Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00506/06.8BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/13/2018
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:FACTURAS FALSAS, ÓNUS DA PROVA, IVA
Sumário:
I - No caso de facturas falsas, compete à AT fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação correctiva e, só caso o faça, passa a recair sobre o contribuinte o ónus da prova da existência e dimensão dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito à dedução do imposto.
II – Impõe-se, portanto, à Administração Tributária abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT), só depois passando a competir ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado, o que quer dizer que se a Administração Tributária não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração.
III - Tal prova não tem de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível.
IV – Para que a Administração Tributária, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, obste à dedução do IVA mencionado em facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. artigo 240.º do Código Civil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.
V - Basta à Administração Tributária provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte. Contudo, não se apresentam como indícios suficientemente sólidos conclusões e ilações retiradas de meras conjecturas, sem qualquer base factual. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MHMS
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a sentença recorrida
Julgar a impugnação procedente
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
MHMS, contribuinte fiscal n.º 1…59, com domicílio fiscal na Rua C…, em S…, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 03/02/2012, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA, relativas aos primeiros trimestres de 2001 e as respectivas liquidações de juros compensatórios, nos montantes, respectivamente, de €6.752,50, de €5.685,55, de €3.245,13 e de €1.583,05, de €1.231,51 e de €646,27.
*
O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1) A Douta Sentença recorrida fez um incorrecto entendimento da matéria de facto e de direito quanto à caducidade do Direito às Liquidações adicionais de IVA, com referência aos períodos em causa.
2) Sendo o IVA um imposto que incide sobre cada transmissão ou prestação de serviços e que tem, assim por base um facto isolado e instantâneo, há que considerá-lo como um imposto de obrigação única.
3) Pelo que, antes da alteração introduzida no artigo 45°, n° 4 da Lei Geral Tributária, por força da Lei n° 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2003, apenas vigora para o futuro, ou seja, a partir de 01-01-2003 (Vide, Acórdão do S.T.A/Pleno, de 07-05-2003 — Recurso 26-806-0213), a contagem do prazo de caducidade da liquidação do IVA tinha de ser feita a partir da ocorrência dos factos tributários.
4) Pelo que, as facturas que deram origem às liquidações adicionais de IVA respeitantes aos períodos em causa, bem como as liquidações de Juros Compensatórios referentes aos mesmos períodos, caducaram.
5) É que só o procedimento externo releva para efeitos de suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação do IVA, artigo 46°, n° 1 da Lei Geral Tributária, conjugado com o artigo 13°, alínea a) do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção, pelo que no caso sub júdice a Ordem de Serviço sendo interna, não releva para efeitos de suspensão do prazo de caducidade.
6) No caso dos autos, tendo os factos tributários ocorrido até 28-09-2001, as notificações das liquidações dos mesmos ocorreram em 08-11-2005, em consequência de acção de Inspecção Tributária Interna, a coberto da Ordem de Serviço n° 01200500948, verificaram-se assim, em momento cujo respectivo direito à liquidação já se mostrava caducado, sendo, por isso, as mesmas de anular.
7) É que, sendo de quatro anos o prazo de caducidade do direito à liquidação, verifica-se que, à data da prática dos actos de liquidação aqui impugnados, já decorrera o prazo de caducidade relativamente às operações imputadas àqueles períodos.
8) E, reitero, só o procedimento externo releva para efeitos de suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação do IVA, artigo 46°, n° 1 da Lei Geral Tributária, conjugado com o artigo 13°, alínea a) do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção, pelo que no caso sub judice a Ordem de Serviço sendo interna, não releva para efeitos de suspensão do prazo de caducidade.
9) Acresce que, há falta de pronúncia sobre os factos provados em audiência de inquirição de testemunhas e alegações produzidas pela recorrente nos termos do artigo 120° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
10) O Juiz deve conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja apreciação não tenha ficado prejudicada, sob pena de, não o fazendo, a Sentença ficar ferida de nulidade (artigo 125° do C.P.P.T. e 660°, n.º 2 e 668°, n.º 1, alínea d) do C.P.C.).
11) Ao contrário, portanto, do que foi considerado na Douta Sentença recorrida, as liquidações adicionais de IVA, bem como dos juros compensatórios, não estão fundamentadas, sendo portanto, ilegais, por violação ao artigo 82°, n° 1 do CIVA, na sua redacção vigente à data da ocorrência dos factos tributários no exercício de 2001.
12) É que a Administração Tributária não carreou para os autos indícios objectivos e concretos de que as facturas por ela postas em causa não titulam verdadeiras transacções, uma vez que, tal como resulta do Relatório, a própria Administração Tributária deu como assente que a contabilidade da impugnante, ora recorrente, está regularmente organizada de harmonia com a lei comercial e fiscal (artigo 75.º, n° 1 da L.G.T.).
13) Ou seja, a Administração Tributária aceitou que a escrita do impugnante reflecte o resultado efectivamente obtido em relação aos proveitos, aceitando como correctos os valores contabilizados das vendas e dos custos efectivamente suportados.
