Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00215/09.6BEMDL |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 04/16/2015 |
| Tribunal: | TAF de Mirandela |
| Relator: | Paula Moura Teixeira |
| Descritores: | IVA FATURAS FALSAS FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO ERRO DE QUALIFICAÇÃO E QUANTIFICAÇÃO ÓNUS DA PROVA DÚVIDA FUNDADA |
| Sumário: | I. Quando a Administração Tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transação. II. Dispõe o artigo 100º, nº1 do CPPT que sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado. Tal mais não é que a aplicação ao processo judicial da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário, constante do artigo 74º, nº1 da LGT (idêntica à regra prevista no nº1 do artigo 342º do CC), nos termos da qual o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração e dos contribuintes recai sobre quem os invoque.* * Sumário elaborado pelo Relator. |
| Recorrente: | Fazenda Pública |
| Recorrido 1: | M... |
| Decisão: | Negado provimento ao recurso |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO 2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
2.6 Informação remetida pela DDE do Porto, junto da Ordem de Serviço // Os serviços de Inspecção Tributária do Porto, levaram a efeito uma acção de inspecção, ao sujeito passivo Construções Ó… (…) No decurso da acção inspectiva (...) efectuada para o exercício de 2002, efectuada à firma Construções Ó... (...) apurou-se terem sido emitidas facturas para M... (...) no valor de 261.018,78 €, que se encontram suportadas por subcontratos, documentadas com facturas emitidas pela D... (...) tendo sido apurados indícios de não corresponderem a transacções reais, quer as facturas emitidas para M..., quer as facturas emitidas pela D... (...) // Mas facturas emitidas para “M...” foram mencionadas obras que constam das facturas “D...” //Não tendo a empresa, mão-de-obra que lhe permitisse facturar a totalidade dos serviços mencionados nas facturas emitidas a clientes, já que as facturas da “D...” não correspondem a transacções reais (...) // Expurgando-se da rubrica Subcontratos, o montante de 410.400,00€, que correspondem às facturas da “D...” (...) verifica-se que a empresa “ Construções Ó... (...) não possui capacidade suficiente para efectuar as obras correspondentes aos valores totais facturados, o que indicia a emissão de facturas que não correspondem a transacções reais (...) //2. 7 Factor ocorridos no decurso da acção de inspecção // 2. No decurso da acção de inspecção, deslocamo-nos à Quinta da E... e verificamos a existência de alguns muros construídos, cuja cubicagem e data exacta de construção não nos é possível confirmar (...) 3. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL // 3.1 IVA - dedução indevida de IVA //1. Verifica-se que no ano de 2002, foram facturados ao sujeito passivo pelas Construções Ó... (...) o montante de 261.018,78€, dos quais 222.315,36 € correspondem a serviços prestados e 38,703,42 € a IVA liquidado, que o sujeito passivo deduziu, com base nos facturas n.°s 25 e 32 referidas (...) 3. Pelo exposto, estão apurados fortes indícios de que o IVA que a “D...” facturou às Construções Ó... no montante de 26.750,00€, no ano de 2002, não correspondem transacções reais, quer da “D...” para as Construções Ó... (...) e que esta última repercutiu ao sujeito passivo em análise, pelo que estamos perante dedução indevida do mesmo. // 3.2 Subsídios// 1. Conforme referido, o sujeito passivo recebeu no ano de 2002 o montante de 229.902,18 €, por subsídio ao investimento, para construções de vários muros, Estamos perante vários muros e não apenas um, de tal forma que o IFADAP lhe entregou a referida importância, por ter considerado que os mesmos se encontravam construídos. independentemente de o sujeito passivo considerar os muros concluídos em obra (imobilizado) em curso, estava obrigado a incluir na base tributável o limite mínimo a que proporcionalmente corresponder á quota mínima de reintegração ou amortização, nos termos do art. n.° 6 do art.° 29.º do CIRC (nº 2 do art.