Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00161/12.6BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/04/2023
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:AGENTE DA PSP; VIOLÊNCIA DOMÉSTICA;
CRIME DE OFENSAS À INTEGRIDADE FÍSICA GRAVE; SANÇÃO DISCIPLINAR;
DEMISSÃO; PROPORCIONALIDADE;
Sumário:
É manifestamente desproporcionada a sanção disciplinar expulsiva, de demissão, aplicada a um agente da PSP por violência doméstica, pela prática de um crime de ofensas à integridade física grave, pelo qual foi condenado em processo-crime, mas sem qualquer ligação objectiva com as suas funções.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

«AA», veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, de 07.10.2022, pela qual foi julgada totalmente improcedente a acção administrativa intentada contra o Ministério da Administração Interna, para a declaração de nulidade do procedimento disciplinar que lhe foi movido e, subsidiariamente, para a declaração da prescrição desse procedimento, e, na eventualidade de também assim não ser entendido, para a declaração de nulidade, ou pelo menos a anulação, da decisão que lhe aplicou a sanção disciplinar de demissão.

Invocou para tanto, em síntese, que a decisão recorrida errou de facto e de direito, devendo ser “revogada a decisão de expulsão”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

A) O presente recurso vem interposto da Douta Sentença proferida no âmbito de acção administrativa especial de declaração de nulidade de acto administrativo que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, sob o número 161/12.6BEMDL, opondo o Autor, «AA», aqui Apelante, ao Ministério da Administração Interna, aqui Apelado.

B) Com este recurso, o Apelante visa sindicar a matéria de facto – demonstrando que existem factos relevantes que não foram tidos em consideração – e de direito – buscando uma interpretação legal diferente daquela que foi feita pelo Tribunal a quo.

C) Em suma, o Apelante é Agente Principal da Polícia de Segurança Pública, tendo sido alvo de processo disciplinar cuja a decisão final foi a aplicação de uma pena de expulsão.

D) No decurso do mencionado procedimento disciplinar, foram apontados pelo Apelante diversos vícios, nomeadamente a omissão de diligências probatórias, violação do direito de defesa, falta de ponderação de circunstâncias atenuantes e violação do princípio da proporcionalidade quanto à medida da pena.

E) Vícios, omissões e violações legais que, infelizmente, não foram corretamente interpretadas pelo Tribunal a quo que na sua sentença acabou por fazer “tábua rasa” aos mesmos, causando prejuízos imensuráveis de caracter sócio-económico ao aqui Apelante, cabendo aos Venerandos Desembargadores a tarefa de repor a verdade e a justiça nos presentes autos.

Se não vejamos,

F) A sentença recorrida deu como provado, ou pelo menos assim resulta da leitura do ponto 4 e 52 da matéria de facto provada, que o Apelante é imputável.

G) Salvo melhor entendimento, inexiste fundamentos materiais para afirmar tal imputabilidade.

H) Quanto muito, a mesma deve ser considerada diminuída visto que à data dos factos – 30 de Agosto de 2004 – quer o Apelante, quer a sua esposa, “tinham ingerido bebidas alcoólicas”, cfr artigo 10 da acusação proferida no âmbito do processo disciplinar.

I) Dos artigos 11 e 15 da mencionada acusação, resulta ainda que, estes eram “desde há vários anos(...)acompanhados em psiquiatria, em virtude de revelarem síndroma depressivo”, tendo inclusive sido “medicado com anti-depressivos, ansiolíticos e estabilizadores de humor”.

J) O Apelante teve baixas psiquiátricas e foi, por diversas vezes, observado no Posto Clínico da PSP por síndrome depressivo, acabando por deixar de trabalhar, estando pré-aposentado.

K) Este fez um exame de avaliação psicológica no âmbito do processo crime, onde resulta que o mesmo “apresenta um nível intelectual ligeiramente inferior à média” – ponto 4 n.º 1 da matéria de facto provada e 20 da acusação – a que acresce “dificuldades de controlo dos impulsos” – ponto 20 da acusação.

L) À data da prática dos factos que levaram a que fosse instaurado um procedimento disciplinar contra o Apelante, e conforme resulta do artigo 21.º da sua acusação, é muito provável que o quadro clínico de depressão e ansiedade já se manifestasse nesse período.

M) Ora, o estado emocional, físico, intelectual, aliado ao estado depressivo, a toma de medicação juntamente com a ingestão de álcool, levaram a uma imputabilidade diminuída.

N) Conforme nos ensina Figueiredo Dias, Direito Penal - Parte Geral, I, Coimbra Editora, 2004, n.º 111, § 42 e 43, 539 e ss : “A imputabilidade diminuta «Do que se trata é antes, verdadeiramente, de casos de imputabilidade duvidosa, no particular sentido de que neles se comprova a existência de uma anomalia psíquica, mas sem que se tornem claras as consequências que daí devem fazer-se derivar relativamente ao elemento normativo-compreensivo exigido; casos pois (...) em que é pouco clara, ou simplesmente parcial, a compreensibilidade das conexões objectivas de sentido que ligam o facto à pessoa do agente”.

O) Atendendo ao seu historial clinico e psíquico, o Apelante estava notoriamente com a sua capacidade de compreensão da acção diminuída, motivo pelo qual não poderia determinar os seus comportamentos da forma que seria expectável ao bonus pater família, atendendo que a sua avaliação dos factos estava comprometida, o que tem implicações directas na atribuição da sua completa responsabilidade perante os actos que cometeu.

