Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01687/09.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/25/2012
Tribunal:TCAN
Relator:José Augusto Araújo Veloso
Descritores:TÉCNICO OFICIAL DE CONTAS
FALTA DE PAGAMENTO DE QUOTAS
INFRACÇÃO CONTINUADA
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
PRESCRIÇÃO CIVIL DO PAGAMENTO DAS QUOTAS
AFERIÇÃO DO GRAU DE CULPA
Sumário:I. A falta de pagamento de quotas de um Técnico Oficial de Contas [TOC] à Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas [OTOC], ainda que a título de negligência, mantida por um período superior a 180 dias, e mesmo após o decurso de prazo para pagamento concedido pela OTOC, constitui infracção disciplinar punível com pena não superior a multa, pena esta que tem por limite máximo a quantia que corresponde a 5 vezes o salário mínimo nacional em vigor à prática da infracção;
II. E, por analogia com a lei penal, constitui uma infracção disciplinar continuada, cujo prazo de prescrição do procedimento disciplinar corre desde o dia da prática do último acto infraccional, e desde da tomada de conhecimento do facto pelo Conselho Disciplinar da OTOC;
III. A falta de exercício das funções de TOC não constitui circunstância excludente da ilicitude que justifique decisão de não instauração do Processo Disciplinar, mas, quando muito, circunstância a convocar aquando da escolha e graduação da pena disciplinar;
IV. Apesar de, em termos civis, só poder ser exigido ao TOC arguido o pagamento dos últimos 5 anos de quotas, isso não contende nem com a infracção disciplinar nem com a prescrição do procedimento disciplinar em que foi punido;
V. A falta de aferição do grau de culpa, do arguido TOC, não fica espartilhada pelo período temporal da prescrição civil, pois não se reflecte no preenchimento do tipo legal de infracção, mas sim na personalidade do infractor merecedor de censura ético jurídica.*
*Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:05/10/2011
Recorrente:Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas
Recorrido 1:H. ...
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Concede provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu
1
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Relatório
A Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas [OTOC] com sede na Avenida Barbosa du Bocage, nº45, em Lisboa – vem interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal [TAF] do Porto - 07.12.2010 - que anulou o Acórdão nº0056/09 do Conselho Disciplinar da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas [CD/CTOC] que condenou o Técnico Oficial de Contas [TOC] HF. … numa pena de multa – a sentença recorrida culmina a acção administrativa especial em que o ora recorrido HF. … demanda a OTOC pedindo ao TAF que anule a decisão disciplinar consubstanciada no Acórdão nº0056/09, de 19.01.2009, do CD/CTOC, que no âmbito do processo disciplinar [PD] nº533/04 o puniu com a pena de multa de 1.100,00€.
Conclui assim as suas alegações:
1- De acordo com o nº1 do artigo 62º do Estatuto da CTOC, o direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve, se, conhecido o facto, a entidade competente, nos três meses seguintes à data do conhecimento, não instaurar o procedimento disciplinar;
2- A infracção praticada pelo arguido tem carácter continuado, nos termos do nº2 do artigo 32º do Código Penal;
3- Em conformidade, o prazo de prescrição só corre desde o dia da prática do último acto;
4- Pelo exposto, o procedimento disciplinar não prescreveu.
5- A sentença recorrida viola a lei, devendo, em consequência, o tribunal declarar a sua nulidade.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida, bem como a improcedência da acção administrativa especial.
O recorrido HF. … contra-alegou concluindo assim:
1- Vem o recurso interposto da sentença do TAF do Porto, no âmbito de acção administrativa especial, que julgou procedente a referida acção, anulando-se em consequência o Acórdão nº0056/09 do CD/CTOC que havia condenado o recorrido em pena de multa;
2- A referida sentença recorrida assentou os seus fundamentos no facto de em sede de apreciação disciplinar e pelos fundamentos do acórdão sancionatório de 19.01.09 que remete para a fundamentação de facto e de direito do relatório do processo disciplinar nº533/04 instaurado ao recorrido, ter aplicado ao mesmo pena de multa no valor de 1.100,00€ por violação dos deveres consignados no ECTOC – artigos 52º, nº1, e 57º, alínea c) – isto é, o pagamento atempado das quotas para a associação e o dever de comunicar a alteração do domicílio, sendo que, no que tange ao período relevante de falta de pagamento de quotas foi por aquele acórdão considerado todo o período que decorreu desde a data da inscrição do recorrido como TOC;
3- Acrescentando que, sabendo pela matéria provada, que o recorrido, até 20.11.2006, data da acusação, devia à recorrente 792,40€, correspondendo a quotas em falta desde o ano de 1997, pelo que, atendendo à data em que foi deduzida a respectiva acusação, temos que, a essa data, não podia ter sido considerado como relevante para efeitos disciplinares o comportamento faltoso do recorrido que se reporta a todo o período que decorreu desde 1997, atendo o prazo prescricional alargado de 3 anos desde a prática dos factos;
4- Dessa forma, entendeu e bem o TAF do Porto, que o acórdão nº0056/09 do CD/CTOC que condenou o ora recorrido na multa de 1.100,00€, enquanto acto final resultante do PD em que foram considerados relevantes factos a que não podia ter sido dada relevância disciplinar que lhe foi dada, enferma de um vício de violação da lei, padecendo, por isso, de invalidade que conduz à sua anulação;
5- Por outro lado, e à luz do invocado artigo 310º, g) do Código Civil, e tal como sustentado pelo recorrido, sempre teria a recorrente de atender a que se encontrava prescrito o direito aos créditos correspondentes às quotas em dívida em relação às quais havia já decorrido o prazo de 5 anos, pelo que, não sendo as mesmas legalmente exigíveis, não poderiam ser consideradas na ponderação do grau de culpa do então arguido na prática da infracção de falta de pagamento de quotas, em violação de disposição estatutária, o que inquinaria o procedimento disciplinar em causa;
