Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00200/11.8BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/16/2020
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:PROCEDIMENTO CONCURSAL – VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE
Sumário:I- A nomeação de técnico para proceder à avaliação psicológica dos candidatos feita após a realização da prova escrita de conhecimentos técnicos viola os princípios da imparcialidade, isenção e igualdade de tratamento e de igualdades.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:P.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
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I – RELATÓRIO
P., com os sinais dos autos, vem interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel promanada no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada por si intentada contra o MUNICÍPIO DE (...), também com os sinais dos autos, que julgou a presente ação improcedente, e, consequentemente, absolveu o Réu do pedido.
Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)
1. Resulta da matéria de facto provada que o Réu não divulgou qualquer legislação ou bibliografia até 30 dias antes da prova de conhecimentos, facto que é reconhecido pelo Réu e pelo Tribunal a quo.

2. O Réu não apresentou qualquer prova - testemunhal ou documental - de que, em função das matérias objeto de avaliação, a divulgação de bibliografia ou legislação não se justificava.

3. Por força do princípio da legalidade, consagrado no artigo 3.° do anterior CPA e 266.°, n.° 2 da CRP, competia ao Réu, e não ao Autor, o ónus da prova da licitude do ato impugnado, isto é, que o ato impugnado contém todos os pressupostos de facto e de direito (legais) que legitima a sua atuação.

4. Ao exigir ao Autor a prova da “necessidade” de indicação de bibliografia, em vez de exigir do Réu a prova de que a mesma não era necessária, a decisão recorrida violou as regras do ónus da prova aplicáveis em matéria de impugnação de atos administrativos, tendo violado os artigos 342.°, n.° 1 e 2 do C.C., em conjugação com o disposto no artigo 3.° do anterior CPA e 266.°, n.° 2 da CRP.

5. Não tendo o Réu feito prova da licitude do ato impugnado, nomeadamente da desnecessidade de indicação de bibliografia, deveria o Tribunal a quo ter concluído pela verificação do vício de violação do disposto no n.° 7 do artigo 9.° da Portaria n.° 83-A/2009, de 22/01.

6. Verificando-se a existência de bibliografia com regras e técnicas diferentes, matéria que não chegou a ser apurada pelo Tribunal a quo, nem o Réu dela fez alegação suficiente e prova, salvo o devido respeito, não pode o Tribunal garantir que a classificação do Autor e dos restantes candidatos não seria diferente.

7. Se o Réu tivesse cumprido o disposto no n.° 7 do artigo 9.° da Portaria n.° 83- A/2009, de 22/01, o resultado do concurso certamente que seria diferente.

8. Ao contrário do que defende a decisão recorrida, a realização de testes psicológicos escritos e iguais em momentos temporais distintos permitirá aprendizagem ou, como referiu a técnica Liliana e ficou a constar do ponto 17 da matéria de facto dada como provada, é passível de familiarização antecipada com o seu conteúdo, de um modo que pode favorecer injustamente o desempenho de alguns candidatos.

9. Também ao contrário do que ficou decidido, é jurisprudência pacífica que a violação do princípio da imparcialidade “(...) não está dependente da prova de concretas actuações parciais, verificando-se sempre que um determinado procedimento faz perigar as garantias de isenção, de transparência e de imparcialidade.” (cfr. Ac. TCAN de 16/11/2006, Proc. 545/05.6BECBR).

10. Pelo que não tinha o Autor de fazer prova, para que se concluísse pela violação dos princípios da igualdade, transparência e imparcialidade, de que alguns candidatos foram favorecidos em seu detrimento, sendo certo que, ainda assim, se pode curiosamente verificar que vários candidatos obtiveram 20 valores nos testes psicológicos o que não é normal.

11. Da mesma forma, é inédito que num concurso para ingresso na função pública, seja permitido o uso de lápis nos testes de avaliação, sendo que nenhuma razão lógica justifica a opção pelo lápis em vez da tinta, que dá muito maior garantia de transparência e sindicabilidade.

12. Como parece evidente e inegável, o uso de lápis propicia com muito maior facilidade a adulteração dos resultados da avaliação e se fosse, como refere a decisão recorrida, as escrituras públicas também poderiam ser outorgadas e assinadas com lápis.

13. Finalmente, por maioria de razão, os técnicos que procedem à avaliação dos candidatos, ainda que não façam parte do Júri ou não tenham poderes decisórios, devem ser nomeados e identificados antes de serem conhecidos os candidatos, desde que a sua avaliação, como é caso dos autos, seja suscetível de influenciar o resultado e classificação final.

14. Conforme consta do ponto 8 e 10 da matéria de facto dada como provada, a nomeação da técnica que procedeu à avaliação psicológica que determinou a exclusão do Autor, foi feita após a realização da prova de conhecimentos técnicos,escrita.