P) Também a este propósito, vide Ac. STJ de 21-06-2012 : “IV. A chamada imputabilidade diminuída pressupõe e exige a existência de uma anomalia ou alteração psíquica (substrato bio-psicológico) que afecte o sujeito e interfira na sua capacidade para avaliar a ilicitude do facto e de se determinar de acordo com essa avaliação sensivelmente diminuída (efeito psicológico ou normativo).V. Os pressupostos biológicos da imputabilidade diminuída são os mesmos que o art. 20.º do CP prevê para a inimputabilidade. A diferença reside no efeito psicológico ou normativo: a capacidade de compreensão da acção não resulta excluída em consequência da perturbação psíquica, mas, antes, notavelmente diminuída. Se a imputabilidade diminuída significa uma diminuição da capacidade de o agente avaliar a ilicitude do facto ou de se determinar de acordo com essa avaliação, ela há-de, em princípio, reflectir um menor grau de culpa (uma culpa diminuída).”

Q) Esta culpa diminuída também resulta do próprio julgamento do crime que o Apelante cometeu e que acabou por ser uma justificação, ainda que desproporcional, para a aplicação da pena de expulsão da PSP.

R) Frise-se que, o Apelante não foi condenado por um crime de homicídio mas pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave, qualificado pelo resultado morte.

S) Esta destrinça feita pelo julgador penal deve-se ao estado clinico e de embriaguez que o Apelante se encontrava quando praticou os factos.

T) No referido processo penal resultou provado que o Arguido, além de confessar os factos de que se lembrava, ainda tudo fez para reparar o dano e auxiliar a sua esposa.

U) O Arguido confessou os factos que se recordava, mostrou-se arrependido e declarou pedir perdão à assistente e familiares da vítima.

V) Tanto assim é que, a própria senhora Inspectora concluiu que “das declarações prestadas pelo Arguido, conjugadas com a observação do local e do cadáver da falecida, não nos parece que, no caso em apreço, tivesse havido intenção de matar, parecendo-nos antes que a morte de «BB» ocorreu de forma acidental, embora decorrente de uma situação de discussão em que ocorreram agressões físicas”, conforme consta na informação da polícia judiciária de 31/08/2004.

W) Face ao exposto deveria ser dado como provado que o Apelante, embora imputável, estaria com a chamada imputabilidade diminuída, pelo que, a sua expulsão se revela desproporcional atendendo aos circunstancialismos de facto aqui em apreço.

X) Não obstante, a decisão de expulsão a que o Apelante foi sujeito no âmbito procedimento disciplinar que deu origem aos presentes autos, além de desvalorar o decidido e dado como provado no processo-crime que o motivou, ainda releva o facto de este, enquanto estava no ativo, ter sido um excelente policia que sempre se pautou por defender a sua farda.

Y) Como atenuantes, há que ter em linha de conta que, o Apelante esteve muitos anos no ativo e nunca tinha sido alvo de qualquer procedimento disciplinar.

Z) O Apelante cumpriu sempre as suas funções com brio, zelo, lealdade e aprumo, no superior interesse público da comunidade que serviu.

AA) O seu comportamento de mérito é corroborado pelos louvores e condecorações que recebeu ao longo da sua carreira como pelos seus colegas.

BB) Ademais, a própria acusação do procedimento disciplinar refere no seu artigo 29.º o seguinte: o Apelante “é considerado pelos demais colegas de profissão como um colega exemplar”, cfr artigo 29º do citado documento, gozando de boa reputação, credibilidade e camaradagem.

CC) Além da sua carreira profissional ser de mérito, frise-se que, no momento em que é tomada a decisão de expulsão, de forma tão desumana, desproporcional e desnecessária, o Apelante encontrava-se na situação de pré-aposentação.

DD) É de senso comum que uma carreira na PSP é uma profissão de risco e não é de todo desconhecido que muitos agentes acabam por cometer suicídio dentro das próprias esquadras face ao desgaste da própria profissão.

EE) Logo, além de ser uma profissão onde o stress e a pressão são uma constante, o processo disciplinar, designadamente, a sua decisão, não deveria obviar a própria situação pessoal do seu agente.

FF) O aqui Apelante, para além do seu baixo poder de compreensão, perdeu os seus filhos, encontrava-se com um síndrome depressivo, abusando de bebidas alcoólicas, simultaneamente medicado a ponto de necessitar de baixas psiquiátricas, cfr acusação, conforme resulta dos artigo 11, 12, 13, 14, 16 da acusação, sendo o cuidador da sua mãe, à data com 77 anos, com diagnostico de Alzheimer.

GG) Ora, com as agressões físicas que o Apelante infligiu na sua esposa e que resultaram na sua morte, é certo que o mesmo errou.

HH) Relembre-se que, na altura dos factos, o Apelante já não se encontrava no ativo, embora fosse um agente – o que seria a vida inteira – e estivesse sujeito ao seu estatuto não deixa de atenuar a sua conduta, não podendo sem mais ser conotada com “grave violação dos deveres” ou “indigno de confiança”

II) No entanto, o Julgador Penal, atendendo à sua circunstância socioeconómica, reconheceu que apesar do erro a sua culpa era diminuta, visto que, o mesmo não tinha intenção de matar.

JJ) E, portanto, condenou-o à prática de um crime de ofensas à integridade física grave.

KK) Salvo melhor entendimento, esta capacidade humana e concreta dos factos que o Julgador Penal empregou no caso concreto, não foi seguida pelo Instrutor do Processo Disciplinar, nem pela sentença recorrida.

LL) O processo disciplinar extravasou o próprio processo-penal, aplicando a pena mais grave quando fluem atenuantes e inexistem matéria de facto que a sustente!

MM) Assim, impõe-se aos Exmos. Desembargadores do Tribunal Central uma correta aplicação da matéria de factos, analisando as atenuantes e o percurso de vida do próprio Apelante submetendo-a ao direito, visto que, existe no estatuto profissional da sua carreira outras penas que seriam mais proporcionais e adequadas ao caso em concreto.