14) O absoluto desconhecimento a que a Sentença recorrida vota, substancialmente, os factos alegados pela impugnante, ora recorrente, menospreza os princípios do inquisitório e do contraditório.
15) Ora, no procedimento administrativo que conduziu às liquidações impugnadas, a administração tributária não podia alterar o montante das deduções declarado, a menos que a actividade instrutória desenvolvida lhe permitisse concluir com segurança (e não permitiu, no caso sub judice) que às facturas em causa não correspondem transacções efectivas.
16) Tendo, apesar disso, procedido às correcções consubstanciadas nas liquidações impugnadas, a administração tributária violou, para além do art. 19.º/3 do CIVA, de que fez uma errada aplicação, os princípios constitucional e legalmente consagrados, da proporcionalidade, da legalidade, da justiça, do inquisitório, da busca da verdade material, do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos (cfr. art. 266° 1 e 2 da CRP, artºs. 55° e 58° da L.G.T. e violou o n° 2 do artigo 82° do CIVA).
17) Segundo as regras do ónus da prova, antes de se poder onerar o impugnante, aqui recorrente, com a prova de que as facturas em causa correspondem a transacções efectivas, é à Administração Tributária que cabe demonstrar que tais facturas dizem respeito a operações simuladas (o que não prova, porque são verdadeiras), necessidade essa de prova que decorre do artigo 19° -3 do CIVA, e está de acordo, v.g., com a regra geral de repartição do ónus da prova (art. 342.° do Código Civil), e com a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade (art.75º n° 1 da L.G.T. e artigo 82° do CIVA).
18) Sendo o artigo 82°, n° 1 (actual artigo 87°) do CIVA expresso no sentido de referir "quando fundamentadamente" considere ter havido deduções superiores às devidas."
19) Por isso, não pode a Administração Tributária, nesta situação concreta, pôr em causa as facturas de compra com IVA suportado pelo Impugnante, indispensáveis para a obtenção das vendas, facturas essas totalmente documentadas e pagas, pelo simples facto da Inspecção Tributária considerar e alegar que os emitentes das facturas são conhecidos como emitentes habituais de facturação falsa (Nesse sentido, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06 de Março de 2008, Processo n° 00104/01, Relator: Dr. Fonseca Carvalho).
20) Assim, não pode a Administração Tributária buscar qualquer apoio numa alegada presunção (convicção) da legalidade do acto tributário para fazer recair sobre o contribuinte o ónus da prova da ilegalidade do acto tributário, por a isso se opor o n° 1 do artigo 74º da Lei Geral Tributária.
21) Ora, no caso sub júdice, e visto que as liquidações adicionais de IVA aqui impugnadas resultam da falta de aceitação dos factos tributários declarados pela impugnante como constitutivos do seu direito à dedução do IVA, cabia à Administração Tributária provar os pressupostos legais impostos pelo preceituado no n° 1 do artigo 82° do Código do IVA (actual 87"), o que não se verificou.
22) Pois, é à Administração Tributária que cabia e cabe o ónus da verificação dos requisitos estabelecidos no artigo 82°, n° 1 do Código do IVA (actual 87°), para que fundamentadamente possa liquidar adicionalmente o IVA respeitante a dedução de IVA alegadamente superiores às devidas.
23) Acresce que, as situações referidas no Relatório da Inspecção são situações que nada têm a ver com a contabilidade do aqui impugnante, mas apenas e só com os emitentes das facturas, cujos NIFs não foram considerados fictícios e foram atribuídos pela Administração Tributária.
24) A verdade é que todas as facturas postas em causa pela Administração Tributária correspondem a fornecimentos de mercadoria, daqueles fornecedores ao aqui impugnante.
25) Ora, nos termos do n° 1 do artigo 75° da Lei Geral Tributária, a contabilidade organizada tem relevo ou "valor probatório", presumindo-se a veracidade dos seus dados e apuramentos dela decorrentes, desde que organizada nos termos da legislação comercial e fiscal.
26) Por isso, não pode a Administração Tributária, nesta situação concreta, pôr em causa as facturas de compra suportadas pelo impugnante, facturas essas totalmente documentadas e pagas.
27) É que hoje não existe presunção da legalidade do acto tributário, presunção essa que não está expressamente prevista em norma alguma, antes constituindo um princípio de origem doutrinal e jurisprudencial, que face ao princípio da legalidade contido no artigo 55° da Lei Geral Tributária em conjugação com o disposto no artigo 266°, n° 2 da Constituição da República Portuguesa se tem por ultrapassado.
28) No caso sub judice, como se demonstra, nem sequer existem indícios concretos de que as facturas em questão não correspondam a operações reais.
29) O que a Administração Tributária fez foi imputar à impugnante, no procedimento tributário, o ónus da prova de que as facturas não eram falsas, quando era, a ela própria, a quem competia o ónus da prova, nos termos do n° 1 do artigo 74° da Lei Geral Tributária.