15. Tendo o Júri se declarado tecnicamente incompetente para avaliar psicologicamente os candidatos, jamais a classificação atribuída pela técnica em causa seria alterada.

16. Daí que a regra de nomeação prévia dos técnicos que procedem à avaliação psicológica não pode deixar de ser cumprida, tal e qual como deve ser cumprida para os membros do Júri, sob pena de clara violação do princípio da imparcialidade e da transparência (artigo 6.° do anterior CPA e artigo 266.°, n.° 2 da CRP; vd. ainda artigo 19.°, n.° 3, al. s) da Portaria 83-A/2009, de 22 de janeiro).

17. O eventual conhecimento prévio dos candidatos permite, contrariamente ao decidido, a quem avalia, traçar o perfil psicológico à medida do(s) candidato(s) da sua preferência ou conhecimento, que pode não coincidir com o mais apto do ponto de vista do interesse público em causa.

18. Nada nos autos garante, nem foi feita prova nesse sentido, que se o concurso tivesse respeitado as mais elementares regras de transparência e imparcialidade, o resultado não fosse outro.

19. A decisão recorrida violou, assim, o disposto nos artigos 5.° e 6.° do anterior CPA; n.° 2 do artigo 266.° da CRP e al. s) do n.° 3 do artigo 19.° da Portaria n.° 83-A/2009, de 22 de janeiro, este último aplicável por interpretação extensiva (argumento de maioria de razão) ao caso dos autos.

(…)”.


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Notificado que foi para o efeito, o Recorrido produziu contra-alegações, defendendo a manutenção do decidido quanto à improcedência da presente ação.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu o parecer a que alude o nº.1 do artigo 146º do CPTA.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir resumem-se a determinar se se a sentença recorrida incorre em erro[s] de julgamento de direito, por violação do disposto (i) “(…) [nos] artigos 342º, nº. e 2º do C.C., em conjugação com o disposto no nº.3 do anterior CPA e 266º, nº. 2 da CRP (…)”; (ii) “(…) no nº. 7 do artigo 9º da Portaria nº. 83/2009, de 22.01 (…)”, (iii) “(…) [por] violação do princípio da imparcialidade e da transparência (…)” e “(…) disposto nos artigos 5.° e 6.° do anterior CPA; n.° 2 do artigo 266.° da CRP e al. s) do n.° 3 do artigo 19.° da Portaria n.° 83-A/2009, de 22 de janeiro, este último aplicável por interpretação extensiva (argumento de maioria de razão) ao caso dos autos (…)”.

Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.

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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O quadro fáctico apurado [e respetiva motivação] na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…)

1. A 09/12/2009, a Câmara Municipal de (...) deliberou, por unanimidade, aprovar a abertura de concurso para um posto de trabalho de Técnico Superior (Área de Desporto), em regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado;

2. Por despacho proferido a 15/01/2010 pelo Presidente da Câmara do Réu, foi determinada a abertura do concurso identificado em 1., bem como a composição do júri do concurso, que foi a seguinte: V.o como Presidente; S., designada para substituir a Presidente nas suas faltas e impedimentos, e I., como vogais efetivos; e M. e A., como vogais suplentes;

3. A 12/03/2010, por despacho do Presidente da Câmara do Réu, foi aprovado o programa das provas de conhecimentos, do qual consta o seguinte: “(...) O Júri decidiu então que os métodos de seleção constarão de 2 fases, sendo cada uma de carácter eliminatório, ficando em condições de aceder à fase seguinte os candidatos que ficarem aprovados à fase anterior. 1ª fase - Prova de conhecimentos teórica escrita (PCTE), terá a duração 01h30m, sem consulta de documentação e será pontuada de 0 a 20 valores, considerando-se a valoração até às centésimas. Serão excluídos os candidatos que não obtenham nota igual ou superior a 9,50 valores e versará sobre o seguinte programa: - Desenvolvimento das Capacidades nas Fases Sensíveis; - Adaptação ao Meio Aquático; - Domínio das Técnicas de Nado; - Atividades Aquáticas e de Postura Corporal; - Organização e Gestão da Aula de Natação; - Organização de Atividades Aquáticas; 2a Fase - Avaliação Psicológica (AP), será valorada de 0 a 20 valores, e visa avaliar aptidões, características de personalidade e competências comportamentais dos candidatos e estabelecer um prognóstico de adaptação à exigência do posto de trabalho, tendo como referência o perfil exigido sendo excluídos os candidatos que obtenham os níveis classificativos de Reduzido e Insuficientes. Escala de valoração: Elevado - 20 valores; Bom - 16 valores; Suficiente - 12 valores; Reduzido - 8 valores; Insuficiente - 4 valores. (…)”;

4. O aviso da abertura do procedimento de recrutamento foi publicado em Diário da República, II Série, a 29/03/2010, e no jornal “O Primeira de janeiro”, a 30/03/2010;