6- A recorrente não se conformando com esta sentença do TAF, interpôs o presente recurso alegando em síntese, entre outros aspectos que, de acordo com o artigo 62º do ECTOC, o direito de instaurar o PD prescreverá, se, conhecido o facto, a entidade competente, nos três meses seguintes à data do conhecimento, não instaurar o procedimento disciplinar;
7- Alegando, diga-se erradamente que, a infracção praticada pelo arguido tem carácter continuado, nos termos do artigo 32º nº2 do Código Penal;
8- Concluindo em síntese pela não prescrição do procedimento disciplinar e que, em consequência a decisão jurisdicional padece de vício de violação de lei, devendo a mesma ser declarada nula;
9- Ora, para o recorrido, o TAF esteve bem ao decidir pela procedência da acção administrativa especial, com os fundamentos aí invocados, uma vez que o acórdão nº0056/09 do CD/CTOC enformou de um vício de violação de lei;
10- Pois não pode a recorrente apoiar a sua tese no facto de estamos face a infracção continuada, nos termos do artigo 32º nº2 do Código Penal, dado que tal normativo legal não é aplicável ao caso sub judice;
11- Sendo as quotas da associação profissional prestação periodicamente renovável [mensal] não pode a OTOC pretender não cobrar prestações durante 10 anos e depois vir cobrá-las todas de um só vez;
12- NÃO PODE CRIMINALMENTE EXIGIR-SE O QUE CIVILMENTE NÃO É EXIGIDO;
13- Além de que cada quota constitui uma unidade autónoma, susceptível de ser exigida sem qualquer relação ou conexão com as restantes;
14- Por outro lado, não se diga que o recorrido é pessoa relapsa pelo facto de nunca haver pago quotas à recorrente;
15- Pois, o recorrido nunca exerceu funções de técnico oficial de contas;
16- Apesar de inscrito, jamais foi TOC, nunca se sentiu TOC, e muito menos usou as prerrogativas de TOC;
17- Pelo que, apesar do TAF ter decidido a procedência da acção especial, anulando o acórdão disciplinar, a verdade é que não atendeu a factos que, salvo melhor opinião, deviam ter sido tidos por válidos para sustentar a posição do recorrido, senão vejamos;
18- Pois por acórdão nº0056/09, de 19.01.2009, proferido pelo CD/CTOC, foi o recorrido condenado no processo disciplinar nº533/04 à pena disciplinar de multa no valor de 1.100,00€;
19- E tal pena foi aplicada com os fundamentos de facto e de direito que constam do respectivo relatório de instrução;
20- O referido relatório do PD alicerçou-se na eventual falta de pagamento de quotas devidas à CTOC no valor de 887,40€ por banda do recorrido, para o punir exemplarmente no valor de 1.100,00€;
21- Refira-se que, o PD foi instaurado em 15.03.2004 pelo CD/CTOC e foi pelo mesmo órgão decidido em 19.01.2009;
22- Ou seja, levou o CD/CTOC cinco anos para abrir, instruir e decidir a mera eventual falta de pagamento de quotas;
23- Só em 11.07.07 notificou o recorrido de que contra ele corria processo disciplinar e que havia sido já lavrado despacho de acusação em 20.11.2006;
24- Sucede porém, que o recorrido não conhecia o teor do despacho de acusação, pois tal nunca lhe havia sido notificado, e por conseguinte não poderia exercer o contraditório sem conhecer os factos de que o acusavam;
25- E como atesta nas alíneas h) e i) do ponto 2 da instrução, o recorrido devidamente notificado de que contra ele corria PD, em 11.07.07, pediu à CTOC através do seu mandatário o envio do extracto da conta corrente, bem como alegou por escrito que nunca havia sido interpelado pela CTOC para proceder ao pagamento da quotização, arguindo inclusive a prescrição do PD, apesar de não conhecer o teor da acusação;
26- Note-se que iniciado o PD em 2004, apenas em 2007 a CTOC notificou regularmente o recorrido que é funcionário público e facilmente se encontraria o seu paradeiro!!!!;
27- No entanto, na alínea j) do ponto 2, a CTOC afirma que em 08.08.2007 enviou carta ao recorrido a esclarecer que segundo sua opinião “o processo não se encontra prescrito, por um lado porque considera-se que a prescrição em causa só correrá a partir do momento em que o conselho disciplinar da CTOC tome conhecimento dos factos susceptíveis de configurarem infracção disciplinar e não instaure como órgão legalmente competente no prazo de 3 meses, o respectivo processo disciplinar, assim o prazo de 3 meses, conta-se desde o conhecimento do facto pelo conselho disciplinar, ou seja, 08.03.2004, pelo que poderia ter sido instaurado até ao dia 08.06.2004, sendo que o mesmo foi instaurado em 15.03.2004, logo não se encontra prescrito, e por outro lado em virtude da infracção disciplinar assumir a forma continuada [...] implicam que com a cessação da mesma tenha lugar o inicio do cômputo do prazo da prescrição do procedimento disciplinar...”;
28- E então a CTOC notifica finalmente o recorrido da acusação...;
29- Assim, regularmente notificado o recorrido em 22.10.2007 apresenta a defesa, impugnando tal acusação, nomeadamente invocando a prescrição tanto do PD como das quotas, bem como arguindo várias irregularidades do referido processo disciplinar e pelo facto de nunca ter exercido as funções de TOC;
30- Por mera cautela, em Setembro de 2007 o recorrido dirigiu à CTOC o pedido formal do cancelamento da sua pretensa inscrição, uma vez que segundo a CTOC, as quotizações venciam mensalmente ad eternum;
31- Em 01.10.2008 de forma a não prejudicar a defesa do ora recorrido, a CTOC notifica novamente do despacho de acusação;
32- O recorrido, em 13.10.2008, oferece as suas alegações impugnado o teor da acusação, mas apresenta proposta para pagar quotas de 2004 a 2007 no desejo de terminar com o processo de forma amigável;
33- Isto tudo, quando já tanto o procedimento como as quotizações em causa se encontravam totalmente prescritas;
34- Pois a recorrente, não consegue destrinçar os conceitos jurídicos de prescrição e de caducidade;
35- No entanto, a 29.10.2008 a CTOC volta a interpelar o recorrido para que este apresente novas alegações, não se pronunciando no entanto quanto à proposta que o recorrido havia feito no sentido de se solucionar a questão de forma amigável;
36- Em 13.11.2008 o recorrido reitera as alegações apresentadas;