NN) Neste contexto, na aplicação da medida da pena deveria beneficiar das circunstâncias dirimentes previstas no artigo 51 al b) do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública (RDPSP), atendendo à sua imputabilidade diminuída

OO) Além das circunstâncias dirimentes existem atenuantes, que da leitura do processo pouco ou nada – mesmo nada – influíram na responsabilidade disciplinar do Apelante.

PP) Nunca tinha sido alvo de qualquer repreensão ou processo disciplinar. Além da longa carreira e do bom comportamento, os anos de serviço foram recheados de distinções e condecorações.

QQ) Confessou o crime e mostrou arrependimento.

RR) Todos estes factos, acima evidenciados, constituem circunstâncias atenuantes nos termos do artigo 52 do RDPSP, concretamente a al. a), b), e), g) e h).

SS) Acresce que, o Apelante não estava ao serviço aquando da prática dos factos, nada indica que estivesse sequer fardado.

TT) Sem prejuízo do crime praticado ser grave – uma vida foi ceifada – o mesmo não foi cometido de forma premeditada, nem em local público e muito menos em circunstância de especial perversidade.

UU) A falta de intencionalidade, a tentativa, ainda que vã em procurar auxílio, o arrependimento demonstrado... aliados à imputabilidade diminuída demonstram sim atenuantes e não agravantes.

VV) Ora, tal facto é extremamente relevante, por um lado porque significa que o mesmo já não estaria no activo – o que por si só pode, e deve, desviar a aplicação do artigo 53 do RDPSP – e por outro, caso se entendesse que o mesmo deveria ser alvo da pena de expulsão – o que só se admite por hipótese meramente académica – então deveria aplicar-se, por analogia, o disposto no artigo 26 n.º 1 al c) do RDPSP.

WW) Da análise aludido estatuto resulta quais as sanções para um Agente no activo e para aqueles que não estão ao serviço.

XX) Ora, o Apelante estava pré-aposentado, como tal não estaria a trabalhar.

YY) Nessa medida, a aplicar-se uma qualquer sanção disciplinar seria sempre as do artigo 26 do RDPSP e não a expulsão como se de um agente no activo se tratasse.


*

II –Matéria de facto.

Defende o Recorrente, quanto ao julgamento da matéria de facto que resulta da leitura do ponto 4 e 52 da matéria de facto provada, que o Apelante é imputável e que, no seu entender, inexiste fundamentos materiais para afirmar tal imputabilidade ou, quanto muito, a mesma deve ser considerada diminuída à data dos factos.

Não impõe, no entanto, este entendimento, qualquer alteração da matéria de facto.

Desde logo porque a sentença não deu como provado – ou não provado – que o Recorrente é imputável.

Na sentença recorrida deu-se como provado o teor do relatório pericial elaborado pela Unidade Funcional de Psiquiatria e Psicologia Forense do Hospital Magalhães Lemos, documentado a fls. 237 a 242 do processo administrativo, cuja genuinidade e autenticidade não foram postas em causa – ponto 4 dos factos provados.

E deu-se como provado o teor do relatório final do processo disciplinar, cuja genuinidade e autenticidade não foram também postas em causa.

De todo o modo o Recorrente não põe em causa que seja imputável, o que resulta, de resto, da condenação em processo crime.

O que não é incompatível, antes perfeitamente compatível, com a afirmação de que estava com a imputabilidade diminuída no momento da prática, pelo Recorrente, das agressões físicas que vieram a vitimar a sua esposa.

Não faz sentido falar de imputabilidade diminuída em determinado momento, em relação a um indivíduo inimputável. Só faz sentido falar em momentâneo ou passageiro estado de imputabilidade diminuída em relação a um indivíduo imputável.

Termos em que se impõe não alterar o julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal Recorrido.

Deverão assim dar-se como provados os seguintes factos:

1) O Autor desempenhou funções de Agente Principal da Polícia de Segurança Pública - M-128799 - cf. fls. 61 do processo administrativo; facto não controvertido.

2) Através de sentença, datada de 31-07-2007, pelo ... Juízo Criminal do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Vila Franca de Xira, no âmbito do processo n.º 725/04...., foi o Autor condenado, pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave, qualificada pelo resultado, na pena de 06 anos de prisão - cf. sentença, inserta a fls. 3 a 19 do processo administrativo.

3) No âmbito do processo judicial referido no ponto antecedente, foi o Autor submetido a avaliação psicológica forense, junto da Unidade Funcional de Psiquiatria e Psicologia Forense do Hospital Magalhães Lemos - cf. relatório pericial, inserto a fls. 237 a 242 do processo administrativo.

4) No relatório mencionado no ponto anterior, foram apostas as seguintes conclusões:

«[...]
1. O examinado apresenta um nível intelectual ligeiramente inferior à média.
2. Apresenta uma personalidade influenciável e dificuldades de controlo dos impulsos. Refere que no passado, quanto esteve em Angola, “bateu num graduado”, explicando esse facto pelas suas características de personalidade. Descreve-se como sendo uma pessoa “muito influenciável”, “impulsiva”, que “age e não pensa”. “Se sou ofendido, respondo, não controlo (sic)”, que se “ofende com muita mais facilidade, muito mais rápido que as outras pessoas, bloqueio aqui (aponta para a cabeça) e parou, sai tudo”.
3. É imputável
4. É acusado da morte da sua esposa. Não nega esta acusação, explicando o que aconteceu num contexto de discussão e de perda de controlo, sendo a relação do casal problemática há vários anos.
5. À data dos factos o examinado refere que mantinha um consumo regular e elevado de bebidas alcoólicas, tendo no dia da morte da sua esposa ingerido várias bebidas durante o almoço e durante a tarde. Afirmou ter retomado o consumo de bebidas alcoólicas recentemente, após período de cerca de um ano de abstinência».
-
Cf. relatório pericial, inserto a fls. 237 a 242 do processo administrativo.