5. A 13/04/2010, o Autor apresentou formulário de candidatura ao procedimento concursal identificado em 1. junto da Secção de Gestão de Recursos Humanos da Câmara Municipal de (...);

6. A 03/05/2010, o júri do procedimento comum de recrutamento elaborou e aprovou a lista de candidatos admitidos e excluídos, constando como admitido o Autor;

7. A 08/07/2010, por carta registada, a Secção de Gestão de Recursos Humanos do Réu comunicou ao Autor a admissão deste ao procedimento concursal bem como a data da realização da Prova de Conhecimentos Técnicos Escrita;

8. A referida Prova, a ter lugar no dia 27/07/2010, continha as seguintes questões: “1. Na área da Educação Física e Desporto, as capacidades Motoras são pressuposto dos movimentos que permitem que as qualidades inatas de uma pessoa, como um talento, ou um potencial se evidencie. Classifique as capacidades motoras e desenvolva cada uma delas. 2. Diga de um modo sucinto o que entende por Adaptação ao Meio Aquático (AMA). 3. Refira as componentes do processo de AMA, bem como todas as suas etapas. 4. Enuncie as fases de braçada da Técnica de Crol. 5. Refira quais as fases da pernada da técnica de costas e quais são as suas principais funções. 6. Defina de uma forma sucinta a técnica de Bruços. 7. Na sua opinião qual deveria ser a sequência lógica do ensino da Natação numa Escola de Natação. 8. Sabendo que a Hidroginástica é uma atividade física aquática realizada principalmente na posição vertical, constituída por exercícios específicos baseados no aproveitamento da resistência da água, refira os seus principais benefícios. 9. Considerando que o MUNICÍPIO DE (...) necessita de realizar eventos desportivos de âmbito lato e mais variado possível, foi solicitado a todos os colaboradores que se empenhassem numa atividade. Descreva sumariamente as diferentes fases que constituiriam o seu projeto, sem esquecer o check list.”;

9. O Autor obteve a classificação de 13,15 valores na Prova de Conhecimentos Técnicos Escrita;

10. A 02/08/2010, o júri do procedimento concursal deliberou o seguinte: “(...) Para efeitos do disposto no artigo décimo segundo número três da Portaria no 83-A/2009, de 22 de janeiro, torna-se necessário recorrer aos Técnicos do Município habilitados na área de Psicologia e que frequentaram a formação adequada para a realização da Avaliação Psicológica, que se irá realizar no próximo dia 19 de agosto de 2010. Assim este Júri, após a informação da Secção Gestão de Recursos Humanos, relativamente a quem frequentou a formação, decidiu convocar a Técnica Superior, S. para efetuar a Avaliação Psicológica. (…)”;

11. A 05/08/2010, pelo Ofício n° 103, a Secção de Gestão de Recursos Humanos comunicou ao Autor a admissão deste à 2a fase do concurso, mais informando que a Avaliação Psicológica teria lugar a 19/08/2010, pelas 14h00;

12. Parte dos candidatos admitidos à 2ª fase do concurso realizaram a Avaliação Psicológica também no dia 19/08/2010, pelas 10h00;

13. A 27/09/2010, o júri deliberou aprovar a ordenação final do procedimento, tendo o Autor sido excluído, por ter obtido a classificação de 8 valores na Avaliação Psicológica;

14. A 28/09/2010, e pelo Ofício n° 148/290, foi comunicada ao Autor a lista de classificação final, bem como o seu direito de pronúncia;

15. A 13/10/2010, o Autor exerceu o seu direito de participação, invocando o seguinte: “Relativamente à prova de conhecimentos, não se cumpriu o disposto no nº. 7 do artigo 9° da Portaria no 83-A/2009, de 22 de janeiro. Não foi divulgada qualquer bibliografia ou legislação necessárias à preparação dos temas indicados na publicitação do procedimento concursal. Relativamente à avaliação psicológica, de acordo com as regras orientadoras da atividade dos júris, definidas pela Direção-Geral da Administração e do Emprego Público constatou-se que a atividade do júri não assegurou o princípio e a garantia de igualdade de condições e de oportunidades para todos os candidatos, em virtude das referidas provas terem sido realizadas em dois momentos temporais: uma no período da manhã e outra no da tarde. Face ao exposto venho por este meio requerer a impugnação do procedimento concursal.”;

