Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00053/10.3BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/20/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rosário Pais
Descritores:RECURSO EM MATÉRIA DE FACTO; CORREÇÕES TÉCNICAS; ÓNUS DA PROVA; CONTRAPROVA; ARTIGO 100.º DO CPPT
Sumário:I – Não existe impugnação da matéria de facto válida e eficaz se não foram cumpridos os ónus estabelecidos no artigo 685º-B, nº 1, al. b), e n.º 2, do CPC, pela forma aí regulada, designadamente se não forem identificados os concretos pontos de facto que, na ótica da Recorrente, foram incorretamente julgados.

II – Perante correções meramente aritméticas não baseadas na contabilidade do contribuinte, é à AT que compete demonstrar os factos constitutivos do direito à liquidação a que se arroga, de acordo com a regra geral que decorre do artigo 74º, nº 1, da LGT.

III - Nesta situação, cabia à Impugnante /Recorrida, fazer a contraprova a respeito dos mesmos factos, isto é, da quantificação dos seus rendimentos apurada pela AT, destinada a torná-los duvidosos e, conseguindo-o, a questão deve ser decidida contra a parte onerada com a prova - esta é a regra que se extrai do artigo 346.º do Código Civil.

IV - Nos termos do artigo 100º, nº 1, do CPPT, sempre que da (contra)prova produzida pelo contribuinte resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:S., LDA
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. A Representação da Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 28.11.2011, pela qual foi julgada procedente a impugnação judicial deduzida por S., Lda. Contra a liquidação de IRC e juros compensatórios respeitante ao ano de 2005.

1.2. A Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
«A. A douta sentença concedeu provimento à impugnação anulando a liquidação de IRC e juros compensatórios do exercício de 2005, por haver concluído, atentos os factos dados como provados (ponto III.), não ser “seguro que todos os valores registados no sistema informático correspondam efectivamente a transacções económicas”, resultando na “fundada dúvida sobre a existência/quantificação do facto tributário”, “motivo pelo qual as liquidações devem ser anuladas”.
B. Ressalvado o respeito devido, que é muito, não nos conformamos com esta decisão, discordando do probatório fixado, atentas as soluções de direito configuráveis para a decisão da causa, bem como com a aplicação do direito efectuada, atendendo às razões que de imediato passamos a elencar.
C. O Tribunal delimitou as questões dos autos, conhecendo apenas daquela que passa por determinar se o sistema informático em uso no estabelecimento do impugnante é, ou não, idóneo a permitir a correcção aritmética dos rendimentos declarados e, tendo esta questão por referência, para o efeito de dar como provados e não provados os factos elencados no ponto III, alicerçou a sua convicção no teor dos elementos constantes dos autos e no Processo Administrativo, assim como nos depoimentos testemunhais, “especialmente” no depoimento de J. (“informático de formação”), considerando também o depoimento de A. (relações públicas), V. (contabilista) e S. (inspector tributário).
D. Face à conjugação dos ditos elementos probatórios integrados nos autos, com os depoimentos referidos e especialmente com os depoimentos do Inspector Tributário S. e de V., contabilista da impugnante, não nos conformamos com os factos dados como provados e menos ainda que deles resulte a fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário.
E. Manifesta-se, na conformação da matéria de facto dada como provada uma notória desvalorização e descredibilização dos dados recolhidos e da análise profusamente efectuada aos mesmos, por técnicos especializados na área financeira, que têm os conhecimentos informáticos suficientes para que se encontrem a desempenhar funções no Núcleo de Apoio Informático da Direcção de Finanças (…) (não se encontrando determinado nos autos se lhes corresponde uma formação académica especifica na área de informática).
F. Encontram-se sobrevalorizados alguns aspectos do depoimento (em detrimento de outros que do mesmo se aferem) de um “informático de formação” (não se encontrando determinado nos autos se lhe corresponde uma formação académica especifica na área de informática), que esteve ao serviço da empresa que comercializava o programa informático encontrado e reproduzido nas instalações da impugnante, contendo registos relativos às operações relativas ao funcionamento da discoteca V. relativos a todos os anos desde 2003 a 2006 (ano em que foi efectuada a respectiva cópia) e que se manteve em funcionamento na empresa pelo menos até à data da inquirição de testemunhas.
G. Encontram-se sobrevalorizados elementos do depoimento testemunhal de A. (em detrimento de outros que do mesmo se aferem), relações públicas e assessor da gestão da sociedade desde 2003 até à data em que prestou testemunho, por isso mesmo, pessoa vinculada e dependente da impugnante.
H. A análise efectuada pelos técnicos da inspecção tributária e pelos técnicos do Núcleo de Apoio Informático da Direcção de Finanças (….), mostra-se objectiva e desprovida de qualquer interesse ou motivação pessoal que não consista no cumprimento dos seus deveres funcionais, pautando-se, ao que transparece dos relatórios efectuados, pelo rigor e pela realização de testes de coerência e de integridade do sistema informático, que se mostraram exaustivos.
I. Recapitulando os vectores essenciais da acção inspectiva, verifica-se que foi levada a efeito pela 5ª Divisão dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças (…), credenciada por Ordem de Serviço, cuja emissão foi despoletada por promoção emitida com base na informação prestada na sequência de acção especial com vista à consulta, recolha e cruzamento de elementos credenciada pelo Despacho 2006008111, efectuada pelo Núcleo de Apoio Informático da Direcção de Finanças (…).