37- Em 10.12.08, o instrutor nomeado envia carta ao recorrido alertando para o facto de que ou pagava as quotas ditas na acusação [apesar de prescritas] ou propunha ao conselho disciplinar a aplicação de um multa;
38- Terminando a instrução com um apuro em falta por banda do autor no “valor de 887,40€, fora juros, e conta com um atraso de 145 meses no pagamento de quotas vencidas”;
39- Ignorando por completo a informação essencial de comunicar quais os meses, anos e valores de que se tratam;
40- Pelo que, se impugnam os ditos valores e prazos para todo e qualquer legal efeito;
41- Pelo instrutor foram dados como provados todos os factos constantes na acusação bem como os enumerados no “ponto 2 da instrução”, ignorando por completo a defesa do recorrido, não se pronunciando sobre o mérito das suas alegações;
42- O Instrutor deu por provado que o agora recorrido cometeu infracção disciplinar por violação dos deveres consignados no ECTOC, mormente artigos 52º, nº1, e 57º, alínea c) do ECTOC;
43- Considerando quanto ao grau de culpa “bastante elevado” porquanto, o recorrido colocou em crise a prossecução do interesse público da CTOC; não apresentou motivo atendível, denotando falta de colaboração para com a CTOC; deixou arrastar a situação por um período de 145 meses, nada fazendo prever que ponha termo à infracção;
44- Propondo por conseguinte, a aplicação ao recorrido da pena disciplinar de multa pelo montante de 1.100,00€;
45- Proposta essa sufragada pelo CD/CTOC em 19.01.2009;
46- Foi o recorrido condenado ao pagamento de quotas em atraso no valor de 887,40€ e ao pagamento de uma pena de multa no montante de 1.100,00€, isto no valor global de 1.987,40€;
47- O recorrido nunca exerceu funções de técnico oficial de contas, melhor descritas no artigo 6º do Estatuto da CTOC, apesar de se ter inscrito na Câmara quando finalizou a sua licenciatura;
48- Seguindo a normalidade da vida, no seu percurso da fase estudantil para a profissional, o recorrido acabou o curso e, com a licenciatura concluída, inscreveu-se nesta Câmara para a eventualidade de vir a exercer a profissão;
49- Sendo que tal inscrição é requisito obrigatório para o exercício legal das funções de técnico oficial de contas;
50- O recorrido limitou-se a cumprir uma mera formalidade, com o intuito de precaver o futuro e preencher os requisitos legais para o eventual exercício da profissão;
51- Acontece que, praticamente de imediato, iniciou funções no Centro Distrital de Segurança Social, onde tem presentemente um cargo dirigente;
52- Pelo que jamais utilizou ou exerceu qualquer actividade relacionada com o título profissional aqui em causa;
53- Apesar de inscrito, jamais foi TOC, nunca se sentiu TOC, e muito menos usou as prerrogativas de TOC, seja de que forma for [em nenhum dos modos previstos no artigo 7º dos Estatutos];
54- Aliás, na sequência do exposto, logo em 1997 o recorrido dirigiu uma carta à CTOC, após ter começado a laborar na Segurança Social, a declarar isso mesmo, criando dessa forma a convicção de que não teria de pagar as quotas vencidas e que ficaria com a sua inscrição suspensa;
55- Tendo recebido, aliás, da CTOC atitude consentânea com esta “falta de identidade profissional”, pois ao longo de todos estes anos jamais o recorrido recebeu qualquer notificação, correspondência ou outra comunicação, revistas ou informações, oriundas desta Câmara;
56- E muito menos foi notificado, seja de que forma for, para o pagamento de quotas em atraso ou da eventualidade de instauração de processo disciplinar por esse facto...;
57- Também o recorrido jamais foi identificado como TOC por quem quer que seja, designadamente nos termos do artigo 10º dos Estatutos;
58- Como também não apareceu nas listas dos técnicos oficiais de contas previstas no artigo 18º dos Estatutos;
59- Refira-se, ainda, que, quer no âmbito do DL nº265/95, de 17.10, quer no âmbito do ainda vigente DL nº452/99, de 05.11, o não exercício da profissão e o não pagamento de quotas carecem de tratamento jurídico, sendo que esta omissão é, no que tange a matéria ora em apreço, evidente;
60- Aliás, refira-se que, na nossa modesta opinião, ela conhecia um melhor tratamento na legislação revogada, que expressamente referia que a ausência de pagamento das quotas acarretava a suspensão de voto e a impossibilidade de ser eleito para qualquer órgão da Associação;
61- Sendo certo que hoje tal ausência corresponde a um incumprimento de um dever estatutário e, como tal, constitui mera infracção disciplinar, punível apenas com pena de multa [dentro de certos condicionalismos que veremos infra], não se prevendo, estranhamente, a suspensão ou cancelamento da inscrição;
62- Não se vislumbra, pois, nas determinações legais ou regulamentares vigentes, a subsunção do caso em apreço a qualquer normativo, ou seja, o caso do não exercício - passado, presente e futuro - da profissão não tem enquadramento estatutário...;
63- Porque de elementar justiça, atendendo aos princípios da colaboração da Administração com os particulares, da participação e da obrigatoriedade de notificação, estabelecidos por imperativos constitucionais nos artigos 7º, 8º e 66º seguintes do CPA, deveria a recorrente, com o bom senso que se admite à maior associação profissional do nosso país, relevar a situação concreta do agora recorrido, reconhecendo que:
• Nunca tendo exercido a profissão, nem usado o título de técnico oficial de contas;
• Não pretendendo exercer a profissão, no presente ou no futuro; e
• Nunca tendo recebido tratamento como tal da CTOC [desde o tempo da sua comissão instaladora];
• Nunca tendo sido notificado para regularizar a situação ou cancelar a inscrição;
64- É manifestamente desproporcional e injusto exigir o suposto débito de quotizações profissionais, bem como punir exemplarmente o recorrido da forma como foi feito;
65- Sempre se terá de admitir que, no caso sub judice existiram graves violações de deveres constitucionalmente consagrados, designadamente no que tange o dever de audição e o princípio do contraditório;
66- É que estamos no âmbito de um PD, mas sem se saber bem porquê: não houve, numa primeira instância, pelo menos do conhecimento do recorrido, a fase da “acusação”!!!