5) Da sentença acima referida, o Autor interpôs recurso - Cf. acórdão, de fls. 20 a 49 do processo administrativo.

6) Em 2008, o Tribunal da Relação de Lisboa prolatou Acórdão, através do qual negou provimento ao recurso interposto, pelo Autor, da decisão acima referida.
- Cf. acórdão, de fls. 20 a 49 do processo administrativo.

7) A decisão acima mencionada transitou em julgado a 19-05-2008 - Cf. certidão judicial, inserta a fls. 64 do processo administrativo.

8) O Autor cumpriu a pena por que foi condenado, nos termos da decisão a que se alude acima, no Estabelecimento Prisional ... - Cf. informação, inserta a fls. 54 do processo administrativo.

9) Em 27-01-2009, foi instaurado, contra o Autor, o procedimento disciplinar sob o NUP 2009LSB00040DIS - Cf. documento, de fls. 66 do processo administrativo; facto não controvertido.

10) Em 04-02-2009, o Autor tomou conhecimento da instauração, contra si, do procedimento disciplinar mencionado no ponto que antecede - Cf. assinatura e datas apostas no mandado de notificação, inserto a fls. 66 processo administrativo.

11) Em 03-03-2009, o Autor constituiu advogados, no âmbito do procedimento disciplinar referido supra - Cf. documentos de fls. 70 e 77 do processo administrativo.

12) Em 03-03-2009, o Autor prestou declarações, na qualidade de arguido, no âmbito do procedimento disciplinar acima referido Cf. auto de declarações, inserto a fls. 78 e 79 do processo administrativo.

13) Em 16-04-2009, o instrutor do procedimento disciplinar mencionado no ponto acima mencionado deduziu, contra o Autor, acusação, de cujo teor se destaca, entre o demais, o seguinte:

«[...]
Artigo 1°.
No dia 30 de Agosto de 2004, pelas 21.30H, no interior da residência situada na Praça ..., ..., o arguido e «BB», sua mulher, por razões concretamente pão apuradas mas respeitantes a problemas existentes entre o casal, envolveram -se em discussão.
[...]
Artigo 6º.
As descritas lesões traumáticas abdominais causaram à vítima a morte.
[...]
Artigo 15ºº.
À data dos factos, o arguido, já em situação de pré-aposentação da PSP, mantinha o mesmo quadro clínico de síndroma depressivo.
Artigo 16º.
Teve baixas psiquiátricas, em virtude de um conflito com o seu comandante de posto e por causa dos conflitos havidos com a sua mulher, sobretudo a partir da perda de dois filhos de ambos, tendo-se o arguido medicado para conseguir conciliar o sono.
[...]
Artigo 19º.
Verbalizou estar arrependido e declarou pedir perdão à assistente e familiares da vítima.
Artigo 20º.
Do exame de avaliação psicológica efectuado ao arguido, resultou que o mesmo apresenta um nível intelectual ligeiramente inferior à médica, bem como uma personalidade influenciável e dificuldades de controlo de impulsos.
Artigo 21º.
Do exame pericial psiquiátrico efectuado, tendo por base ainda a referida avaliação psicológica, resulta que o arguido, à data da realização da perícia, apresentava quadro clínico de depressão e ansiedade, e como muito provável que apresentasse tal quadro clínico à data da prática dos factos.
[...]
Artigo 29º.
O arguido é considerado pelos demais colegas de profissão como um colega exemplar.
Artigo 30º.
Recebeu louvores de serviço e um elogio pelo seu comandante, respectivamente em 19/04/82, 10/05/90 e 31/03/2004, e ainda um louvor, em 19/01/84, pelo Ministro da Administração Interna, bem como diversas condecorações por comportamento exemplar, assiduidade e serviços distintos.
Não tem antecedentes criminais.
Artigo 31º.
O arguido foi condenado no ... Juízo Criminal do Tribunal d e Família e Menores e de Comarca de Vila Franca de Xira, no âmbito do processo-crime NUIPC 752/04...., cuja sentença transitou em julgado no dia 19/05/2008, pela prática de 1 (um) crime de ofensa à integridade física grave, [...] na pena de 6 anos de prisão;
Artigo 32º.
O arguido não goza de nenhuma das circunstâncias dirimentes da responsabilidade disciplinar, previstas no artigo 51.º do RD/PSP.
Tem como circunstâncias atenuantes as previstas nas alíneas a) b) e g), do n.º 1 do artigo 52° do RD/PSP.
Tem como circunstância agravante, a prevista na alínea f), do n.º 1 do artigo 53°, do RD/PSP.
Artigo 34°.
A conduta do arguido por inviabilizar a manutenção da relação funcional é punível com a pena disciplinar de demissão, prevista nos artigos 25°, n.º 1, alínea g), 43º, 47.c, n.º 1, e 49c rir 1 alínea b), todos do Regulamento Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei n.º 7/90 de 20 de Fevereiro [...]»
- Cf. acusação, inserta a fls. 84 a 87 do processo administrativo.

14) Em 23-04-2009, os Mandatários do Autor tomaram conhecimento do teor da acusação, a que se alude no ponto antecedente - Cf. ofício e comprovativo de receção (AR), de fls. 89 e 90 do processo administrativo.

15) Em 24-04-2009, o Autor tomou conhecimento do teor da acusação, acima referida. - Cf. comprovativo de assinatura de mandado, inserto a fls. 93 do processo administrativo.

16) Em 08-05-2009, deu entrada, no Núcleo de Disciplina da PSP de Lisboa, um documento, elaborado pelos Mandatários do Autor, contendo a defesa escrita, em face da acusação cima referida - Cf. documento, inserto a fls. 94 a 107 do processo administrativo.