J. Em face dos dados recolhidos na sequência daquele Despacho e, atendendo a que os mesmos apontavam para omissões significativas ao volume de negócios do sujeito passivo, com reflexos na matéria tributável para efeitos de IVA e de IRC, promoveu-se a emissão de ordens de serviço para efeitos de realização de acção inspectiva aos anos de 2003, 2004 e 2005.
K. Os lançamentos da contabilidade relativos às prestações de serviços realizadas no âmbito do funcionamento da discoteca V. não tinham qualquer suporte documental, para além de meros apuros manuais, porquanto a impugnante utilizou como documentos de suporte “relatórios internos de caixa”, que mais não eram do que folhas de Excel por si preenchidas, sem qualquer evidenciação das operações concretas que lhe deram origem e sem qualquer documento de suporte, o que não é aceitável, face aos dispositivos legais relativos à facturação (relatório inspectivo; informação prestada na RG e depoimentos do contabilista, do relações públicas e do inspector).
L. Ora, analisadas as “vendas a dinheiro” conforme quadro inserto no relatório inspectivo, e confrontando-as com as prestações de serviços declaradas e com os valores patentes do sistema informático verifica-se que não têm qualquer representatividade.
M. A impugnante não emitiu talões de caixa ou factura, nem emitiu vendas a dinheiro para as prestações de serviços que realizou nos termos descritos no relatório inspectivo, verificando-se que o programa “Winrest” foi efectivamente utilizado como sistema de facturação como se constatou pelos ficheiros informáticos gerados pelo mesmo para os anos de 2003 a 2006.
N. Não existiram, face à análise efectuada pelos Serviços de Inspecção, quaisquer indícios ou provas de inoperacionalidade do sistema informático de facturação, sendo que foi reforçado que nas situações em que o mesmo se encontrasse inoperativo, não bastavam para sustentar os registos na contabilidade os “apuros de caixa”, continuando o impugnante obrigado a emitir factura para valores superiores a 24,94 ou a emitir talões de caixa nos restantes casos, guardando-os como documentos de suporte das prestações de serviços realizadas e não apenas os “relatórios internos de caixa” (informação prestada na RG).
O. Ou seja, a impugnante não possuía um sistema operativo que, em alternativa ao sistema reproduzido e analisado, possuísse um suporte contabilístico adequado das operações efectuadas, com respeito pelas normas legais a que se encontra obrigado.
P. Sempre foi afirmado pela impugnante que o referido sistema informático servia para o controlo do volume de álcool e número de bebidas e, servindo para este efeito, servia com a mesma eficiência para as quantidades e para os valores em dinheiro.
Q. O sistema informático existia e manteve-se a ser utilizado durante todos os anos que foram analisados (2003 a 2006) e, ao que se depreendeu dos depoimentos prestados, manteve-se em utilização até à data da inquirição, dizendo-nos o senso comum que tal sistema não pode ser inoperacional como se pretendeu provar nesta impugnação e, muito menos que corresponder a um modelo em implementação, que não deixou de ser um modelo de testes, porque tal tese não apresenta o mínimo de credibilidade face à sua continua utilização.
R. Não se afigura credível que o dito sistema informático se mantenha instalado e seja processado diariamente, em cada bar, em cada registo de bebidas, tanto assim que se chamava o técnico de informática (para resolver problemas com o hardware - impressoras, cabos, routers), para que a sua funcionalidade durante anos e anos a fio fosse confinada apenas a fazer o controlo de bebidas, porquanto existem métodos muito mais simples, práticos e fiáveis para controlar bebidas.
S. Por outro lado, ressalta a contradição, se o sistema serve para controlar quantidades de bebidas serve para controlar os consumos, que mais não são do que bebidas, sendo que os problemas que vêm mencionados existir com o sistema informático relacionam-se com o registo das ofertas, ao que parece, por duplicar as ofertas, ora, sendo estas assumidas a preço 0, tal não contende com a facturação dos serviços prestados, pode contender com o controlo interno do funcionamento da discoteca, e com o controlo dos funcionários dos bares, e mesmo com o controlo de bebidas, mas não origina a duplicação de prestações de serviços consideradas, porquanto as mesmas seriam assumidas a preço 0.
T. Saliente-se para efeitos de contextualização do procedimento adoptado pela impugnante e dos depoimentos testemunhais que, no ano de 2003, nos registos extraídos do sistema informático, encontravam-se patentes as ofertas, sendo que tais valores não foram considerados pela inspecção para efeitos de correcção, sendo assumido o valor 0.
U. De realçar que mostrando-se no ano de 2003 incluídas as ofertas nos registos copiados do sistema, as correcções efectuadas naquele exercício não incluíram qualquer daqueles valores, não se colocando a questão relativamente às ofertas nos anos de 2004 e 2005, porque dos dados recolhidos não constam ofertas.
V. Esta análise é a mais coerente e consentânea com os depoimentos prestados de que existiram problemas relacionados com o registo das ofertas e com os dados informáticos auditados.
W. A generalidade dos empregados de bares de discotecas e outros estabelecimentos nocturnos, assim como de estabelecimentos diurnos tais como restaurantes, cafés, pastelarias e outros estabelecimentos de restauração onde o sistema “Winrest” é o mais frequentemente utilizado como sistema de facturação, não tem conhecimentos específicos de informática nem na óptica do utilizador, nem em qualquer outra, o que não os impede de efectuar os registos dos produtos consumidos.