° 22º do CIRC)//2. Neste sentido, o sujeito passivo estava obrigado a acrescer ao lucro tributável (que não fez) 50% do valor correspondente ao valor do subsidio recebido no ano de 2002, ou seja, ao valor de 229.902,18 € aplicaria uma taxa de *5% (...) e considerando a quota mínima que corresponderia a 50% do referido montante ou seja 5.747,55€ (229.902,18 *5%*50%)”; 4. Em data não alegada o Impugnante é notificado das liquidações adicionais de IVA relativas aos 2.º e 3.º trimestres do ano de 2002, no valor de, respectivamente, 22.950,00€, 3.800,00€ e respectivos juros compensatórios de 4.287,56€ e 643,61€. 5. Em 26/3/2007 o Impugnante deduziu reclamação graciosa - Fls. 1 a 39 do PA 6. Por despacho de 30/5/2007 a reclamação foi indeferida — Fls. 48 do PA; 7. Em 20/6/2007 o Impugnante deduziu recurso hierárquico — fls. 1 a 17 dos “Autos de Recurso Hierárquico” inserido no PA; 8. Em 1/4/2009 o recurso foi indeferido — Fls. não numeradas no PA, a que corresponde A/R; 9. O Impugnante desenvolve uma actividade agrícola na Quinta da E...; 10. Esta Quinta está situada na Região Demarcada do Douro e destina-se a produção de uva. 11. No ano de 2001 verificaram-se várias e fortes intempéries na região em causa, nomeadamente fortes chuvadas que provocaram movimentação de terras e destruição de muros de suporte dos socalcos da vinha; 12. A Quinta da E... foi gravemente afectada por essas condições climatéricas desfavoráveis; 13. Essa circunstância originou um significativo encargo com a reconstrução dos muros; 14. Esses custos foram objecto de ajudas a cargo de entidades públicas, designadamente do IFADAP — Fls. 27 a 31 dos autos; 15. O IFADAP acompanhou, verificou e comprovou a construção e reparação dos muros sitos na Quinta da E... — 35 a 39 dos autos; 16. O impugnante não tinha condições para com os seus próprios meios proceder aos referidos trabalhos. 17. Por ser assim, teve de se socorrer da prestação de serviços por terceiros. 18. O sujeito passivo Construções Ó... Sociedade Unipessoal, Lda foi o principal fornecedor; 19. O Impugnante pagou a esta sociedade o total de 326.457,45 €, através dos cheques identificados no doc. n.° 3 da PI, e que aqui se dá por reproduzido; 20. As obras e os respectivos custos foram atestados e confirmados pelo IFADAP — Fls. 35 a 39 dos autos. 21. Em 23/2/2007 o Impugnante procedeu ao pagamento das liquidações impugnadas — fls. 62 e 63 Para a prova destes factos fundamentei-me nos identificados documentos juntos aos autos e no depoimento das testemunhas, que, por terem participado nos acontecimentos a que dizem respeito (Ó…) e considerando a profissão que exerce (A…— economista), demonstraram conhecer bem os factos a que foram inquiridas.(…)” 4. DO JULGAMENTO DE DIREITO
Do relatório de Inspecção consta que a Direção de Finanças do Porto fez uma inspeção Construções Ó... Soc. Unip. Lda, emitente das faturas n.º 25 e 32. Há que referir que o relatório de inspeção ao Recorrido cita o relatório efetuado e ainda baseia-se em factos conhecidos pela Inspeção acerca de sociedade “Dois Bloco” não existindo nos autos nem no Processo Administrativo apenso, qualquer documento que suportem esta averiguações, não sendo possível ao tribunal apreciá-las no seu contexto. Refere que as faturas emitidas por sociedade Ó..., estão suportadas com faturas emitidas pela D... – Sociedade de Construções Unipessoal, Lda., tendo concluído que não correspondem a transacções reais, quer as faturas emitidas para M... quer as faturas emitidas pela D.... Consta ainda do referido relatório que foram recolhidos indícios na Construções Ó... verificando que no anexo P da Declaração anual constava a D... com um montante de 483 615,00 €, no ano de 2002 e que existem indícios seguros que D... – Sociedade de Construções Unipessoal, Lda., é emitente de faturas falsas. Apurou ainda que sociedade Ó..., em 2002 tinha cerca de 10 trabalhadores, que o volume de negócios, foi de 548 451,36 € . Tendo concluído que não tendo a empresa mão-de-obra que lhe permitisse faturar a totalidade dos serviços mencionados nas faturas emitidas aos clientes, já que as faturas de D... não correspondem a transacções reais. Relativamente ao emitente das faturas a administração não imputa indícios seguros da falta da