitimidade, com base na alínea c) do artigo 83º do C.P.A. e, consequentemente, ordenando-se o arquivamento dos autos, conforme emerge da analise de fls. 160 a 162 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. XIV) Por requerimento datado de 09 de Fevereiro de 2006, a Autora solicitou a reabertura do processo de licenciamento, conforme emerge de fls. 83 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. XV) Por despacho do Vereador AB(...), de 05.06.2006, em virtude da demandada ter concluído não estarem reunidas condições que permitissem a revisão do posição anterior, foi determinada a extinção do procedimento, por inutilidade da lide, e o, consequente, arquivamento do pedido”, conforme emerge de fls. 168 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. XVI) Dá-se por reproduzido o teor de fls. 28 a 97 e 260 e 265 dos autos e, bem assim, todo o teor constante do P.A. apenso. Importa ainda explicitar o seguinte facto relevante, implícito na alínea anterior: XVII) Por despacho de 19.01.2006, proferido ao abrigo da subdelegação de competências atribuída por despacho do Presidente da Câmara de 28 de Outubro de 2005, com competência conferida pela Câmara da Reunião extraordinária realizada na mesma data, o Vereador AB(...) ordenou a cessação de utilização das lojas 2 e 3 situadas na Rua (…), Madalena, Vila Nova de Gaia. 2. – O enquadramento jurídico. Antes de tudo o mais importa consignar que a Recorrente não ataca a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido de indemnização, pedido autónomo e distinto dos pedidos anulatórios. Daí que nessa parte tenha transitado em julgado o acórdão sub judice, estando vedado reapreciar tal matéria. Por outro lado, excluídos do objecto da acção impugnatória os actos de 30.03.2006, este por ser um mero acto de execução, e de 05.04.2006, porque meramente confirmativo, importa apenas averiguar o acerto da decisão quanto à apreciação que fez da validade dos actos de 17.08.2005 e de 19.01.2006. Finalmente, como acima se referiu, porque extemporaneamente invocados e dado não se impor o seu conhecimento oficioso por não terem sido invocados factos que integrassem a nulidade destes actos, apenas cabe agora, em sede de recurso jurisdicional, apreciar o acerto da decisão no que diz respeito ao único vício invocado e mantido em sede de alegações, o de revogação ilegal de acto constitutivo de direitos. 2.1. O despacho de 17.08.2005, do Vereador AB(…), proferido no âmbito do processo de obras particulares (POP) nº. 2(…)/00 e comunicado à Autora pelo oficio 22(…)/05, 18.08.2005, segundo o qual “foi determinado o arquivamento do licenciamento”. Como defende a Recorrente, estão em causa dois tipos de procedimento distintos e autónomos entre si, embora conexos: por um lado, o licenciamento da alteração de uso do estabelecimento e, por outro, o licenciamento da utilização do estabelecimento, para o uso licenciado anteriormente. O acto final de cada um dos referidos procedimentos consiste no acto de licenciamento, a titular pelo respectivo alvará. A este propósito cabe transcrever o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 21.04.2005, no processo 1135-A/02, citado pela Recorrente: “Constitui jurisprudência uniforme do STA que os procedimentos administrativos de licenciamento da edificação e de licença ou autorização de utilização são procedimentos autónomos e com tramitação própria (cfr. entre outros, Acs. de 07/12/1999 - Proc. n.º 45274, de 25/06/2003 - Proc. n.º 1009/03, de 18/03/2004 - Proc. n.º 0156/04 todos in: «www.dgsi.pt/jsta»). Daí que a emissão ou recusa de licença de utilização apresenta plena autonomia do acto de licenciamento da construção, podendo assentar em razões que não se prendem com a existência ou não daquela licença. Conforme se pode ler no acórdão do STA de 25/06/2003 supra citado: “(…) Quer no domínio da lei antiga, quer no domínio da lei nova, o licenciamento da obra e a autorização de utilização são realidades diversas e com finalidades distintas. O licenciamento da obra visa assegurar o respeito pelo direito público da construção dos edifícios (normas técnicas, ambientais, de ordenamento, de salubridade, etc.) e define os termos em que é descondicionado o exercício do ius aedificandi do requerente (vide arts. 15°, 17° e 63° do DL n.° 445/91 de 20.11 e arts. 11° n.° 1 e 24° do DL n.° 555/99 de 16.12). A autorização de utilização destina-se a verificar a conformidade da obra concluída com o projecto aprovado e com as condições do licenciamento (arts. 26° n.° 2 do DL n.° 445/91 e 62° n.° 2 do DL n.