X. Evidentemente, será necessário que previamente alguém lhes explique o modo de proceder ao registo, não obstante, a forma de processar os registos não assume especial dificuldade, nem exige conhecimentos específicos, sendo de acessível aprendizagem.
Y. O facto de os empregados dos bares serem estudantes universitários que só permaneciam a trabalhar durante dois a três meses não implica uma menor apetência ou dificuldade de aprendizagem no método para efectuar registos num programa informático com as características do “Winrest”, primeiro porque o sistema de registo é acessível e de fácil apreensão e depois porque os jovens estudantes apresentam na generalidade das vezes maior familiaridade e facilidade de adaptação à utilização de sistemas electrónicos e informáticos.
Z. Quando o “informático” (J.) afirma que o sistema era complexo, não se refere à complexidade que ele apresenta na óptica do utilizador, mas na óptica da respectiva programação, porquanto na óptica do utilizador, o programa mostra-se acessível a ser utilizado pela generalidade dos empregados de cafés, bares, restaurantes, sendo dos mais utilizados no país e não se nos afigurando que este leque de utilizadores se afigure mais apto nas ópticas da tecnologia e da informática do que jovens estudantes universitários.
AA. Não sendo pelo facto de poderem acontecer erros humanos no registo das prestações de serviços que se deve retirar a credibilidade do sistema para efeitos do apuramento do volume das mesmas prestações de serviços, porque se assim fosse, nenhum sistema serviria de base para o apuramento das prestações de serviços, visto que errar constitui uma inevitabilidade inerente à condição humana.
BB. Não sendo, ainda, pelo facto de o sistema informático precisar de manutenção ou de que se recorra à assistência técnica para resolver problemas de “hardware”, que se pode colocar em causa a idoneidade dos registos que nele se encontram, pois tais situações são pontuais e são recorrentes na utilização de qualquer aparelho informático, sem que a sua fiabilidade fique comprometida.
CC. Afigura-se-nos que o principal problema apontado ao sistema, com relevo para o apuramento do valor das prestações de serviços da impugnante – duplicação de ofertas – foi pela impugnante resolvido, decidindo não efectuar o registo de ofertas no sistema informático, tanto assim que no ano de 2003 aparecem os registos das ofertas e não foram considerados e daí em diante não aparecem os ofertas registadas, sem comprometimento da fiabilidade do resto dos registos que no sistema se encontravam.
DD. Por quanto ficou exposto conclui-se que os registos patentes do sistema de facturação “Winrest” se mostram uma base de apuramento credível, sustentável e idónea para as correcções operadas pela inspecção tributária, não sendo a prova testemunhal apresentada idónea para suscitar a fundada dúvida quanto à existência e quantificação do facto tributário.
EE. O 100º do CPPT contém uma norma que se reporta à questão do ónus da prova, destruindo a presunção legal a favor da AF (in dublo pro Fisco), estabelecendo uma verdadeira repartição do ónus da prova (que se coloca apenas em relação a questões de facto), de acordo com os princípios da legalidade e da igualdade, e em termos de que a incerteza sobre a realidade dos factos tributários reverte, em regra, contra a AF, não devendo ela efectuar a liquidação se não existirem indícios suficientes daqueles.
FF. Não pode aproveitar ao “impugnante uma actuação processual e, sobretudo, probatória, direccionada e orientada pelo, simplista e preguiçoso, objectivo de suscitar dúvida, ainda que fundada, sobre a quantificação do facto tributário. É imprescindível um desempenho pautado pela concreta e circunstanciada alegação de factos que, uma vez provados, sejam idóneos a comprovar, a demonstrar, com uma certeza adequada e passível de ampla aceitação, a aduzida errónea ou excessiva quantificação da matéria tributável”2.
2 Ac. do TCASuI de 18.10.2011, no processo 04335110, em que foi relator Aníbal Ferraz, disponível em www.dgsi.pt.
GG. Os resultados da auditoria informática efectuada pelo Núcleo de Apoio Informático da Direcção de Finanças (…), não são susceptíveis de ser infirmados pela prova testemunhal efectuada pela impugnante, porque do seu teor não resulta provado que o sistema informático não se encontrasse apto a reflectir os registos inerentes às prestações de serviços efectuadas pela impugnante.
HH. Pretendendo a impugnante demonstrar clara e inequivocamente que o sistema informático cujos registos foram copiados e auditados não era credível para reflectir as prestações de serviços nele registadas, o meio de prova idóneo para o efeito seria requerer uma peritagem, uma auditoria aos dados recolhidos, por peritos com a respectivas qualificações técnicas ou académicas devidamente credenciadas na área da informática, para que, de forma autónoma e independente fosse confirmada ou infirmada a aptidão dos mesmos registos para servirem de base para a determinação das prestações de serviços da impugnante.
II. Inexiste a fundada dúvida sobre a existência e a quantificação do facto tributável, quando a AT estriba a liquidação adicional em factos precisos e objectivos, que a prova oferecida pela impugnante não foi susceptível de infirmar.
Termos em que,
deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida.».

