Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00035/12.0BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/18/2020
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:CÂMARA MUNICIPAL; PROCESSO DISCIPLINAR;
Recorrente:C.
Recorrido 1:Câmara Municipal da (...)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
C. interpôs acção administrativa especial de impugnação contra a Câmara Municipal da (...), pedindo a anulação da Deliberação desta Edilidade que decidiu aplicar-lhe a pena disciplinar de suspensão de 300 dias, no âmbito do processo disciplinar nº 1/2010.
Por sentença proferida pelo TAF de Coimbra foi julgada improcedente a acção.
Desta vem interposto recurso. Alegando o Autor concluiu:

I. No que respeita à insuficiência da instrução para fundamentar a aplicação da pena, conclui-se na sentença recorrida que “não pode o tribunal conhecer dos vícios invocados pelo A. relativos à insuficiência da instrução para fundamentar a aplicação da pena”, alegando, para tanto, que não cabe “... ao tribunal imiscuir-se na avaliação que é feita da prova produzida e da decisão que, feita essa avaliação, decide acusar ou, pelo contrário, arquivar o procedimento disciplinar.”
II. Significar que o tribunal entende que a matéria relativa à análise da bondade da decisão proferida no procedimento disciplinar, bem como dos eventuais vícios da instrução do referido processo, não cabem no âmbito do seu escrutínio.
III. O que desde logo levanta a seguinte questão: se não for o tribunal a fazê-lo, quem o fará?!
IV. Existem decisões proferidas pelo mesmo tribunal, relativamente a um outro arguido do mesmo procedimento disciplinar, que vão precisamente em sentido inverso.
V. A sentença proferida no processo nº 27/12.0BECBR refere o seguinte:
“2 – Sobre se o tribunal pode sindicar a decisão do Réu quanto á prova dos factos integrantes da infracção disciplinar:
Em suma, o Réu sustenta que o seu juízo sobre a prova dos factos integra o exercício de um seu poder discricionário, só podendo ser sindicado em caso de manifesto erro de facto ou desvio de poder.
Mas não é assim.
Primeiro, o juízo probatório, se bem que envolva uma irredutível dimensão subjectiva, não deixa de poder ser sindicável objectivamente quanto á sua dimensão objectiva. Aliás, o dever de fundamentação dos actos administrativos em matéria de facto tem precisamente esta função de permitir a crítica – também – do decidido em matéria de facto.
Depois, não se trata, no raciocínio probatório, de prosseguir o que, na ordem do dever ser, melhor serve o interesse público – fundamento último do poder discricionário da Administração – se não de determinar, na ordem do ser, que factos objectivamente se pode ter por certo que aconteçam.
Por fim, e principalmente, a sujeição plena da decisão em matéria de prova á crítica jurisdicional é o modo de ficarem garantidos ao arguido quer o direito fundamental ao acesso a uma tutela jurisdicional efectiva e plena (artigos 20º nº 1 e 266º nº 4 da CRP), quer o direito fundamental à defesa em todo o procedimento sancionatório. Consagrado no artigo 31º nº 10 da CRP).
Estes direitos fundamentais têm a natureza dos direitos liberdades e garantias dos cidadãos, consagrados no capítulo I do título II da Constituição e, conforme o artigo 18 nº 1 da mesma lei fundamental; vinculam tanto o Réu como o tribunal e são directamente aplicáveis às situações concretas, pelo que pode e deve dizer-se que decorre directamente da Constituição que a decisão do Réu em matéria de prova pode e deve ser sindicada pelo tribunal sem quaisquer limites que não os da razão – no que for susceptível de ser apreciado do ponto de vista racional – e da razoabilidade – no que o não for.”

VI. Mal estaríamos se, dentro dos limites “da razão e da razoabilidade”, não pudesse o tribunal conhecer dos eventuais vícios da instrução para fundamentar a pena aplicada ao arguido, quando invocados pelo A..
VII. Não se compreenderia que um sistema jurídico que tem como um dos seus pilares fundamentais o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, permitisse a existência no seu sistema de controlo jurisdicional de uma “área nebulosa” que não fosse escrutinável nem sindicável por nenhuma instância jurisdicional.
VIII. Estaríamos perante um poder discricionário absoluto e judicialmente inquestionável, que só poderia levar ao abuso e ao arbítrio gratuitos.
IX. Andou mal, o tribunal a quo, ao recusar conhecer os vícios invocados pelo A. quanto á insuficiência da instrução para fundamentar a aplicação da pena.
X. Assim, deverá o tribunal ad quem sindicar os factos e meios de prova constantes do processo disciplinar.
XI. Decisão essa que não poderá deixar de se nortear, quer pelo princípio do Estado de Direito, assumido no artº 2º da CRPortuguesa, quer pelo direito fundamental de defesa em matéria de direito sancionatório (com aplicação do CPPenal sempre que o Estatuto seja omisso), que obrigam a que, no direito probatório disciplinar vigorem esses princípios estruturantes do Processo Penal que são o da acusação e o princípio in dúbio pro reo.
XII. A qual deverá concluir (como foi peticionado pelo A.) pela insuficiência da prova produzida para fundamentar a pena aplicada ao A., sendo, em consequência, anulada a decisão proferida pelo R..
XIII. No que concerne á falta de ponderação das circunstâncias atenuantes, alega o tribunal recorrido que a ponderação de tais circunstâncias se encontra incluída na actividade discricionária da Administração Pública, “cabendo apenas ao tribunal aferir do respeito pelos princípios de direito administrativo, como o princípio da proporcionalidade”.
XIV. O que aqui está em causa é precisamente a não aplicação pelo R. da circunstância atenuante prevista na al. a) do artº 22º do ED na decisão em apreço, quando a lei prevê que, verificados em concreto os seus requisitos, ela seja aplicada.
XV. Refere a sentença recorrida que não cabe ao tribunal tal escrutínio, apenas sendo de aquilatar do respeito pelo princípio da proporcionalidade.
XVI. Chamando à colação o que acabou de se invocar quanto ao ponto anterior, terá que se afirmar que, também aqui, não se acompanha tal entendimento.
XVII. com os mesmos fundamentos supra expendidos, cumpre afirmar que deverá ser o tribunal aferir não só da sua aplicação e, em caso negativo, a razão para a sua não aplicação, bem como escrutinar a justeza da medida da sua aplicação, em caso positivo.
XVIII. Uma vez que o R. não procedeu á aplicação da circunstância atenuante especial, nem justificou a sua não aplicação, (sendo certo que o A. cumpria os requisitos para a sua aplicação, isto é, a prestação de mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo – conforme consta do processo disciplinar), cabia ao tribunal a quo conhecer de tal ilegalidade e retirar daí as consequências legais, tanto mais que esta foi uma das ilegalidades arguidas pelo A. no seu peticionado.
XIX. Deveria assim o tribunal recorrido ter-se pronunciado sobre tal questão, ao invés de alegar que tal circunstancialismo cabe na discricionariedade da Administração Pública.
XX. Nestes termos, deverá também o TCA Norte pronunciar-se sobre a questão em concreto, no sentido de terem necessariamente que ser ponderadas as circunstâncias atenuantes especiais constantes da al. a) do artº 22º do ED.
XXI. A decisão recorrida violou, entre outros, os artigos 20º nº 1, 266º nº 4 e 31º nº 10 da CRPortuguesa e artº 22º al. a) do ED.