30) Mais, se a Administração Tributária teve dúvidas sobre a veracidade das transacções comerciais de mercadoria, teria necessariamente de rejeitar a contabilidade da Firma impugnante e aplicar métodos indirectos, o que não fez.
31) A Inspecção Tributária não cuidou de exercer o seu dever de investigação da verdade material relativamente à actividade exercida pelo impugnante, limitando-se a considerações de ordem meramente pessoal, sem qualquer fundamentação.
32) Ora, no procedimento administrativo que conduziu à liquidação impugnada, a administração tributária não podia alterar a matéria colectável, a menos que a actividade instrutória desenvolvida lhe permitisse concluir com segurança (e não permite, no caso sub judice) que às facturas em causa não correspondem transacções efectivas.
33) Tendo, apesar disso, procedido às correcções consubstanciada na liquidação aqui impugnada, a administração tributária violou princípios constitucionais e legalmente consagrados, da legalidade, da justiça, do inquisitório, da busca da verdade material, do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos (cfr. art. 266° 1 e 2 da CRP, artºs. 3°-1, 4°, 6°, 56° e 87° do CPA e violou o n° 2 do artigo 82° do CIVA e ainda o n° 1 do artigo 74° da Lei Geral Tributária).
34) Ao fazê-lo sem ter fundamentado devidamente a sua decisão - pois, no caso dos autos, a fundamentação administrativa não é clara, nem coerente e lógica, nem suficiente - violou o dever de fundamentação (cfr. v.g. art. 268°- 3 da CRP, 124° e 125° do CPA e 77° da LGT), incorrendo em falta de fundamentação (cfr. art. 125°/2 do CPA), falta essa que invalida a decisão, por nulidade em virtude de faltar ao acto um dos seus elementos essenciais (artigo 133° e 135° do C.P.A.).
35) Ao fazê-lo sem ter demonstrado os pressupostos legais dos quais decorria a sua actuação, tendo apenas "concluído, por presunção", que as facturas em causa não correspondem a transacções efectivas, a administração tributária fez ainda errada aplicação do n° 3 do art. 19° do CIVA.
36) Segundo as regras do ónus da prova, antes de se poder onerar a impugnante com a prova de que as facturas em causa correspondem a transacções efectivas, era e é à Administração Tributária que cabe demonstrar que tais facturas dizem respeito a operações simuladas, necessidade essa de prova que decorre do artigo 19° -3 do CIVA, e está de acordo, v.g., com a regra geral de repartição do ónus da prova (art. 342.° do Código Civil), e com a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes (cfr. art. 74°, n° 1 e 75.° da LGT e artigo 82°, n° 1, actual 87° do CIVA).
37) Com efeito, as conclusões constantes da acção inspectiva não se baseiam ou fundamentam em quaisquer factos concretos, pois, quanto a esta matéria não basta a "convicção" ou um "mero juízo" da Administração Tributária, que nada apurou junto do impugnante de uma forma precisa e concreta.
38) Conclusões essas, que não têm razão de ser, como resulta e se deduz do próprio Relatório, uma vez que a Administração Tributária aceitou que a contabilidade do impugnante, aqui recorrente, reflecte o resultado efectivamente obtido em relação ao ano de 2001.
39) No que lhe competia, o contribuinte, aqui impugnante cumpriu a lei, ou seja, efectuou o pagamento aos seus fornecedores, possuindo em arquivo todos os comprovativos do pagamento de todas as facturas emitidas pelos seus fornecedores.
40) Assim, a actuação dos Serviços de Inspecção Tributária pecou pela falta de investigação da verdade material, Princípio hoje abertamente consagrado no R.C.P.I.T., no artigo 6° do DL n° 413/98, de 31 de Dezembro, lembrando que o ónus da prova em correcções técnicas recai sobre quem a invoque e em primeiro lugar à Administração Tributária (artigo 74° da Lei Geral Tributária).
41) Contudo, a Administração Tributária não prova, nem fundamenta nada, nem no procedimento Administrativo, nem a Digna Representante da Fazenda Pública faz a prova do que quer que seja, faz apenas suposições e "suposições não são provas".
42) Quando a Administração Tributária tinha e tem o dever de fundamentar os actos administrativos em geral, de modo claro, suficiente e congruente, nos termos do artigo 268°, n° 3 da C.R.P., e artigo 77° da L.G.T. e artigos 124° e 125° do Código de Procedimento Administrativo, por imperativo do artigo 74°, n° 1 da Lei Geral Tributária.
43) Por força do preceituado no art.º 266.° da CRP a actividade da Administração Tributária tem de subordinar-se ao interesse público e ser levada a cabo em subordinação à Constituição e à Lei e deve respeitar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos (princípio da legalidade) e os princípios da proporcionalidade, da justiça da imparcialidade e da boa-fé.
44) À Administração Tributária caberia apurar a verdadeira situação tributária do contribuinte, designadamente através de um controlo quantitativo da produção e das matérias-primas consumidas no exercício, o que não fez no caso sub júdice.