1.3. A Recorrida S., Lda. apresentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:
«1. O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo situou a questão jurídica a dirimir no facto de ser necessário saber se o sistema informático em uso no estabelecimento da impugnante é, ou não, idóneo a permitir a correção meramente aritmética do rendimentos declarados pela impugnante no ano de 2005, para efeitos de IRC e se o procedimento inspectivo padece de alguma ilegalidade, sendo que considerou o Meritíssimo Juiz a quo primar pela consideração da primeira questão, porquanto, sendo aquela que oferece mais garantias e tutela ao contribuinte, caso fosse procedente implicaria, como sucedeu, a procedência da impugnação.
2. Para saber se o sistema informático, única base na qual a administração tributária assentou a correção meramente aritmética da matéria colectável, era ou não idóneo a sustentar essa correção, necessariamente teremos de assumir o que foi dado como provado.
3. Assim ficou provado que:
“No “âmbito de uma ação especial desenvolvida pela direção de Finanças (…), foi realizada uma cópia do sistema informático que a impugnante tinha a funcionar na discoteca V. – facto 1 dado como provado.
4. “Da análise dos referidos registos informáticos, a inspeção tributária, constatou existirem divergências significativas, entre estes e os valores declarados pela impugnante nas suas declarações de rendimentos ao exercício de 2005 – facto 2 dado como provado.
5. “Na sequência, da referida ação inspectiva, baseada em correções meramente aritméticas, foram efetuadas as liquidações adicionais do IRC de 2005 – Facto 4 dado como provado.
6. “O sistema informático utilizado pela impugnante na discoteca V. é o software Winrest que foi adquirido em Novembro de 2002 à empresa I, Lda.”, – facto 5 dado como provado
7. “O Winrest é um programa que pode ser adaptado às necessidades específicas dos utilizadores” – facto 6 dado como provado
8. “O técnico informático, J., da empresa I, Lda., não chegou a concluir a modelação do software Winrest às necessidades específicas da discoteca V. porque a empresa para que trabalhava fechou portas em Dezembro de 2002” – facto 7 dado como provado
9. “Entre 2002 e 2005, J., foi algumas vezes chamado à discoteca para auxiliar na resolução de problemas relacionados com o sistema informático, nomeadamente no que respeita ao funcionamento de uma impressora, de uma porta de conexão do hardware e às telas do touch screen” – facto 8 dado como provado.
10. “Entre 2002 e 2005, o sistema informático utilizado pela impugnante na discoteca V. não deixou de ser um modelo de testes, por nunca ter sido devidamente modelado, apresentando algumas limitações como o facto de apenas os gerentes poderem registar ofertas ou existirem problemas com a estrutura da família dos produtos” – facto 9 dado como provado.
11. “Alguns funcionários e colaboradores da empresa com formação poderiam registar a venda de bebidas ao preço de € 0,00 – facto 10 dado como provado
12. “Os funcionários da discoteca V., eram geralmente jovens estudantes, que eram recrutados por dois ou três meses, e não tinham conhecimentos informáticos nem lhe era dada formação relativamente ao software instalado” – facto 11 dado como provado.
13. “ Apesar de o sistema informático ser um modelo de testes com limitações, a duplicação de registos não era automática só podendo ocorrer por erro humano” – facto 12 dado como provado
14. “A discoteca V. realizava às quartas-feiras, a festa da Noite da Mulher em que concedia ofertas às clientes do sexo feminino e, aos sábados, oferecia a segunda bebida da noite aos clientes” – Facto 13 dado como provado.
15. Só este último facto dado como provado sob o número 13 na decisão recorrida, seria suficiente para firmar que o sistema informático, face a toda a prova documental, mormente as relações de todos os registos, não era idóneo para sustentar a contabilidade da impugnante e como tal sustentar qualquer correção aritmética da matéria colectável, porquanto resulta inequívoco que na maior parte dos registos ao sábado e à quarta-feira não constam as ofertas, mas eram sim registadas como transação económica efetiva, o que não correspondia à verdade. Por isso mesmo o sistema era utilizado pela discoteca apenas para controlar o número de bebidas servidas independentemente de serem pagas ou serem ofertas.
16. Ora, como se disse, no caso a que os autos se reportam, a administração tributária constatou existirem divergências significativas entre os valores constantes do sistema informático do estabelecimento da impugnante e os valores por esta declarados nas suas declarações de rendimentos relativas ao exercício de 2005, considerando como idóneos esses dados, através de uma correção meramente aritmética a administração tributária substitui os valores declarados pelos que constam do sistema informático e, assim produziu os atos de liquidação impugnados.
17. Resulta inequívoco dos factos dados como provados e de toda prova documental existente nos autos que nunca poderia o sistema informático sustentar a operação de liquidação realizada pela administração tributária e, na pior das hipóteses, sempre se poderia concluir, como firma a douta sentença recorrida que, “face à prova produzida não é seguro que todos os valores registados no sistema informático correspondam efetivamente a transações económicas
18. Ora, dos factos provados resulta que o sistema informático nunca chegou a ser modelado para as necessidades especificas do estabelecimento da impugnante e o programa apresentava limitações como o facto de apenas os gerentes poderem registar ofertas, o que implicou que, como se afere dos registos diários do programa informático junto aos autos, a maior parte das vezes as ofertas, dadas como provadas que se realizavam – facto 13 –, não eram registadas como ofertas mas como transação económica efetiva
19. Apresentava o programa limitações com a estrutura das famílias dos produtos
20. Acresce que, como os funcionários que lidavam com o sistema não tinham qualquer formação em informática ou conhecimentos mínimos nesse domínio, tal provocava erros de registo por esse motivo.
