Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00640/23.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:08/04/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:PRÉ-CONTRATUAL;
HABILITAÇÃO;
EXCLUSÃO;
Sumário:
I – Por força do preceituado nos artigo 85º e 86º do C.C.P, as habilitações profissionais exigidas por lei ou pelas peças do procedimento só terão de ser cumpridas na fase da habilitação.

II - Tal não significa, porém, que os concorrentes não possam ser excluídos com fundamento na falta de titularidade do alvará legalmente exigido logo no momento em que apresenta a sua proposta.

III- Na verdade, ao abrigo do nº. 4 do artigo 132º do CCP, a entidade adjudicante tem cobertura legal para impor certas regras procedimentais, como seja, a exigência da exigência a apresentação do alvará ou o título de registo emitido pelo IMPIC logo aquando da submissão da proposta, desde logo, como uma forma de evitar a adjudicação a um concorrente que não esteja devidamente habilitado.

IV- Não se detetando nas peças concursais tal imposição, não podem os concorrentes ser excluídos do procedimento concursal visado nos autos com fundamento na falta de apresentação do alvará ou o título de registo emitido pelo IMPIC aquando da submissão da respetiva proposta, por falta de expressa previsão legal ou regulamentar nesse sentido.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Impugnação Urgente - Contencioso pré-contratual (arts. 100º e segs. CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento aos recursos.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *
I – RELATÓRIO
1. [SCom01...], E.M., S.A. [doravante [SCom01...], e], [SCom02...], LDA. [doravante [SCom02...]] e [SCom03...], LDA [doravante [SCom03...]], aquela Ré e estas Contrainteressadas nos autos à margem referenciados de AÇÃO DE CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL em que é Autora [SCom04...], S.A. [doravante [SCom04...]], vêm interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos, que julgou “(…) a presente ação de contencioso pré-contratual procedente, por provada, e, consequentemente, anul[ou] o ato de adjudicação do Concurso objeto destes autos, datado de 16-03-2023, e, nessa decorrência, conden[ou] a ED a elaborar novo relatório final, que exclua do Concurso a proposta da concorrente [SCom03...], LDA. e [SCom02...] LDA., como ainda a reordenar as propostas e, em função das propostas admitidas (já apreciadas e graduadas), a adjudicar o contrato em conformidade (…)”.
2. Alegando, a Recorrente [Scom01] formulou as seguintes conclusões: “(…)
I. OBJECTO DO RECURSO
A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida a 11 de maio de 2023, pela qual foi julgada totalmente procedente a acção intentada pela [SCom04...], determinando a anulação do acto de adjudicação proferido no procedimento pré- contratual sindicado e a condenação da Recorrente à elaboração de novo relatório final, nos termos do qual seja excluída a proposta apresentada pelas Contrainteressadas e reordenadas as propostas sobrantes, adjudicando-se o contrato em conformidade.
B. Analisada a sentença recorrida, conclui-se que o Tribunal a quo, ignorando quanto dispõe expressamente o CCP em matéria de cumprimento do dever de habilitação e de causas de exclusão de propostas, entendeu, suportando-se unicamente em decisões jurisdicionais de dúbia legalidade e relevância para o caso concreto e em contributos doutrinais igualmente lacónicos, que o preenchimento dos requisitos de habilitação profissional se reporta ao momento de apresentação das propostas, a isso não obstando que a respectiva demonstração apenas seja exigível na fase de habilitação e, portanto, depois de proferida a decisão de adjudicação.
C. Como se expôs e demonstrou, os argumentos em que se funda a decisão recorrida resultam de um erro profundo e manifesto nos respetivos pressupostos de Direito, de que provém o erro de julgamento imputado à sentença.
D. A isso acresce que, ao condenar, em parte, em objecto diverso do pedido, a douta sentença recorrida é, parcialmente, nula.
II. A NULIDADE PARCIAL DA SENTENÇA RECORRIDA
E. Como supra se referiu, a douta sentença recorrida, ao condenar o Réu a praticar um acto de adjudicação sem antes sujeitar a audiência prévia o Relatório Final que venha a ser elaborado pelo Júri, condenou a Entidade Demandada em objecto diverso do pedido.
F. Na verdade, como cristalina e indubitavelmente resulta da douta sentença recorrida, a Autora, na sua petição inicial, em momento algum formulou tal pedido, tendo-se limitado a requerer a proposta de exclusão das Contrainteressadas e a condenação do júri a elaborar novo Relatório Final, sujeitando-o depois a audiência prévia dos Concorrentes.
G. Assim sendo, ao condenar a Entidade Demandada a, além de reformular o Relatório Final e submeter o mesmo a audiência prévia, proferir um qualquer acto de adjudicação, condenou, em parte, em objecto diverso do pedido, pelo que a sentença recorrida é, nessa medida, parcialmente nula, por força da alínea e) do n.° 1 do artigo 615.° do Código de Processo Civil.
III. O ERRO DE JULGAMENTO DA SENTENÇA RECORRIDA E A PROCEDÊNCIA DO PRESENTE RECURSO
i) Nota prévia: o alcance da questão decidenda
H. Tendo em conta os argumentos esgrimidos pela [Scom01] na sua contestação e o teor da própria decisão recorrida, julga-se que são absolutamente irrelevantes quaisquer considerações a propósito da eventual intenção, por parte das Contrainteressadas, de recorrer à subcontratação com vista ao preenchimento dos requisitos de habilitação profissional previstos nas peças do procedimento.
I. Isto porque, como se defende desde o início, as Contrainteressadas cumpriram o dever de habilitação profissional nos termos previstos na lei, apresentando, no momento legalmente devido, o documento comprovativo de que reuniam, na fase de habilitação, os requisitos de habilitação profissional exigidos; como tal, seria sempre desnecessário - independentemente de qualquer manifestação de vontade das Contrainteressadas nesse sentido - o recurso a entidades terceiras para esse efeito.
J. Dá-se, portanto, como assente que as Contrainteressadas apresentaram os documentos de habilitação exigidos no momento devido (cfr. ponto M) da decisão sobre a matéria de facto), e que, de acordo com esses documentos, o Consórcio reunia, antes da celebração do contrato, os requisitos de habilitação previstos (cfr. ponto N) da decisão sobre a matéria de facto).
K. A questão a responder é, portanto, apenas uma: em face da factualidade dada como provada, era devida, nos termos da lei, a exclusão da proposta das Contrainteressadas do procedimento?
L. Antecipa-se, desde já, que, nos termos do CCP - que o Tribunal a quo lamentavelmente desconsiderou -, a resposta é categoricamente negativa.
ii) O erro de julgamento
M. Evidenciando certa abundância de fundamentos jurisprudenciais e doutrinais, a verdade - e o que realmente importa - é que Tribunal a quo não invoca um único fundamento legal para justificar a decisão recorrida.
N. É natural que assim seja, uma vez que, analisado o complexo normativo aplicável in casu, nenhuma disposição impõe que o preenchimento dos requisitos de habilitação profissional se faça por referência ao momento de apresentação da proposta.
O. Em sentido contrário, são vários os indícios demonstrativos de que o legislador pretendeu, efectivamente, que o preenchimento dos requisitos de habilitação profissional e a respectiva demonstração apenas tivessem de ocorrer na fase de habilitação.
P. Concorrem para este entendimento, designadamente, a al. c) do n.° 2 do artigo 146.°, que prevê expressamente, como causa de exclusão de propostas, a violação do dever de habilitação pessoal (nos termos do artigo 55.° do CCP), assim como o disposto nas als. a), b) e c) do artigo 456.° do CCP, nos termos das quais constitui contra- ordenação muito grave a violação de deveres em sede de habilitação, designadamente a participação, em procedimentos de formação de contratos, de entidades em situação de impedimento pessoal (al. a)), a não apresentação dos documentos de habilitação no prazo fixado ao adjudicatário (al. b)), e a não apresentação de documentos comprovativos da titularidade de habilitação profissional específica pelo adjudicatário (al. c)).
Q. Intencional e distintamente, o legislador não previu (i) qualquer causa de exclusão assente na participação, em procedimentos de formação de contratos, de entidades que não reúnam os requisitos de habilitação profissional exigidos aquando da apresentação da proposta ou (ii) qualquer contraordenação associada a essa circunstância.
R. O motivo, cremos, é óbvio: foi vontade expressa do legislador diferir para a fase de habilitação, tanto o preenchimento dos requisitos de habilitação, como a respectiva demonstração.
S. Num esforço de síntese do exposto, e transpondo para este plano o que consta já da contestação apresentada, conclui-se, portanto, que:
i) Em matéria de cumprimento do dever de habilitação, o legislador ponderou que condutas seriam ilícitas e, portanto, reconduzíveis à prática de uma contraordenação ou passíveis de determinar a exclusão da proposta;
ii) No que respeita a habilitações pessoais, o legislador afirmou expressamente o desígnio de sancionar quaisquer entidades que evidenciassem o seu incumprimento logo na fase de apresentação de proposta ou candidatura, prevendo a exclusão da proposta e a prática de uma contraordenação muito grave;
iii) Relativamente, por sua vez, às habilitações profissionais, o legislador considerou ser ilícita, apenas, a não apresentação tempestiva ou a apresentação de documentos falsos;
iv) Como decorrência das premissas anteriores, é absolutamente lícito o preenchimento dos requisitos de habilitação profissional apenas na fase de habilitação.
T. Como decorrência das premissas anteriores, é absolutamente lícito o preenchimento dos requisitos de habilitação profissional apenas na fase de habilitação.
U. Malgrado o exposto, o Tribunal a quo deu prevalência ao seu entendimento subjetivo - lamentavelmente refletido em sede doutrinal e jurisprudencial -, em detrimento da lei.
V. Contudo, é à lei que a Ré deve obediência, e foi em cumprimento da lei que admitiu, analisou e adjudicou a proposta das Contrainteressadas, por ser a melhor de acordo com o critério de adjudicação fixado.
W. Em todo o caso, analisados os fundamentos que o Tribunal a quo invoca per relationem - através da referência a arestos e contributos doutrinais -, constata-se que os mesmos padecem do mesmo mal imputado à sentença recorrida: ignoram, de forma inexplicável, o que resulta da lei.
X. Mais grave ainda: alguns acórdãos, de que é exemplo o tomado pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 7 de novembro de 2013, no processo n.° 1040/13 assentam, não na desconsideração da lei, mas num entendimento verdadeiramente contra legem, propondo inclusivamente a aplicação analógica de causas de exclusão de propostas.
Y. Quiçá apercebendo-se das debilidades da tese defendida naquele acórdão, e apesar de não se vincular expressamente a nenhuma das teses, veiculadas nos acórdão que refere, relativamente ao fundamento de exclusão da proposta das Contrainteressadas (uma vez que nem neste âmbito o entendimento perfilhado pelo Tribunal a quo é unívoco), a decisão recorrida parece pender para a exclusão da proposta com base na violação do princípio da intangibilidade das propostas.
Z. A Ré não entende de que forma o cumprimento do dever de habilitação no momento procedimental previsto poderá contender com o princípio da intangibilidade das propostas.
