Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01312/14.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/10/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:“CERTIDÃO” EMITIDA PARA OS EFEITOS DO DISPOSTO NO ARTIGO 4º Nº 5 DA LEI Nº 11/2011, DE 26.04; ACTO IMPUGNÁVEL.
Sumário:1. A “certidão” emitida pelo município nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 4º nº 5 da Lei nº 11/2011, de 26.04, comprovativa (ou denegatória) de que um local reúne (ou não) as condições necessárias para instalação de um centro de inspecção técnica de veículos, não é uma “certidão” em sentido próprio ou estreito, no sentido de se limitar a certificar determinados actos ou documentos.
2. A “certidão” emitida pelo município a mencionar que o local, onde a requerente pretende instalar um desses centros, não reúne as condições necessárias para o efeito, contém um acto administrativo impugnável*
*Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:N... – Inspeções a Veículos, S.A
Recorrido 1:Município do Porto
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer, no sentido de se manter o saneador-sentença recorrido.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A N... – Inspeções a Veículos, S.A. veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador-sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 07.06.2016, que julgou procedente a excepção de inimpugnabilidade dos actos impugnados e, consequentemente, absolveu o Réu Município do Porto da instância, na acção movida contra esta edilidade e em que foram indicados como Contra-Interessados o IMT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. e a Inspauto-Inspecções a Veículos, Ldª.

Nesta acção foram deduzidos os seguintes pedidos: 1 - a declaração de nulidade ou anulabilidade dos actos de 17.06.2013, 16.01.2014 e 08.04.2014, comprovados pelos documentos 1, 2 e 3, e reconhecido que o local em causa nos autos, e melhor identificado nas plantas juntas, reúne as condições necessárias para a instalação de um Centro de Inspecções de Técnica de Veículos para veículos ligeiros e pesados ou condenando o Réu a tal reconhecer e a emitir uma certidão que tal comprove, de modo claro e inequívoco, acompanhada de planta de localização que identifique o respectivo terreno; 2- subsidiariamente, pede a condenação do Réu a pagar à Autora a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros) e a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, acrescida dos juros que se vencerem desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Em resposta às contestações a Autora veio pedir que subsidiariamente, para a hipótese de considerar os referidos actos administrativos impugnáveis, a convolação da acção administrativa especial em acção administrativa comum, por ser essa a forma aplicável aos pedidos que também deduziu nos autos de que “Seja reconhecido que o local em causa nos autos e melhor identificado nas plantas juntas reúne as condições necessárias para a instalação de um CITV para veículos ligeiros e pesados e condenado o R. a tal reconhecer e a emitir uma certidão que tal comprove, de modo claro e inequívoco, acompanhada de planta de localização que identifique o respectivo terreno.”

O Réu e a Contra-interessada, Inspauto-Inspecções a Veículos, Ldª contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão recorrida e sustentando a ilegalidade da convolação da acção requerida pela Autora.

O IMT – Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP, não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer, defendendo a manutenção do saneador-sentença recorrido.


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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1- Para se candidatar ao concurso público aberto pelo Instituto de Mobilidade e dos Transportes e descrito no facto 1 da sentença recorrida, a ora Recorrente apresentou nos serviços da Câmara Municipal do Porto um requerimento melhor descrito no facto 2 da sentença recorrida e que se tem por inteiramente reproduzido.

2 - Em consequência desse requerimento, a Câmara Municipal do Porto abriu um procedimento administrativo, os seus serviços analisaram e informaram e o decisor proferiu o despacho de 17.06.2013 com o teor de "certifique-se" - facto 3.

3- Tal despacho incorpora uma decisão de concordo com a informação, ou seja, decidiu que o local em apreço reúne condições para a instalação de um Centro de Inspecção Técnica de Veículos que preste serviços apenas a veículos ligeiros - facto 3.

4- De igual modo, se passou em relação aos despachos de 08.04.2014 e 16.01.2014 - factos 4 e 5 da douta sentença.