17) Do teor do documento referido no ponto antecedente, destaca-se, de entre o mais, o seguinte:

«[...]
«AA», Arguido nos autos do processo à margem identificados, notificado da
Acusação deduzida, vem apresentar a respectiva
Defesa
O que faz nos termos Artigo 83.°, do Regulamento Disciplinar da P.S.P., com os fundamentos seguintes:
[...]
43. °
Conforme resulta dos autos - com referência a elementos que dele não constam- o arguido revela um nível intelectual inferior à média.
44. °
Conforme resulta da acusação - com referência a prova pericial que nem sequer consta dos autos – o arguido encontrava-se na data dos factos em estado de ansiedade, sofrendo de síndroma depressivo agravado (cfr. art.°11° da Acusação).
45.°
Estado esse, do qual decorre uma imputabilidade diminuída, ou seja, com «implicações directas na atribuição da sua completa responsabilidade perante os actos que cometeu» (doc....).
46.°
E que, nesse estado de ansiedade e depressão, perdeu completamente o controlo e agrediu a esposa, após chegar a casa e esta completamente alcoolizada, lhe dizer que «bêbada é a puta da tua mãe», causando-lhe lesões que a levaram à morte.
47.°
Porém, a nada disto foi conferida qualquer relevância, no que se refere à acusação deduzida: o Arguido, pessoa com nível intelectual inferior à média, em estado de depressão e ansiedade, apresenta ¯apenas” uma imputabilidade diminuída [...]
69.°
Nem tão pouco o facto de ser o próprio arguido a ter diligenciado pela assistência da respectiva esposa, com a intenção de evitar a morte daquela (cfr. art.° 25° da Acusação).
70.°
O estado de doença depressiva em que se encontrava - as consequentes dificuldades de controlo emotivo - que conduziu aliás à sua pré-aposentação, não foi sequer considerado (doc....),
71.°
Estado esse, do qual decorre uma imputabilidade diminuída, ou seja, com «implicações directas na atribuição da sua completa responsabilidade perante os actos que cometeu» (doc....) [...]
Termos em que deverá ser declarada a prescrição do procedimento disciplinar, ordenando-se o respectivo arquivamento; Caso assim não se entenda, deverá ser declarada a nulidade do procedimento disciplinar, com as legais consequências;
Subsidiariamente,
Deverá o arguido ser declarado inimputável, ordenando-se o arquivamento dos presentes autos;
Ou caso assim não se entenda, deverá a pena a aplicar ao arguido, em face das circunstâncias atenuantes, ser substituída por outra que não inviabilize a relação funcional.
[...]
Testemunhas:
1) «CC», Agente Principal da P.S.P. n° ...;
2) «DD», Agente da P.S.P. n° ..., a prestar serviço nas Brigadas de Investigação Criminal dos Transportes Públicos de Lisboa;
3) Subcomissário «EE», Comandante da 4a Esquadra da P.S.P de ...
[...]». - Cf. documento, inserto a fls. 94 a 107 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

18) Em 20-05-2009, o instrutor do procedimento disciplinar elaborou ofício, onde determinava que fossem notificados os Mandatários do Autor, a fim de estes poderem, querendo, assistir à diligência de inquirição das testemunhas arroladas, pelo seu mandante, na defesa escrita apresentada, mais determinando que lhes fosse comunicado o dia e a hora para que estavam agendadas as respetivas inquirições - Cf. ofício, inserto a fls. 157 do processo administrativo.

19) Em 29-05-2009, o Autor tomou conhecimento do teor de um ofício, elaborado pelo instrutor do procedimento disciplinar em 20-05-2009, onde este determinava que fossem notificados, quer o Autor, quer os seus Mandatários, a fim de estes poderem, querendo, assistir à diligência de inquirição das testemunhas arroladas na defesa escrita apresentada, mais determinando que lhes fosse comunicado o dia e a hora para que estavam agendadas as respetivas inquirições - Cf. ofício, inserto a fls. 166 do processo administrativo.

20) Em 04-06-2009, foram tomadas as declarações da Testemunha «CC», designadamente quanto aos pontos 7.º, 8.º, 44.º, 46.º e 70.º da defesa escrita do Autor -Cf. auto de inquirição, inserto a fls. 158 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

21) Em 04-06-2009, foram tomadas as declarações da Testemunha «EE», designadamente quanto aos pontos 7.º, 8.º, 44.º, 46.º e 70.º da defesa escrita do Autor -Cf. auto de inquirição, inserto a fls. 159 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

22) Nas diligências referidas nos dois pontos anteriores esteve presente a Mandatária do Autor - Cf. documentos, insertos a fls. 158, 159 e 162 do processo administrativo.

23) A Testemunha «FF» não tomou conhecimento do mandado de notificação, para inquirição, na qualidade de testemunha, no procedimento disciplinar - Cf. informação, inserta a fls. 164 do processo administrativo.

24) Em 25-06-2009, o instrutor do procedimento determinou que a testemunha «FF» fosse inquirida numa outra data, a saber, em 14-07-2009 e, ainda, que o Autor e os seus Mandatários disso fossem informados para, querendo, estarem presentes na diligência - Cf. ofício de fls. 170 do processo administrativo.

25) Os Mandatários do Autor tomaram conhecimento da designação da diligência referida no ponto anterior - Cf. comprovativo de receção postal, de fls. 173 do processo administrativo.

26) Em 10-07-2009, o Autor tomou conhecimento da designação da diligência suprarreferida - Cf. data e assinatura apostas no mandado de notificação, de fls. 177 do processo administrativo.

27) A testemunha «FF» não tomou conhecimento do mandado de notificação, para inquirição, na qualidade de testemunha, designada para o dia 14-07-2009 - Cf. informação, inserta a fls. 175 do processo administrativo.