45) A violação de tal dever consubstancia a preterição de formalidade legal essencial, da qual deve resultar a anulação da liquidação impugnada.
46) Importa referir ainda que, tendo a Administração Tributária aceite os valores das facturas de vendas com liquidação de IVA, o Princípio constitucional da proporcionalidade, corolário do Princípio do Estado de Direito, consignado no artigo 55° da Lei Geral Tributária, não permite que a Administração possa cobrar impostos superiores aos devidos, sob pena de Dupla tributação integral.
47) Entre outras disposições legais, a mui douta Sentença violou os artigos 8°, n° 2 alínea a), 45°, n° 1 e 4, na redacção vigente à época, art. 55°, 58°, 60°, n° 7, 74°, n° 1, 77°, n° 1 e 2 da L.G.T., artigo 79º e 82°, no 1 do CIVA, artigo 266°, n° 2 e 103°, no 3 da C.R.P.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre douto suprimento de V.Exas., entende o recorrente que deverá o presente Recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, seja proferida DECISÃO, na qual se reveja a matéria dada por provada e, em consequência, se revogue a DOUTA SENTENÇA recorrida, anulando-se por ilegais todas as liquidações de IVA, bem como de Juros compensatórios, por falta de fundamentação, a bem da JUSTIÇA.”
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A Recorrida não contra-alegou.
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O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao considerar estarem verificados os pressupostos legais que legitimam a actuação da AT em recusar o direito à dedução de IVA por existência de “facturação falsa” e quanto à questão da caducidade do direito de liquidar.
III. Fundamentação
1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“FACTOS PROVADOS
1. O impugnante, MHMS, CF nº 1…59, encontra-se colectado pela actividade de “comércio a retalho por outros métodos” (CAE 52630), desde 2/3/1998, e em sede de IVA enquadra-se no “regime normal de periodicidade trimestral”.
2. Na sequência de inspecção efectuada, credenciada pela Ordem de Serviço nº OI200500948 e OI 200500949, de 17/5/2005, que teve início em 12/6/2008 e terminus em 31/8/2005, foram emitidas as liquidações adicionais de IVA nº 05299403, nº 05299405, nº 05299407, nº 05299404, nº 05299406, nº 05299408, referentes aos períodos 0103T, 0106T, 0109T, e juros compensatórios, respectivamente nos montantes de € 6.752,50, € 5.685,55, € 3.245,13, € 1.583,05, € 1.231,51, € e 646,27.
3. Dão-se por reproduzidos os documentos de fls. 22 a 27, relativos à notificação das liquidações identificadas em 2, datados de 8/11/2005, que admitiam pagamento voluntário até 31/12/2005.
4. No decurso da acção inspectiva foram identificadas as facturas identificadas no relatório de inspecção a fls. 17 do processo apenso, nas datas e montantes que se dão por reproduzidos, emitidas por “CKV, Lda.”, CF nº 5…63, e JASJ, CF nº 2…40, constantes dos anexos 2 e 3.
5. Dá-se por reproduzido o documento de fls. 204 a 229 que consubstancia o auto de apreensão lavrado em 5/9/2003, e documentação aí referida.
6. O sujeito passivo e a sociedade comercial identificados em 4 estão referenciados pela Administração Tributária como emitentes de facturas falsas.
7. No decurso da acção inspectiva apurou-se que o impugnante contabilizou facturas das sociedades comerciais “CKV” e “EC...”, no montante de € 410.000,00, e notificado para o efeito, não apresentou cópia dos cheques relativos aos pagamentos efectuados, no montante de € 40.000,00, sendo os restantes pagamentos, alegadamente, efectuados em dinheiro.
8. As sociedades comerciais “CKV”, “EC...”, e “WIC, Lda.”, possuem instalações na Rua da R…., S…, o seu capital social é detido pelas mesmas pessoas, encontram-se indiciadas como emitentes de facturas falsas, e não possuem instalações, nem equipamentos ou trabalhadores que permitam efectuar os movimentos de compra e venda nos montantes referidos em 4, sendo que em 2001, limitaram a sua actividade à compra e venda de pequenas quantidades de rolhas de baixa qualidade.
9. Nas deslocações efectuadas pelo Inspector Tributário, Af..., às instalações da “CV...”, verificou que naquele local existia apenas um pequeno stock de rolhas que se mantiveram no mesmo local durante um ano, cobertas de pó, de tipo e qualidade diferentes do tipo e qualidade das rolhas constantes das facturas identificadas em 4.
10. JASJ, CF nº 2…40, encontra-se indiciado como emitente de facturas falsas, nunca exerceu actividade no sector da cortiça nem possuiu instalações, máquinas, ou trabalhadores para o efeito, e sempre trabalhou por conta de outrem na construção civil.
11. O impugnante deduziu os montantes de IVA mencionados nas facturas aludidas em 3, conforme quadros que se encontram a fls. 26 do processo apenso, que se dão por reproduzidos.