67- A única notificação que tinha recebido da CTOC foi a de 11.07.07 para “apresentação de alegações” no “âmbito do processo disciplinar nº533/04”, e para informar “que o débito a título de quotização ascende, à presente data, a quantia de 887,40€”;
68- Em 1º lugar, deve dizer-se que num Estado de Direito Democrático [2º da CRP] constitui direito fundamental de qualquer acusado conhecer a acusação e o seu conteúdo, que deve preencher certos requisitos mínimos...;
69- Isso mesmo decorre do disposto no artigo 75º dos Estatutos da CTOC;
70- Para tanto, de tal acusação, formal e materialmente elaborada, deveria ter sido dado conhecimento efectivo ao agora recorrido, de forma a poder dar-se oportunidade de este de exercer o seu direito fundamental de defesa;
71- Acontece que o ora recorrido nunca havia sido notificado de qualquer despacho de instauração de PD e muito menos de acusação, com discriminação dos factos imputados e respectivas circunstâncias, o que gerava, naturalmente, a nulidade do referido processo disciplinar;
72- Deve perceber-se que é requisito essencial da “acusação”, de forma a permitir a defesa do “arguido”, a individualização ou discriminação dos factos que se tenham por averiguados e por disciplinarmente puníveis, com a indicação das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que foram cometidos;
73- Só assim o recorrido podia defender-se, podia exercer o contraditório, podia indicar as provas e solicitar diligências probatórias;
74- Foi grosseiramente violado o direito de audiência e defesa do arguido, bem como as normas que impõem os requisitos da acusação de forma a permitir aquela defesa;
75- Pelo que, só depois de o recorrido ter apresentado defesa putativa é que foi notificado do teor da acusação;
76- Sendo que, voltou a apresentar alegações de defesa, mas que pelos vistos “não foram tidas nem achadas” aquando do parecer final do instrutor.
77- Teremos de concluir pela invalidade de todo o PD;
78- Nem se diga, para justificar o injustificável, que a falta de notificação da acusação se deve à omissão do recorrido em comunicar a mudança do seu domicílio, conforme dever imposto no artigo 57º, alínea d), dos Estatutos!
79- Em 1º lugar, porque a prática da CTOC demonstrou o inverso, dado que a “notificação para apresentação de alegações” foi feita e chegou ao conhecimento do recorrido, pelo que a existir tal omissão, ela era facilmente ultrapassada;
80- É que não se entende como a CTOC conseguiu colmatar essa omissão, notificando o recorrido para alegações, mas não o tenha conseguido um pouco antes, para o notificar da acusação!
81- Em segundo lugar, o recorrido não notificou a alteração da sua morada pelo simples facto de nunca ter sido TOC, pelo que nunca lhe “passou pela cabeça” que, passados estes anos todos, sem nunca ter tido qualquer contacto com a profissão, nem com a Associação, ainda estivesse sujeito aos seus Estatutos...;
82- Em terceiro lugar, a morada a que estatutariamente estava obrigado a comunicar a alteração era a do seu domicílio profissional, conforme decorre do artigo 57º, alínea d), dos Estatutos;
83- De qualquer forma, tal evidência acaba por ser irrelevante, pois a CTOC demonstrou que não foi a “falta de domicílio profissional” ou o desconhecimento da morada do recorrido, que impediu a notificação na “morada correcta”, como prova a supra referida notificação de 11.07.2007;
84- A este propósito recorde-se, ainda, o vertido no artigo 70º, nº1 do CPA, designadamente no que tange a possibilidade das notificação poderem ser efectuadas [em procedimentos administrativos, é certo] por meio de edital, pelo que a CTOC tinha sempre meio de notificar o recorrido [por mais trabalho que isso acarretasse]: aliás, desconhece-se procedimento administrativo tendente à decisão de criação do débito, pois a CTOC unicamente notificou o autor para alegações e, ao mesmo tempo informando-se de um débito!
85- Era seu dever notificar o ora recorrido do despacho de instauração do PD, de forma a dar conhecimento da situação; da acusação, de forma a permitir o exercício de um direito fundamental do autor: o direito de defesa; e eram tais notificações possíveis, como a própria demonstrou ao notificá-lo para alegações, em 11.07.2007;
86- Deve considerar-se a nulidade do PD, devendo ser considerado nulo com todas as consequências legais;
87- O recorrido estava inscrito há mais de 10 anos, embora nunca tenha exercido a profissão, pelo nunca pagou qualquer quota, nunca teve contactos com a CTOC, nem nunca recebeu desta qualquer notificação, comunicação, escrito ou revista...;
88- Constitui, pois, um abuso de direito grosseiro que, após o decurso de todo este tempo, venha, agora, a recorrente lembrar-se que há um associado inscrito, de entre os muitos milhares, que não tem as quotas em dia – recorde-se que a CTOC é a maior Associação Profissional do País: passaram mais de dez anos, o que, inegavelmente, consubstancia uma atitude que excede largamente os limites impostos pela boa-fé...;
89- Por outro lado, tal facto viola claramente os princípios da segurança e certeza jurídicas: o recorrido nunca se sentiu com este título profissional, nem nunca teve tratamento como tal por parte da CTOC, já nem se lembrava que ainda estava inscrito na CTOC, que havia um vínculo à Associação e que, após todo este tempo e sem nunca ter pago qualquer quota, a CTOC ainda não tivesse suspenso ou cancelado a sua inscrição...
90- É que o decurso do tempo produz efeitos, não apenas psicológicos, de vontade, mas também jurídicos: não pode fazer-se nada durante anos e, de repente, vir proceder-se disciplinarmente e cobrar-se uma quantia, a título de dívida, que se desconhece de todo...;
91- Esta postura da CTOC constitui um venire contra factum proprio e viola grosseiramente os princípios da segurança e certeza jurídicas;
92- O decurso do tempo implicou também, no caso em apreço, a prescrição das eventuais quotizações e procedimento disciplinar;
93- Este instituto é um instituto geral de direito, e que tem consagração especial nos Estatutos da CTOC;
94- Significa este normativo que, no caso concreto dos Técnicos Oficiais de Contas, há prescrição do procedimento disciplinar:
• No prazo de 3 anos sobre a data do facto;
• No prazo de 3 meses sobre a data do conhecimento do facto;
95- O que significa que, em termos disciplinares, o que eventualmente estaria em causa é o não pagamento dos últimos 3 anos - 2005, 2006 e 2007;
96- Mas mesmo quanto a estes, ocorreu o segundo prazo de prescrição, pois o facto é há muito conhecido dos órgãos da Associação: o recorrido nunca pagou quotas, pelo que esse facto era notório, pelo menos todos os anos...;
97- E não se diga que o conhecimento do facto teria de ser do Conselho Disciplinar: essa interpretação é, com o devido respeito, absurda e protectora da incompetência e desresponsabilização, pois acarretaria a hipótese de “arguido” ficar ad eternum sujeito a procedimento disciplinar, bastando que um qualquer órgão da CTOC que soubesse duma infracção disciplinar não o comunicasse ao órgão competente para instaurar o correspondente processo disciplinar...;
98- Esta tese não vinga pois implicaria, na prática, a imprescritibilidade do procedimento disciplinar!