28) Em 19-10-2009, o instrutor do procedimento determinou que a Testemunha «FF» fosse inquirida numa outra data, a saber, em 03-11-2009 e, ainda, que o Autor e os seus Mandatários disso fossem informados para, querendo, estarem presentes na diligência - Cf. ofício de fls. 183 do processo administrativo.

29) Os Mandatários do Autor tomaram conhecimento da designação da diligência referida no ponto anterior - Cf. comprovativo de recepção postal, de fls. 180 do processo administrativo.

30) Em 29-10-2009, o Autor tomou conhecimento da designação da diligência acima referida - Cf. data e assinatura apostas no mandado de notificação, de fls. 183 do processo administrativo.

31) A testemunha «FF» não compareceu na diligência programada para o dia 03-11-2009 - Cf. informação, inserta a fls. 181 do processo administrativo.

32) Em face da ocorrência mencionado no ponto antecedente, o instrutor do procedimento designou, para a inquirição da testemunha «FF», nova data, a saber, o dia 27-01-2010 - Cf. mandado de notificação, de fls. 187 do processo administrativo.

33) Os Mandatários do Autor tomaram conhecimento da data agendada para a diligência referida no ponto anterior - Cf. documento, de fls. 189 do processo administrativo.

34) O Autor tomou conhecimento da data agendada para a diligência acima referida. - Cf. documento, de fls. 194 do processo administrativo.

35) A diligência acabada de referir foi adiada pelo instrutor do procedimento disciplinar, para o dia 01-02-2010, por ter a testemunha informado o Núcleo de Deontologia e Disciplina da PSP que só tinha tomado conhecimento da realização da diligência no dia em que a mesma estava agendada - Cf. cota, de fls. 190 do processo administrativo.

36) A diligência referida no ponto que antecede não teve lugar, em virtude da não comparência da testemunha - Cf. cota, de fls. 195 do processo administrativo.

37) Através de ofício, datado de 11-02-2010, o instrutor do procedimento disciplinar informou os Mandatários do Autor, entre o demais, do seguinte:

«[...]
Os Srs. Drs. «GG» e «HH», na qualidade de mandatários do arguido, Agente Principal Aposentado «AA», nos termos do n°. 3 do artigo 65°., do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei n° 7/90 de 20 de Fevereiro, de que, no prazo de 10 (dez) dias, a partir da data da sua notificação, faça comparecer no Núcleo de Deontologia e Disciplina do Comando Metropolitano de Polícia de Lisboa da Polícia de Segurança Pública, sito na Avenida ..., em ..., a testemunha, indicada na defesa escrita, para se proceder à sua audição, «FF», dado que, o mesmo não comparece [...]».
- Cf. ofício, de fls. 200 do processo administrativo.

38) Os Mandatários do Autor tomaram conhecimento do teor do ofício referido no ponto anterior, em 22-02-2010 - Cf. comprovativo de receção postal (AR), de fls. 202 do processo administrativo.

39) Em 23-02-2010, o Autor tomou conhecimento do teor do ofício acima referido - Cf. comprovativo de recepção postal (AR), de fls. 202 do processo administrativo.


40) Em 04-03-2010, deu entrada, no Núcleo de Deontologia e Disciplina da PSP, um documento, elaborado pelos Mandatários do Autor, de cujo teor se destaca, entre o demais, o seguinte:

«[...]
«AA», Arguido nos autos do processo à margem identificado, notificado do despacho proferido em 11 de fevereiro de 2010, vem expor e requerer a V." Ex." [...]
Termos em que vão expressamente arguidas, nos termos do art.º 86.º do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, as nulidades previstas nos artigos 123.º e 120.º, n.º 2, d) do CPP, respectivamente decorrentes do despacho que ordena ao arguido que «faça comparecer (...) a testemunha, indicada na defesa escrita (...) «FF»», bem como da previsível sua não realização da inquirição [...]».
- Cf. documento, de fls. 208 a 218 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

41) Em 19-03-2010, o Instrutor do procedimento disciplinar designou nova data para a inquirição da testemunha «FF», mais determinando que, da mesma, fossem informados o Autor e seus Mandatários - Cf. deprecada, de fls. 222 do processo administrativo.

42) Em 08-04-2010, o Núcleo de Deontologia e Disciplina da PSP informou, via telefax, os Mandatários do Autor da designação da diligência referida no ponto antecedente, e de que, querendo, na mesma poderiam comparecer - Cf. documentos, de fls. 250 e 252 do processo administrativo.

43) Em 10-04-2010, o Núcleo de Deontologia e Disciplina da PSP informou, por correio postal registado com aviso de recepção, os Mandatários do Autor da designação da diligência referida no ponto antecedente, e de que, querendo, na mesma poderiam comparecer - Cf. carimbo dos CTT, aposto no documento, de fls. 254 do processo administrativo.

44) Em 19-04-2010, os Mandatários do Autor recepcionaram a informação referida no ponto antecedente - Cf. comprovativo de recepção postal (AR), de fls. 254 do processo administrativo.

45) Em 20-04-2010, foram tomadas as declarações da Testemunha «FF» - Cf. auto, inserto a fls. 248 e 249 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

46) Através de ofício, datado de 05-05-2010, o instrutor do procedimento disciplinar determinou que os Mandatários do Autor fossem informados do teor das declarações prestadas pela Testemunha mencionada no ponto antecedente, concedendo-lhes o prazo de 10 dias para, querendo, quanto às mesmas se pronunciarem - Cf. ofício, de fls. 256 do processo administrativo.

47) Em 13-05-2010, os Mandatários do Autor rececionaram o ofício referido no ponto antecedente - Cf. comprovativo de receção postal (AR), de fls. 257 do processo administrativo.