12. A Administração Tributária notificou o impugnante, mediante carta registada de 6/9/2005, para, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição em relação ao Projecto de Relatório da Inspecção Tributária, conforme documento de fls. 44/45 que se dá por reproduzido.
13. O impugnante apresentou na Direcção de Finanças de Aveiro, em 26/9/2005, o requerimento de fls. 330/331 do processo apenso, por si assinado, donde consta, além do mais, “Assunto: DIREITO DE AUDIÇÃO (…) Processo CPIT II – Equipa 12, Ofício nº 8418089, de 06-09-2005 (…)”.
14. A Administração Tributária considerou indevidamente deduzido pelo impugnante o montante de € 15.683,19 de IVA, referente a 2001.
15. Dão por reproduzidos os documentos de fls. 28 a 32, 35 a 40, e 43, que consubstanciam facturas e recibos emitidos pela sociedade comercial “CKV – SRV, Lda.”.
16. Dão por reproduzidos os documentos de fls. 33/34, 41/42, que consubstanciam facturas e recibos emitidos por JASJ.
17. Dá-se por reproduzido o documento de fls. 33/36, que consubstancia o pedido de cópia dos cheques relativos a parte das facturas em causa nos autos.
18. A presente impugnação foi apresentada em 14/3/2006.
FACTOS NÃO PROVADOS
Nada mais se provou com interesse para o conhecimento do mérito, designadamente em relação aos factos vertidos na petição inicial que se encontram em contradição com a factualidade provada, por ausência de prova ou prova do contrário, se bem que quase todas as asserções aí insertas constituem meras considerações pessoais e conclusões de facto e/ou de direito.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do tribunal relativamente à factualidade provada resultou da análise crítica das conclusões da acção inspectiva realizada pela Direcção Geral de Contribuições e Impostos ao impugnante, bem como da documentação que integra o Processo Administrativo junto aos autos, que sustentou tais conclusões, coadjuvada pela prova testemunhal arrolada pelas partes.
A testemunha HM, filho do impugnante, depôs de forma pouco credível, em flagrante contradição com os documentos constantes dos autos, e relatou, de forma vaga, factos e pouco relevantes para a decisão, sem se referir em concreto aos negócios relativos às facturas postas em causa, nomeadamente que “a CKV forneceu rolhas ao seu pai, e foi lá uma vez ou duas buscar rolhas, mas que por norma era o A… “sem orelhas” que lá ia levar as rolhas”. Não soube dar conta do motivo pelo qual foram pagos milhares de contos em dinheiro e quantias reduzidas em cheque.
O Inspector Tributário, Af..., deu conta do modo como decorreu a acção inspectiva, desde a remessa de comunicação ao impugnante no início da inspecção, à factualidade que rodeou o auto de apreensão constante dos autos.
Esclareceu que analisou a contabilidade do impugnante e não podia fazer uma inventariação física dos stocks existentes em 2001.
Alertou para a impossibilidade dos pseudo fornecedores fornecerem as mercadorias constantes das facturas desconsideradas posto que pelas deslocações efectuadas às instalações da “CV...” verificou que naquele local se mantinha apenas um pequeno stock de rolhas, que um ano volvido se mantinham no mesmo local, “eram as mesmas rolhas, na mesma posição, e com pó acumulado de não terem sido deslocadas”, e que a sua actividade resumia-se a prestação de serviços mediante acabamento de rolhas de baixa qualidade. Acrescentou que, pela análise da contabilidade e depoimentos de funcionários, o tipo de rolhas constantes das facturas postas em causa não tinham entrado nas instalações daquela sociedade.
Em relação ao fornecedor JA declarou que este se dedicava tão só à construção civil, única actividade que exerceu, e que as facturas emitidas “foram levantadas por MS”, conhecido emitente de facturas falsas.
Este depoimento, coadjuvado com a prova documental que sustenta as conclusões da Administração Tributária no relatório elaborado, designadamente as conclusões formuladas em sede de inspecção relativamente aos emitentes de facturas em causa nos presentes autos, a relação das facturas emitidas, formas de pagamento, proposta de acção inspectiva e elementos relativos à situação fiscal do Impugnante, sustentaram a factualidade assente e alicerçaram a convicção do tribunal.”
*
2. O Direito
A primeira questão objecto do presente recurso consiste em saber se a AT fez a prova que lhe competia na demonstração da falsidade das facturas desconsideradas para efeitos de dedutibilidade do IVA nelas mencionado.
Dispõe o n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, em que se apoiam de direito as correcções em causa (cfr. fls.26 do processo instrutor apenso – relatório de inspecção tributária - RIT), que «não poderá deduzir-se imposto que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente».
Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, nomeadamente por este Tribunal Central Administrativo Norte, quando a Administração Tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (LGT), competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que as operações constantes das facturas não correspondem à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção – vide, entre muitos outros, os acórdãos do STA, de 20/11/2002, processo n.º 01483/02 e do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF.