° 555/99). A esta dualidade de natureza correspondem procedimentos administrativos autónomos, embora conexos, com tramitações próprias e que se extinguem, cada um deles, com a prolação de um acto administrativo separado que se não confunde com o outro (vide arts. 20° a 22° e 26° a 28° do DL 445/91 e arts. 19° a 24°, 26° e 62° a 66° do DL 555/99) A individualidade dos procedimentos é ainda corroborada pela circunstância de a eventual desconformidade da obra com o projecto aprovado deixar incólume a validade do licenciamento da edificação e de o acto de licenciamento da obra e o acto de autorização da utilização do edifício serem titulados por alvarás distintos, com especificações próprias (cfr. arts. 21º, 22°, 26° e 28° do DL n.° 445/91 e art. 77° do DL 555/99). Aliás, tendo em conta a finalidade da autorização de utilização dos edifícios, ou fracções deles, o envolvimento das duas situações num procedimento singular a culminar com um único acto final era uma solução logicamente inaceitável. Se a autorização de utilização visa verificar da conformidade da obra feita com o projecto aprovado, esta finalidade implica a necessidade lógica de um anterior acto definitivo do licenciamento da edificação, praticado com precedência do procedimento adequado, no qual está cumprida a respectiva fase constitutiva e esgotada a competência dispositiva do órgão decisor que só a poderá retomar num novo procedimento de impugnação ou de revogação. (…).” No caso concreto, temos os seguintes factos relevantes a considerar neste ponto: XI) Por despacho do Sr. Vereador Poças Martins, de 07.02.2003, proferido ao abrigo da subdelegação de competências atribuída por despacho do Senhor Presidente da Câmara de 23.10.2002, com competência conferida pela Câmara da Reunião Extraordinária realizada em 14.01.2002, foi deferido o pedido de licenciamento o licenciamento do pedido de alteração de uso apresentado pela Autora, o que lhe foi comunicado pelo ofício n°4128(…), de 13.02.2003, conforme emerge de fls. 107 e 108 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. XII) Em 06.01.2004, foi emitido o alvará de licença de construção n° 10(…), relativo ao processo n° 2(…)/00, pelo qual, nos termos do artigo 210 do DL 445/91, de 20.11, com as alterações introduzidas pelo DL 250/94, de 15.10, em nome da Autora foi licenciada uma construção que incide sobre o prédio sito na Rua (…), da freguesia da Madalena, relativa ao licenciamento da alteração de uso para estabelecimento de restauração e bebidas, conforme emerge de fls. 109 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. XIII) Por despacho do Vereador AB(...), de 17.08.2005, em virtude, por um lado, da requerente, aqui Autora, não ter aditado ao processo 2(…)/00 a autorização por parte dos condóminos respeitante à mudança de uso pretendida, e, por outro, de inexistir qualquer indício para a resolução do problema de fumos e cheiros suscitado pelo funcionamento do estabelecimento da Autora [objecto da apresentação de reclamações por parte de vizinhos junto da demandada], foi decidido indeferir a pretensão da requerente, aqui Autora, por falta de legitimidade, com base na alínea c) do artigo 83º do C.P.A. e, consequentemente, ordenando-se o arquivamento dos autos, conforme emerge da analise de fls. 160 a 162 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. O primeiro acto, de 07.02.2003 mostra-se, efectivamente, como sustenta a Recorrente, o acto final do procedimento iniciado com o pedido de alteração do uso do estabelecimento para restauração e bebidas. E claramente assume a natureza de um acto constitutivo de direitos porque o investe na faculdade de alterar o uso do estabelecimento nos termos pretendidos. Como se refere no ponto V do sumário do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 09-06-1998, no recurso n.º 039408: “Actos constitutivos de direitos são aqueles que investem um particular num estado jurídico ou transferem poderes para a sua esfera jurídica, bem como os que extinguem restrições ao exercício de direitos preexistentes.” Mostra-se pacífico, de resto, o entendimento de que os actos de licenciamento urbanístico são constitutivos de direitos na esfera dos particulares requerentes, face ao disposto no artigo 73º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16.12 (neste sentido, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15.06.2004, processo n.