99- Note-se que no caso em apreço o aqui recorrido nunca pagou qualquer quotização, facto notório conhecido na CTOC desde 1997, mas segundo o próprio “acusador” o CD só teve conhecimento desse facto em 2004, sete anos depois;
100- Com a tese invocada pela recorrente, o procedimento ainda estaria em tempo, o que seria verdadeiro “atentado” e uma violação grosseira e grave das regras disciplinares, designadamente em sede de prescrição e de segurança jurídica;
101- Mas mesmo admitindo tratar-se de uma infracção continuada, sendo ela do conhecimento mensal da CTOC, então teríamos de concluir que, afinal, não são os últimos três anos que estão em questão, mas antes os últimos 3 meses, conforme dispõe o nº1 do artigo 62º dos Estatutos da CTOC;
102- Deve pois considerar-se a prescrição do procedimento disciplinar sub judice, entendendo-se, nos termos legais e estatutários, que apenas estarão em causa os últimos 3 meses, de acordo com o disposto no supra citado artigo 62º, nº1 dos Estatutos da CTOC;
103- Também do ponto de vista cível, verifica-se no caso a prescrição das prestações devidas;
104- Tratando-se do não pagamento de uma prestação pecuniária, o prazo de prescrição é o vertido no artigo 310º, alínea g) do Código Civil;
105- As quotas relativas aos anos de 1997, 1998, 1999, 2000, 2001 e 2002 encontram-se prescritas nos termos gerais.
Termina pedindo a manutenção da sentença do TAF, ao menos nos termos em que foi proferida.
O Ministério Público não se pronunciou [artigo 146º nº1 do CPTA].

De Facto
No tocante ao julgamento sobre a matéria de facto, que não se mostra impugnado, e porque não vemos necessidade de proceder a alterações no âmbito do que aí foi dado como provado, remetemos, apenas, para os termos dessa decisão do TAF do Porto [ver as folhas 2 a 11 da sentença recorrida, que correspondem a folhas 121 a 130 do suporte físico destes autos. Ver artigo 713º nº6 do CPC ex vi 140º do CPTA].

De Direito
I. Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 660º nº2, 664º, 684º nº3 e nº4, e 685º-A nº1, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140º do CPTA, e ainda artigo 149º do CPTA, a propósito do qual são tidas em conta as considerações interpretativas tecidas por Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa (Lições), 10ª edição, páginas 447 e seguintes, e Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª edição revista, página 850 e 851, nota 1.

II. O autor da acção administrativa especial – HF. … - pediu ao TAF do Porto que declarasse nula ou anulasse a decisão disciplinar consubstanciada no acórdão nº56/09, de 19.01.2009, do Conselho de Disciplina da então Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas [hoje, por via do DL 310/2009, de 26.10, Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas] que o puniu na pena de multa de 1.100,00€ no âmbito do processo disciplinar [PD] nº533/04.
Para tanto, e na síntese feita pelo TAF, articulou que a decisão disciplinar impugnada desrespeita os princípios da proporcionalidade, da audição do arguido e do contraditório, bem como pune no âmbito de procedimento disciplinar instaurado numa altura em que já estava prescrito o direito de o fazer, e relativamente a quotizações também já prescritas de acordo com a lei civil.
O TAF, após ter fixado a matéria de facto pertinente e provada, passou ao julgamento de direito em que apreciou as ilegalidades que foram apontadas ao acto impugnado. E terminou anulando o acórdão disciplinar nº56/09 do CD/CTOC, por ter entendido que ocorria prescrição do procedimento disciplinar em que foi proferido.
Desta sentença do TAF do Porto discorda a actual OTOC [Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas] que lhe imputa, apenas, erro de julgamento de direito quanto à procedência da prescrição do procedimento.
Nas suas contra-alegações, o recorrido HF. …, precavendo a hipótese de provimento do objecto do recurso da OTOC, ampliou-o aos demais vícios apontados ao acto impugnado e que o TAF julgou improcedentes.
Não foi posto minimamente em causa o julgamento de facto da sentença recorrida, nem na sua fidelidade nem na sua suficiência. Tão pouco lhe foi apontada qualquer nulidade, nomeadamente por omissão de pronúncia.
Àqueles erros de julgamento de direito se reduz, pois, o objecto do recurso jurisdicional.

III. Do erro de julgamento invocado pela recorrente OTOC.
O Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas [na versão do DL nº452/99, de 05.11, uma vez que as alterações que lhe foram feitas pelo DL nº310/2009, de 26.10, e que, inclusivamente, alteraram o nome da associação para Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, não são aplicáveis ao presente caso] estipula, no artigo 62º, que o direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados três anos sobre a data em que o facto tiver sido cometido ou se, conhecido o facto, a entidade competente, nos 3 meses seguintes à data do conhecimento, não instaurar procedimento disciplinar, sendo que é ao respectivo Conselho Disciplinar que compete instaurar e decidir os processos disciplinares [41º alínea a), e 61º nº1].
No caso concreto, e porque o CD teve conhecimento da falta de pagamento de quotas por parte do ora recorrido em 08.03.2004 [ponto 5 do provado] e decidiu instaurar-lhe processo disciplinar, com essa base, em 15.03.2004 [ponto 6 do provado], o TAF considerou cumprido o prazo de 3 meses sobre o conhecimento do facto pela entidade competente.
Mas, porque o agora recorrido nunca pagou quotas desde a sua inscrição, em 1997 [2 e 3 do provado], e tudo indica que todo esse período temporal foi tido em consideração no acórdão sancionatório, entendeu o TAF que não foi cumprido o prazo limite de 3 anos sobre a data em que o facto foi cometido. Com este fundamento anulou esse acórdão.
A OTOC tem razão ao imputar erro a este último julgamento, e, nomeadamente, ao qualificar a falta de pagamento mensal de quotas como infracção continuada.