AA. Para além de os documentos comprovativos do preenchimento dos requisitos de habilitação profissional não constituírem documentos da proposta - nem terem sido apresentados pelas Contrainteressadas nessa fase -, o preenchimento dos requisitos de habilitação profissional é aspeto que diz respeito ao concorrente, e não à proposta.
BB. Para além disso, nos termos da lei, independentemente de quem fosse o adjudicatário no procedimento sindicado, apenas lhe seria exigível o preenchimento e demonstração dos requisitos de habilitação profissional na fase de habilitação.
CC. Como tal, encontram-se perfeitamente salvaguardados os princípios da concorrência e da igualdade, não tendo o Tribunal a quo referido quaisquer indícios em sentido divergente.
DD. Fica, assim, demonstrado, nos termos expostos supra, o erro manifesto de julgamento incorrido pelo Tribunal a quo, o qual, ignorando o disposto expressamente no CCP relativamente ao dever de habilitação e às causas de exclusão de propostas, partiu de argumentos descontextualizados do caso sub judice para deles extrapolar consequências que, como se viu, não conseguiu fundamentar com base em qualquer disposição legal.
EE. O resultado é uma sentença assente num profundo e lamentável erro de julgamento - uma vez que o Tribunal a quo preteriu a lei em benefício de teses jurisprudenciais e doutrinais sem o devido arrimo legal -, a qual deve, em consequência, ser revogada e substituída por decisão que, alinhando pelas considerações tecidas supra e, principalmente, pelo que resulta da aplicação do CCP, mantenha a decisão impugnada, julgando improcedentes todos os pedidos formulados pela Autora e absolvendo a [Scom01] dos mesmos (…)”.
*
3. Já quanto ao seu recurso, as Recorrentes [SCom02...] e [SCom03...] remataram no seguintes termos: “(…)
1. A douta sentença recorrida parte de um erro de base, que naturalmente obnubilou e limitou toda a análise do caso sub judice.
2. É que o Exmo. Senhor Juiz a quo presumiu (como refere na sentença) que a Proposta não previa a subcontratação (seja porque não foi apresentado ab initio declaração de terceiro, seja porque o DEUCP o referia), mas, s.m.o., erradamente.
3. A subcontratação está prevista na Proposta, naturalmente para o caso de as empresas agrupadas concorrentes não terem os alvarás necessários, o que consta explicitamente do Facto Provado D).
4. E a prova disso mesmo, a posteriori (se se quiser), consta da entrega da declaração de compromisso de cooperação da [SCom05...], Lda., e respetivo alvará, conforme igualmente Factos Provados O) e P).
5. Portanto, inequivocamente, seja pela letra da Proposta, seja pela atuação subsequente das Concorrentes, numa interpretação autêntica daquela, a subcontratação está prevista na Proposta adjudicada, ao invés do considerado na sentença recorrida, que assenta no inverso.
6. Isto, não obstante as concorrentes adjudicadas se terem munido dos requisitos necessários e suficientes para terem os alvarás exigidos legalmente, conforme em sede de habilitação comprovaram e consta especificamente dos Factos Provados M) e N).
7. Portanto, dos Factos Provados D), M), N), O) e P) resulta inequivocamente que:
• A Proposta previa a subcontratação, conforme Facto Provado D);
• Para a eventual subcontratada, a Adjudicatária apresentou, em sede de habilitação, os documentos melhor identificados em O) e P), demonstrando as habilitações legais que faltariam inicialmente ao consórcio;
• À data da entrega dos documentos de habilitação, o consórcio era já detentor de todos os alvarás necessários para a execução da obra, conforme Factos Provados M) e N).
8. Ora, daqui resulta logo o equívoco inicial da sentença recorrida.
9. E este deve-se a um erro de interpretação das peças do procedimento e de julgamento, pois foram as “regras do jogo” definidas pela Entidade Adjudicante que impuseram a entrega da tal declaração de terceiro e alvará apenas na fase de adjudicação.
10. Há, até, uma certa contradição entre os Factos Provados e a Decisão.
11. A Proposta adjudicada prevê a hipótese das empresas concorrentes lançarem mão, efetivamente, da subcontratação, conforme resulta expressamente da transcrição da Proposta constante do Facto Provado D) - e tal é relevante para aferir do cumprimento dos requisitos legais para executar o contrato, os quais, aquando da habilitação, foram comprovados com a entrega dos respetivos documentos, conforme Factos Provados O) e P).
12. Saber se tal seria, eventualmente, desnecessário, porquanto, durante o procedimento pré-contratual, a Adjudicatária [SCom02...] LDA. logrou obter os “Alvarás de empreiteiro de obras públicas”, melhor identificado no Facto Provado N), é outra análise que não prejudica aquela evidência de a Proposta adjudicada prever o eventual recurso a subcontratação.
13. E esta previsão não pode ser contrariada, ao invés do que presume o Exmo. Senhor Juiz a quo, pela não entrega ab initio de uma declaração que o próprio Programa do Procedimento (PP) prevê, no artigo 27.° (sob a epígrafe “documentos de habilitação”), de entrega pelo Adjudicatário e no prazo de 05 (cinco) dias a contar da data de notificação da adjudicação.
14. O n.° 2 desse artigo regulamentar é claro, quando refere que, “Para efeitos de apresentação do documento previsto na alínea h) do número anterior” (entregue do alvará pelo Adjudicatário), “caso o concorrente recorra a subempreiteiros, ficando a eles vinculado, por contrato, para a execução dos trabalhos correspondentes, deve apresentar os alvarás ou títulos de registo da titularidade dos subempreiteiros possuidores das autorizações respetivas, os quais têm de ser acompanhados de declaração através da qual estes se comprometam, incondicionalmente, a executar os trabalhos correspondentes às habilitações deles constantes”.
15. Daqui decorre, para um concorrente médio, que, conforme alínea h) do n.° 1, é ao Adjudicatário que compete, se recorrer a subcontratação, entregar no prazo de 05 (cinco) dias a contar da data de notificação da adjudicação o alvará do potencial subcontratado e a declaração referida - o que foi feito, in casu, conforme Factos Provados O) e P).
16. Por isso é que esta “declaração de compromisso” não foi junta, com a Proposta, pois não era essa a fase procedimental que o Programa de Procedimento identificava para o efeito no artigo 27.°, que se referia a documentos de habilitação (dando o prazo de 05 (cinco) dias a contar da data de notificação da adjudicação para a sua entrega...).
17. Foi esta a interpretação do agrupamento concorrente, como o demonstra a entrega dos documentos confessada nos Factos Provados O) e P), e é esta a interpretação que resulta claramente da letra da norma - artigo 27.°, n.° 1 h) e n.° 2 do PP.
18. Mas é esta, igualmente, a interpretação que resulta da sua ratio e inserção no mundo da contratação pública, porquanto favorável ao procedimento e à maior concorrência possível, pois é a que possibilita mais e melhores escolhas na prossecução do interesse público.
19. A interpretação dada agora pela sentença recorrida àquela norma do PP (norma regulamentar) carece de fundamento, não condiz com a sua letra (cfr. artigo 9.° do Código Civil), nem favorece a mais ampla concorrência.
20. Mas mesmo que assim não fosse, ,a considerar-se ser de apresentar ab initio, com a entrega da proposta a declaração de compromisso - o que, como demonstrado, não tem suporte na letra da norma regulamentar -, então, sempre teria de lançar-se mão do disposto no artigo 72.°, n.° 3 do Código dos Contratos Públicos, permitindo-se o suprimento dessa suposta irregularidade, pois em causa não estava qualquer substância da proposta, mas mero documento que a ela substantivamente nada acrescentaria.
21. Seria, pois, uma mera irregularidade formal, cujo suprimento em nada modificaria o conteúdo da proposta, evitando-se uma desmesurada exclusão, que em nada beneficia o interesse público.
22. Assim, perante esta errada interpretação e aplicação do PP e face aos factos dados como provados, é evidente o erro de julgamento.
23. Mas esta errada interpretação e violação das regras do jogo, descobre-se, ainda, se forem relevadas outras normas procedimentais, designadamente o disposto no artigo 14.°, n.° 5 do PP, em conjugação com o seu n.° 1 - é neste que se identificam os documentos que devem obrigatoriamente instruir a Proposta.
24. Como se percebe, do confronto deste artigo 14.° do PP e do aludido artigo 27.° do mesmo PP, estamos perante documentos que devem ser entregues em fases bem distintas do procedimento pré-contratual: na fase da entrega da proposta, o que era exigido eram os documentos identificados no artigo 14.° (por todos os concorrentes), na fase de habilitação, os do artigo 27.° (pelo adjudicatário).
25. Por isso é que as Adjudicatárias, no cumprimento estrito do artigo 81.° do CCP e artigo 27.° n.° 1 h) e n.° 2 do Programa do Procedimento (bem como da Portaria n.° 372/2017), apresentaram nessa fase pós adjudicação, todos respetivos documentos de habilitação implícitos na sua Proposta: os seus [Factos Provados M) e N)] e os do hipotético Subcontratado [Factos Provados O) e P)].
26. Sendo isto que foi expressamente exigido no Programa do Procedimento, é evidente, s.m.o., que a decisão recorrida viola estes dispositivos regulamentares (artigos 14.° e 27.° do PP).
27. Por conseguinte, este erro de base do julgamento (que levou à presunção do Exmo. Senhor Juiz) condicionou toda a posterior análise factual e jurídica, pois para se prever subcontratação, não era necessário juntar os documentos ab initio, dado que era o PP que determinava exigência diversa,
28. Como tal, são as regras do jogo que não permitem a presunção do Exmo. Senhor Juiz a quo, ao estabelecerem que os documentos em causa só seriam exigidos ao adjudicatário, no prazo de 5 dias após a notificação da adjudicação - artigo 27.°, n.° 1 h) e n.° 2 do PP.
29. Para além do mais, tal presunção contraria, igualmente, a própria Proposta que, conforme Facto Provado D), prevê a hipótese de subcontratação: daí as adjudicadas terem entregue, no prazo de 5 dias após a notificação da adjudicação, os respetivos documentos de habilitação, seus e os do potencial subcontratado, exigidos nas peças do procedimento, designadamente o compromisso de cooperação da [SCom05...], Lda. e respetivo alvará - cfr. Factos Provados O) e P).
30. Porque apresentariam estes documentos se, conforme erradamente pressupôs o Exmo. Senhor Juiz a quo, as concorrentes não haviam previsto na sua Proposta a subcontratação? Isso sim, é totalmente incoerente e contraditório.
31. Não pode olvidar-se esta verdadeira interpretação autêntica das concorrentes, que demonstra que sempre tiveram a convicção da hipótese de subcontratação, conforme consta da Proposta (e do Facto Provado D),.
32. Essa subcontratação está, contudo, dependente da autorização prévia escrita por parte da entidade adjudicante, conforme o normativo regulamentar em aplicação, podendo constar do contrato ou apenas em fase de execução do mesmo (cfr. artigo 319.°) - é isso mesmo que consta expressamente da cláusula 22ª do CE.