16. A 27/10/2010, o júri indeferiu a pretensão do Autor, com base nos seguintes fundamentos: “(...) A prova de conhecimentos visa avaliar os conhecimentos académicos e, ou profissionais e as competências técnicas dos candidatos necessárias ao exercício de determinada função. Para o procedimento concursal referido, aliás como para todos os procedimentos concursais, o Município publicou no aviso de abertura do procedimento o programa das provas de conhecimentos, assim como publicitou na página da internet o programa fixado pelo Júri do Procedimento. O Júri entendeu não fazer constar do programa, legislação ou bibliografia, uma vez que os temas fixados não constam de legislação e baseiam-se em regras técnicas e objetivas. Quanto às questões relacionadas com a avaliação psicológica, os fundamentos constam de informação elaborada pela Técnica responsável pela aplicação da Avaliação Psicológica que se transcreve o essencial: «Somos a informar que face ao exposto pelos candidatos, nomeadamente, “à violação do princípio de igualdade de condições e de oportunidades, em virtude de as provas terem sido realizadas em dois momentos temporais”, é de salientar que os Testes Psicológicos são procedimentos repetidos e estandardizados, e que pela sua composição e características permitem a aplicação simultânea e sucessiva a um conjunto de pessoas, nas mesmas condições de realização, sem que o mesmo perca a sua validade.» Em resposta, importa ainda salientar que, os Testes Psicológicos são procedimentos repetidos e estandardizados, o conteúdo dos testes é o mesmo para todos os candidatos, independentemente do dia e hora a que o realizem e reforçar que os testes não são passíveis de aprendizagem, situação que, aliada à confidencialidade dos materiais, assegura a igualdade na avaliação.”;

17. Em resposta a pedido de esclarecimentos efetuado pelo júri, a Técnica L. prestou a seguinte informação: “(...) Os psicólogos que usam testes devem respeitar a confidencialidade dos materiais de teste e evitar que os mesmos caiam em domínio público, correndo o risco de ficarem inválidos pelo conhecimento prévio do conteúdo específico do teste e dos seus objetivos. De acordo com a lei, os candidatos não podem levar nenhuma informação/documento/material com eles. É obrigação dos seus utilizadores manter os materiais de teste em segurança e controlar o acesso aos mesmos, reservando a sua utilização a quem tenha as qualificações necessárias e a autorização do detentor dos direitos de autor do teste, evitando, assim, que os respondentes se familiarizem antecipadamente com o respetivo conteúdo, de um modo que possa favorecer injustamente o seu desempenho no teste. (...) No que respeita ao registo das respostas a lápis, informamos que está de acordo com as regras e normas de aplicação do teste, que foram lidas e esclarecidas a todos os candidatos (…)”;

18. A 28/10/2010, o júri do procedimento converteu em definitiva a ordenação final e classificação atribuída aos candidatos, que foi homologada pelo Presidente da Câmara do Réu a 03/11/2010;

19. A 09/11/2010, foi comunicada ao Autor a supra referida homologação;

20. A presente impugnação deu entrada neste Tribunal a 25/02/2011.


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Factos não provados:

Dos demais factos alegados nenhuns mais têm relevância para a boa decisão da causa.


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Motivação da decisão sobre a matéria de facto:

Ao declarar quais os factos que considera provados, o juiz deve proceder a uma análise crítica das provas, especificar os fundamentos que foram decisivos para radicar a sua convicção e indicar as ilações inferidas dos factos instrumentais.

A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada baseou-se na prova documental oferecida pelas partes.

Concretizando, a factualidade vertida nos pontos 1 a 3 resultou provada atento o constante de, respetivamente, fls. 4, 5 e 9 e seguintes do PA, no seu Volume II. O facto dado como provado no ponto 4 adveio do constante de fls. 21 e seguintes daquele PA, resultando aquele dado como provado no ponto 5 do teor de fls. 782 e seguintes do PA. Já a matéria de facto assente no ponto 6 resultou do constante de fls. 550 e seguintes do PA, no seu Volume I, resultando aquela dada como assente no ponto 7 do constante de fls. 471 e 500 do mesmo processo.

Por outro lado, a factualidade vertida nos pontos 8 e 9 foi dada como provada atento, respetivamente, o constante de fls. 358 e seguintes e de fls. 427 e seguintes do PA, no seu Volume I. Os factos dados como provados nos pontos 10 a 12 advieram da análise do teor de fls. 312 e seguintes do referido PA, resultando aqueles dados como provados no ponto 13 do teor de fls. 269 e seguintes do PA, Volume I. Já a matéria de facto dada como assente no ponto 14 adveio do constante de fls. 222 e seguintes e 240 do mencionado processo.

Por fim, os factos descritos nos pontos 15 e 16 resultaram provados atento o constante de, respetivamente, fls. 205 e 204 do PA, no seu Volume I, resultando aqueles descritos no ponto 17 do teor de fls. 195 e seguintes do mesmo processo. A factualidade vertida no ponto 18 resultou provada atento o constante de fls. 183 e seguintes do PA, Volume I, resultando aquela vertida no ponto 19 do teor de fls. 133 e seguintes e 154 do mesmo processo. Por último, o facto dado como provado no ponto 20 resultou da análise de fls. 3 e seguintes dos presentes autos (…)”.