5 - Trata-se de actos unilaterais praticados, no exercício do poder administrativo e produzem efeitos sobre uma situação individual e concreta e que consiste na possibilidade de instalar um centro de inspecções naquele local para veículos ligeiros e pesados, e de consequentemente concorrer ao concurso aberto pelo I Instituto de Mobilidade e dos Transportes.

6- Não se trata meramente de actos opinativos ou ordens internas, mas decisões sobre a possibilidade ou não de instalar um Centro de Inspecção Técnica de Veículos, naquele local, para veículos pesados e ligeiros e consequentemente, a possibilidade de se candidatar ao concurso do Instituto de Mobilidade e dos Transportes dependeria de tal decisão, materializada em certidão.

7- Estamos, pois, perante actos administrativos, pois são decisões dos órgãos da administração que, ao abrigo das normas de direito administrativo, visam produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta e com eficácia externa.

8- Fez, pois, o Tribunal errada interpretação do artigo 120° do Código de Procedimento Administrativo e artigo 51°, n° 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Sem prescindir:

9- Os actos impugnados poderão em tese serem considerados como actos de indeferimento da pretensão da Recorrente.

10- Em síntese, pretendia a Recorrente que a Câmara Municipal do Porto decidisse se o local em apreço "reúne as condições necessárias a instalação de um centro de inspecções para veículos ligeiros e pesados".

11- A decisão da Câmara Municipal do Porto a tal pedido foi negativa e ou de indeferimento parcial, na medida em que apenas decidiu pela autorização da instalação para veículos ligeiros, pelo que, estava o Tribunal obrigado a fazer uso do disposto no artigo 51°, n° 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ou seja, convidar a ora recorrente a substituir a petição, para o efeito de formular o adequado pedido de reconhecimento do direito e de condenação a emitir a certidão correta.

12- A tal obrigaria o princípio da tutela jurisdicional efectiva - artigo 2° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e ainda os artigos 20° e 268° da Constituição da República Portuguesa.

Acresce que:

13- Da petição inicial consta a causa de pedir e os factos para o reconhecimento do direito e para a condenação do município a emitir a certidão — vide artigos 50 a 71 e 93 a 96 da petição inicial.

14- Bem como, além do pedido de declaração de nulidade ou anulabilidade dos actos foi, também, pedido o reconhecimento do direito da ora recorrente e a condenação do Réu a tal reconhecer e a emitir a certidão.

15- Tem, pois, a petição inicial todos os elementos necessários à convolação da acção administrativa espacial em comum.

16- Violou pois o Tribunal os princípios da adequação formal, cooperação e economia processual e da tutela jurisdicional efectiva - artigo 6°, 7° do Código de Processo Civil.

Contudo,

17- A questão da convolação, com a reforma do Código de Processo nos Tribunais Administrativos introduzida pelo DL n° 214-G de 2015, está ultrapassada, uma vez que acabou-se com o modelo dualista das formas de processo administrativo - especial e comum - passando a vigor apenas uma forma - acção administrativa.

18- Aliás, tal como consta do preâmbulo, o fim do modelo dualista visa acabar com situações como a presente.

19- Assim sendo, a argumentação do Tribunal ao indeferir a convolação não tem qualquer assento no novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pelo que, mesmo considerando que os actos em causa não são impugnáveis, estava o Tribunal obrigado a conhecer do pedido: “reconhecido que o local em causa nos autos e melhor identificado nas plantas juntas reúne as condições necessárias para a instalação de um Centro de Inspecção Técnica de Veículos para veículos ligeiros e pesados e condenado o R. a tal reconhecer e a emitir uma certidão que tal comprove, de modo claro e inequívoco, acompanhada de planta de localização que identifique o respectivo terreno".

21- Fez, pois, o Tribunal errada interpretação do disposto no artigo 37° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, com as alterações introduzidas pelo DL n° 214-G/2015.