21. Por todas essas razões, mais não resta, pelo menos, e face à prova produzida chegar a ilação de que não é minimamente seguro de que todos os valores registados no sistema informático correspondem efetivamente a transações económicas efetuadas.
22. Aliás, como se disse dando-se como provado que a discoteca V. realizava às quartas-feiras a festa da noite da mulher em que concedia oferta aos clientes do sexo feminino e aos sábados oferecia a segunda bebida,
Pergunta-se – onde estão registados esses valores como ofertas no mapa informático diário que esta nos autos?
23. A maior parte das ofertas foram registadas como transações económicas pelas razões supra enunciadas e dadas como provadas a propósito do sistema informático, pelo que podemos, aliás, firmar com toda a certeza e sem margem para duvidas que o sistema informático não espelha por forma alguma as reais transações económicas da impugnante, pelo que,
24. Pelas razões aludidas, por forma alguma os dados do sistema informático podem assumir relevo para determinar, por simples calculo aritmético – correções meramente aritméticas – o que quer que seja do ponto de vista dos apuros da sociedade contribuinte, pelo que não poderá proceder a intenção firmada pela administração fiscal no relatório com o desiderato de relativamente ao exercício de 2005, corrigir a matéria colectável em sede de IRC e IVA, justificando-se a decisão a quo
25. Os princípios fundamentais que conformam a relação jurídica tributária foram completamente alterados porquanto em caso de fundada duvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato tributário impugnado ser anulado. Uma autêntica revolução, pois o in dúbio pro fisco vira in dúbio contra fisco.
26. Alude o n.º 1 do art.º 100.º do CPPT que “sempre que da prova produzida resulte dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”. É inequívoco que por todas as razões apontadas, se pode concluir pela inexistência dos pressupostos de facto que justificaram a correção da matéria tributável em sede de IRC no exercício de 2005.
27. Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que se verificam os pressupostos do n.º 1 do artigo 100º do CPPT, porquanto sempre se poderá firmar sem margem para reservas que existem dúvidas fundadas sobre a existência, e quantificação, total dos factos tributários considerados para efetuar a liquidação nos termos em que o fez a administração tributária.
28. Pelo que, verificados, igualmente, os pressupostos do artigo 100, n.º 1, do CPPT, deve o ato de liquidação ser anulado e a impugnação procedente, como decidiu a decisão recorrida
29. Aliás, sem prescindir, refere a administração tributária que a liquidação de INC resulta de correções meramente aritméticas sem recurso a métodos indiretos e que as mesmas têm total acolhimento nos registos informáticos do s.p. Ora, resulta inequívoco, pelas razões supra expendidas, que não era possível a administração tributária proceder a qualquer correção da matéria colectável por via de uma mera correção aritmética. Por isso aquilo que apelida de correção meramente aritmética apenas o é formalmente pois substancialmente não era possível ser operada.
30. Dai que qualquer correção da matéria tributável só poderia ser feita por via de métodos indiretos.
31. Na sequência, deve manter-se a douta decisão recorrida
Sendo que, e só por mera hipótese académica,
32. Caso proceda o recurso terá o tribunal de apreciar todas as outras questões suscitadas na impugnação.
33. Acresce que, com base na ação inspectiva a que os autos se reportam, foram igualmente, promovidas correções meramente aritméticas da matéria colectável em sede de IRC e IVA dos anos de 2003, 2004 e 2005, tendo a recorrida impugnado judicialmente todas as liquidações, tendo o Tribunal Administrativo de Braga, já proferido decisões em três processos, a saber: processo …/10.3BEBRG - 2º UO – IRC 2005, processo …/10.4BEBRG 2º UO IVA 2004 e o presente processo.
34. Nos sobreditos processos a decisão foi a anulação das liquidações.
Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXa, deve o recurso interposto ser julgado improcedente e manter-se a decisão recorrida pois só assim
Far-se-á justiça.».

1.5. O DMMP junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da procedência do recurso e da manutenção das liquidações impugnadas.
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Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Com interesse para a decisão da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito, julgo provados os seguintes factos, com atinência aos meios de prova respectivos:
1.
No âmbito de uma acção especial desenvolvida pela Direcção de Finanças (…), foi realizada uma cópia do sistema informático que a impugnante tinha a funcionar na discoteca V. – facto admitido por acordo.
2.
Da análise dos registos informáticos referidos em 1., a inspecção tributária constatou existirem divergências significativas entre estes e os valores declarados pela impugnante nas suas declarações de rendimentos relativas ao exercício de 2005 – facto admitido por acordo.
3.
O relatório de inspecção que deu origem às liquidações em crise, que aqui se dá por integralmente reproduzido, concluiu deste modo:
“(...)
10 – Em conclusão diremos:
a) Não carece a presente acção de legitimidade, tempestividade ou regularidade formal, por força do disposto no art. 46.e da Lei Geral Tributária.
b) O sistema informático do s.p. é uma prova irrefutável, pois dele constam os valores que sustentam as nossas correcções, sem recurso a indícios ou suposições, são os valores verdadeiros das prestações de serviços efectivamente realizadas.
c) O s.p. tenta dar mais credibilidade a um relatório interno de caixa, insuficiente por si só de cumprir os requisitos do art. 392 do CIVA, do que a um sistema de facturação, esse sim capaz de dar cumprimento aos normativos legais do CIVA, sistema este que de acordo com a análise efectuada se encontrava perfeitamente operacional, inclusivamente encerrando as sessões diariamente, contrariamente ao alegado pelo s.p..
d) O próprio s.p. admite que o sistema informático se encontrava operacional para efeito de controlo das bebidas.” – cfr. fls.40-71 do processo administrativo
4.