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III.2 - DO DIREITO
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Assente a factualidade que antecede, cumpre, agora, apreciar as questões suscitadas nos recursos jurisdicionais em análise.
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Dos imputados erros de julgamento de direito, por violação do disposto “(…) [nos] artigos 342º, nº. e 2º do C.C., em conjugação com o disposto no nº.3 do anterior CPA e 266º, nº. 2 da CRP (…)” e “(…) no nº. 7 do artigo 9º da Portaria nº. 83/2009, de 22.01 (…)”.

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As questões decidendas que ora importam dissolver traduzem-se em determinar se Tribunal a quo, (i) ao perfilhar o entendimento de que o Autor não fez prova da necessidade de indicação da bibliografia para a preparação dos temas indicados e sobre os quais iria versar a prova de conhecimentos teóricos escrita, “(…) violou as regras do ónus de prova aplicáveis em matéria de impugnação de atos administrativos e exigíveis à administração (342º, nº.1 e 2 do CC) em conjugação com o principio da legalidade consagrado nos artigos 266º, nº. 2 do da CRP e anterior CPA (…)” e, bem assim, se, (ii) ao considerar que a falta de indicação de bibliografia não afetou o resultado ou classificação final do Autor, não se justificando, por isso, a atribuição de efeito invalidante ao alegado vicio de violação de lei, incorreu em erro de julgamento da matéria de direito.

Vejamos, sublinhando, desde já, que os dois esteios argumentativos invocados conexionam-se, pelo que serão objecto de análise conjunta.

Para facilidade de análise, convoque-se, desde já, a fundamentação de direito mais essencial que, neste particular conspecto, ficou vertida na decisão judicial recorrida:
“(…)

Determina o referido n° 7 do artigo 9° da Portaria n° 83-A/2009, de 22 de janeiro, que: “A bibliografia ou legislação necessárias à preparação dos temas indicados na publicitação do procedimento é divulgada até 30 dias, contados continuamente, antes da realização da prova de conhecimentos.”

Ora, é verdade, conforme decorre do probatório coligido e confirmado pelo próprio Réu em sede de contestação, que o júri do procedimento concursal não procedeu à divulgação de qualquer bibliografia ou legislação necessárias à preparação dos temas indicados. Tal sucedeu, nos termos do alegado pelo Réu, porquanto considerou este não ser aplicável qualquer legislação aos referidos temas de prova nem tampouco ser necessária a indicação de qualquer bibliografia, por se debruçarem os referidos temas sobre regras e técnicas objetivas.

Vejamos.

A avaliação da legalidade do ato sob escrutínio exige uma devida contextualização, não sendo suficiente a mera constatação da não verificação do preenchimento de uma previsão legal.

Afirme-se em primeiro lugar que não prova, nem tampouco alega o Autor, da necessidade da indicação de bibliografia para a preparação dos temas indicados e sobre os quais iria versar a prova de conhecimentos teóricos escrita. Na verdade, sublinhe-se que a lei estabelece tal obrigatoriedade quando se verifique a real e efetiva “necessidade” da indicação da bibliografia ou legislação para a realização das provas, já não se podendo afirmar o mesmo se se tratar de uma mera recomendação bibliográfica, situação na qual não existirá qualquer incumprimento legal.

Por outro lado, não se assemelha o alegado vício como sendo comunicável ao ato ora impugnando, suscetível de ter sobre este um efeito invalidante. Na verdade, e como resulta da matéria de facto dada como provada, o Autor obteve aprovação na referida prova de conhecimentos técnicos escrita, tendo sido admitido à fase da Avaliação Psicológica, pelo que não se alcança que prejuízo efetivo resultou para aquele a falta da indicação de tal bibliografia.

Nesta senda, sublinhe-se que não tratou o Autor de densificar, através da alegação de factos concretos, em que moldes é que a falta da indicação de bibliografia referente aos temas indicados pelo júri do procedimento afetou o seu resultado, a sua classificação final, e em que medida é que, verificando-se tal indicação, poderia o mesmo ter obtido um resultado superior.

Nestes termos, não se verificando provada qualquer necessidade de indicação de bibliografia ou legislação para a realização da referida prova de conhecimentos técnicos escrita, nem tampouco de que maneira poderia ter tal indicação afetado a classificação final do Autor na realização da mesma, não se constata a existência de qualquer vício invalidante do ato impugnado no que a esta matéria respeita, o que desde já se declara.

(…)”.