O direito administrativo disciplinar, sobretudo por elaboração da jurisprudência, tem feito uso do conceito de crime continuado, próprio do direito penal, tendo em vista, mormente, determinar o momento a partir do qual tem seu início a contagem do prazo de prescrição que vimos referindo: …na falta de qualquer indicação no Estatuto Disciplinar quanto à estrutura da infracção continuada e da infracção permanente e às repercussões sobre o instituto da prescrição, deverão aplicar-se, a título supletivo, os princípios do direito penal dados os termos essencialmente análogos em que se conjugam, nestes dois ramos de direito, os valores ou pontos de vista que intervêm no desenho destas figuras jurídicas [AC do STA de 16.04.97, Rº021488. Ver, ainda, AC do STA de 27.09.90, Rº020399; AC do STA de 20.10.92, Rº027026; AC do STA de 16.02.97, Rº021488; AC do STA de 16.01.2003, Rº064/02].
A lei penal estabelece como requisitos do crime continuado que esteja em causa o mesmo bem jurídico, que a actividade seja executada de forma homogénea, no quadro de uma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente [ver o artigo 30º nº2 do CP]. E, neste caso de crime continuado, o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia da prática do último acto criminoso [artigo 119º nº2 alínea b) do CP].
Tratando-se, no presente caso, de conduta consubstanciada na falta de pagamento de quotas ao longo de muitos meses [145], temos como certo que estamos face a uma infracção continuada cujo prazo de prescrição do procedimento disciplinar deverá ser aferido por analogia com o previsto na lei penal.
Assim, e uma vez que o cancelamento da inscrição do recorrido como Técnico Oficial de Contas [TOC] apenas terá ocorrido em Julho de 2007 [15 do provado], e desde 1997 até à data do cancelamento ele nunca pagou as quotas, temos que em 15.03.2004 ainda não tinha decorrido o prazo limite de três anos para instaurar o procedimento disciplinar, prazo esse que ainda nem sequer tinha começado a contar, ou, pelo menos, atendendo à data da deliberação do CD de instaurar PD ao ora recorrido, sempre teria de considerar-se como termo a quo dessa contagem o mês de Fevereiro de 2004 [da prática do último acto infraccional antes da instauração do PD].
Deve, pois, ser concedido provimento ao objecto do recurso da OTOC, e, em conformidade, ser revogada a sentença do TAF enquanto julga procedente a prescrição do procedimento disciplinar por violação do prazo limite de três anos previsto no artigo 62º nº1 do ECTOC.

IV. Dos erros de julgamento invocados pelo recorrido.
Os demais vícios imputados à decisão disciplinar foram, como já dissemos, julgados improcedentes pelo TAF do Porto.
É o seguinte o respectivo arrazoado:
[…]
No caso ora em apreço, não existem dúvidas que o ora autor se inscreveu na CTOC em 1997, tendo mudado de residência, sem de tal facto ter dado notícia à referida Câmara, e não tendo pago as respectivas quotas. Ora, a atitude do autor afrontou, designadamente, o dever de pagamento pontual das quotas devidas à Câmara estabelecido na alínea e) do artigo 57º do ECTOC.
Assim, por força do nº2 do artigo 59º do ECTOC a conduta do autor foi devidamente considerada como infracção disciplinar, pelo que, lhe foi instaurado o processo disciplinar ora em causa e que culminou no acto impugnado, que se traduz no Acórdão nº0056/09, do CD/CTOC, pelo qual foi aplicada ao autor a pena disciplinar de multa no valor de 1100,00€.
Sustenta o autor que foi violado o dever de audição, e o princípio do contraditório, alegando não ter tido conhecimento da acusação de forma a poder defender-se e que, pelo facto de nunca ter exercido a profissão de TOC, não estava obrigado a comunicar qualquer alteração de domicílio profissional.
Desde já se adianta que a falta de razão do autor é notória.
Desde logo, os factos provados revelam que ao ora autor foram fornecidos todos os elementos necessários de forma a permitir-lhe exercer o direito de defesa que, de facto, e de forma esclarecida, exerceu.
É certo que a CTOC teve grandes dificuldades em contactar o autor, e em fornecer-lhe a cópia da acusação deduzida, porquanto, em clara violação da obrigação estatutária, ele, que só em 2007 requereu cancelamento da inscrição, não procedeu tempestivamente à actualização do seu domicilio, simultaneamente profissional e pessoal, como lhe era imposto pelo estatuído na alínea d) do artigo 57º do ECTOC, sendo irrelevante, para o que interessa, se exercia ou não efectivamente a actividade na qual se inscreveu, com todas as legais consequências que sobrevinham a essa inscrição.
Assim, não colhe a desproporcionalidade e injustiça da exigência de pagamento das quotizações em falta.
Essa exigência mais não é do que o exercício da exigência do cumprimento das obrigações que o autor, pelo facto de se ter inscrito na CTOC, assumiu e em relação às quais não se desvinculou senão no ano de 2007, sendo abusivo dizer que cumpriu uma mera formalidade ao inscrever-se e em pretender que a CTOC, sem que nada lhe tivesse sido comunicado, tivesse a obrigação de saber que nunca tinha exercido funções e ainda que pelo simples facto de nunca ter sido TOC, pelo que nunca lhe passou pela cabeça que, passados estes anos todos, sem nunca ter tido qualquer contacto com a profissão nem com a Associação, ainda estivesse sujeito aos Estatutos... [ver artigo 67º da petição inicial].
Dispõe o artigo 75º do ETOC, sob a epígrafe de despacho de acusação, que o “… despacho de acusação deve indicar a identidade do arguido, os factos imputados e as circunstâncias em que foram praticados, as normas legais e regulamentares infringidas e o prazo para a apresentação de defesa …” [nº1], sendo que o “arguido é notificado da acusação pessoalmente ou por carta registada, com aviso de recepção, com a entrega da respectiva cópia …” [nº2].
Dúvidas não existem de que a acusação tem de ser formulada através da articulação de factos concretos e precisos, devendo enunciar as circunstâncias conhecidas de modo, tempo e lugar e as infracções disciplinares que deles derivem. O arguido tem de saber de forma clara e concreta, os factos de que é acusado de molde a poder apresentar defesa pertinente a esses mesmos factos, quer no sentido de provar que os não praticou e como tal que é inocente, quer com o objectivo de demonstrar que não justificam a aplicação de sanções por não constituírem infracções disciplinares.
No caso em apreço, como se adiantou, o acto impugnado não padece da ilegalidade que o autor lhe assaca, proveniente da violação do direito de audição e do exercício do contraditório, porquanto, o despacho de acusação deu integral cumprimento ao artigo 75º do ETOC e foi devidamente notificado ao autor por carta registada com aviso de recepção, o que permitiu que este exercesse o direito de defesa, o que fez em vários momentos, sendo incompreensível que o autor tenha apontado irregularidades no processo que se prendem com o conhecimento da acusação e do exercício do direito de defesa.