Assim sendo, importa analisar se a Administração Tributária fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às facturas contabilizadas pelo Impugnante, ora Recorrente, não subjazem as operações que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão.
Tenha-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, “Conceito e Natureza do Acto Tributário”, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/2012 (processo n.º 00964/06.0 BEPRT).
Ou seja, a Administração Tributária não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (cfr. acórdão do STA, de 27/10/2004, Processo n.º 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigo 75.º da LGT.
Os indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - citado por Saldanha Sanches, “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 2ª edição, pág. 311.
Nesta tarefa e como é salientado no acórdão deste TCA Norte de 28/02/2013, proferido no processo n.º 00383/08.4BEBRG, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado, revelando-se até a fiscalização cruzada um procedimento crucial no combate à fraude e evasão fiscais.
Vertendo nos autos os considerandos doutrinais e jurisprudenciais expostos, decorre do RIT que a AT, em acção inspectiva ao sujeito passivo impugnante, concluiu que as facturas por ele contabilizadas no exercício de 2001 dos emitentes “CKV, Lda.” e JASJ, não representam reais e efectivas operações económicas.
Para formar o seu juízo quanto à falsidade das facturas daqueles emitentes, e como também decorre do RIT, a AT baseou-se em factos colhidos no âmbito de outros procedimentos inspectivos envolvendo aqueles emitentes, que lhe permitiram constatar, destacadamente, que a actividade da “CKV, Lda.” se resumia à compra e venda de rolhas de fraca qualidade, formatos especiais e à prestação de alguns serviços; os “outputs” são constituídos, na sua grande maioria, por venda de rolhas de qualidade extra superior, 1.ª, 2.ª e 3.ª; que não compraram, não produziram, nem herdaram; os fornecedores desta empresa estão indiciados em diversos processos de averiguação como falsos emitentes; utilizam exclusivamente numerário como meio de pagamento nas grandes transacções que fazem; inexistência de pessoal, equipamentos e instalações necessárias ao desenvolvimento da actividade, sem que, por outro lado, tenha havido recurso à subcontratação, aluguer ou arrendamento de actores produtivos (cfr. informação acerca de emitentes de facturas falsas a fls. 248 a 265 do processo administrativo – Anexo 5 do RIT).
No que em particular respeita ao emitente JASJ, refere o Anexo 8 ao RIT que se trata de um sujeito passivo não declarante, não se encontrando, nem nunca esteve, registado, quer em IVA, quer em IRS, para o exercício da actividade de indústria de cortiça – CAE 20522. Nunca exerceu a actividade industrial da cortiça, dado que sempre trabalhou no sector da construção civil. Segundo informações prestadas pelo gabinete de contabilidade “CF”, este emitente nunca deu início de actividade, limitando-se a requisitar livros de facturas e recibos, que posteriormente foram entregues a MJSSO, “mestre” na emissão de “facturas falsas”, quer para o sector da indústria de cortiça, quer para a indústria da construção civil. (cfr. informação acerca de emitentes de facturas falsas a fls. 291 a 295 do processo administrativo – Anexo 8 do RIT).
Quanto aos indícios do carácter fictício das operações reportados à relação daqueles emitentes com o utilizador (impugnante), destaca a AT, depois de identificar as facturas em causa e de transcrever parcialmente as declarações prestadas em auto pelo impugnante quanto ao conhecimento acerca dos pseudo fornecedores, o seguinte:
«(…) verifica-se que de todos estes pseudo fornecedores, o Sujeito Passivo apenas identifica a CKV e EC..., duas empresas que na prática são uma e a mesma unidade empresarial (…). Ora, de facto de todos estes pseudo fornecedores os únicos, ou melhor, o único, que possui uma estrutura física empresarial será o grupo constituído pelas empresas do senhor AAC (EC... e CKV). (…)
Todos os restantes pseudo fornecedores são identificados pelo Sujeito Passivo com referências vagas e, mesmo essas, não coincidentes com as verdadeiras pessoas a quem se reportam as facturas, ou mesmo total desconhecimento acerca de tais pessoas.
Quanto aos meios de pagamento utilizados na liquidação destas facturas constata-se (…) que os pagamentos feitos à CKV e à EC... terão sido efectuados através de uma série de cheque cujas fotocópias frente e verso dos mesmos foram solicitadas às respectivas instituições financeiras (…). Todavia, tais fotocópias não foram, até hoje, remetidas a estes serviços, embora tal pedido visasse a remessa de tais fotocópias autenticadas para complemento da resposta ao referido ofício.