Decompondo a motivação que se vem ora de transcrever, dir-se-á que a improcedência do invocado vício de violação de lei mostra-se estribada no duplo entendimento do Tribunal a quo [aqui sintetizado] (i) do Autor não ter feito prova da efetiva necessidade de indicação de bibliografia para a preparação dos temas indicados, (ii) e do alegado vício, ainda que procedente, não ser comunicável ao ato impugnado, já que o Autor foi aprovado na prova de conhecimento, tendo sido admitido à fase de avaliação psicológica, não impondo, por isso, atribuir eficácia invalidante ao mesmo.
E o assim decidido, embora por motivação inteiramente não coincidente, é de manter.
Na verdade, e com reporte para a concreta invocação das regras do ónus de prova aplicáveis em matéria de impugnação de atos administrativos, impera salientar que, escrutinados os autos, resulta cristalino que não foi unicamente a circunstância do Autor não ter feito prova da efetiva necessidade de indicação de bibliografia que motivou a improcedência deste vício, mas antes a concatenação desta motivação com a racionalização da inoperância invalidante desta violação da lei, por ter sido o Autor admitido a fase procedimental subsequentemente.
Assente o que se vem expor, assoma evidente que a eventual validação da tese defendida pelo Autor no domínio da violação da regra dos ónus de prova não importa de per se o erro de julgamento de direito da sentença recorrida no domínio em análise.
Na verdade, é a motivação em análise inócua e insuficiente para - de per se - alterar decisão da causa, que repousa, como se viu supra, repousa na dupla asserção de que (i) o Autor não fez prova da necessidade de indicação de bibliografia e (ii) da inoperância invalidante desta violação da lei.
E nesta impossibilidade de “apropriação” da alegação do Recorrente com recurso exclusivamente à validação da tese em torno da violação da regra dos ónus de prova reside o “punctum saliens” distintivo da falta de préstimo à boa decisão de causa, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão em relação à necessidade de apreciação da mesma.
Naturalmente, este panorama é suscetível de variação caso se conclua pela procedência da imputada violação do disposto no nº. 7 do artigo 9º da Portaria nº. 83/2009, de 22.01, pois, a proceder esta causa de invalidade, fica automaticamente demonstrada a utilidade da apreciação da invocada violação da regra dos ónus de prova para a decisão de mérito a proferir.
Importa, por isso, atentar na contestação argumentativa aduzida pelo Autor em torno da imputada violação no nº. 7 do artigo 9º da Portaria nº. 83/2009, de 22.01, com vista a determinar se esta causa de invalidade procede [ou não], e partir daí para [ou não] para apreciação da tese em torno da violação da regra dos ónus de prova, e em função de tudo, julgar procedente [ou não] o erro de julgamento de direito imputado à decisão judicial recorrida ora em análise.
Assim, e entrando já no conhecimento da segunda questão decidenda supra elencada, impera que se comece por salientar que, pese embora impenda, efectivamente, sobre o Réu o ónus de prova factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo Autor, tal não obsta a que o Tribunal a quo socorra da aplicação do princípio geral de direito que se exprime pela fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, que habilita o julgador, mormente, o juiz administrativo a poder negar relevância anulatória ao erro da Administração.
No caso concreto, é manifesto que o Tribunal a quo se socorreu da aplicação deste princípio geral, tendo recusado a atribuição de eficácia invalidante à violação de lei em análise.
O que fez, fundamentalmente, com base no entendimento de não se atingir qual o prejuízo efetivo que resultou para o Autor com a eventual procedência da violação de lei invocada, já que o Autor foi aprovado na prova escrita de conhecimentos, tendo sido admitido à fase de avaliação psicológica, na qual veio a ser excluído do procedimento concursal.
Julgamos que os termos em que Tribunal a quo desenvolve o seu julgamento mostra-se inteiramente bem realizado, nada havendo a objetar neste capítulo.
De facto, situando-se a invocada violação de lei no domínio da prova escrita de conhecimentos na qual o Recorrente obteve provimento, tendo passado à fase seguinte de avaliação psicológica, e à mingua da falta de concretização de eventuais prejuízos em matéria de classificação da prova de escrita de conhecimento por parte do Recorrente, deve entender-se que não existe justificação racional para, nestas condições de inoperância, conferir eficácia invalidante ao ato impugnado com base em vício ocorrido inteiramente a montante da fase procedimental que desembocou na prolação do ato impugnado.
Por conseguinte, não se divisa que a argumentação do Recorrente em análise possa constituir suporte para atingir a validade da sentença recorrida.
Nestes termos, por falta de utilidade para a decisão de mérito a proferir e também por não se antolhar a existência de qualquer elemento substancial que permita concluir que existe algo de grave e ostensivamente errado ou desacertado quanto ao julgamento em torno do princípio geral de direito que se exprime pela fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, improcede o invocado erro de julgamento de direito.

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Do imputado erro de julgamento de direito, por violação do disposto “[por] violação do princípio da imparcialidade e da transparência (…)” e “(…) disposto nos artigos 5.° e 6.° do anterior CPA; n.° 2 do artigo 266.° da CRP e al. s) do n.° 3 do artigo 19.° da Portaria n.° 83-A/2009, de 22 de janeiro, este último aplicável por interpretação extensiva (argumento de maioria de razão) ao caso dos autos (…)”.