22- E, consequentemente, há omissão de pronúncia sobre os pedidos transcritos em 19 destas conclusões.


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II – Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1) O Instituto de Mobilidade Terrestre abriu concurso para a instalação de três Centros de Inspecção de Veículos Automóveis no Porto, tendo as respectivas candidaturas de ser instruídas com uma certidão emitida pela Câmara Municipal do Porto que comprove, de modo claro e inequívoco, que o local proposto reúne as condições necessárias para o efeito e com uma planta de localização identificadora do respectivo terreno.

2) Para se candidatar a tal concurso, a Autora apresentou nos serviços competentes da Ré um requerimento (registo interno da CMP nº 54209/13/CMP), onde aduziu:

«[. . .) Candidato ao Concurso Público para abertura de Centro de Inspeção Automóvel e na qualidade de Promitente Comprador; vem por este meio requerer a V. Exa. que seja emitida Certidão nos termos do n° 5 do Artigo 4° da Lei 11/2011 de 26 de Abril e do Decreto Lei 26/2013 de 19 de Fevereiro, em como o terreno localizado na Rua Duque de Loulé reúne as condições necessárias para instalação de um centro de inspeção.

A implantação do Edifício irá cumprir com todos Requisitos Legais e Regulamentos Aplicáveis».

3) Em 17 de Junho de 2013, o Réu Município do Porto emitiu “certidão” com o seguinte conteúdo:

“MPA, Assistente Técnico, CERTIFICO, de harmonia com o despacho da Senhora Chefe de Divisão Municipal de Gestão de Procedimentos Urbanísticos, Arq.ª LS, de dezassete de junho de dois mil e treze, exarado do requerimento de N... - Inspeção a Veículos, Lda., registado sob o número trinta e nove mil duzentos e quarenta de dois mil e treze, para os devidos efeitos, ao abrigo do disposto nos artigos 62.º e 63.º do Código do Procedimento Administrativo e nos termos da alínea e), do n.º 5 da secção I, despacho n.º 3477/2013, de 5 de Março, que para o terreno assinalado na planta em anexo, se encontram reunidas as condições para instalação de um CITV.

Mais se certifica que, de acordo com o disposto nos artigos D-3/7.º e D-3/8.º do Código Regulamentar do Município do Porto e com o definido na Carta de Hierarquia da Rede Rodoviária que constitui parte integrante do Plano Diretor Municipal do Porto, o local em apreço, por ser exclusivamente servido por um Eixo Urbano Complementar ou Estruturante local, para um possível CITV a instalar neste local, apenas será possível a prestação de serviços a veículos ligeiros» (fl. 28 do suporte físico do processo).

4) Em 8 de Abril de 2014, o Réu emitiu “certidão” com o seguinte teor:

“Diana Margarida de Almeida Rocha, Assistente Técnica, CERTIFICO, de harmonia com o despacho da Senhora Chefe de Divisão Municipal de Gestão de Procedimentos Urbanísticos de 2014/04/08, exarado no requerimento de N... - Inspecções a Veículos, Lda, registado sob o número trinta e oito mil trezentos e quarenta e sete de dois mil e quatorze, e ao abrigo do disposto nos artigos 62.º e 63.º do Código do Procedimento Administrativo, que conforme já foi anteriormente certificado pela Câmara Municipal do Porto, certidão esta comunicada ao requerente bem como ao IMT, em devido tempo, o terreno em causa encontra-se localizado dentro da Zona I, que consta no Anexo D do Código Regulamentar do Município do Porto, zona esta que, nos termos dos artigos D-3/7º e D-3/8°, se considera como sendo uma zona com fortes restrições ao trânsito de veículos pesados.