33. Em suma, conforme admitido pela jurisprudência europeia e nacional, os concorrentes, por si ou com participação de terceiros (subcontratados que supririam a eventual habilitação em falta), podem “cumprir” com a exigência das habilitações necessárias para a execução daquele contrato, o que aconteceu in casu.
34. A sua demonstração ab initio, é que não era, aqui, obrigação, como demonstrado, deixando a Entidade Adjudicante tudo para a fase de qualificação, pelo que, tendo previsto o recurso à subcontratação e tendo apresentado os documentos de habilitação que comprovam as habilitações necessárias para colmatar a sua eventual omissão, na altura exigida nas regras do jogo, a Adjudicatária cumpriu com as obrigações legais - mesmo na interpretação da sentença recorrida, de que estas devem existir à data da apresentação da proposta - e regulamentares - apresentação dos documentos de habilitação que o comprovam, no prazo de 5 dias após notificação da adjudicação.
35. E não se invoque, como o faz a sentença recorrida, o artigo 2.°, n.° 2 da Portaria n.° 372/2017, para tentar justificar o contrário, pois, como decorre expressamente da letra da norma, esta refere-se ao adjudicatário.
36. E no presente caso, foi exatamente o que fez o Adjudicatário - ver Factos Provados O) e P), pelo que tendo o PP, no artigo 27.°, como se viu, estipulado a fase do procedimento em que tais documentos deveriam ser entregues, não pode o Exmo. Senhor Juiz a quo invocar jurisprudência em que este normativo regulamentar não existia.
37. E ainda que tal jurisprudência (mesmo a do TJUE) fosse sacrossanta, então o problema não será da Proposta da Adjudicatária, mas da (ilegalidade da) peça procedimental em causa, que não foi impugnada, nomeadamente pela Autora.
38. Por fim, sem prescindir de tudo quanto se demonstrou quanto à validade da admissão da proposta e do consequente ato de adjudicação, cumpre, ainda, analisar o segmento da sentença recorrida relativamente à exigência, não prevista expressamente na lei, de que os concorrentes devem possuir ab initio os requisitos de habilitação exigidos, especificamente os alvarás necessários para a execução do contrato.
39. Para obtenção de alvará, terá o interessado de cumprir os requisitos que estão previstos na Lei n.° 41/2015, de 3 de julho, que, por conseguinte, se conhecem, ao ponto de, quem está interessado, apetrechar-se de forma a cumprir tais requisitos.
40. Assim, se estamos perante requisitos para a execução de um determinado contrato, e estando comprovado que à data da entrega da proposta a Concorrente havia já requerido ao IMPIC o respetivo alvará, nenhuma razão se adivinha para impedir este potencial concorrente, que tudo fez e investiu para cumprir os requisitos legais para obter o alvará, de se apresentar a um procedimento pré- contratual, só porque não possui ainda um documento que tem de entregar, apenas, - e entregou - na fase de adjudicação.
41. Correrá, ele próprio um risco: o de caducidade da adjudicação se, na fase de adjudicação, não o apresentar (não o possuir), e, com isso, ser alvo da consequente contraordenação.
42. Portanto, o ordenamento jurídico já tutela esta situação, não sendo necessário a tutela acrescida invocada na sentença, pelo que, conhecendo-se a jurisprudência sobre a matéria, não pode, porém, neste caso, deixar de se julgar a irrazoabilidade da solução, quando a concessão do alvará estava em curso à data da entrega da proposta, sabendo o concorrente que cumpria os requisitos legais para o obter nos termos legais.
43. E, in casu, foi concedido, a tempo de ser apresentado na fase de habilitação, conforme Factos Provados M) e N).
44. Por conseguinte, deve igualmente a sentença recorrida ser corrigida, porquanto contraria o vertido no artigo 81.° do CCP, dado que, à data de habilitação, a Adjudicatária já reunia os requisitos para poder executar de per se o contrato.
45. Por tudo isto, deve o presente recurso ser totalmente procedente, julgando-se o ato de adjudicação válido, com todas as inerentes consequências legais (…)”.
4. Notificada que foi para o efeito, a Recorrida [SCom04...] produziu contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo: “(…)
DO RECURSO INTERPOSTO PELA ENTIDADE DEMANDADA
DA NULIDADE PARCIAL ARGUIDA
A. No presente procedimento foram ordenadas e classificadas as seguintes propostas:
1ª [SCom03...], Lda./[SCom02...] Lda. - 71,06 pontos
2ª [SCom04...], S.A. - 69,38 pontos
3ª [SCom06...], Lda. 31,56 - pontos
4ª. [SCom07...], Lda. - 13,30 pontos
B. Condenada a Entidade Adjudicante a excluir a proposta apresentada pela contrainteressada [SCom03...], Lda./[SCom02...] Lda.
C. Resultava inexoravelmente da peticionada reordenação das restantes propostas a adjudicação à aqui Autora/Recorrida [SCom04...]
D. Desde logo porque em concreto, nenhum fundamento que pudesse justificar a prática de uma decisão de não adjudicação (cfr artigo 79° do CCP) se verifica, ficando a Entidade Adjudicante vinculada a praticar um acto de adjudicação, nos termos do disposto no artigo 76° do CCP.
E. Deste modo, excluída a proposta concorrente graduado em 1.° lugar, por via da decisão de anulação tomada nos presentes autos, a Administração fica numa situação de obrigação de adjudicação, desta vez à 2.a concorrente.
F. Essa adjudicação tornou-se um acto devido, por a margem de livre apreciação da Administração, na situação concreta dos autos, ter ficado reduzida a zero.
G. A condenação da Entidade Demandada a praticar um acto legalmente devido - a adjudicação do concurso aqui em crise à Autora/Recorrida - está assim compreendido no pedido apresentado em juízo,
H. Não resultando a decisão da sentença recorrida em condenação em objecto diverso do pedido.
I. Vem a Recorrente pugnar pela existência de um erro de julgamento - que classifica de profundo e lamentável - porquanto, e na tese que defende, ao contrário do que foi decidido, a verificação dos requisitos de habilitação profissional não é feita por referência ao momento de apresentação da proposta, mas antes na fase de habilitação.
J. Sendo que, na fase de habilitação a contrainteressada apresentou todos os documentos de habilitação exigidos, entre eles o Alvará de Empreiteiro de Obras Públicas da [SCom02...], correspondendo integralmente às exigências formuladas nas peças do procedimento, que aproveita ao Consórcio como um todo.
K. Numa nota prévia à fundamentação que expendeu na defesa desta tese, que a Recorrente denominou “o alcance da questão decidenda”, abstrair-se em absoluto de quaisquer considerações atinentes à intenção de recorrer a subcontratação e à efectiva demonstração dessa vontade na proposta apresentada.
L. Sucede, porém, que abstraindo-nos por ora da questão do momento em que a contrainteressada deveria provar a sua habilitação profissional, e, se esta por si só era suficiente para executar o objecto do concurso,
M. A verdade é que a contrainteressada manifestou a sua intenção expressa e inequívoca de recorrer à subcontratação, entregando com os documentos de habilitação o Alvará de Empreiteiro do terceiro subcontratado e a declaração de compromisso do subcontratado [SCom05...] Lda.
N. Mas, compulsados os documentos entregues na fase de habilitação, como se disse na PI, verifica-se que não foram entregues, relativamente ao subcontratado, os documentos exigidos na alínea a) do n° 3 do artigo 318° do Código dos Contratos Públicos, para onde aliás remete o artigo 22° do caderno de Encargos do Procedimento aqui em crise,
O. E, não se verificando o circunstancialismo previsto no n° 3 do artigo 86° do CCP, uma vez que a não apresentação dos referidos documentos apenas à contrainteressada pode ser imputada,
P. Impõe-se por força do estatuído no n° 1 do artigo 86°, n° 1, alínea a) do CCP, que seja determinada a caducidade da adjudicação.
Q. O que determinaria, nos termos do n° 4 do mesmo artigo 86° do CCP, a adjudicação do concurso à Autora/Recorrida,
R. O que demonstra o acerto da douta sentença recorrida ao condenar a Entidade Demandada a adjudicar o concurso em crise nos autos à Autora/Recorrida
S. Vem a Recorrente invocar um erro de julgamento defendendo - ao abrigo da lei, diz - que o preenchimento dos requisitos de habilitação, assim como a respectiva demonstração, apenas são devidos na fase de habilitação, não resultando o contrário da lei ou das peças do procedimento.
T. Não tem razão.
U. O preenchimento dos requisitos de habilitação e a demonstração da sua existência são coisa distinta, e, se é certo que a demonstração do preenchimento dos requisitos de habilitação apenas é devido na fase de habilitação e apenas ao adjudicatário,
V. Não é menos verdade que quanto à questão de saber desde quando é que o adjudicatário tem de ser titular das habilitações necessárias à execução do contrato, não restam dúvidas de que o terá de ser ab initio, ou seja dentro do prazo fixado para a apresentação das propostas.
W. Não possuindo o concorrente, na data de apresentação das propostas, as habilitações necessárias à execução do contrato, e pretendendo de prevalecer-se das habilitações de entidade terceira, teria então o concorrente de ter junto igualmente ab initio, uma declaração de compromisso que identificasse os terceiros subcontratados e habilitados para esse efeito.
X. Como resulta do disposto nos artigos 77.°, n° 2, als. a) e c), 81.°, 92.°, 93.° e 168.°, n° 4 do CCP, interpretadas estas normas à luz do direito da União, em especial com o disposto no artigo 63.° da Diretiva 2014/24/EU
DO RECURSO INTERPOSTO PELA CONTRAINTERESSADA
Y. Vem a Contrainteressada insurgir-se com a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, porquanto, e na sua tese, i) a proposta por si apresentada previa a subcontratação; ii) para a eventual subcontratada, apresentou, em sede de habilitação, os documentos melhor identificados em O) e P), demonstrando as habilitações legais que faltariam inicialmente ao consórcio e, iii) a data da entrega dos documentos de habilitação, o consórcio era já detentor de todos os alvarás necessários para a execução da obra, conforme Factos Provados M) e N).
Z. Concluindo assim que, “Por si ou com a colaboração de terceiro, os concorrentes dispunham ab initio de comprovada habilitação legal para a execução do contrato (e, obviamente, para apresentar Proposta), não havendo razões para exclusão da sua proposta, como se demonstrará, e, na fase de habilitação, demonstraram ambas: as consorciadas dispunham dos alvarás legais, permitindo-lhes de per se executar o contrato, e o terceiro, potencial subcontratado, detinha tais habilitações à data da apresentação da Proposta”
AA. Como resulta do PA, à data da apresentação da proposta a Recorrente não dispunha da habilitação legal necessária à execução do contrato.
BB. O Alvará do membro do consórcio [SCom02...] entregue na fase de habilitação é de 17 de março de 2023, e, por conseguinte de data posterior à data do acto de adjudicação (16 de março de 2023), portanto posterior à data da apresentação da sua proposta.