Na sequência da acção inspectiva referida nos pontos anteriores, baseadas em correcções meramente aritméticas, foram efectuadas as liquidações de IRC n.° 2008-8310035809 e respectivos juros – actos impugnados – cfr. fls. 36-37 do processo administrativo.
5.
O sistema informático utilizado pela impugnante na discoteca V. é o software Winrest que foi adquirido em Novembro de 2002 à empresa I., Lda. – cfr. o testemunho de J..
6.
O Winrest é um programa que pode ser adaptado às necessidades específicas dos utilizadores – cfr. o testemunho de J..
7.
J., informático da empresa I., Lda., não chegou a concluir a modelação do software Winrest às necessidades específicas da discoteca V. porque a empresa para que trabalhava fechou portas em Dezembro de 2002 – cfr. o testemunho de J..
8.
Entre 2002 e 2005, J. foi algumas vezes chamado à discoteca para auxiliar na resolução de problemas relacionados com o sistema informático, nomeadamente no que respeita ao funcionamento de uma impressora, de uma porta de conexão do hardware e às telas do touch screen – cfr. o testemunho de J..
9.
Entre 2002 e 2005, o sistema informático utilizado pela impugnante na discoteca V. não deixou de ser um modelo de testes, por nunca ter sido devidamente modelado, apresentando algumas limitações, como o facto de apenas os gerentes poderem registar as ofertas ou existirem problemas com a estrutura das famílias de produtos – cfr. o testemunho de J..
10.
Alguns funcionários e colaboradores da empresa com formação poderiam registar a venda de bebidas ao preço de € 0,00 – cfr. o testemunho de J. e de A..
11.
Os funcionários da discoteca eram geralmente jovens estudantes que eram recrutados por dois a três meses e não tinham conhecimentos informáticos nem lhe era dada formação relativamente ao software instalado – cfr. o testemunho de A..
12.
Apesar de o sistema informático ser um modelo de testes com limitações, a duplicação de registos não era automática, só podendo ocorrer por erro humano – cfr. o testemunho de J. e A..
13.
A discoteca V. realizava, às quartas-feiras, a Festa da Noite da Mulher em que concedia ofertas às clientes do sexo feminino e, aos sábados, oferecia a segunda bebida da noite aos clientes.
§
FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou:
A.
Que a discoteca tenha estado aberta ao público nos dias em que não solicitou licença à Sociedade Portuguesa de Autores.
B.
Que a discoteca apenas tenha estado aberta ao público nos dias em que obteve licença da Sociedade Portuguesa de Autores.
§
FUNDAMENTAÇÃO
Quanto ao facto B., é de conhecimento geral que nada impede que uma discoteca esteja em funcionamento sem estar devidamente licenciada.
Quanto ao mais, alicerçou-se a convicção do tribunal no teor dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo.
O tribunal considerou especialmente o testemunho de J. por este ter demonstrado conhecer muito bem o software Winrest e ter explicado como este funcionava com clareza, profundidade e sem hesitações.
Além de ser informático de formação, esta testemunha trabalhou na empresa que vendeu o programa à impugnante e trabalhou na sua modelação durante algum tempo, tendo depois dado assistência, ainda que de modo informal, à impugnante, deslocando-se inclusivamente à discoteca enquanto esta estava em funcionamento, para desbloquear algumas situações relativas ao sistema informático.
Tais situações não eram questões estruturantes, de fundo, mas, antes, relacionadas com falhas dos utilizadores que não sabiam operar com o sistema, por falta de formação.
O tribunal considerou também o testemunho de A., relações públicas da discoteca desde 2002, por mostrar conhecimento do funcionamento da discoteca e merecer credibilidade.
O testemunho de V., contabilista, limita-se a descrever como a contabilidade era executada e o suporte para a sua realização, mostrando desconhecimento relativamente ao funcionamento do estabelecimento.
O testemunho de S., inspector tributário, descreveu o procedimento administrativo de inspecção.».

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Do erro no julgamento de facto
A Recorrente manifesta a sua discordância relativamente à matéria de facto, referindo na alínea D) das suas conclusões que «Face à conjugação dos ditos elementos probatórios integrados nos autos, com os depoimentos referidos e especialmente com os depoimentos do Inspector Tributário S. e de V., contabilista da impugnante, não nos conformamos com os factos dados como provados e menos ainda que deles resulte a fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário.» sem, contudo, identificar quais os factos, de entre os constantes dos probatório, que considera incorretamente julgados. Ademais, lidas as alegações de recurso, constatamos que tal identificação também não se mostra ali efetuada pois que, o respetivo ponto 5, tem o mesmo exato teor da transcrita conclusão.
A este respeito, impõe-se relembrar que a modificabilidade pela Relação da decisão da matéria de facto pressupõe, desde logo, a indicação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, para além da referência aos concretos meios de prova constantes do processo ou de gravação realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (cfr. os artigos 685º-B, nº 1 e 712º, nº 1 als. a) e b) do anterior CPC, temporalmente aplicável ao presente recurso, na medida em que as alegações foram apresentadas em 24.01.2012).