Foi também emitido, sob a forma de certidão, quais os critérios utilizados pelo Município para a possibilidade de instalação de CITV's que prestassem a veículos ligeiros e os que poderiam prestar serviços a veiculas ligeiros e pesados, sendo certo que para o terreno em causa, não se encontram reunidas as condições para a instalação de um CITV que preste serviços a veículos ligeiros e pesados. Assim, e com base nestes critérios, certifica-se que para o terreno em causa, sito na Rua General Sousa Dias / Duque de Loulé, devidamente assinalado na planta anexa, à escala 1/1000, apenas poderá ser instalado um CITV que preste serviços a veiculas ligeiros, na medida em que o terreno em causa se encontra dentro da Zona I, que consta no Anexo D do Código Regulamentar do Município do Porto, zona esta que, nos termos dos artigos D-3/7° e D-3/8°, se considera como sendo uma zona com fortes restrições ao trânsito de veículos pesados.

À presente certidão junto se anexa cópias da planta que consta do Anexo D do CRMP e da planta de trabalho à escala 1/1000, que numero e rubrico, num total de duas (2) folhas” - documento de fls. 30 do suporte físico do processo.

5) Em 16 de Janeiro de 2014, o Réu Município do Porto emitiu uma "certidão” com o seguinte teor:

“MPA, Assistente Técnica, CERTIFICO, de harmonia com o despacho da Senhora Chefe de Divisão Municipal de Gestão de Procedimentos Urbanísticos de 2014/01/16, exarado no requerimento de INSPAUTO - Inspecção de Veículos. Lda, registado sob o número quatro mil quatrocentos e quarenta e seis de dois mil e quatorze, e ao abrigo do disposto nos artigos 62.º e 63.º do Código do Procedimento Administrativo, que:

O requerente, na qualidade de concorrente e interessado, no âmbito do Procedimento Concursal para a atribuição de novos Centros de Inspeção Técnica de Veículos [CITVs], solicita -nos o esclarecimento e a posição da Câmara Municipal do Porto, em relação a determinadas matérias, nomeadamente no que se refere ao teor da certidão emitida para o requerente N... – Inspecções a Veículos, Lda., relativa a um prédio sito na rua do General Sousa Dias, com o n.º de candidatura 2013051802600000028, e junta para o efeito planta de localização apresentada pela requerente, para efeitos de candidatura junto do IMT. O requerente pretende ver esclarecido o fato da certidão emitida pela CMP ser válida para CITV da categoria B ou apenas para CITV da categoria A.

Antes de mais, importa ressalvar que, a estratégia definida peja Câmara do Porto relativamente é possível instalação de CITV, e quais os tipos de veículos a que os mesmos poderiam prestar serviços, teve por base critérios urbanísticos e fundamentalmente a hierarquia da rede rodoviária, que faz parte integrante do Plano Diretor Municipal.

A definição desta estratégia foi transversal à Direção Municipal do Urbanismo e à Direção Municipal da Via Pública, na medida em que, para além das condicionantes da estrutura viária, existe no Município uma área devidamente identificada e publicada em regulamento interno, com restrições à circulação de veículos pesados.

Assim sendo, para além desta área com fortes restrições ao trânsito de veículos pesados, a CMP definiu ainda que não autorizaria a instalação de CITV em terrenos que não fossem serviços diretamente por um Eixo Urbano Estruturante de Articulação Intermunicipal, devidamente identificados na carta de hierarquia da rede rodoviária.

Ou seja, definiu-se que seria admissível a instalação de CITV apenas para veículos ligeiros, quando diretamente servidos por Eixos Urbanos Complementares ou Estruturantes Locais e admissível a Instalação de CITV para veículos ligeiros e pesados, quando diretamente servidos por Eixo Urbano Estruturante de Articulação Intermunicipal.

No caso em apreço, a CMP emitiu para a requerente N... - Inspecções a Veículos, Lda., relativa a um prédio sito na rua do General Sousa Dias, com o n.º de candidatura 2013051802600000028, uma certidão que atesta que para o local em questão apenas será permitida a Instalação de um CITV para veículos ligeiros, tendo em conta que o mesmo se encontra localizado na Zona definida no Código Regulamentar do Município do Porto, nos termos dos artigos D-317° e D-318°, como zona interdita ao trânsito de veículos pesados.