º 721/03, e de 12.03.2008, processo 082/07; na doutrina, Santos Botelho, Cândido Pinho e Pires Esteves, Código de Procedimento Administrativo anotado, 3ª ed., pág. 140,Fernanda Paula Oliveira, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 13, páginas 53 e seguintes; António Duarte de Almeida, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 45, páginas 31 e seguintes, e Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, volume II, pág. 443. Isto ainda que colidindo com interesses de terceiros, como é o caso (ver Gomes Canotilho, anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Setembro de 1989, in Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3813, páginas 359 e seguintes, António Cordeiro, A Protecção de Terceiros em Face de Decisões Urbanísticas, 1995,Lorena de Séves, A Protecção Jurídico-Pública de Terceiros nos Loteamentos Urbanos e Obras de Urbanização, in Revistado Cedoua, Ano 1, n.º 2, páginas 51 e seguintes. Em contraponto, o acto de 17.05.2003 insere-se no mesmo procedimento. Isto porque – e este aspecto mostra-se consensual – a Recorrente não deduziu o pedido de licenciamento para a utilização e afectação efectiva para o novo uso pretendido e autorizado. E vai em sentido oposto ao primeiro acto indeferindo a pretensão da Requerente, ora Recorrente, por falta de legitimidade, e, assim, ordenando o arquivamento dos autos. Ora, claramente resulta da lei, em concreto do disposto nos invocados artigos 140º e 141º do Código de Procedimento Administrativo, sem a concordância dos interessados, o que aqui se verifica, os actos constitutivos de direitos apenas podem ser revogados com fundamento na respectiva ilegalidade e dentro do prazo mais longo de interposição do recurso contencioso (neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16.11.2004, no proc. 453/04. Sucede que o acto agora em análise, de 17.08.2005 – que revogou o acto de 07.02.2003, constitutivo de direitos – não se fundou na ilegalidade do acto revogado, nem sequer abordou a questão, e foi praticado muito depois de decorrido o prazo de um ano sobre o primeiro acto. Pelo que nesta parte forçoso se torna concluir pela ilegalidade do despacho de 17.08.2005, ao contrário do decidido. Pelo que nesta parte procede o recurso. 2.2. O despacho do Vereador AB(...), de 19.01.2006, que ordenou “a cessação de utilização das lojas 2 e 3 situadas na Rua (…), Madalena, Vila Nova de Gaia”. A este acto imputa a Recorrente o mesmo vício, de revogação ilegal de anterior acto constitutivo de direitos. Sucede que em relação a este acto estamos perante uma situação diferente. Este acto é, no seu conteúdo, substancialmente diferente do anterior, de 17.08.2006. Assim como tem um objecto distinto do acto de 07.02.2003, pelo que não se pode ter por revogatório daquele. Este despacho, como resulta claramente do seu teor, visa uma situação de facto: a utilização de duas lojas. E tem como pressuposto o facto de estarem a ser utilizadas num uso não autorizado. Pressuposto este, de facto e de direito, que se mostra exacto, pois, como a própria Recorrente admite, não requereu sequer a utilização das lojas para o fim de restauração e bebidas. Este acto que põe termo a uma situação de facto é, pela natureza das coisas, um acto de execução instantânea. A sua determinação manter-se-á até que seja concedida a autorização de uso que legitime a situação de facto em apreço. O que depende de factores muito variáveis e incontroláveis – quer na verificação quer quanto ao momento em que ocorrerão -, como seja, o próprio momento em que a Requerente decida pedir o licenciamento em causa bem como a análise dos pressupostos adjectivos e substantivos da sua pretensão. Não traduzindo a revogação de qualquer acto anterior constitutivo de direito, tratando-se de um acto que assenta num pressuposto exacto e dado inexistir qualquer vício de conhecimento oficioso que o afecte, nada justifica a sua invalidação. Termos em que nesta parte a acção impugnatória se mostra improcedente e, assim, se deve manter o acórdão recorrido, embora por diversos fundamentos. * Pelo exposto, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em: A) NEGAR PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO, do despacho interlocutório. B) CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO ao recurso jurisdicional, pelo que: 1. Revogam a decisão recorrida no que diz respeito ao despacho de 17.08.2005, anulando este acto impugnado. 2. Mantêm o acórdão recorrido no que tange ao despacho de 19.01.2006, e, com este, o acto impugnado. Custas na proporção de ¾ pela Recorrente, por um lado, e de ¼, pelos Recorridos, por outro, em ambas as instâncias. * Porto, 8 de Fevereiro de 2013 Ass.: Rogério Martins Ass.: José Veloso Ass.: Antero Salvador |