CC. Ora, sob a necessidade de a Contrainteressada ter de ser titular das habilitações necessárias à execução do contrato, ab initio, ou seja dentro do prazo fixado para a apresentação das propostas, já supra nos pronunciamos, pelo que, por economia de texto, e para evitar repetições, para lá remetemos.
DD. Não possuindo a Contrainteressada as habilitações necessárias à execução do contrato, ab initio, como não possuía, e pretendendo prevalecer-se das habilitações de entidade terceira, teria então o concorrente de ter junto igualmente ab initio, uma declaração de compromisso que identificasse os terceiros subcontratados e habilitados para esse efeito, o que não fez.
EE. Também quanto a este ponto, já supra nos pronunciamos, pelo que, de novo, por economia de texto, e para evitar repetições, para lá remetemos.
FF. Bastando aqui repetir que quer a necessidade de ser possuidora das habilitações necessárias à execução do contrato, ab initio, quer a obrigação de, não as possuindo, e pretendendo prevalecer-se das habilitações de entidade terceira, teria então de ter junto igualmente ab initio, uma declaração de compromisso que identificasse os terceiros subcontratados e habilitados para esse efeito,
GG. Resulta do disposto nos artigos 77.°, n.° 2, als. a) e c), 81.°, 92.°, 93.° e 168.°, n.° 4 do CCP, interpretadas estas normas à luz do direito da União, em especial com o disposto no artigo 63.° da Diretiva 2014/24/EU (…)”.
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5. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida, tendo ainda sustentado a inexistência de qualquer nulidade de sentença.
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6. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
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7. Com dispensa de vistos prévios, cumpre apreciar e decidir.
* *
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
8. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
9. Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir em ambos os recursos são as de saber se a sentença recorrida incorreu em (i) nulidade de sentença, por condenação em objeto diverso do pedido, e, bem assim, se a mesma enferma de (ii) em erro[s] de julgamento de direito, por (ii.1) ofensa da normação vertida na al. c) do n.º 2 do artigo 146.º e als. a), b) e c) do artigo 456.º do CCP [recurso interposto por [Scom01]], e (ii.2) por violação do violação do vertido no artigo 81.º do CCP [recurso interposto por [SCom02...] e [SCom03...]].
10. É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
11. A matéria de facto pertinente é a dada como provada na sentença «sub censura», a qual aqui damos por integralmente reproduzida, como decorre do art. 663º, n.º 6, do CPC.
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III.2 - DO DIREITO
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12. As questões decidendas, como se colhe inequivocamente do ponto II) do presente aresto, traduzem-se em saber se a sentença recorrida (i) incorreu em (i) nulidade de sentença, por condenação em objeto diverso do pedido e, bem assim, se a mesnma enferma de (ii) em erro[s] de julgamento de direito, por (ii.1) ofensa da normação vertida na al. c) do n.º 2 do artigo 146.º e als. a), b) e c) do artigo 456.º do CCP [recurso interposto por [Scom01]], e (ii.2) por violação do violação do vertido no artigo 81.º do CCP [recurso interposto por [SCom02...] e [SCom03...]].
13. Vejamos estas questões decidendas especificadamente.
14. Assim, e quanto ao primeiro grupo de razões, importa que se comece por sublinhar que, de acordo com o nº.1 do artigo 609º do CPC, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
15. Por sua vez, nos termos da alínea e) do nº.1 do artigo 615º do CPC, é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
16. É perante estes normativos que há que verificar se a sentença recorrido incorreu na nulidade que a Recorrente ora lhe imputa.
17. No caso vertente, verifica-se que a Autora formulou os seguintes pedidos que a seguir se transcrevem, com o respetivo contexto para melhor entendimento: “(…)
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, requer-se que a presente acção seja julgada procedente porque provada, e, em consequência:
a) Seja anulado o acto de adjudicação do concurso aqui em crise,
b) Condenando-se a Ré a elaborar novo Relatório Final, excluindo a proposta apresentada pelo concorrente [SCom03...], Lda. e [SCom02...] LDA nos termos da alínea a) do n° 2 do artigo 70° e alínea c) (parte final) do n° 1 do artigo 57° ambos do CCP e reordenando as propostas admitidas para efeito de adjudicação, após a ponderação das justificações que vierem a ser apresentadas.
Ou,
Subsidiariamente, e caso venha a improceder o pedido principal, requer-se que seja julgado procedente o pedido subsidiário e, em consequência, ser declarada a caducidade da adjudicação com as demais consequências legais. (…)”.
18. Ora, escrutinado o dispositivo na sentença recorrida, é nosso entendimento que não se excederam os limites da condenação traçados no nº.1 do art. 609.º do CPC, não resultando infringida a regra ne eat iudex ultra vel extra petita partium.
19. De facto, decorre do princípio do dispositivo, de entre outros corolários, a circunstância do “thema decidendum” ser circunscrito pelas partes.
20. Conforme emerge grandemente do se que se vem de transcrever, a Autora peticionou o provimento do meio processual por forma a ser anulado (i) o ato de adjudicação do procedimento concursal visado nos autos e ser a (ii) Ré condenada a elaborar novo relatório final do qual conste a exclusão da proposta apresentada pelos concorrentes [SCom03...] e [SCom02...] e a reordenação das propostas admitidas para efeito de adjudicação, ou subsidiariamente, a (iii) declaração da caducidade da adjudicação.
21. Ora, o Tribunal a quo ao condenar “(…) a ED a elaborar novo relatório final, que exclua do Concurso a proposta da concorrente [SCom03...], LDA. e [SCom02...] LDA., como ainda a reordenar as propostas e, em função das propostas admitidas (já apreciadas e graduadas), a adjudicar o contrato em conformidade (…)” mais não faz do que “seguir à risca” o pedido formulado no libelo inicial.
22. A referência “(…) a adjudicar o contrato em conformidade (…)” ali atravessada não assume uma distensão do dispositivo também à adjudicação do procedimental, mas apenas a assunção da liturgia procedimental sequente à elaboração do relatório final, sendo absolutamente inócua a sua inclusão.
23. A situação seria se tivesse sido determinada a adjudicação do procedimento concursal a um concorrente em específico.
24. Mas não é essa a situação em análise, devendo, por isso, enquadrar-se tal referência, como supra veiculado, exclusivamente no âmbito da execução procedimental sequente à elaboração do relatório final.
25. Nesta esteira, é de manifesta evidência que, no particular conspecto em análise, não pode apontar-se à decisão judicial recorrida qualquer nulidade de sentença emergente de condenação em objeto diverso do pedido.
26. O que nos transporta para a segunda questão suscitada, e que se prende com o eventual erro[s] de julgamento de direito da sentença recorrida, por (ii.1) ofensa da normação vertida na al. c) do n.º 2 do artigo 146.º e als. a), b) e c) do artigo 456.º do CCP [recurso interposto por [Scom01]], e (ii.2) por violação do violação do vertido no artigo 81.º do CCP [recurso interposto por [SCom02...] e [SCom03...]].
27. A este propósito, e no que concerne ao direito, discorreu-se em 1ª instância o seguinte: “(…)
Peticionou a Autora nestes autos de contencioso pré-contratual a anulação do ato de adjudicação do Concurso à proposta da concorrente adjudicatária, ora CI, [SCom03...], LDA. e [SCom02...] LDA. e a condenação da ED a elaborar novo relatório que exclua essa proposta e proceda à reordenação das propostas admitidas para efeito de adjudicação. Subsidiariamente, a Autora pede a declaração da caducidade de adjudicação.
A Autora faz assentar o pedido principal na alegada falta de habilitações necessárias para a sobredita concorrente [SCom03...], LDA. e [SCom02...] LDA. se apresentar ao procedimento concursal, tal como evidenciou na pronuncia apresentada em sede de audiência dos interessados, sendo que, no seu entendimento, querendo tal concorrente recorrer à subcontratação deveria ter logo instruído a sua proposta com as declarações de compromisso subscritas pelos subcontratados, bem como pelos documentos de apresentação obrigatória, nos termos do PP, relativos ao subcontratado, demonstrando desde a entrega da proposta ser detentor das habilitações profissionais legalmente exigíveis para a prestação do serviço objecto do concurso.
Já a ED e as CI apresentam uma outra posição sobre o tema, evidenciando que a proposta das CI (que se apresentaram ao Concurso em agrupamento), [SCom03...], LDA. e [SCom02...] LDA. não sofre qualquer vicissitude que pudesse levar à sua exclusão, ainda que os argumentos que apresentem não sejam totalmente coincidentes.
No essencial, a ED argui que a pretensão da Autora assenta em dois pressupostos de facto fundamentais, mas profundamente equivocados. O primeiro resulta da tese (segundo a ED) absolutamente infundada de que o Consórcio não dispõe das habilitações previstas na al. h) do n.° 1 do artigo 27.° do Caderno de Encargos, sendo claro, ao invés, que delas dispõe, pois, sem prejuízo de ter analisado a lista de documentos apresentados na fase de habilitação, a Autora parece ter ignorado que da mesma consta o alvará da [SCom02...] em conformidade com as exigências previstas no Programa do Concurso.
E depois a ED afirma mesmo que “o Consórcio nunca pretendeu recorrer a subcontratação para assegurar as habilitações exigidas, nunca o tendo indiciado, nem sendo a mesma, sequer, necessária”, pelo que, diz, “A resposta à questão da subcontratação é, portanto, despicienda nesta sede” - sublinhado nosso.
Afirma, ainda, a ED, na enunciação da matéria de facto, a propósito da decisão do júri que consta do relatório final, que “Considerando que o Consórcio apresentou, na fase pós-adjudicatória, o alvará de empreiteiro de obras públicas com o n.° 101436 - PUB, de que é titular a [SCom02...] - uma das suas integrantes -, do qual constam todas as tipologias, categorias, subcategorias e classe exigidas nos termos do Programa do Concurso, // e sem prejuízo de ter procedido também à junção de uma declaração da empresa [SCom05...], Lda. (nos termos da qual esta empresa se compromete incondicionalmente a executar os trabalhos correspondentes às habilitações constantes do seu alvará), // encontrava-se plenamente cumprido o dever de habilitação por parte do Consórcio. // Esse dever considerava-se satisfeito pela simples apresentação do alvará da [SCom02...] - assim como dos demais documentos exigidos -, o qual demonstrava que, no momento devido, o Consórcio detinha as habilitações profissionais exigidas” - sublinhado nosso.
E que “não tendo o Consórcio, com a apresentação da declaração outorgada pela empresa [SCom05...], Lda., pretendido transmitir à [SCOM01] que recorreria a subcontratação para efeitos de habilitação, // mas apenas salvaguardado a eventualidade de a subcontratação da referida empresa se revelar necessária durante a fase de execução do contrato”.
Sobre o tal “momento devido”, a ED defende que o cumprimento do dever de habilitação afere-se com referência ao momento da sua demonstração, isto é, na fase pós- adjudicatória; que “É cientes dessa possível consequência do incumprimento do dever de habilitação que os concorrentes se apresentam a concurso, sabendo de antemão que deverão, no limite até ao momento em que a respectiva demonstração é exigida - a fase pós-adjudicatória -, prover pela sua verificação” - sublinhado nosso.