48) Através de ofício, datado de 05-05-2010, o instrutor do procedimento disciplinar determinou que o Autor fosse informado do teor das declarações prestadas pela testemunha acima mencionada, concedendo-lhe o prazo de 10 dias para, querendo, quanto às mesmas se pronunciar - Cf. ofício, de fls. 259 do processo administrativo.

49) Em 14-05-2010, o Autor tomou conhecimento do teor do ofício referido no ponto antecedente - Cf. data e assinatura apostas no mandado de notificação, de fls. 259 do processo administrativo.

50) Em 17-06-2010, o instrutor do procedimento disciplinar movido contra o Autor determinou o encerramento da fase de defesa, por considerar que os autos dispunham de toda a prova necessária à prolação da decisão final - Cf. despacho, inserto a fls. 272 do processo administrativo.

51) Em 17-06-2010, o instrutor do procedimento disciplinar referido em “9)”, elaborou o relatório final, onde propunha que, ao Autor, fosse aplicada a pena de demissão - Cf. relatório final, de fls. 273 a 281 do processo administrativo.

52) Do teor do relatório final referido no ponto antecedente, destaca-se, de entre o mais, o seguinte:

«[...] DEFESA
Notificado da acusação em 24-04-2009 [...] e o seu Ilustre Mandatário [...], apresentaram, tempestivamente, defesa escrita [...], nela requerendo as seguintes diligências probatórias:
4.1. Testemunhal [...]
4.2. Documental [...]
4.4. Após conclusão das diligências, quer o arguido, quer o seu Ilustre mandatário foram notificados, para que no prazo de 10 (dez) dias, se assim o pretendessem viessem aos autos dizer o que se lhes oferecer sobre a realização da prova realizada [...].
5. DA PROVA
Da leitura e análise crítica da prova recolhida, na instrução e defesa, nos termos do disposto no art.° 127° do CPP, aplicável ex vi 66.° do RD/PSP, deve dar-se como devidamente provados todos os factos constantes da acusação, senão vejamos:
Quanto aos art.°s 1.° a 31.° a convicção fundamenta-se no acórdão condenatório é de extrema relevância para a formação da convicção sobre os factos dados como provados e a sentença condenatória que conduziu à condenação do arguido e a pena aplicada.
Tendo sido o arguido condenado pela prática dos factos por que foi nos presentes autos acusado, não pode tal facto ignorar-se, sem que a entidade com poder disciplinar possa, fazendo o enquadramento que considere mais adequado, aplicar ao arguido a pena que melhor se coadune as necessidades de repressão e prevenção [...].
Na questão da imputabilidade do arguido, somos de referir que a douta sentença criminal se opõe frontalmente a esses considerandos. Na verdade, de acordo, com o consagrado no artigo 205.°, n.° 2 da CRP, não se pode afrontar a prática dos mesmos, pois estes foram provados em sede de processo-crime, exigindo por parte da administração o respeito pelas decisões judiciais (Cfr. Acórdão do STA, de 15. 1991, BMJ, 410¬846), no que se reporta à factualidade apurada.
Os factos estão provados em sede crime, não tendo sido o arguido considerado inimputável, motivo pelo qual estão também provados em sede disciplinar.
A pena de demissão, prevista nos artigos 25.°, n.° 1, alínea g), 43.°, 47.°, n.° 1 e 49.°, n.° 1, alínea b), todos do Regulamento Disciplinar da PSP [...], parece adequada à gravidade da infração cometida, uma vez que com a sua conduta o arguido violou gravemente os deveres profissionais, sendo lesivo e ofensivo à imagem da PSP. [...]
FACTOS PROVADOS [...]
APRECIAÇÃO JURÍDICO-DISCIPLINAR DOS FACTOS PROVADOS
7.1. Na apreciação jurídico-disciplinar, da materialidade fáctica apurada, a conduta do arguido, integra a violação do princípio fundamental, previsto no artigo 6.° do RDPSP, [...], conjugado cm os artigos 144.°, alínea d) e 145.°, n.° 1, alínea b) do Código Penal, dado que foi condenado pela prática, de um crime de ofensa à integridade física grave, qualificado pelo resultado.
7.2. Para acusar o arguido como violador do princípio fundamental, impõe-se recorrer aos factos dados como provados na sentença criminal, com trânsito em julgado.
7.3. O bem jurídico protegido para tal tipo de ilícito é a integridade física da ofendida, [...] já que o arguido agrediu a ofendida com diversos murros [...], em várias partes do corpo, agiu sabendo que ofendia o corpo da vítima e que ao fazê-lo daquela forma poderia atingir órgãos vitais e que desse modo poderia pôr em risco a vida da ofendida.
7.4. A conduta do arguido teve como consequência directa e necessária a morte da sua esposa «BB», 7.5. Infringiu, também, o Dever de Correção, previsto no artigo 13.°, n.° 2, alínea d), pois não adoptou procedimentos justos e ponderados.
7.6. O arguido, ao praticar as condutas dadas como provadas em processo-crime, não dignificou a função policial, nem o prestígio da corporação, as quais se mostraram contrárias à ética, à deontologia funcional, ao brio, ao decoro da corporação, não tendo ficado provado que tivesse evitado actos ou comportamentos prejudiciais ao vigor e aptidão física e intelectual, violou de igual modo, o disposto no Dever de Aprumo previsto no artigo 16°, n.° 1 n° 2, alíneas f) e g), todos do Regulamento Disciplinar da PSP [...], pelo que por conseguinte existe infracção disciplinar. [...]
MEDIDA E GRADUAÇÃO DA PENA
[...]
8.2. Quanto à natureza e gravidade da infracção, esta é grava, porque atenta contra a vida humana e causa necessariamente algum alarme social, relevando por isso fortemente as exigências de prevenção geral. 8.3. Mais a ilicitude do arguido assume especial gravidade, atentas as circunstâncias em que atingiu a ofendida, com brutal violência, embora tenha reagido a provocação da vítima, não se pode ignorar o sofrimento causado à ofendida.
[...]
8.6. O facto do arguido ter sido julgado criminalmente, a imagem da PSP ficar prejudicada, por os factos da decisão terem vindo a público e estar o mesmo recluso num estabelecimento prisional, é de atribuir elevada importância, na apreciação da sua conduta.
8.7. Diminui a responsabilidade disciplinar do agente, a prestação de serviços relevantes à sociedade, o bom comportamento anterior à pratica da infracção, bem como o facto de ter louvores, circunstâncias estas que foram levadas à acusação [...]
8.8. Agrava a responsabilidade do agente, entre outras que já acima foram mencionadas, o facto de a infracção ser comprometedora da honra, do brio, do decoro profissional e prejudicial à ordem e serviço [...]
PROPOSTA DE PENA [...]
Tendo em conta o disposto no artigo 43° do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, proponho que ao Arguido [...] seja aplicada, nos termos do artigo 25°, n.° 1, alínea g), conjugado com o artigo 43.°, 47.°, n° 1 e 49°, alínea b), a pena disciplinar de demissão. [...]».
- Cf. relatório final, de fls. 273 a 281 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