Assim, não existe impugnação da matéria de facto válida e eficaz pois foram cumpridos os ónus estabelecidos no artigo 685º-B, n.º 1, al. b), e n.º 2, do CPC, pela forma aí regulada, caso em que o recurso deve ser rejeitado.
Constatando-se que a Recorrente não identifica os concretos pontos de factos que considera erradamente julgados em 1.ª instância, deve o seu recurso ser rejeitado nesta parte, considerando-se assente a factualidade selecionada na sentença recorrida.

3.2.2. Do erro de julgamento de direito
Resta-nos analisar se, em face da factualidade apurada e julgada provada em 1.ª instância, ocorre o erro de julgamento que a Recorrente invoca, pois, na sua perspetiva, a factualidade assente não permite que deles resulte fundada dúvida sobre a quantificação do facto tributário.
Atentemos, então, ao que consta na decisão recorrida:
«(..)
QUANTO À INEXISTÊNCIA / ERRO NA QUANTIFICAÇÃO DE FACTO TRIBUTÁRIO:
Como é sabido, a matéria colectável pode ser fixada através de três tipos de correcção.
Na correcção aritmética, a matéria colectável é identificada pelo contribuinte na declaração periódica anual, pelo que a administração não precisa de se socorrer de qualquer método de avaliação – directo ou indirecto – para determinar o imposto devido: a administração tributária limita-se a corrigir erros de cálculo das declarações-liquidações, com o objectivo de garantir a exactidão das autoliquidações.
Trata-se, pois, do resultado da normal função de controlo que a administração tributária realiza quando recebe as declarações do contribuinte e verifica a existência de erros de cálculo.
O mesmo acontece, aliás, no caso de um acto administrativo expressar a vontade do órgão administrativo com erros de cálculo ou materiais manifestos. Neste caso, nos termos do artigo 148.° do Código do Procedimento Administrativo, o acto pode ser rectificado, a todo o tempo, pelos órgãos competentes para a revogação do acto, oficiosamente (ou a pedido dos interessados) e com efeitos retroactivos.
Trata-se, pois, de uma correcção oficiosa que nem careceria de previsão legal expressa.
Distintas desta são as correcções técnicas que a administração tributária faz à matéria tributável determinada no âmbito da avaliação directa, isto é, quando visa determinar o valor real dos rendimentos sujeitos a tributação sem recorrer a indícios ou presunções, mas à contabilidade do contribuinte.
É o que sucede com a qualificação de encargos como não dedutíveis para efeitos fiscais (cfr. artigo 41.º, n.º 1, do CIRC e ponto 1, alínea a), do probatório) ou de reintegrações e amortizações como custos ou perdas (cfr. artigo 23.º, alínea g), do CIRS e ponto 1, alíneas b) e c) do probatório).
Estas correcções são também quantitativas, ainda que simultaneamente qualitativas: quantitativas porque alteram a matéria colectável, qualitativas porque esta alteração é mera consequência da diferente qualificação jurídica dada aos elementos que o contribuinte apresentou.
Por fim, as correcções podem ter ainda outra natureza, a de correcções quantitativas a se, o que acontece quando a administração tributária se socorre de métodos indirectos, alterando a matéria colectável com recurso a indícios, presunções ou outros elementos de que disponha.
Por outro lado, nos termos do n.º 1 do artigo 100.° do CPPT, sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.
§
No caso dos autos, a inspecção tributária constatou existirem divergências significativas entre os valores constantes do sistema informático do estabelecimento da impugnante e os valores por esta declarados nas suas declarações de rendimentos relativas ao exercício de 2005 – ponto 2. do probatório.
Por reputar como bons os dados do sistema informático (que não constavam da contabilidade da impugnante), através de uma correcção que considerou ser meramente aritmética, substituiu os valores declarados e, consequentemente, foram praticados os actos de liquidação em crise nestes autos.
Da prova produzida resulta que o sistema informático do estabelecimento da impugnante nunca chegou a ser modelado de acordo com as suas necessidades específicas, uma vez que a empresa vendedora do programa e responsável por tal adaptação fechou portas em Dezembro de 2002 – cfr. ponto 7 do probatório.
Entre 2002 e 2005, tal sistema informático não deixou de ser um modelo de testes, por nunca ter sido devidamente modelado. Apesar de o programa de raiz se encontrar funcional, a sua adaptação à realidade específica do estabelecimento da impugnante apresentava algumas limitações, como o facto de apenas os gerentes poderem registar as ofertas ou existirem problemas com a estrutura das famílias de produtos – cfr. ponto 9. do probatório.
Tais limitações não tornaram o programa inútil, mas exigiam que quem o utilizasse tivesse conhecimentos mínimos, sendo que a existência de erros de registo, por duplicação ou desconformidade com a operação real, tinham como origem erro humano, que não deficiências de programação informática – cfr. pontos 10. e 11. do probatório.
Acontece que os funcionários do estabelecimento da impugnante não tinham grandes conhecimentos de informática na óptica do utilizador, motivo pelo qual solicitavam pontualmente a ajuda de um técnico para resolver questões relacionadas com o funcionamento de uma impressora ou de uma porta de conexão do hardware – cfr. ponto 8. do probatório.