Se é esta a tese da ED, a tese das CI é outra.
A CI defende que, na respetiva proposta especificaram, mais concretamente na página 5 da memória descritiva, que um conjunto de espécies de trabalhos seriam executados por subcontratado. Diz a CI na sua contestação, de forma clara e inequívoca, que “resulta da Proposta apresentada que os quadros técnicos das duas empresas executariam diretamente trabalhos nas áreas mencionadas e nas restantes especialidades subcontratavam empresas com técnicos experientes e especializados”; e que “após adjudicação, apresentaram, em consequência, os respetivos documentos de habilitação, bem como, agora, os do subcontratado exigidos nas peças do procedimento, designadamente o compromisso de cooperação da [SCom05...], Lda., pois em causa está ainda a mera proposta, ora adjudicada”; que “os concorrentes consorciados apresentaram proposta com previsão de subcontratação, a qual se encontra dependente da autorização prévia escrita por parte da entidade adjudicante” - sublinhado nosso.
Tendo como pano de fundo as posições defendidas pelas partes nos respetivos articulados, acima descritas brevitatis causae, a questão que importa responder nestes autos é a de saber a proposta da CI deveria ser, ou não, excluída do procedimento concursal identificado na alínea A) da Matéria de Facto.
Ora, ficou provado nos autos que por anúncio publicado no DR e no JOUE, a [SCom01...], E.M., S.A., ora ED, promoveu o procedimento concursal designado “SERVIÇOS DE MANUTENÇÃO PREVENTIVA E CORRETIVA DAS INSTALAÇÕES E EQUIPAMENTOS DA [SCOM01]”, que tem por objeto a prestação de serviços de manutenção integrada preventiva e corretiva das instalações e equipamentos da [SCom01...], E.M., S.A., sendo o «preço base» de € 321,448.00, e o «prazo de execução do contrato» de 10 meses [cf. alínea A) da Matéria de Facto].
Mais ficou provado que, no artigo 14.° do respetivo PP, no que toca aos documentos que devem constituir a proposta, exigia-se o seguinte:
“1. A proposta deve ainda incluir os seguintes elementos documentais, cuja apresentação é obrigatória:
a) Documento Europeu Único de Contratação Publica (DEUCP);
b) Documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar e dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar (proposta detalhada), designadamente:
i. Proposta de preço elaborada de acordo com o modelo de Proposta - Anexo II ao presente Programa de Concurso;
ii. Indicação do preço mensal, por instalação, no que concerne a serviços de manutenção preventiva, cuja soma deverá coincidir com o preço global proposto de manutenção preventiva no modelo de Proposta - Anexo II ao Programa de Concurso;
iii. Memória descritiva da prestação de serviços, devidamente detalhada e acompanhada de evidências relevantes relativas à metodologia de trabalho e plano de mão de obra, considerando os aspetos de execução do contrato submetidos à concorrência, previstos para o fator valia técnica do critério de adjudicação.
2. No caso de o preço da proposta ser inferior ao limiar do preço anormalmente baixo, os concorrentes devem ainda apresentar documento com os esclarecimentos justificativos, elaborados de forma detalhada e acompanhados de eventuais documentos comprovativos.
3. O Concorrente deve, ainda, apresentar com a proposta, a Certidão do Registo Comercial ou o respetivo Código de Acesso à Certidão Permanente para a sua consulta online” [cf. alínea B) da Matéria de Facto].
Decorre ainda do artigo 27.° do PP, que dispõe sobre os “documentos de habilitação”, o seguinte:
“1. O Adjudicatário deve entregar, no prazo de 05 (cinco) dias a contar da data de notificação da adjudicação: (...)
h) O alvará ou o título de registo emitido pelo IMPIC, contendo as habilitações adequadas e necessárias à execução das obras a realizar, para as seguintes categorias, subcategoria e tendo como mínimo as seguintes classes:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Portanto, em resumo, de acordo com o artigo 27.° do PP, o adjudicatário, notificado da adjudicação, teria de entregar, entre outros documentos, alvará ou o título de registo emitido pelo IMPIC, contendo as habilitações adequadas e necessárias à execução das obras a realizar, para as seguintes categorias, subcategoria e tendo como mínimo as seguintes classes: 1ª 1ª categoria – 2ª, 4ª, 7ª, 8ª, 9ª subcategorias, cada uma delas com (mínimo) a classe 1; 2ª categoria – 6ª, 10ª, 11ª subcategorias, cada uma delas com a classe 1; 4ª categoria – 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª, 6ª, 10ª, 12ª, 18ª e 19ª subcategorias, cada uma delas com (mínimo) a classe 1, à exceção da 12ª subcategoria, em que se exigia (mínimo) a classe 2, nos termos do artigo 8.° da Lei 41/2015, de 3 de junho; 5.a categoria – 9ª, 11ª e 12ª subcategorias, cada uma delas com a classe 1.
Sendo que, estabelece o n.° 2 desse mesmo artigo 27.° do PP, que “Para efeitos de apresentação do documento previsto na alínea h) do número anterior, caso o concorrente recorra a subempreiteiros, ficando a eles vinculado, por contrato, para a execução dos trabalhos correspondentes, deve apresentar os alvarás ou títulos de registo da titularidade dos subempreiteiros possuidores das autorizações respetivas, os quais têm de ser acompanhados de declaração através da qual estes se comprometam, incondicionalmente, a executar os trabalhos correspondentes às habilitações deles constantes”.
No caso, as concorrentes [SCom03...], LDA. e [SCom02...] LDA., apresentaram a sua proposta ao referido Concurso em agrupamento (na modalidade de consórcio), e, de facto, como alegam na sua contestação, refere-se no documento “Memória Descritiva”, a que a se alude na alínea D) dos Factos Provados, no ponto “1.2. Modelo Organizacional e Equipas Associadas”, que, se sublinha, “O presente Consórcio contará com uma equipa de Técnicos especializados e credenciados nas áreas de AVAC, Eletricidade, Segurança e Mecânica e contará com a colaboração de empresas especializadas de Construção Civil, Serralharia, Pichelaria, Geradores, entre outras, sempre que necessário, para garantir um excelente nível de qualidade no serviço prestado”.
Mas de outro passo, como ficou provado, nos DEUCP apresentados e que integram a sua proposta, conforme se extrai das alíneas F) e G) dos Factos Provados, relativamente a cada uma das empresas que compõe o Consórcio, [SCom03...], LDA. e [SCom02...] LDA., questionadas sobre se “o operador económico tem a intenção de subcontratar alguma parte do contrato a terceiro?” a resposta foi: “Não”.
Portanto, considerando que o acima mencionado ponto “1.2. Modelo Organizacional e Equipas Associadas” da Memória Descritiva não é propriamente taxativo quanto ao recurso à subcontratação (fala-se em “sempre que necessário”, não sendo a mesma explicita quanto aos termos dessa eventual colaboração, designadamente as áreas de atuação), não tendo, aliás, sido junta, com a proposta, designadamente a declaração de compromisso quanto ao recurso à subcontratação (cf. sobre esta exigência, o recentíssimo Acórdão do STA, de 09-02-2023, P. 025/21.2BEPRT, www.dgsi.pt), sob pena de se concluir que as concorrentes [SCom03...], LDA. e [SCom02...] LDA. prestaram (no mínimo) declarações “incompatíveis” em diferentes documentos que integram a proposta (que impossibilitava a sua análise e avaliação, determinativa, aliás, da exclusão da sua proposta), o que os termos desta proposta evidenciam é que não estava prevista a subcontratação.
Pelo que não deixa de ser surpreendente - até para a própria ED, que diz na sua contestação que “o Consórcio nunca pretendeu recorrer a subcontratação para assegurar as habilitações exigidas, nunca o tendo indiciado, nem sendo a mesma, sequer, necessária” - virem agora as CI afirmarem na sua contestação o oposto, i.e. de que afinal, já estava prevista na fase de formação do contrato a subcontratação, por via daquele tal ponto 1.2. da Memória Descritiva, quando alegam que na respetiva proposta especificaram, mais concretamente na página 5 da memória descritiva, que um conjunto de espécies de trabalhos seriam executados por subcontratado.
Voltando ao documento “Memória Descritiva”, a que a se alude na alínea D) dos Factos Provados, no ponto “1.3. Certificações do Consórcio Associados à Prestação de Serviços”, refere-se que “Ambas as empresas estão certificadas, pelas entidades competentes, para a prática dos serviços a que se propõem. Apresentamos de seguida as certificações aplicáveis à presente prestação de serviços:
E na parte do Alvará, diz-se o seguinte, que se sublinha:
“Alvará Impic de empreiteiro de Obras Públicas com 28 Sub Categorias para classes entre 1 a 3:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida] (...)”.
Nada se especifica quanto às habilitações exigidas.
Em 27-02-2023 é elaborado o Relatório Preliminar, em que o júri analisou e avaliou as propostas admitidas, propondo a seguinte ordenação:
Pontuação e Classificação Final
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
As pontuações finais constantes do quadro anterior resultam das pontuações e ponderações atribuídas a cada fator e subfator conforme quadro supra (5.1) e grelhas de avaliação anexas ao presente relatório.
De seguida, a Autora apresentou pronúncia em sede de audiência prévia, e, no que para agora importa, alegou que as CI não detinham habilitação legal para todas as subcategorias definidas como habilitações mínimas na alínea h) do n.° 1 do artigo 27.° do PP.
Nessa sede, a ora Autora alegou o seguinte, que importa transcrever e sublinhar:
“Ora, a aqui Reclamante opera há muitos anos no mercado, tendo dele um razoável conhecimento, e sabe que nenhum dos membros do consórcio [SCom03...]/[SCom02...], possui as habilitações mínimas definidas em Programa de Concurso, informação que ademais é pública. (cfr Alvará da [SCom03...] e Alvará da [SCom02...] que se juntam, documentos ... e ...).
Na verdade, nenhum dos membros concorrentes possuem no seu Alvará a 4a subcategoria da 1ª categoria, assim como nenhuma subcategoria da 2ª categoria, o que ditaria inexoravelmente a caducidade da adjudicação se esta viesse a concretizar-se, o que não se concede, e, para mais estavam legalmente impedidos de prestar o serviço objecto do contrato. (cfr de novo os dois documentos juntos).
Insuficiência que não pode já ser suprida pela eventual subcontratação, porquanto se a proposta previsse a contratação de subempreiteiros para a execução dos trabalhos correspondentes, então necessariamente aquela teria necessariamente de ser instruída com os documentos referidos no n° 2 do mesmo artigo 27°, o que não sucedeu”.
A Autora juntou, com a sua pronúncia, dois documentos, que confirmam o assim alegado, a que se alude nas alíneas I) e J) dos Factos Provados - e que, podemos adiantar, procede, em toda a linha.