No entanto, pela análise da relação dos cheques pedidos (…) verifica-se que o montante total de tais cheques ascendem a pouco mais de 40 mil euros (…) quando as facturas destas duas empresas contabilizadas pelo Sujeito Passivo entre 2000 e 2002, ascendem a mais de 410 mil euros. Os restantes pagamentos teriam sido efectuados a dinheiro. (…)
A reforçar tal conclusão [que as poucas dezenas de contos serviriam para pagamento da comissão relativa à factura falsa e o alegado pagamento a dinheiro nunca terá na realidade ocorrido] está o facto de, quer os documentos de quitação da CKV e da EC..., quer os extractos contabilísticos destes pseudo fornecedores, não evidenciar tal prática de pagamentos. Isto porque, contrariamente ao afirmado pelo Sujeito Passivo, os recibos de quitação emitidos pela CKV e pela EC..., traduzem um pagamento único, pelo valor total da factura e na mesma data da factura. De igual modo, na contabilidade do Sujeito Passivo também se encontram registados os recibos emitidos pela CKV e pela EC..., registado no mesmo mês da factura e pelo valor total desta. (…)”
O quadro factual descrito, a nosso ver, não suporta objectivamente a conclusão de que as facturas emitidas por “CKV, Lda.” e JASJ ao utilizador MHMS (ora Recorrente) não titulam reais e efectivas operações económicas.
A verdade é que, no concernente a JASJ, nada é dito no relatório inspectivo, nem sequer o Recorrente foi ouvido acerca do conhecimento que teria deste fornecedor (aliás, trata-se do único emitente, de todos os que estiveram em causa nesta inspecção, acerca do qual o Recorrente não foi questionado), não se tendo, por isso, pronunciado sobre as relações que teria com o mesmo, quais os locais onde se terão realizado as transacções comerciais, os meios de transporte utilizados ou tão-pouco que meios de pagamento terão sido usados.
Quanto a este emitente estão em causa simplesmente duas facturas, ambas emitidas em 26/06/2001 (n.º 026, no montante de 1.850.000$00 com liquidação de 314.500$00 referente a IVA, e n.º 030, no montante de 1.835.000$00 com liquidação de 311.950$00 referente a IVA), tendo a AT concluído, de acordo com os elementos recolhidos junto dos emitentes, que as facturas timbradas do pseudo empresário JASJ não correspondem a efectivas aquisições de matérias-primas, produtos ou serviços, efectuadas por MHMS, ora Recorrente, correspondendo a documentos falsos, àquilo a que comummente se designa de facturas falsas.
Nesta conformidade, com referência a este fornecedor a AT limitou-se a juntar informação acerca de diligências que terá encetado junto do mesmo, sem que o tivesse efectivamente contactado, dado que se encontraria emigrado em França desde 2004, tendo concluído, perante os indícios recolhidos, ser sua convicção que todas as facturas timbradas em nome de JASJ, em circulação no sector corticeiro, são falsas, por não corresponderem a efectivas transacções comerciais – cfr. Anexo 8 ao RIT.
Na verdade, não basta à AT recolher indícios seguros e credíveis de que os emitentes estão envolvidos na emissão e utilização de facturação falsa, sendo ainda necessário que existam factos indiciários que permitam relacionar a actividade ilícita dos emitentes com as concretas operações facturadas ao utilizador.
Já em sede de audição prévia, refere a AT que outros sujeitos passivos reconheceram a falsidade das transacções efectuadas com (genericamente) os emitentes em causa. Mas isso não permite concluir pelo carácter fictício das operações realizadas com o utilizador aqui Recorrente, pois tais emitentes podem facturar operações fictícias a par de operações reais, não se sabendo, por outro lado, que indícios concretos reportados a esses utilizadores a AT recolheu e se eventualmente foram decisivos no reconhecimento, por eles, do carácter fictício das operações, e não ocorrem no caso vertente.
Efectivamente, o reconhecimento pelos utilizadores, noutros procedimentos inspectivos, de que se tratam de facturas falsas, não permite estabelecer uma ligação directa entre essas comprovadas fraudes fiscais e o caso concreto em apreço, ficando, manifestamente, a ideia pura e simples de contágio, o que coloca a situação em análise ao nível de meras conjecturas, sem qualquer base factual que ligue tal ilação às concretas transacções espelhadas nas facturas em apreciação.
A inadmissibilidade da actuação da AT é ainda mais patente no que concerne às facturas emitidas pela CKV, Lda., pois, sem qualquer justificação ou fundamentação, aceita a dedução do IVA quanto a parte das facturas atribuídas a este emitente e desconsidera outras conforme passamos a transcrever do RIT:
“(…) Quanto às facturas da CKV, Lda., número 77, 190, 211, 264, 409, 432, 452, 453, 548, 660 e 930 [nestes autos só estão em causa as facturas destacadas a negrito] e à factura da EC..., Lda., número 93, antes mencionadas não correspondem a efectivas aquisições de matérias-primas, produtos ou serviços, efectuadas por MHMS, ao emitente, correspondendo a documentos falsos, àquilo a que comummente se designa de facturas falsas.
Tais facturas da EC... e CKV, foram as classificadas de falsas no decorrer dos procedimentos inspectivos levados a efeito junto destas duas sociedades (cfr. consta das listas do Anexo 5 do presente relatório).