Analisado o procedimento disciplinar bem assim como o posicionamento do autor no referido procedimento, e ainda nos presentes autos, sobressai que o mesmo compreendeu de forma inequívoca o sentido e alcance da acusação, tendo naquele processo, tal como neste, apresentado defesa que mostra ter compreendido e bem as infracções imputadas.
Resulta claro, pois, que o autor exerceu sem restrições o seu direito de defesa, tendo apresentado as alegações que entendeu de forma a contraditar a acusação que lhe foi dada a conhecer sem quaisquer limitações, pelo que, sem necessidade de outras considerações temos que improcede o suscitado vício invalidante de todo o procedimento disciplinar.
[…]
O julgamento de improcedência dos vícios de falta de audiência do arguido, falta de contraditório, e de violação da proporcionalidade, cremos que deverá ser confirmado.
Na verdade, como resulta do provado, o arguido acabou por ser devidamente notificado do conteúdo da acusação deduzida contra si, e teve efectiva oportunidade, que ele exerceu, de se defender de tal acusação [ver pontos 18 e 19, 21 e 22 do provado]. Aliás, numa clara preocupação de evitar alguma deficiência no respeito pelos direitos do arguido, foi ele notificado não uma, mas duas vezes, da acusação, e dessas duas vezes se defendeu da mesma. E se, na busca de aprofundamento da matéria de facto provada, consultarmos o teor integral do PD, ficamos até admirados com o escrúpulo do respectivo instrutor na observância dos direitos que assistem ao arguido.
A arguição de violação do princípio do contraditório, e do direito de audiência, em que o agora recorrido insiste, vai beber à confusão decorrente das dificuldades para obter a sua notificação, e que brotam da falta de cumprimento de uma obrigação que se lhe impunha como TOC, a de comunicar à CTOC, no prazo de trinta dias, qualquer mudança do seu domicílio profissional [57º alínea d) do ECTOC].
Mas, insistimos, apesar dessas dificuldades, imputadas a conduta omissiva do arguido, e não a falta de empenho do respectivo instrutor, o certo é que foi conseguida, e reiterada, a notificação da acusação.
Não ocorre, pois, violação do dever de audiência, ou violação do princípio do contraditório, nos termos invocados pelo recorrido.
Ele insiste, também, em que é manifestamente desproporcional e injusto sancioná-lo pela falta de pagamento de quotas referentes a uma profissão que ele nunca exerceu.
Porém, a verdade é que o ora recorrido se inscreveu na CTOC, em 1997, apenas tendo cancelado essa sua inscrição em 2007. Entre esses anos, e porque a inscrição não estava suspensa ou cancelada, ele constava como membro activo da CTOC, assistindo-lhe todos os direitos e todos os deveres inerentes a tal situação, sendo um destes o de pagar pontualmente as quotas e outros encargos devidos à Câmara [ver 57º alínea c) do ECTOC].
E essa falta de pagamento, ainda que a título de negligência, mantida por um período superior a 180 dias, e mesmo após o decurso de prazo para pagamento concedido pela CTOC, constitui infracção disciplinar punível com pena não superior a multa, a qual tem como limite máximo a quantia que corresponde a cinco vezes o salário mínimo nacional em vigor à data da prática da infracção [57º alínea c), 59º nº2, 63º nº1 alínea b), 64º nº2, e 66º nº3 do ECTOC].
A falta de exercício das funções de TOC, por parte do recorrido, e que ele invoca em sede de alegação de desrespeito do princípio da proporcionalidade, não constitui circunstância excludente da ilicitude, que justificasse, como parece querer, decisão de não instauração do PD, mas, quando muito, circunstância a convocar aquando da escolha e graduação da pena disciplinar.
Aliás, como se pode constatar do teor dos pronunciamentos do ora recorrido, enquanto arguido, no âmbito do PD, ele veio a admitir, como não podia deixar de ser, o dever de pagamento de quotas que sobre ele impendia, passando a contestar, sobretudo, o seu prazo de exigibilidade, que a seu ver seria apenas de 5 anos, em termos civis, e 3 meses, em termos disciplinares.
Não se pode deixar de concluir, em face da lei e dos factos que resultaram provados, que o ora recorrido, enquanto TOC na situação de activo, deveria pagar, pontualmente, as suas quotas à CTOC, e o facto de não estar a desempenhar as respectivas funções não exclui a ilicitude disciplinar dessa sua omissão.
No tocante à prescrição, o recorrido insiste em dois vectores: - Discorda de que o prazo de três meses, previsto no artigo 62º do ECTOC, só comece a contar com o conhecimento do facto pelo CD/CTOC, e não por qualquer outro órgão, funcionário ou agente, da CTOC; - Discorda de poder ser sancionado disciplinarmente por dívidas já prescritas segundo a lei civil.
A este respeito disse a sentença recorrida o seguinte:
[…]
A questão está é em saber se aquele prazo de três meses começa a correr logo que se dê o conhecimento [do facto] por qualquer um dos órgãos da CTOC, previstos no artigo 24º, nº1, alíneas a) a f), do ECTOC, ou se tal prazo apenas se inicia com o conhecimento do facto pelo Conselho Disciplinar, órgão da CTOC.
É o próprio artigo 62º, nº1, do ECTOC, que, ao fixar o prazo de três meses para a prescrição do direito a instaurar o processo disciplinar, indexa o conhecimento do facto à entidade competente para instaurar aquele processo. Ora, no caso presente, vimos já que a entidade competente para instaurar o PD é unicamente o CD/CTOC [41º, alínea a), e 61º, nº1, do ECTOC].