prestação dos serviços, somente refere que esta não tem mão-de-obra suficiente para prestar os serviços. O relatório citando, o relatório de inspeção efetuado supostamente da sociedade Construções Ó... Soc. Unip. Lda, refere que se basearam ainda em “FACTOS CONHECIDOS DA INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA, ACERCA DO EMITENTE “D...” referenciando a inexistência jurídica da sociedade, comportamento fraudulento do sócio, que a sociedade não teve qualquer pessoal produtivo, que só foram inscritos na folhas de remuneração da segurança social para dar credibilidade às faturas, inexistência de capacidade material e humana para prestar o serviço, a emissão das faturas não tem ordem sequencial, a existência de apólices de seguros de acidentes de trabalho AXA, que nunca foram pagos, nem qualquer prémio de seguro, carências económicas do sócio gerente, com recente atribuição de habitação social e rendimento mínimo garantido, entre outras fundamentos. Concluiu a administração fiscal que a faturas emitidas por “D...” não correspondem a transacções reais, que se trata de um mero negócio de faturas falsas, em que o sócio não terá tido conhecimento da totalidade das faturas emitidas. E concluíram que quanto às faturas emitidas para M..., que as Construções Ó... Unipessoal, Lda., não possui capacidade produtiva para a realização dos trabalhos facturados, documentando-se em faturas falsas. A Inspeção deslocou-se à Quinta da E... e verificaram a existência de alguns muros. Analisados os indícios relativamente ao emitente das faturas - Construções Ó... Unipessoal, Lda.,- a administração fiscal apenas refere que tem ao seu serviço 10 trabalhadores que em 2002 teve um volume de negócios no valor de 548 451,36 €, e conclui que a empresa não tem mão-de-obra suficiente para realizar as obras faturadas. Estes indicadores – tal como se encontram apresentados são insuficientes para concluir que as faturas em causa não titulam serviços prestados. Com efeito estes indícios, relativos as Construções Ó... Unipessoal, Lda. e a D..., são completamente estranhos ao Recorrido e nenhum deles, mesmo analisado individualmente e em concatenação com os demais, não são suficientes para que se possa ter por fortemente indiciado que as faturas que aquele contabilizou não correspondem a serviços prestados pelo seu emitente. O tribunal a quo na sentença recorrida refere que “(…) Como vimos pelos fados provado, o Impugnante teve significativo encargo com a reconstrução dos muros afectados pelas condições climatéricas desfavoráveis verificadas na Quinta de que é proprietário. Estes custos foram objecto de ajudas a cargo de entidades públicas, designadamente do IFADP. Este Instituto acompanhou, verificou e comprovou a construção e reparação dos muros que, não tendo o Impugnante condições para com os seus próprios meios proceder aos referidos trabalhos, teve de se socorrer da prestação de serviços por terceiros, designadamente, as Construções Ó... Sociedade Unipessoal, Lda. Estas obras e os respectivos custos foram atestados e confirmados pelo IFADAP, que, também de acordo com a inspecção Tributária, “lhe entregou a referida importância, por ter considerado que os mesmos se encontravam construídos”. A AT chega á conclusão de negócio simulado, não pela análise dos movimentos da Impugnante, ou pela falta deles, mas pela conclusão de que as Construções Ó... Sociedade Unipessoal, Lda. da não teria capacidade suficiente para efectuar as obras correspondentes aos valores totais facturados, apesar de ter verificado que os muros em causa estavam construídos ou reconstruídos. Portanto trata-se de uma questão que se prende com a convicção da AT que não traduz a realidade dos factos. (…)” A sentença recorrida entendeu que a Recorrente não cumpriu o ónus a que estava obrigada, pois não apresentou indícios suficientes para se poder concluir pela simulação das faturas. Reapreciada e analisada, toda a prova produzida, bem como o depoimento das testemunhas inquiridas, não é suficiente para formar a convicção, que as faturas constantes na contabilidade do Recorrido emitidas por Construções Ó... Sociedade Unipessoal, Lda., não correspondem a verdadeiras prestações de serviços motivo por que não existem razões para alterar o decidido pela 1.