53) Em 26-11-2010, o Ministro da Administração Interna prolatou despacho, no âmbito do procedimento disciplinar acima mencionado acolhendo a proposta formulada no relatório final a que se alude no ponto antecedente, e determinando a aplicação, ao Autor, da sanção disciplinar de demissão, ¯[p]or considerar que os factos apurados no presente processo disciplinar inviabilizam a manutenção da relação funcional deste com a Polícia de Segurança Pública” - Cf. despacho, inserto a fls. 289 e 290 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

54) Em 17-12-2010, os Mandatários do Autor tomaram conhecimento do teor do despacho referido no ponto anterior - Cf. documentos, insertos a fls. 302 e 303 do processo administrativo.

55) Em 17-12-2010, o Autor tomou conhecimento do teor do despacho referido em “53)” - Cf. data e assinaturas apostas no mandado de notificação, de fls. 304 do processo administrativo.

*
III - Enquadramento jurídico.

Adianta-se que a pena aplicada se mostra desproporcionada ao caso, em violação, portanto, do princípio da proporcionalidade, consignado no n.º2 do artigo 5º do Código de Procedimento Administrativo.

Desproporcionada não a medida da pena, mas a escolha da pena, dado que a sanção de expulsão não tem graduação possível: o funcionário ou é expulso ou não é; não pode ser expulso em parte ou por certo tempo.

Entendimento este que se baseia em razões idênticas ao caso apreciado no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 21.04.2023, no processo 1854/22.5 PRT, embora ali se trate de uma providência cautelar (com uma análise perfuntória do tema) e de um caso bastante menos grave.

Não se vê em que medida os factos apurados em sede disciplinar, os que foram apurados também em sede criminal, muito graves, é certo, comprometem de forma irreversível o exercício de funções, requisito necessário, para além da moldura penal do crime ou da pena aplicada ao caso concreto, para a aplicação de uma sanção disciplinar expulsiva.

Tratam-se de factos do foro pessoal, ocorridos no seio familiar e que nenhuma relação objectiva apresentam com o exercício de funções policiais.

Não consta dos autos que o arguido tenha usado a arma de serviço (ou outra) nem qualquer objecto ligado ao exercício de funções para agredir a ex-esposa nem usado ou invocados poderes de autoridade para ameaçar ou coagir a vítima.

Também não existe a possibilidade de uso excessivo ou criminoso da força física no exercício das funções que estavam atribuídas ao arguido.

Este já se encontrava na situação de pré-aposentado - factos provados sob os n.º 13), 16) e 17) – o que estava previsto na lei – artigo 78º do Estatuto do Pessoal Policial da Polícia de Segurança Pública, em vigor à data.

A própria Autoridade demandada acabou por reconhecer, objectivamente, que não estava comprometida a relação funcional com o Recorrente, tanto assim que o manteve na mesma situação de pré-aposentado desde a data dos factos, 30.08.2004, passando pela data da condenação definitiva, em 19.05.2008 – factos provados sob os n.ºs 6) e 7) – e acabando apenas com a decisão disciplinar, tomada em 26.11.2010 – facto provado sob o n.º 53.

Mas ainda que assim não se entendesse, sempre seria de afastar a aplicação da pena expulsiva como foi aplicada.

Na verdade, como defende o Recorrente, estava na situação de pré-aposentado pelo que, por força de norma legal expressa, tal sanção não lhe poderia ser aplicada.

Antes deveria ser substituída automaticamente pela de perda do direito à pensão por 4 anos alínea c) do n.º1 do artigo 26º do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20.02

Assim como se mostra injusta a sanção aplicada.

Pela gravidade dos crimes que cometeu o Requerente já pagou a sua dívida à sociedade com a pena criminal que lhe foi aplicada e executada.

Não se ponderou - que para além de se tratarem de factos não relacionados, objectivamente, com o exercício de funções, pelos quais já foi sancionado criminalmente -, a falta de antecedentes criminais ou disciplinares, a par dos louvores atribuídos, a imporem, manifestamente, uma segunda oportunidade ao agente.


*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, pelo que:

1. Revogam a decisão recorrida.

2. Julgam a acção totalmente procedente, no seu último pedido subsidiário, e

3. Anulam o acto impugnado, por violação do princípio da proporcionalidade e de lei.

Custas em ambas as instâncias pela Entidade Demandada.

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Porto, 04.10.2023


Rogério Martins
Isabel Costa
Fernanda Brandão