Não obstante, o júri analisou esta pronúncia e entendeu, entre o mais, o seguinte:
- “a verificação da respetiva habilitação (da idoneidade e habilitações profissionais) é realizada após a adjudicação, estando dispensada a apresentação, por parte dos concorrentes, de quaisquer documentos para esse efeito, que apenas são apresentados pelo adjudicatário após a adjudicação”
- “não cabe à Entidade Adjudicante antecipar o juízo sobre os documentos de habilitação para a fase de apresentação de propostas, ou nas demais fases anteriores à adjudicação”;
- “assim já se entendeu, no Acórdão do STA de novembro de 2010 (proc. n.° 795/10, onde foi decidido anular uma decisão de adjudicação com fundamento no facto de ter sido excluída uma proposta na fase de avaliação por falta de alvará exigido no programa do procedimento”.
Mas, como referido, este entendimento do júri não é de acolher.
Com efeito, partindo do discurso argumentativo utilizado pela ED na sua contestação, é verdade que o alvará de habilitação para execução de trabalhos de empreitada (que a Entidade Adjudicante previa neste Concurso - artigos 1°, n° 2 do CE e artigo 27.° do PP) consubstancia um dos documentos de habilitação previstos no artigo 81.° do CCP, e que, em tese, deverá o mesmo ser entregue na fase de habilitação do adjudicatário [salvo se houver disposição no programa de procedimento que exija, se forma expressa e clara, a sua entrega com a proposta - neste sentido, veja-se o Acórdão do TCAN, proferido em 15-05-2020, no processo n.° 00705/19.2BECBR, www.dgsi.pt].
E também é verdade que, no caso em apreço, analisado o artigo 27.° do PP, os documentos de habilitação, entre os quais, o alvará, contendo as categorias, subcategorias e correspondentes classes, deveria ser entregue pelo (então) já adjudicatário na fase de adjudicação do contrato, após a notificação da decisão de adjudicação.
Acontece que o cerne deste litígio - e isto é aqui importante sublinhar - tal como o compreendemos e que a alegação da Autora nos permite alcançar (artigo 37.° da p.i.), não está propriamente na prova do requisito de habilitação pelas CI, mas na sua (comprovada) falta de habilitação para a execução dos trabalhos aquando da apresentação da proposta, conforme exigido no PP.
Dito de outro modo, o cerne deste litígio não está, pois, no momento em que terá de ser feita a prova do requisito da habilitação exigido - caminho que é trilhado sobretudo pela ED na sua defesa - mas no momento em que esse requisito deve, efetivamente, existir pelos concorrentes (e adjudicatário).
E consideramos que os elementos de habilitação - designadamente, o alvará, que, nos termos do PP, habilita ao exercício da atividade inerente à execução das prestações contratuais -, contrariamente ao que a ED defende na sua contestação, devem existir logo no momento da apresentação da proposta, não se devendo admitir propostas de um concorrente que só venha a ter o alvará exigido à data da adjudicação ou da apresentação dos respetivos documentos de habilitação.
Donde se conclui que, se a falta desta habilitação, por reporte à data da apresentação de propostas, for detetada antes da adjudicação ou antes, mesmo, da conclusão da fase de análise e avaliação de propostas, tal deverá levar à exclusão da proposta do concorrente faltoso, não havendo lugar nem à sua ordenação nem à adjudicação da mesma.
Este é o entendimento que tem sido seguido pela jurisprudência mais recente dos nossos tribunais superiores.
Veja-se, entre outros, os Acórdãos do TCA Sul, de 07.11.2013, processo n° 10404/13, de 06.05.2021, P. 548/20.0BESNT e do TCA Norte, de 04.05.2018, processo n.° 1093/17, e de 05.02.2021, processo n.° 233/20. Também o STA se pronunciou sobre a questão, dando-lhe idêntica solução jurídica, no Acórdão de 14.01.2021, processo n.° 955/19 (todos disponíveis em www.dgsi.pt, à exceção do Acórdão do TCA Sul relativo ao processo P. 548/20.0BESNT, de que a signatária era titular e de que tem conhecimento pelo exercício das suas funções, e que, tanto quanto nos foi possível apurar, não foi publicado naquele sitio).
O recente Acórdão do STA, de 07-12-2022, proferido no processo n.° 0393/21.6BEBJA, disponível em www.dgsi.pt [e que revogou o Acórdão do TCA Sul, invocado pela ED na sua contestação para fundamentar a sua tese] é, aliás, lapidar sobre esta matéria, e que, pela sua relevância e atualidade, importa transcrever:
“O CCP instituiu um regime inovador no que concerne à habilitação do adjudicatário, estabelecendo que é apenas sobre este que recai o ónus respectivo, sendo na decisão sobre a habilitação que são apreciados os documentos que lhe respeitam.
Os requisitos de habilitação dos concorrentes reportam-se à ausência de impedimentos estabelecidos pelo art.° 55.°, do CCP, e à sua aptidão profissional para o exercício da actividade objecto do procedimento (cf. art.° 81.°, do CCP).
Constitui requisito de habilitação profissional a titularidade de alvarás emitidos pelo Instituto de Construção e do Imobiliário, IP que demonstrem que os concorrentes estão habilitados a realizar as obras da categoria e classe que virão a ser objecto do contrato.
Tratando-se de um documento de habilitação, em princípio, a comprovação da titularidade de alvarás só é exigida ao adjudicatário após a prolação do acto de adjudicação (cf. art.° 83.°, do CCP).
Porém, cremos que desse facto não se pode inferir que, como entendeu o acórdão recorrido, as habilitações profissionais exigidas por lei ou pelas peças do procedimento só terão de ser cumpridas na fase da habilitação.
Efetivamente, conforme já decidiu este STA (cf. Ac. de 14/1/2021 - Proc. n° 0955/19.1BEAVR) e é entendimento doutrinal (cf. Pedro Costa Gonçalves in “Direito dos Contratos Públicos”, 5.a edição, 2021, pág. 732 e Mário Esteves de Oliveira - Rodrigo Esteves de Oliveira in “Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública”, 2011, págs. 490, nota 283 e págs. 495 e 496), embora os art°s. 81.° e segs. do CCP aludam a esses requisitos com referência ao “adjudicatário”, não se está perante meras “exigências legais relativas à efetividade da adjudicação e à celebração do contrato adjudicado”, mas face a condicionantes ao direito de acesso ao procedimento, obstando, por isso, a que neste participe quem não possua as habilitações exigidas para o efeito (cf. Mário Esteves de Oliveira - Rodrigo Esteves de Oliveira, ob. cit., pág. 490).
Assim, porque para ser adjudicatário o concorrente tem de ser titular do alvará legalmente exigido logo no momento em que apresenta a sua proposta e não apenas na fase de habilitação, é irrelevante que, no caso em apreço, os AA. tenham demonstrado essa titularidade ainda antes da adjudicação.
Quanto às consequências da falta da habilitação imposta por lei para a execução das prestações contratuais no momento da apresentação da proposta que seja detetada antes da adjudicação, ainda que já tenha sido obtida quando este acto é praticado, entendemos que se impõe a exclusão da proposta do concorrente faltoso, pelas razões referidas por Mário Esteves de Oliveira - Rodrigo Esteves de Oliveira quando escrevem (cf. ob cit, págs. 491 e 492):
“É que, a entender-se de outro modo, isso significaria que, mesmo sabendo a entidade adjudicante e até, oficialmente, que determinado ou determinados concorrentes não preenchem os requisitos necessários para concorrer, teria porventura que ordená-los nos primeiros lugares das respectiva grelha, adjudicar o direito ao contrato ao primeiro deles, notifica-lo para os diversos efeitos do art. ° 77.°, sabendo sempre que ele não podia dar cumprimento à exigência de apresentação dos documentos de habilitação, por se tratar de pessoa, entidade ou agrupamento inabilitado - ou que, pelo menos, o era no momento da apresentação da respectiva proposta - e sabendo portanto que, quando se esgotar o prazo para a apresentação desses documentos, ao que haverá lugar é a uma decisão de caducidade da adjudicação proferida, não à celebração do contrato adjudicado.
E se se soubesse oficialmente que o concorrente autor da proposta subsequentemente ordenada também padecia da mesma ou de qualquer outra causa de inabilitação, a entidade adjudicante teria à mesma que proceder a igual mascarada, decidindo inutilmente a favor dele a adjudicação subsequente (a que se refere o art.° 86. °/4).
Tudo isto, muito provavelmente, em prejuízo do prazo de manutenção das propostas que continua sempre a correr, e que pode fazer com que, quando a entidade adjudicante finalmente proceder a uma adjudicação subsequente a favor de concorrente habilitado, este invoque o direito de a recusar conferido pelo art.° 76°/2 do Código.
E a hipótese ainda poderia agravar-se se o procedimento passasse por uma fase inicial de pré-qualificação, o que faria com que todas as demoras e danos se tornassem ainda maiores, estendendo-se por mais tempo e formalidades.
Tudo isto, todos estes prejuízos causados à segurança, à celeridade e à eficiência do procedimento de contratação pública - que são aliás valores acarinhados pelo “super” legislador do CPA, como resulta dos seus art°s. 10.° e 57.° - esses danos à própria utilidade do procedimento, isto é, à possibilidade de celebração de um contrato ao seu abrigo, tudo isto, interrogamo-nos, em nome de quê afinal?
Ao que julgamos, em nome de quase nada, pois são inexistentes as vantagens da tese que sustente não ser admissível a exclusão atempada das propostas de concorrentes reconhecidamente inabilitados, deixando-as assim perdurar no procedimento até se chegar ao momento pós- adjudicatário da necessidade de comprovação da titularidade dos requisitos de habilitação legal ou procedimentalmente exigidos.
Assim, o entendimento que a proposta das AA. não poderia ser excluída quando o órgão adjudicante está em posição de o determinar por ela ser insuscetível de aproveitamento ou regularização, implicaria que sobre este recaísse um dever de aceitar e de eventualmente adjudicar o contrato a uma proposta ilegal, o que seria incompreensível e contrário ao dever de a Administração se nortear por critérios de eficiência, economicidade e de celeridade (cf. art°s. 5.°, n.° 1 e 59.°, ambos do CPA, aprovado pelo DL n.° 4/2015, de 7/1) e de, consequentemente, não praticar actos inúteis” - destaque nosso.
Tendo presente o argumentário desenvolvido pela ED e pela CI em defesa da sua tese, importa, ainda, chamar à colação o conhecido e invocado Acórdão do STA, de 14-01-2021, proferido no processo n.° 0955/19.1BEAVR, que se transcreve:
“E, quanto à questão de saber desde quando é que o adjudicatário tem de ser titular das habilitações necessárias à execução do contrato, não restam dúvidas de que o terá de ser ab initio, ou seja dentro do prazo fixado para a apresentação das propostas, sob pena de violação do princípio da intangibilidade das propostas.
Não as possuindo e pretendendo de prevalecer-se das habilitações de entidade terceira, teria a A/recorrida de ter junto igualmente ab initio, uma declaração de compromisso que identificasse os terceiros subcontratados e habilitados para esse efeito.
Esta posição, referente à titularidade ab initio, no sentido de que não pode aceder a um procedimento quem não detiver à data da apresentação da proposta (ou das candidaturas), os requisitos de habilitação exigidos, é assumida pela doutrina, como referem M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira in “ Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública”, págs 495 e 496.