A certidão emitida foi atempadamente enviada ao requerente e ao IMT, para conhecimento, pelo que mais uma vez se reforça que, para o local em questão, nunca a Autarquia poderá viabilizar a instalação de um CITV para veículos ligeiros e pesados, sendo apenas possível a instalação de um CITV para veículos ligeiros» - doc. de fls. 25 e 26 do suporte físico do processo”.


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III - Enquadramento jurídico.

1. A inimpugnabilidade dos actos impugnados.

O artigo 51.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos de 2002 (aplicável no tempo ao caso) define, como princípio geral, o que deve ser considerado acto contenciosamente impugnável, colocando o acento tónico na “eficácia externa”, prevendo-se no n.º 1 deste preceito legal que “… ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos …” .

Não pode considerar-se que o conceito de acto contenciosamente impugnável assenta no estabelecido, desde logo, no artigo 120° do Código de Procedimento Administrativo (de 1991), no qual se consideram actos administrativos as decisões dos órgãos da administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, enquanto actos externos, que evidenciem um qualquer segmento decisório.

Como refere Vieira de AndradeA Justiça Administrativa - Lições”, 2012, 12.ª edição, págs. 186/187:

“… o conceito processual de ato administrativo impugnável não coincide com o conceito de acto administrativo, sendo, por um lado, mais vasto e, por outro, mais restrito. … É mais vasto apenas na dimensão orgânica, na medida em que não depende da tradicional qualidade administrativa do seu Autor … - artigo 51.º, n.º 2. … É mais restrito, na medida em que só abrange expressamente as decisões administrativas com eficácia externa, ainda que inseridas num procedimento administrativo, em especial os actos cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 51.º, n.º 1) - devendo entender-se que actos com eficácia externa são os actos administrativos que produzam ou constituam (que visem constituir, que sejam capazes de constituírem) efeitos nas relações jurídicas administrativas externas (na esfera jurídica dos destinatários), independentemente da respectiva eficácia concreta …”.

Estão excluídos do conceito de acto administrativo impugnável os chamados actos instrumentais que intervêm como auxiliares da actuação administrativas, os actos meramente preparatórios (propostas, informações, pareceres, relatórios, etc…) – cf. Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, páginas 342 e seguintes; Rogério Soares, Direito Administrativo (Lições), páginas 100-101, Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, volume II, páginas 269 e seguintes.

E aproveitando a pertinente citação feita pelo Ministério Público nas suas contra-alegações de Mário Aroso de Almeida, na obra “Considerações em torno do conceito de acto administrativo impugnável”, in “Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Marcello Caetano”, Vol. II, p. 285:

“Em nossa opinião, desta circunstância resulta que o que, do ponto de vista estrutural, é decisivo para que os actos jurídicos concretos da Administração possam ser objecto de reacção contenciosa — e, portanto, de impugnação contenciosa, quando tenham conteúdo positivo — é que eles possuam conteúdo decisório, no sentido, oportunamente explicitado, de que não se esgotem na emissão de uma declaração de ciência, um juízo de valor ou uma opinião, mas exprimam uma resolução que determine o rumo de acontecimentos ou o sentido de condutas a adoptar. E isto, mesmo quando intervenham no plano de relações intra-administrativas e inter-orgânicas.

Determinante é que se trate de actos administrativos, no sentido que decorre do artigo 120.° do CPA. Do ponto de vista estrutural, deve, pois, a nosso ver, entender-se que todos os actos administrativos podem ser objecto de reacção contenciosa — e, portanto, que, quando tenham conteúdo positivo, todos eles podem ser objecto de impugnação contenciosa, pelo que são, todos eles, actos administrativos impugnáveis.”