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Estas questões estão veiculada nas conclusões 8º a 19º do Recorrente supra transcritas, substanciando-se na tripla alegação de que, ao contrário de que defende a decisão judicial recorrida, (i) a realização de testes psicológicos em momentos temporais distintos [de manhã e de tarde] pode favorecer injustamente o desempenho de alguns candidatos; (ii) a realização de testes de avaliação com recurso a lápis propicia com maior facilidade a adulteração dos resultados de avaliação; e (iii) que os técnicos que procedem à avaliação dos candidatos que não façam parte do júri devem ser nomeados e de identificados e conhecidos antes de serem conhecidos os candidatos, tudo sob pena de ser violado o princípio da imparcialidade e da transparência.
Vejamos, sublinhando, desde já, que as alegadas circunstâncias de (i) realização de testes psicológicos em momentos temporais distintos [de manhã e de tarde] e de (ii) realização de testes de avaliação com recurso a lápis não constituem suporte adequado de per se para estear a invocada violação dos princípios da imparcialidade e da transparência.
De facto, e com reporte para o fundamento descrito sob o sobredito ponto i), as próprias condições temporais e disponibilidade do júri podem justificar o desfasamento no tempo da realização de provas de avaliação.
Diga-se, aliás, inclusive, que tem sido essa a prática do júri de muitos procedimentos concursais que se desenrolam no seio da Administração Pública, justificada, na maior parte das vezes, na impossibilidade física de reunião do júri por longos períodos de tempo.
E, regra geral, sem que daí que resulte qualquer adulteração da realidade concursal.
Naturalmente, admite-se que os concorrentes que realizem as provas em momento posterior aos primeiros candidatos possam ter alguma vantagem em termos de conhecimento das questões abordadas sempre que a realização das mesmas importe idêntica enunciação dos temas.
Embora nos suscitem reservas em torno da operacionalidade da violação do princípio da imparcialidade unicamente com base na alegação supra referenciada, importa considerar que, no caso presente, ignora-se [porque nem sequer foi alegado] se a realização das provas psicológicas seguiu, toda ela, o mesmo itinerário temático, dessa forma permitindo o conhecimento antecipado do conteúdo das provas que iriam realizar por parte de alguns candidatos.
Qual tale, ainda que se admitisse a operacionalidade da violação do princípio da imparcialidade com base no desfasamento temporal das provas de avaliação, na ausência de alegação dos elementos capitais supra referenciados, não se pode afirmar que o júri tenha potencialmente incorrido ou mesmo desenvolvido uma atuação não isenta, não objetiva, não neutral, não independente, com favoritismos, com privilégios, e com perseguições em relação a um ou mais do que um candidato.
Idêntica conclusão é atingível no tocante à alegada realização das provas escrita com recurso a lápis.
De facto, a simples alegação do uso de lápis em provas escritas desacompanhada da consequente alegação de favorecimento de um ou mais candidatos daí emergente não importa lastro factual suficiente para se concluir no sentido da violação do princípio da imparcialidade e da transparência.
De facto, para se possa concluir no sentido da existência de uma situação contrastante com a exigência de objetividade e imparcialidade por parte do júri concursal, torna-se necessária a alegação de situações, no caso concreto, adequadas a gerar desconfiança sobre a sua isenção.
A não entender-se assim, estaria aberta a porta à validação de todo o tipo de juízos temerários em matéria da integridade da conduta da administração pública, cuja isenção e imparcialidade só se deve atingir com a aquisição de atuação contrastante com tais exigências.
Ora, a concreta alegação de que, com a previsão de uso de lápis em provas escritas, a Administração agiu motivada por razões alheias ao interesse público juridicamente protegido, não foi feito nos presentes autos, o que determina que se julgue também improcedente o segundo fundamento invocado em torno da alegada violação do princípio da imparcialidade.
O que serve para concluir que, nos particulares conspecto em análise, o julgamento realizado pelo Tribunal a quo mostra-se inteiramente bem realizado, nada havendo a objetar.
O mesmo, todavia, já não se pode afirmar no que tange ao terceiro fundamento invocado, e que se prende, como sabemos, com o facto da nomeação da técnica que procedeu à realização das provas psicológicas ter sido operada já após a realização das provas escritas de conhecimento.
De facto, é entendimento jurisprudencial uniforme o de que o princípio da imparcialidade constitui princípio fundamental do direito administrativo pelo qual se deve reger a Administração Pública no exercício da sua atividade, constituindo o simples risco de sua lesão fundamento bastante para a anulação do ato com que culminou tal procedimento, mesmo que em concreto se desconheça a efetiva violação dos interesses de algum concorrente.
É, assim, que só depois de claramente assente a maneira como os candidatos a um concurso devem ser avaliados e classificados é que se deverão ou poderão iniciar as respetivas operações, visto não fazer, de facto, sentido que se iniciem estas operações e que só depois disso se determine qual o peso ou valor que as mesmas têm no apuramento da classificação final dos candidatos.
Como se pode ler no Ac. do STA de 09.12.2004 [Proc. n.º 0594/04], com plena valia para o caso vertente quanto à definição da abrangência do princípio da imparcialidade:

“(…) o que através dele se pretende alcançar é uma atuação isenta, objetiva, neutral, independente, sem favoritismos nem privilégios, sem perseguições, em suma, sem a representação de fatores de ponderação diferentes daqueles que formam o núcleo do interesse juridicamente protegido.