Quanto à possibilidade de subcontratação, se é certo que não pode ser excluída a possibilidade de recurso a terceiros titulares da habilitação (subcontratação), também não é menos certo que têm os mesmos de ser indicados na proposta pois terão de ser eles a assegurar o contrato na parte em que este exige a titularidade da habilitação.
É o que resulta legalmente previsto no art° 2°, n° 2 da Portaria n° 372/2017 que refere que “para efeitos de comprovação das habilitações (...), o adjudicatário pode socorrer-se das habilitações profissionais de subcontratados, mediante a apresentação de declaração através da qual estes se comprometam, incondicionalmente, a executar os trabalhos correspondentes às habilitações deles constantes”, só assim se preenchendo os requisitos exigidos em termos de capacidade técnica e financeira necessários para a execução integral do contrato.
Neste sentido, cfr. Pedro Gonçalves, in “Direito dos Contratos Públicos”, 2ª ed., Vol. I, págs 682 e 683, quando expressamente refere:
«É isso exatamente - essa possibilidade de mobilização de habilitações de terceiras entidades (em relação ao concorrente) - o que ocorre nos procedimentos de formação de contratos de empreitada ou de concessão de obras públicas. Assim, nos termos do artigo 20°, n° 3, do Regime Jurídico da Atividade da Construção, “a empresa subcontratante aproveita das habilitações detidas pelas empresas subcontratadas”. Na sequência, a Portaria n° 372/2017, estabelece que a comprovação das habilitações para executar as obras “o adjudicatário pode socorrer-se dos alvarás ou certificados de empreiteiros de obras públicas de subcontratados, mediante a apresentação de declaração através da qual estes se comprometam, incondicionalmente, a executar os trabalhos correspondentes às habilitações deles constantes” (artigo 3°, n°2). (...)”.
Assim, não assistia à A/recorrida a possibilidade de, a qualquer momento, obter habilitação para a classe necessária, como veio a fazê-lo [cfr. al. AG da factualidade assente], e nem sequer poderia subcontratar entidades que tivessem a necessária habilitação, uma vez que não apresentou em tempo devido, a imprescindível declaração de compromisso nesse sentido. Ao invés, o que se constata é que a A/recorrida declarou expressamente que não pretendia recorrer à subcontratação [al. H) da factualidade assente].
Deste modo, ser atendível um alvará obtido ou junto posteriormente ao prazo que vem referido, geraria como já disse, uma violação do princípio da intangibilidade das propostas” - sublinhado nosso.
No caso que nos ocupa, tal como no caso apreciado pelo STA, que aqui acompanhamos, não assistia às CI a possibilidade de, a qualquer momento, obter a habilitação legal para a categorias e subcategorias necessárias, como veio a fazê-lo [cf. alíneas J) e N) da factualidade assente], e nem sequer poderia subcontratar entidades que tivessem a necessária habilitação (como parece ser o entendimento das CI na sua contestação), uma vez que não apresentou em tempo devido, i.e., com a proposta, a imprescindível declaração de compromisso nesse sentido.
Sendo que estas afirmações são válidas para a fase de formação do contrato (fase pré-contratual), não se está aqui a discutir a sua fase de execução e eventual subcontratação.
Como referido, sobre esta exigência da entrega da declaração de compromisso logo com a apresentação da proposta, importa considerar a jurisprudência que dimana do recentíssimo Acórdão do STA, de 09-02-2023, P. 025/21.2BEPRT (disponível em www.dgsi.pt), que se transcreve:
“2.2.1.2. No essencial, a questão há de resolver-se a partir da resposta antes formulada em último lugar, a qual se prende com o problema de saber se quando um concorrente, no âmbito de um concurso público (e não de um concurso limitado por prévia qualificação) apresenta um terceiro (empresa auxiliar) a cujas capacidades técnicas pretende recorrer para fornecer parte do serviço, está ou não obrigado a apresentar, juntamente com a proposta, os documentos de habilitação desse (futuro) subcontratado e a declaração do respectivo subcontratado de que se vincula à execução daquela parte do serviço.
A questão é relevante e duvidosa à luz do direito nacional. É que, é verdade, por um lado, como se destaca no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 18.11.2021 (proc. 0452/20.2BEALM), que a entidade adjudicante não deve poder exigir requisitos que não constam da lei - leia-se do CCP - nem do programa do concurso.
Isto significa, segundo aquele aresto, que, se nada resultar em contrário do programa de concurso, quer a habilitação do subcontratado, quer a sua declaração de compromisso face à execução da parte da prestação, apenas podem ser exigidos após a adjudicação, como resulta do artigo 2.°, n.° 2 da Portaria n.° 372/2017 e dos artigos 77.°, n.° 2, als. a) e c), 81.°, 92.° e 93.° do CCP. A exigência no momento da apresentação da candidatura parece estar assim reservada, à luz do direito nacional - das regras do CCP - para os casos de concurso limitado por prévia qualificação, conforme o disposto no n.° 4 do artigo 168.° do CCP.
Porém, o artigo 63.° da Diretiva 2014/24/UE aparenta impor uma regra diferente, na medida em que considera que o recurso por parte do operador económico às capacidades de outras entidades, independentemente do tipo de procedimento em causa, impõe àquele que faça prova junto da autoridade adjudicante de que irá dispor dos recursos necessários para o efeito, por exemplo, através da apresentação de uma declaração de compromisso dessas entidades auxiliares ou subcontratadas (artigo 63.°, n° 1, §1° in fine).
E no mesmo sentido parece apontar também o acórdão RAD do TJUE, de 3.6.2021, exarado no processo C-210/20, que, convocando o princípio da proporcionalidade, destaca que a apresentação dos elementos respeitantes aos subcontratados conjuntamente com a proposta inicial consubstancia um afloramento dos princípios da igualdade de tratamento e da transparência, essenciais à correta operacionalidade da concorrência na avaliação das propostas, para depois concluir que, se o subcontratado não preencher os requisitos legalmente exigidos para poder ser parte num contrato público, o mesmo deve ser excluído. O aresto do TJUE acrescenta ainda que o proponente há de poder fazer substituir o dito terceiro auxiliar na execução do contrato, a convite da entidade adjudicante, desde que essa substituição não altere o teor da proposta apresentada, o que pode vir a ser prejudicado pela “subcontratação” em momento posterior.
No diapasão daquela jurisprudência, afigura-se-nos que uma interpretação das regras do direito nacional - das regras do CCP - segundo a qual, nos procedimentos de concurso público, quer os documento de habilitação do subcontratado, quer a sua vinculação à execução da parte do serviço que consta da proposta, apenas são exigidos após a adjudicação, pode bulir, quer com a regra do artigo 63.° da Diretiva 2014/24/UE, quer com os princípios da igualdade de tratamento e da transparência, enquanto dimensões de efetivação do princípio da concorrência na avaliação das propostas em concurso, tal como os mesmos foram configurados pelo legislador europeu da contratação publica.
Por esta razão, antes de prosseguir, havendo dúvidas sobre a correta interpretação do disposto nos artigos 77.°, n.° 2, als. a) e c), 81.°, 92.°, 93.° e 168.°, n.° 4 do CCP, este STA decidiu suspender a instância e formular a seguinte questão ao TJUE:
É conforme com o direito da União, em especial com o disposto no artigo 63.° da Diretiva 2014/24/UE, a solução do direito nacional segundo a qual, nos procedimentos de concurso público em que haja recurso às capacidades de outras entidades para executar a prestação, quer os documentos de habilitação do subcontratado, quer a apresentação de uma declaração de compromisso deste, apenas têm de ser exigidas após a adjudicação?
2.2.2. Por decisão de 10.01.2023, do Tribunal de Justiça da União Europeia, exarado processo C-469/22, foi esclarecido que: “O artigo 63.°da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE, lido em conjugação com o artigo 59.° e o considerando 84 desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que: se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual um operador económico que pretenda recorrer às capacidades de outra entidade para a execução de um contrato público apenas deve transmitir os documentos de habilitação dessa entidade e a declaração de compromisso desta última após a adjudicação do contrato em causa”
(...). Assim, não restam dúvidas de que a decisão adoptada pelas instâncias é correta. Com efeito, resulta da decisão do TJUE antes enunciada que o artigo 70.°, n° 2, al. a) do CCP tem de ser interpretado em conformidade com o disposto no artigo 63.° da Diretiva 2014/24/UE e, nesse sentido, é de excluir uma proposta em que o operador económico pretende recorrer às capacidades de outra entidade para a execução de um contrato público e não apresenta, conjuntamente com a proposta, os documentos de habilitação dessa entidade e a declaração de compromisso da mesma, ou seja, não faz prova de que “irá dispor dos recursos necessários para cumprir os critérios de seleção enunciados” e não permite que a entidade adjudicante verifique (em conformidade com os artigos 59.° a 61.° da Diretiva 2014/24/UE) se essas entidades a que o operador económico pretende recorrer cumprem os critérios de seleção relevantes e se existem ou não motivos de exclusão das mesmas (nos termos do artigo 57.° da referida Diretiva). Estas verificações têm, necessariamente, que ser prévias à adjudicação do contrato.
Aliás, a decisão do TJUE esclarece que esta exigência não é sequer um trâmite burocrático complexo, pelo que a sua exigibilidade como elemento de admissibilidade das propostas não é desproporcionado nem desrazoável no plano da garantia do princípio da concorrência, uma vez que o operador económico pode apresentar um Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP), constituído por uma autodeclaração atualizada para, a partir dela, se verificar o cumprimento dos requisitos do artigo 57.° da Diretiva 2014/24/UE, sem prejuízo de a entidade adjudicante, a qualquer momento, poder exigir os documentos comprovativos que considere pertinentes” - sublinhado nosso.
No caso, como referido, nos DEUCP apresentados e que integram a proposta das CI, conforme se extrai das alíneas F) e G) dos Factos Provados, relativamente a cada uma das empresas que compõe o Consórcio, [SCom03...], LDA. e [SCom02...] LDA., questionadas sobre se “o operador económico tem a intenção de subcontratar alguma parte do contrato a terceiro?” a resposta foi: “Não”.
As CI é que na sua contestação invocam o argumento do recurso à subcontratação, que, na verdade, não é confirmado pela ED que não só afirmam que “o Consórcio nunca pretendeu recorrer a subcontratação para assegurar as habilitações exigidas, nunca o tendo indiciado, nem sendo a mesma, sequer, necessária”, como também que “não tendo o Consórcio, com a apresentação da declaração outorgada pela empresa [SCom05...], Lda., pretendido transmitir à [SCOM01] que recorreria a subcontratação para efeitos de habilitação, // mas apenas salvaguardado a eventualidade de a subcontratação da referida empresa se revelar necessária durante a fase de execução do contrato”.