Importa ainda reter o que na jurisprudência se tem decidido sobre este tema, da impugnabilidade dos actos administrativos, a título meramente exemplificativo e sem qualquer preocupação de exaustão:

Assim, no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.12.2009, no processo 0140/09 (sumário):

“I - Hoje, face ao artº 51º, nº 1 do CPTA, a impugnabilidade do acto administrativo, depende apenas da sua externalidade, ou seja, da susceptibilidade de produzir efeitos jurídicos que se projectem para fora do procedimento onde o acto se insere.

II - Assim, torna-se irrelevante, para aferir da impugnabilidade do acto, que ele seja definitivo ou não, lesivo ou não, bem como a sua localização no procedimento (início, meio ou termo).

III - Assim, qualquer decisão administrativa pode ser hoje impugnável, questão é que o seu conteúdo projecte efeitos jurídicos para o exterior, i.e. tenha eficácia externa.

(…)”.

A Autora impugna na petição inicial três actos praticados pela Chefe de Divisão de Gestão de Procedimentos Urbanísticos da Câmara Municipal do Porto.

Vejamos se esses três actos são impugnáveis:

É este o teor desses três actos: “Certifique-se”.

Apesar de nada mais acrescentarem, nesse “certifique-se” está contida uma ordem de certificar segundo a informação prestada pelos serviços chefiados pela autora dos actos.

A Autora é uma sociedade por quotas, com fins lucrativos e que tem como actividade a inspecção de veículos automóveis.

O Instituto de Mobilidade Terrestre, ao abrigo do Decreto-Lei nº 26/2013, de 19.02, veio introduzir alterações à Lei nº 11/2011, de 26.04, autorizando-se a abertura de novos Centros de Inspecção Técnica de Veículos, para a instalação de três desses centros no concelho do Porto.

As candidaturas, nos termos do disposto na alínea e) do nº 5 da secção I, da deliberação 694/2013 do IMT, I.P. (Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.), e artigo 4º nº 5 da Lei nº 11/2011, têm de ser instruídas com uma certidão emitida pela respectiva Câmara Municipal comprovativa de que o local reúne as condições necessárias para instalação de um centro de inspecção.

Como referem Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim no Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª edição, Almedina, nas notas ao artigo 120º:

«XIX - A decisão constitutiva do acto administrativo tanto pode ter um conteúdo positivo como negativo, tanto pode consubstanciar-se na prática de um certo acto (ainda que de efeito impositivo ou restritivo), como na recusa expressa em praticá-lo – o que aliás pode suceder em procedimentos particulares ou em procedimentos oficiosos e, dentro destes, quer nos de interesse público quer nos de “interesse particular”.

Entre os actos de conteúdo negativo, temos as recusas, os indeferimentos, as oposições, proferidos em procedimentos de primeiro ou segundo grau: é o caso de o particular ter direito a exercer uma actividade (a dispensar-se de um dever, a praticar um acto), no caso de não oposição da Administração e esta manifestar tempestivamente essa oposição.

Por outro lado, já se viu que esse efeito jurídico (externo) dos actos administrativos pode resultar não apenas de “vontades” constitutivas da Administração Pública, como também de actos com conteúdo declarativo (de factos ou posições jurídicas), na parte em que tenham um efeito (concretizador, titulador ou procedimental) inovatório e concreto.

XX- É claro que os efeitos jurídicos (externos) de que aqui se trata são efeitos jurídico-administrativos, como já estava subentendido no facto do acto administrativo ser praticado “ao abrigo de normas de direito público”.

Mesmo quando o acto administrativo aparece ligado à criação, à modificação ou extinção de relações ou situações jurídico-privadas, sejam elas entre particulares ou entre estes e Administrações Públicas – como (de uma forma ou outra) no plano constitutivo, autenticador ou fiscalizador, tantas vezes sucede – a verdade é que o que nele vale, em sede de qualificação, é o momento ou a decisão sobre a composição administrativa (no plano conformador ou titulador) dos interesses dos sujeitos da relação jurídico-privada com o interesse público cuja realização a lei quis assegurar, ao prever a intervenção administrativa na situação ou relação em causa. Só esse momento ou decisão é que tem a (valia e a) garantia jurídica de acto administrativo.”