O que indicia que os funcionários que lidavam com o sistema não tinham conhecimentos mínimos de informática, sendo possível a existência de erros de registo devido a este motivo.
Face ao exposto, não é seguro que todos valores registados no sistema informático correspondam efectivamente a transacções económicas.
E, assim sendo, há dúvida fundada quanto à existência/quantificação do facto tributário.
Motivo pelo qual as liquidações devem ser anuladas, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões.».
Nos termos do artigo 100º, nº 1, do CPPT, «Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado.».
Esta norma constitui aplicação no processo de impugnação judicial da regra geral sobre o ónus da prova, enunciada no artigo 74º, nº 1, LGT nos termos da qual o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recaem sobre quem os invoque. Regra que também encontramos no artigo 414º do CPC (anterior artigo 516º), a qual faz recair sobre o onerado com a prova de um facto a desvantagem da dúvida.
A norma é aplicável quando da prova produzida resultem fundadas dúvidas sobre a existência do facto tributário. Provando-se a existência ou inexistência de um facto tributário, não haverá lugar à aplicação desta norma, porque não há dúvidas (num ou noutro sentido).
A prova produzida de que há de resultar a «fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário» [incluindo a dúvida sobre a legalidade da atuação da administração tributária: cfr. Ac. do TCAS n.º 04417/10 de 01-02-2011 (Relator: JOSÉ CORREIA) I - É de admitir a possibilidade de operar com a fundada dúvida a que se refere o art.º 100º do CPPT, quando a dúvida se refere à legalidade da actuação da administração e não à existência dos factos tributários que são afirmados pelo contribuinte como tendo acontecido e em que funda a dedução de imposto] deverá ser não só a prova mobilizada pelas partes mas também aquela que o juiz deverá impulsionar (artigo 13º, nº 1, do CPPT) – cfr. acórdão deste TCAN de 17-09-2015, rec. 00438/12.0BEPRT, disponível em http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/c9b96a0e178254e980257edd0033afba?OpenDocument, que aqui seguimos de perto.
A dúvida relevante nunca se poderá considerar fundada se assentar na ausência ou inércia probatória da parte onerada com a prova, especialmente do impugnante, sobre quem recai o dever de comprovar os factos constitutivos do direito alegado (artigo 342º, nº 1, do Código Civil).
Uma vez que estamos perante correções meramente aritméticas – como é bem salientado na sentença sob recurso – é à AT que compete demonstrar os factos constitutivos do direito à liquidação a que se arroga, de acordo com a regra geral que decorre do artigo 74º, nº 1, da LGT. E, no caso, a AT procurou fazer tal demonstração apoiando-se nos valores que apurou através dos dados recolhidos no sistema informático Winrest que recolheu nas instalações da Recorrente.
Nesta situação, cabia à Impugnante /Recorrida, fazer a contraprova a respeito dos mesmos factos, isto é, da quantificação dos seus rendimentos apurada pela AT, destinada a torná-los duvidosos e, conseguindo-o, a questão deve ser decidida contra a parte onerada com a prova. Esta é a regra que se extrai do artigo 346.º do Código Civil e que também decorre do artigo 100º, nº 1 do CPPT.
Portanto, à Recorrente não competia a demonstração do excesso na quantificação (como aconteceria se estivéssemos face a correções por métodos indiretos), bastando-lhe suscitar a dúvida sobre os factos que à AT competia provar (isto é, que os rendimentos por si obtidos no ano de 2005 foram os que resultam do sistema informático), e temos de convir que foi bem sucedida em tal desiderato, pois os factos constantes dos pontos 7 (a modelação do software Winrest às necessidades específicas da discoteca V. não chegou a ser concluída), 8 (o sistema informático utilizado pela impugnante na discoteca V. não deixou de ser um modelo de testes, por nunca ter sido devidamente modelado, apresentando algumas limitações, como o facto de apenas os gerentes poderem registar as ofertas ou existirem problemas com a estrutura das famílias de produtos), 9 (Alguns funcionários e colaboradores da empresa com formação poderiam registar a venda de bebidas ao preço de € 0,00), 10 (Os funcionários da discoteca eram geralmente jovens estudantes que eram recrutados por dois a três meses e não tinham conhecimentos informáticos nem lhe era dada formação relativamente ao software instalado) e 11 (A discoteca V. realizava, às quartas-feiras, a Festa da Noite da Mulher em que concedia ofertas às clientes do sexo feminino e, aos sábados, oferecia a segunda bebida da noite aos clientes), evidenciam, por um lado, a existência de problemas no sistema informático que não estava perfeitamente adaptado à atividade da Recorrente e, por outro lado, que nem todas as ofertas de bebidas eram nele registadas como tal.
A Recorrente foi, portanto, diligente na produção de contraprova destinada a suscitar a dúvida sobre os factos evidenciados pela AT como constitutivos do direito a que esta se arroga, daí que podia, sem margem para qualquer dúvida, reclamar a aplicação da regra prevista no artigo 100º, nº 1, do CPPT.
Deste modo, verificando-se que existe dúvida fundada sobre a quantificação do facto tributário operada pela AT, deve ser mantida a sentença recorrida no ordenamento jurídico.

4. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, que aqui sai vencida, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2, do CPC.

Porto, 20 de janeiro de 2022

Maria do Rosário Pais
Tiago Afonso Lopes de Miranda
Ana Patrocínio