Conjugados os elementos dos alvarás que se extraem das alíneas D) e J) dos Factos Provados, confirmando-se que as CI, à data da apresentação das propostas, não detinham as habilitações legais necessárias à execução dos trabalhos de empreitada que se revelassem necessários, em conformidade com as categorias e subcategorias de alvará exigidas no artigo 27.° do PP - o que, em rigor, não foi posto em causa nos autos pela ED e pelas CI nas suas contestações - e que, de qualquer forma, nem sequer poderiam subcontratar entidades que tivessem a necessária habilitação, uma vez que não apresentaram, com a sua proposta, a declaração de compromisso nesse sentido, então, a sua proposta deveria ter sido excluída do concurso em apreciação nestes autos.
O alvará a que se alude na alínea N) da Matéria de Facto, não permite beliscar o acima expendido, pois é de 17-03-2023, que se refere a uma data que é posterior à data do ato de adjudicação (que é de 16-03-2023), portanto, posterior à data da apresentação da sua proposta.
Sendo que lida e relida toda a documentação produzida no procedimento concursal, como ainda a contestação apresentada pelas CI e os argumentos de defesa que aqui apresentam, em lado nenhum afirmam que à data da apresentação da sua proposta - reafirma-se, que é essa que interessa para o preenchimento do requisito de habilitação (não estando aqui em causa o momento da prova) - detinham a habilitação exigida no artigo 27.° do PP, como era seu ónus alegar e demonstrar. Sendo que se era sua intenção, já na fase de formação do contrato, subcontratar a execução de determinados trabalhos a terceiros (como alegam na contestação, ainda que nos DEUCP que integram a proposta tenham referido que “Não”) tinham não só de manifestar de forma clara essa intenção, como, ainda, de apresentar, com a sua proposta, designadamente, a declaração de compromisso nesse sentido.
Destarte, o ato de adjudicação posto em crise nestes a autos não se pode manter na ordem jurídica, devendo ser, por isso, anulado.
Nessa decorrência, atento o pedido condenatório formulado pela Autora, deve a proposta das CI ser excluída do procedimento concursal em apreço e, em consequência, deve o júri reordenar as propostas (tendo presente a graduação das propostas admitidas, já apreciadas em face do critério de adjudicação fixado no Concurso), e proceder à adjudicação do contrato em conformidade (que será à proposta da Autora) (…)”.
28. Vêm agora as Recorrentes, por intermédio dos recursos em análise, colocar em crise a decisão judicial assim promanada, impetrando-lhe diversos erros de julgamento de direito.
29. Realmente, clama a Recorrente [Scom01] que “(…) é absolutamente lícito o preenchimento dos requisitos de habilitação profissional apenas na fase de habilitação (…) Malgrado o exposto, o Tribunal a quo deu prevalência ao seu entendimento subjetivo – lamentavelmente refletido em sede doutrinal e jurisprudencial –, em detrimento da lei (…)”,
30. Já as Recorrentes [SCom02...] e [SCom03...] consideram “(…) que as Adjudicatárias, em sede de habilitação, no prazo de 05 (cinco) dias a contar da data de notificação da adjudicação [conforme imposição prevista conjugadamente no artigo 27.º n.º 1 h) e n.º 2 do PP] apresentaram os documentos do hipotético subcontratado, demonstrando as respetivas habilitações legais para o efeito, conforme Factos Provados O) e P), pelo que a respetiva Proposta não pode ser excluída (…)”, sendo assim “(…) evidente o erro de julgamento que impõe a revogação da sentença recorrida, admitindo-se a Proposta e, em consequência, julgando-se válido o ato impugnado (…)”.
31. Podemos, desde já, adiantar que assiste inteira razão às Recorrentes nos recursos jurisdicionais em análise.
32. Na verdade, é nosso entendimento que a aplicação do pensamento jurisprudencial convocado na sentença recorrida - cuja bondade decisória, diga-se, é racional e inatacável -, mostra-se claramente desajustado ao casuísmo emergente dos presentes autos.
33. Expliquemos pormenorizadamente esta nossa convicção, referindo que, por força do preceituado nos artigo 85º e 86º do C.C.P, as habilitações profissionais exigidas por lei ou pelas peças do procedimento só terão de ser cumpridas na fase da habilitação.
34. Tal não significa, porém, que os concorrentes não possam ser excluídos com fundamento na falta de titularidade do alvará legalmente exigido logo no momento em que apresenta a sua proposta.
35. Na verdade, dispõe o nº. 4 do artigo 132º do CCP que: “(…) O programa do concurso pode ainda conter quaisquer regras específicas sobre o procedimento de concurso público consideradas convenientes pela entidade adjudicante, desde que não tenham por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência (…)”.
36. Quer isto tanto significar que a entidade adjudicante tem cobertura legal para impor certas regras procedimentais, como seja, a exigência da apresentação do alvará ou o título de registo emitido pelo IMPIC aquando da submissão da proposta, desde logo, como uma forma de evitar a adjudicação a um concorrente que não esteja devidamente habilitado.
37. Contudo, para que o candidato possa ser excluído com fundamento na falta de titularidade do alvará legalmente exigido logo no momento em que apresenta a sua proposta, mister é que as peças concursais contenham tal previsão regulamentar.
38. Ora, é neste enquadramento material que tem aplicação a linha jurisprudencial assumida na sentença recorrida.
39. Porém, esse não é seguramente o caso dos autos.
40. De facto, escrutinado o teor das peças concursais, não se descortina a imposição da necessidade de apresentação do alvará ou o título de registo emitido pelo IMPIC aquando da submissão da proposta pelos concorrentes, sob pena de exclusão da mesma.
41. Realmente, em bom rigor, o que dali se extrai é a afirmação da regra geral prevista nos artigos 85º e 86º do C.C.P, no sentido de que os documentos de habilitação, mormente o alvará ou o título de registo emitido pelo IMPIC, devem ser entregues pelo concorrente na fase de adjudicação.
42. Tal é o que inequivocamente abunda da normação vertida nos artigos 14º e artigo 27º do Caderno de Encargos, cujo teor ora se acompanha:“(…)
Artigo 14.º
Documentos que Integram a Proposta
1. A proposta deve ainda incluir os seguintes elementos documentais, cuja apresentação é obrigatória:
a) Documento Europeu Único de Contratação Publica (DEUCP);
b) Documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar e dos aspetos da sua
execução submetidos à concorrência pelo Caderno de Encargos, contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a contratar (proposta detalhada),
designadamente:
i. Proposta de preço elaborada de acordo com o modelo de Proposta - Anexo II ao presente Programa de Concurso;
ii. Indicação do preço mensal, por instalação, no que concerne a serviços de manutenção preventiva, cuja soma deverá coincidir com o preço global proposto de manutenção preventiva no modelo de Proposta – Anexo II ao Programa de Concurso;
iii. Memória descritiva da prestação de serviços, devidamente detalhada e acompanhada de evidências relevantes relativas à metodologia de trabalho e plano de mão de obra, considerando os aspetos de execução do contrato submetidos à concorrência, previstos para o fator valia técnica do critério de adjudicação.
(…)
Artigo 27.º
Documentos de Habilitação
1. O Adjudicatário deve entregar, no prazo de 05 (cinco) dias a contar da data de notificação da adjudicação:
a) Declaração emitida conforme o modelo constante no Anexo I ao presente Programa de Concurso (Declaração para Habilitação);
b) Documento comprovativo da sua situação regularizada relativamente a contribuições para a segurança social em Portugal ou, se for o caso, no Estado de que sejam nacionais ou no qual se situe o seu estabelecimento principal, nos termos da alínea d) do art.º 55.º do CCP;
c) Documento comprovativo da sua situação regularizada relativamente a impostos devidos em Portugal ou, se for o caso, no Estado de que sejam nacionais ou no qual se situe o seu estabelecimento principal, como definido na alínea e) do art.º 55.º do CCP;
d) Certificado de registo criminal, ou documento equivalente, do próprio no caso de pessoas em nome individual, ou dos titulares dos órgãos sociais de administração, direção ou gerência em efetividade de funções e da própria pessoa coletiva, no caso de entidades coletivas, como previsto na alínea b) e h) do art.º 55.º e do art.º 83.ºA do CCP, com a inscrição no fim a que se destina “Contratação Pública”;
e) Declaração de início de atividade, no caso de se tratar de pessoa em nome individual;
f) Documento comprovativo de registo no Portal Nacional de Fornecedores do Estado, se aplicável;
g) No caso de se tratar de empresas sem sede e direção efetiva em Portugal, o Adjudicatário deve apresentar, ainda, o respetivo comprovativo de inscrição em lista oficial de prestadores de serviços de qualquer Estado signatário do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu que revele a titularidade das habilitações adequadas e necessárias à execução das prestações objeto do contrato a celebrar, nos termos do n.º 3, do art.º 2.º da Portaria n.º 372/2017, de 14.12;
h) O alvará ou o título de registo emitido pelo IMPIC, contendo as habilitações adequadas e necessárias à execução das obras a realizar, para as seguintes categorias, subcategoria e tendo como mínimo as seguintes classes: [destaque nosso];
(…)
i) Comprovativo de entidade registada ao abrigo da Portaria N.º 773/2009 (SCIE);
j) Comprovativo de Autorização como Entidade Instaladora de Redes de Gás (EIRG) (…)”.
43. Nesta esteira, é de manifesta evidência que a concorrente [SCom02...]/[SCom03...] não podia ser excluída do procedimento concursal visado nos autos com fundamento na falta de apresentação do alvará ou o título de registo emitido pelo IMPIC aquando da submissão da respetiva proposta, por falta de expressa previsão legal ou regulamentar nesse sentido.
44. E também não podia ser declarada a caducidade da adjudicação do procedimento concursal à concorrente [SCom02...]/[SCom03...].
45. De facto, o probatório coligido nos autos é inequívoco na afirmação de que, em sede de habilitação, a concorrente [SCom02...]/[SCom03...] submeteu os documentos relativos ao (i) seu alvará de empreiteiro com as autorização necessárias; à (ii) declaração de compromisso do terceiro contratado e (iii) respetivo alvará de empreiteiro, demonstrando, assim, possuir todos os requisitos necessários à adjudicação.
46. O que serve para atingir a inviabilidade de aplicação da sanção de caducidade da adjudicação prevista para os casos de não apresentação dos documentos de habilitação na fase, prazo e forma legalmente previstas [cfr. artigo 86º do CCP].
47. Não se antolham, portanto, por tudo o quanto ficou aqui exposto, quaisquer fundamentos válidos para desintegrar juridicamente a decisão da Administração de adjudicação do procedimento concursal visado nos autos nos termos e com o alcance que se mostram explicitados no ato impugnado.
48. Pelo que não se pode deixar de concluir que, neste particular conspecto, não andou bem a MMª. Juiz a quo julgar de forma diversa.
49. Assim deriva, naturalmente, que se impõe conceder provimento ao presente recurso, devendo-se revogar a decisão judicial recorrida, e julgar totalmente improcedente a presente ação administrativa.
Ao que se provirá em sede de dispositivo.
* *

* *
IV – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO a ambos os recursos interpostos, revogar a sentença recorrida e julgar a presente ação totalmente improcedente.
Custas pela Recorrida.
Registe e Notifique-se.
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Porto, 04 de agosto 2023,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Alexandra Alendouro
Celeste Oliveira