As restantes facturas não foram consideradas falsas, na medida em que poderiam enquadrar-se dentro da efectiva e reduzida actividade destas empresas. Todavia, salienta-se que embora tenham sido excluídas da lista das facturas falsas, não implica determinantemente que não sejam falsas, apenas se excluiu de tal lista pelo facto de que, poder-se-á admitir, para determinado tipo de produto facturado possamos estar perante uma transacção realmente efectuada pelo emitente, o que, em caso de dúvida, pro contribuinte”.
Na verdade, a própria fundamentação da AT não deixa de ter subjacente como ponto de partida a consideração de que os emitentes, ainda quando se dediquem, mesmo a título principal, à emissão de facturas falsas, podem desenvolver concomitantemente, uma actividade económica lícita titulada por facturas que emitem ao beneficiário das transacções de bens ou serviços realmente praticadas.
Efectivamente, a motivação do RIT aponta, como referimos supra, para o facto de as empresas do senhor AAC (EC... e CKV) possuírem uma estrutura física empresarial, com trabalhadores, ainda que só com funções centralizadas em operações de escolha e de colmatagem de rolhas.
A circunstância de os “inputs” necessários aos “outputs” facturados ao utilizador pela CKV, Lda. terem na sua base facturas de falsos emitentes não compromete de per si a realidade das operações facturadas, pois o recurso à utilização de facturas falsas por essas duas empresas pode ter-se destinado, também, à cobertura de operações reais de não emitentes.
Ora, se a CKV, Lda. possuía quer capacidade financeira quer capacidade industrial para tais transacções, não se compreende o critério para a AT ter considerado uma parte das facturas e, como não existe base factual para desconsiderar outra parte das facturas do mesmo emitente, pode mesmo colocar-se a questão se terá sido arbitrária ou aleatória a escolha das que ficaram rotuladas como sendo fictícias.
Ou seja, regressando ao ponto de partida, não revelam os autos indicadores sérios, credíveis e consistentes de que as facturas, contabilizadas pelo Recorrente dos emitentes em causa, não representam operações reais. É certo poder afirmar-se, até pelo facto de determinados utilizadores terem reconhecido o carácter fictício das operações facturadas por aqueles emitentes, que estes emitiram facturas não representativas de operações reais, mas a transposição dessa actividade ilícita para a situação dos autos, não podendo fazer-se por mero efeito de contágio, tinha de assentar em indícios objectivos reportados à relação concreta com o utilizador aqui Recorrente, que de todo estão ausentes dos autos, apontando para uma actuação da AT assente em meras conjecturas.
O quadro factual descrito no RIT não suporta a conclusão da AT, sufragada na sentença recorrida, de que as facturas em causa não representam reais e efectivas operações.
E, não tendo a AT cumprido, nos termos já assinalados, o ónus de prova que, neste ponto, lhe competia, a questão termina logo aí, nenhum ónus se impondo ao impugnante, aqui Recorrente, de fazer a prova de que adquiriu os bens descritos nas referidas facturas e que os mesmos lhe foram fornecidos pelos respectivos emitentes.
A sentença recorrida, que validou as correcções da AT, enferma do apontado erro de julgamento, não podendo manter-se na ordem jurídica, sendo de conceder provimento ao recurso, ficando, por isso, prejudicado o conhecimento das restantes questões objecto do recurso.
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Conclusões/Sumário
I - No caso de facturas falsas, compete à AT fazer a prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação correctiva e, só caso o faça, passa a recair sobre o contribuinte o ónus da prova da existência e dimensão dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito à dedução do imposto.
II – Impõe-se, portanto, à Administração Tributária abalar a presunção de veracidade da declaração do imposto e dos respectivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT), só depois passando a competir ao contribuinte o ónus de provar a veracidade do declarado, o que quer dizer que se a Administração Tributária não fizer prova do bem fundado da formação do seu juízo, a questão relativa à legalidade do seu agir terá de ser resolvida contra ela, sem necessidade de ir analisar se a Impugnante logrou ou não provar, em tribunal, a veracidade da declaração.
III - Tal prova não tem de ser directa e dogmática, no sentido de evidente e intocável, antes pode resultar de circunstâncias colaterais e indirectas que, atentas a idoneidade dos respectivos meios de suporte e as regras da experiência comum, indiciem, segundo padrões de avaliação e aferição pautados por critérios de razoabilidade e normalidade, um determinado resultado como o mais legitimamente atendível.
IV – Para que a Administração Tributária, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, obste à dedução do IVA mencionado em facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. artigo 240.º do Código Civil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.
V - Basta à Administração Tributária provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte. Contudo, não se apresentam como indícios suficientemente sólidos conclusões e ilações retiradas de meras conjecturas, sem qualquer base factual.
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IV. Decisão
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial procedente, determinando a anulação do acto de liquidação de IVA referente a 2001.
Custas a cargo da Recorrida, em ambas as instâncias; nesta instância, as custas não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.
Porto, 13 de Dezembro de 2018
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Pedro Vergueiro