Reportando-nos ao caso concreto, as três certidões emitidas por ordem da Chefe de Divisão de Gestão de Procedimentos Urbanísticos da Câmara Municipal do Porto não constituem certidões do tipo das previstas nos artigos 62º e 63º do Código de Procedimento Administrativo de 1991, aplicável à data da sua emissão, porque não se limitam a certificar documentos ou os elementos mencionados no artigo 63º, nº 1, alíneas a) a d), do referido Código.

Vão mais longe e contêm uma decisão sobre uma questão que produz efeitos jurídicos na esfera da Autora, ou seja, o sentido da decisão ínsita nas certidões determina a possibilidade ou impossibilidade da Autora concorrer à instalação de um Centro de Inspecção de Veículos Automóveis no concelho do Porto, por isso, as três ordens de emissão das três certidões juntas aos autos são actos administrativos impugnáveis, tal como definidos no artigo 51º, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, segundo o qual:

“Ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.”

Afigura-se-nos que neste caso, não existe dúvida, sobre a eficácia externa dos três actos administrativos, todavia, em todo o caso, na dúvida, deve entender-se que o acto é impugnável.

Como se refere no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 24.05.2007, processo 00411/04.2 PNF:

“(…)

Mas, note-se, mesmo que esta eficácia externa devesse ser considerada duvidosa no presente caso, e assim não o entendemos, temos para nós que sempre o princípio pro actione [artigos 268º nº 4 da CRP e 7º do CPTA] nos imporia uma decisão favorável à impugnabilidade contenciosa do acto em causa – in dubio pro impugnatione”.

Afastamo-nos, por isto, do entendimento sustentado para uma situação em tudo semelhante à aqui em análise, no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 21.04.2016, no processo nº 1407/14.1 (com um voto de vencido), em particular da conclusão de que os serviços da Ré “veicularam uma informação, corporizada em certidão, que os seus destinatários aproveitarão como e para os efeitos que quiserem”.

Na verdade os serviços da Ré não se limitaram a certificar documentos, antes fizeram duas interpretações da lei, por sinal, contraditórias, a primeira favorável à pretensão da Autora e que permitiu que ela se candidatasse à instalação de um Centro de Inspecção Técnica de Veículos e outra desfavorável a ponto de a impedir de reunir os pressupostos para ser escolhida nesse concurso.

Não vemos que outra solução reste à Autora senão impugnar as ordens de passagem das certidões no sentido que lhe é desfavorável, uma vez que as considera ilegais, anuláveis.

Conclui-se, como tal, que os três actos administrativos que ordenam a passagem de certidão de teor contrário à pretensão da Autora exprimem três resoluções que determinam a impossibilidade desta poder reunir os pressupostos para ser admitida ao concurso de instalação de três Centro de Inspecção Técnica de Veículos na região do Porto, por isso, são decisões com eficácia externa, ou seja, cujo conteúdo projecta efeitos jurídicos para o exterior, logo são impugnáveis.

Impõe-se, por isso, revogar o saneador-sentença recorrido e julgar improcedente a excepção peremptória da impugnabilidade dos três actos administrativos.

2. Restantes questões suscitadas.

Procedendo logo por aqui o recurso, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas, em concreto, a possibilidade de convolação processo, de acção administrativa especial para acção comum e da aplicabilidade do novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, em que se unificaram tais meios processuais.


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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:

A) Revogam a decisão recorrida, julgando não verificada a excepção da inimpugnabilidade dos três actos administrativos impugnados.

B) Determinam a baixa dos autos para aí prosseguirem os seus ulteriores termos se nada mais a tal obstar.

Custas pelos Recorridos Município do Porto e Inspauto – Inspecção de Veículos, Ldª.

Porto, 10.03.2017

Ass.: Rogério Martins

Ass.: Luís Garcia

Ass.: Joaquim Cruzeiro, em substituição