ª instância. Importa referir que de todo o relatório de fiscalização não se extrair um único facto suscetível de demonstrar que o Recorrido simulou negócios com o propósito de se subtrair ao pagamento do imposto. Tem a jurisprudência dos tribunais superiores entendido que não é necessário que a administração tributária prove os pressupostos da simulação, sendo bastante a prova dos elementos indiciários que levem a concluir nesse sentido, isto é, indícios sérios e objetivos, que traduzam uma probabilidade elevada de as faturas em causa não corresponderem a operações reais (cfr. acórdão deste tribunal n.º 00415/04 de 29.09.2005 disponível in www.dgsi.pt). Pelo que a administração tributária não tem que demonstrar que o sujeito passivo declarou em conluio com o vendedor uma aquisição com o intuito de enganar o fisco, mas apenas que recolher indícios consistentes de que a aquisição declarada pelo sujeito passivo não se verificou e que daí deriva prejuízo para o fisco. Ora no caso em apreço, não há consistência dos indicadores recolhidos pela fiscalização. A última nota vai para a questão da violação do art.º 100.º do CPPT, normativo em que se sustentou a sentença recorrida. Dispõe o referido preceito que “sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado”. Como refere Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, Vol. II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 133. “(…) o n.º 1 do art. 100.º, n.° 1, do CPP consubstancia um norma de caracter geral de que resulta recair sobre a administração tributária o ónus da prova dos factos que relevam para a quantificação da matéria tributável. (…)” No caso em análise, já vimos, que era à administração tributária, que cabia o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito de excluir a dedução do imposto nos termos do artigo n.º 3 do art.º19º do CIVA, O ónus consagrado no art.º 100.º, n.º 1, do CPPT, contra a administração tributária (de que a dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário deve ser decidida contra a Administração Tributária: in dubio contra Fisco) existe quando seja esta a afirmar a existência dos factos tributários e respectiva quantificação. O n.º 1 do artigo 100.º do CPPT não deixa de ser a aplicação ao processo judicial tributária da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário, constante do artigo 74º, nº1 da LGT, (prevista também no nº1 do artigo 342º do CC), nos termos da qual o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração e dos contribuintes recai sobre quem os invoque. Em suma, cabendo, nos termos do art.º 74.º da LGT, à administração tributária o ónus da prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento a excluir o direito de dedução do imposto nos termos do n.º3 do art.º 19.º do CIVA, há lugar à aplicação do disposto no art.º 100.º do CPPT, porquanto na dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário, deve ser decidida contra a administração, pois competia-lhe afirmar a existência dos factos tributários e respetiva quantificação. Nesta conformidade improcedem as conclusões, nega-se provimento ao recurso. Conclusões/sumário: I. Quando a Administração Tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transação. II. Dispõe o artigo 100º, nº1 do CPPT que sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado. Tal mais não é que a aplicação ao processo judicial da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário, constante do artigo 74º, nº1 da LGT (idêntica à regra prevista no nº1 do artigo 342º do CC), nos termos da qual o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração e dos contribuintes recai sobre quem os invoque. 6. DECISÃO Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Após trânsito em julgado do presente acórdão remeta-se cópia ao Tribunal Judicial do Peso da Régua, 2.º juízo Criminal. Custas pela Recorrente nos termos da tabela I-B – cfr. n.º 2 do artigo 6.º, n.º 2, n.º 2 do art.º 7.º do Regulamento das Custas Processuais. Porto, 16 de Abril de 2015 | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||