Assim sendo, considera-se que a prescrição em causa só ocorre a partir do momento em que o CD/CTOC tome conhecimento do facto susceptível de configurar uma infracção disciplinar e não instaure, como órgão legalmente competente, no prazo de três meses, o respectivo processo disciplinar. […]
[…] Neste sentido se decidiu em AC TCAN de 16.11.2006, Rº817/04.7BEBRG:
“E será que só ocorrerá a prescrição se o órgão competente para o exercício do poder disciplinar, ou seja o Conselho Disciplinar da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, tiver sido informado da prática de uma infracção e não instaurar o respectivo procedimento disciplinar no prazo de três meses? A questão é, pois, de interpretação do referido artigo 62º do ECTOC. A propósito da interpretação da lei, diz o artigo 9º nº1 do CC que esta não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições especificas do tempo em que é aplicada. E, continua o nº2 que não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, terminando o nº3 que na fixação do sentido e alcance da lei o interprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Na interpretação da lei há, assim, que atender: - ao elemento literal [sentido dos termos e sua correlação]; - lógico [a lei que permite o mais, permite o menos; a que proíbe o menos proíbe o mais; a que permite o fim permite os meios que necessariamente a ele conduzem; a que proíbe os meios, proíbe o fim a que eles necessariamente conduzem]; - sistemático [as leis interpretam-se umas às outras]; - histórico [trabalhos preparatórios]. A propósito do artigo 4º do ED tem a jurisprudência sido clara nos sentido de que está em causa o órgão competente para instaurar o processo disciplinar. Veja-se por exemplo o AC TCAS 10549/01 de 25.11.2004 […]. E, não se vê razão para discordar deste entendimento face aos supra referidos elementos de interpretação. Na verdade, não tinha qualquer lógica nem razão de ser que fosse possível a uma entidade bloquear o poder de outra. Se apenas o Conselho Disciplinar pode instaurar o procedimento disciplinar, o prazo para o fazer apenas se pode contar a partir do conhecimento dos factos por este. Se o prazo contasse a partir do conhecimento por outra entidade, nem que esta seja a entidade a que pertence o órgão com competência disciplinar, podia aquela impedir o órgão de exercer as suas competências através da falta de comunicação da infracção. Ao supra referido entendimento não obsta o facto de a jurisdição disciplinar, em abstracto, pertencer a uma entidade, mas depois, em concreto, pertencer a um órgão dessa entidade”.
E ainda:
à luz do invocado artigo 310º alínea g) do CC, tal como sustenta o autor, sempre teria a demandada que atender a que se encontrava prescrito o direito aos créditos correspondentes às quotas em dívida em relação às quais havia já decorrido o prazo de 5 anos, pelo que, não sendo as mesmas legalmente exigíveis, não podiam ter entrado em linha de conta na ponderação do grau de culpa do arguido, ora autor, na prática da infracção de falta de pagamento de quotas
A jurisprudência em que o TAF se baseou para considerar como termo inicial da contagem do prazo de prescrição de 3 meses a data do conhecimento do facto pelo CD/CTOC é de manter, cremos. E isso porque ela corresponde à mais correcta interpretação da norma em causa, entendido o seu sentido literal à luz da teleologia e lógica do sistema disciplinar em que se insere. Nem faria sentido que, tendo a CTOC órgão próprio para instaurar e decidir processos disciplinares, o Conselho Disciplinar, pudesse ser relevante o conhecimento do facto, para efeitos de prescrição, por qualquer outro órgão ou agente seu, podendo assim ser boicotado, por negligência deste, o exercício das funções que especificamente incumbem àquele.
E, por fim, importa salientar que uma coisa é a prescrição civil, no caso prevista no artigo 310º alínea g) do CC [segundo o qual prescrevem no prazo de cinco anos (…) g) quaisquer outras prestações periodicamente renováveis], e outra a prescrição disciplinar, prevista no referido artigo 62º do ECTOC. E que a decisão disciplinar impugnada sancionou o aí arguido pela infracção disciplinar do não pagamento de quotas, por período superior a 180 dias, mas não lhe impôs, neste âmbito disciplinar, o pagamento das quotas em dívida.
A infracção disciplinar basta-se com o prazo superior a 180 dias, o direito de procedimento disciplinar não pode ultrapassar os 3 anos anteriores ao seu efectivo exercício, e só poderão ser exigidas, agora em termos civis, as dívidas de quotas dos anteriores 5 anos.
Como vemos, o âmbito temporal quer do tipo de infracção quer do limite máximo da prescrição do procedimento cabem, totalmente, dentro do âmbito temporal da prescrição civil.
Portanto, não estando aqui em causa o pagamento das quotas, mas sim o pagamento da multa aplicada, não há qualquer razão para ofuscar o que é claro: apesar de, civilmente, só poder ser exigido ao ora recorrido o pagamento dos últimos cinco anos de quotas, isso não contende nem com a infracção disciplinar nem com o processo em que foi punido.
Nem se diga ser desproporcional e injusto exigir-lhe pagamento de quotas civilmente prescritas, porque no PD não constatamos, em nenhum lado, a exigência desse pagamento. E a circunstância de, em sede de aferição do grau de culpa, ter sido escrito que o arguido deixou arrastar a situação por um período de 145 meses, nada fazendo prever que ponha termo à infracção, não infirma essa conclusão. Tal aferição, cremos nós, não fica espartilhada pelo período temporal da prescrição civil, pois não se reflecte no preenchimento do tipo legal de infracção, mas sim na personalidade do infractor merecedor de censura ético jurídica.
Sabemos que são deveras longas as conclusões do recorrido, mas são estes os erros de julgamento de direito relevantes face ao objecto do recurso jurisdicional, que é constituído pela sentença recorrida. E a essa sentença, já o dissemos, não foi imputada qualquer nulidade por omissão de pronúncia, pelo que teremos de a reputar de completa no conhecimento das questões trazidas a juízo.
Ressuma, portanto, que deverá proceder o objecto do recurso da actual OTOC, e deverá improceder o objecto da ampliação do recorrido Hugo Miguel. E, em conformidade, deverá ser revogada a sentença recorrida enquanto julga ser procedente a prescrição do procedimento disciplinar, e ser julgada totalmente improcedente a acção especial.
Assim se decidirá.
Decisão
Nestes termos, decidem os Juízes deste Tribunal Central, em conferência, o seguinte:
- Conceder provimento ao recurso jurisdicional da OTOC, e revogar a sentença recorrida na parte nele impugnada;
- Negar provimento à ampliação do recurso jurisdicional, que foi solicitada pelo recorrido HM. …, e manter, nessa parte, a sentença recorrida;
- Julgar totalmente improcedente a acção especial.
Custas pelo ora recorrido em ambas as instâncias - artigos 446º do CPC, 189º do CPTA, e RCP [alterado pela Lei nº7/2012 de 13.02] e Tabelas I-A e I-B a ele Anexas.
D.N.
Porto, 25.05.2012
Ass. José Augusto Araújo Veloso
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Maria Isabel São Pedro Soeiro