E tudo isso reforça a posição de princípio: seja no Aviso, seja posteriormente, mas sempre antes da aferição do mérito dos candidatos, cada um destes deve saber com antecedência os parâmetros da avaliação, os critérios de classificação dos diversos itens em que se decompõem as provas de conhecimentos, enfim a grelha classificativa.

Não basta que o Júri defina e se vincule a esses critérios classificativos antes das provas que os candidatos terão que prestar; é também necessário que eles os conheçam bem antes das provas. Será essa uma maneira de a Administração mostrar isenção e imparcialidade e revelar o verdadeiro espírito de transparência concursal: mostrar que não está a privilegiar nenhum dos candidatos em detrimento de outros. Por outro lado, será essa também uma forma de permitir que cada um deles, quando seja o caso, oriente a sua estratégia de preparação de certas matérias e atividades para as quais se ache mais ou menos apto ou considere terem maior ou menor peso no cômputo final classificativo.

Por outro lado, sob pena de suspeição, falta de transparência e de parcialidade, não pode o órgão estabelecer essas regras e critérios depois de conhecer as candidaturas dos concorrentes. Para que não haja a tentação de afeiçoar os critérios à situação particular de um ou outro interessado e, portanto, ao resultado que se pretenda obter, devem eles ser estabelecidos antes de conhecido o currículo de cada candidato (…).

De tal modo é assim que basta neste caso admitir a possibilidade de um tal desrespeito criar um perigo de lesão e de atuação parcial para constituir fundamento bastante para a anulação, mesmo que se desconheça em concreto a efetiva violação dos interesses de algum dos concorrentes (…)”.

Acompanhando e acolhendo a interpretação assim declarada pelo colendo S.T.A., tem-se, portanto, por assente, no mais fundamental para o que ora importa julgar, que é necessário que os candidatos saibam antes da aferição do mérito das suas candidaturas o quadro específico pelo qual se vai reger o procedimento concursal a que se estão a candidatar.
E esse quadro específico, como é jurisprudência conforme e reiterada, inclui o conhecimento atempado dos critérios, parâmetros ou fatores de avaliação dos candidatos [cfr. de entre outros Acs. do STA de 09/12/2004 - Proc. n.º 0594/04, de 13/01/2005 - Proc. n.º 0730/04, de 25/01/2005 - Proc. n.º 0690/04, de 03/02/2005 - Proc. n.º 0952/04, de 15/02/2005 - Proc. n.º 01328/03, de 14/04/2005 - Proc. n.º 0429/03 todos in: www.dgsi.pt/jsta].

Ora, visando-se com esta regra acautelar o perigo de atuação parcial da administração, porquanto o elemento constitutivo do respectivo ilícito é a lesão meramente potencial do interesse do particular, entendemos que o apontado quadro específico inclui também a (i) identificação dos elementos que integram o júri concursal, aqui incluindo-se todas as entidades externas que este eventualmente se irá socorrer para efeito de avaliação psicológica dos candidatos, e a (ii) respetiva publicitação destes elementos a todos os concorrentes antes da avaliação do mérito por parte dos respetivos concorrentes.~

No caso provado, percorrido o probatório coligido nos autos, resulta insofismável que a nomeação da técnica que procedeu à avaliação psicológica que determinou a exclusão do Autor foi feita após a realização da prova de conhecimentos técnicos, escrita.
Ainda que tal tivesse sido imaturamente determinado, fica a séria e fundada dúvida sobre se o procedimento de avaliação psicológica não foi construído com base nas específicas ou particulares características detidas por determinado candidato ou candidatos, o que acaba por, na prática, por em causa a neutralidade e objetividade das avaliações efetuadas, numa manifesta violação dos princípios da imparcialidade, isenção e igualdade de tratamento e de igualdades, para além de desvirtuar a concorrência.
Deste modo, não tendo sido este o caminho trilhado na sentença recorrida, é mandatório concluir pela procedência do erro de julgamento de direito ora em análise.
Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser concedido provimento ao recurso interposto, e, em conformidade, revogada a sentença recorrida e julgada parcialmente procedente a presente ação administrativa.
Assim se decidirá.

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IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso jurisdicional, revogar a decisão judicial recorrida e julgar a presente ação procedente.
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Custas a cargo do Recorrido.
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Porto, 16 de outubro de 2020


Ricardo de Oliveira e Sousa
João Beato
Helena Ribeiro