Termos que que deverá o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser anulada a decisão recorrida, proferindo-se acórdão que conheça das ilegalidades invocadas pelo A., que deverão levar à nulidade da decisão disciplinar impugnada, com o que se fará JUSTIÇA.

O Município da (...) juntou contra-alegações, concluindo:

I. A decisão recorrida, contrariamente ao defendido, não afasta a possibilidade de sindicar as decisões da Administração no âmbito dos processos disciplinares. Simplesmente, partindo da consideração de um conjunto de princípios jurídicos – designadamente o da livre apreciação da prova -, bem como da jurisprudência que se tem firmado nesta matéria - Ac. TCAN, processo 344/08.3BEPRT de 18/02/2011, Acórdão do TCA Sul, Processo n° 06477/02, de 2007.05.24 e TCA Sul, tirado no processo 6944/10 de 20/12/2012, todos disponíveis em www.dgsi.pt -, considera o tribunal recorrido que o julgamento feito pela Administração só pode ter lugar quando for invocada a violação de normas legais de direito probatório, erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova ou desvio de poder”, concluindo a sentença que “no caso em apreço, resulta dos elementos juntos aos autos que foram realizadas várias diligências instrutórias (pontos 3, 6, 7 e 15 da fundamentação de facto) todas devidamente ponderada nos relatórios do processo de inquérito e do procedimento disciplinar, bem como na decisão de acusação, pelo que não podemos sequer ponderar estar perante uma situação de défice instrutório manifesto, de inércia do instrutor do procedimento, ou de erro grosseiro na apreciação da prova”. Assim justificada e fundamentada, a decisão não merece censura.
II. A sentença junta pelo recorrente não transitou em julgado, tendo o Município interposto recurso ainda pendente de apreciação, conforme documento que se junta, acompanhado da decisão judicial, do foro criminal, que no essencial, condenou o recorrente pelos mesmos factos e tendo em conta, genericamente, os mesmos meios de prova considerados no processo disciplinar – cfr. documento 1.
III. O exemplar comportamento que decorre do art. 22º, al a) do Estatuto Disciplinar tem de traduzir-se numa avaliação de desempenho avaliada com a menção máxima durante 10 anos de serviço, pressuposto que o recorrente não cumpre.
Termos em que, na improcedência do recurso, deverá manter-se a absolvição do réu do pedido.

O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos contidos no artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. Em 25-03-2010, pelo Presidente da CMFF, foi determinada a instauração de inquérito com o objetivo de apurar factos relatados por funcionários da Divisão de Higiene e Salubridade da entidade demandada, em 24-03-2010, tendo igualmente sido nomeada a instrutora do procedimento (cf. fls. 1 a 34 do 1.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido);
2. Em 05-04-2010, a instrutora autuou o pedido de inquérito referido em 1., nomeando a inquiridora (cf. fls. 35 do 1.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
3. Entre 08-04-2010 e 25-05-2010, foram ouvidos funcionários da entidade demandada e da Empresa de Segurança 2045 acerca dos factos a apurar (cf. fls. 102 a 192 do 1.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
4. Em 16-06-2010, a instrutora do procedimento de inquérito elaborou o relatório final, do qual constava, além de observações retiradas das diligências mencionadas em 3., o seguinte (cf. fls. 364 a 407 do 1.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido):
“O principal responsável por todos estes procedimentos e atitudes dos referidos funcionários e dele próprio como Chefe Geral dos Serviços de Higiene é na realidade o Sr. P., cujo comportamento negligente e disciplinar violou determinados deveres gerais inerentes às suas funções, nomeadamente de isenção, zelo, lealdade e correção como chefe e superior hierárquico dos respetivos trabalhadores.”
5. Em 08-07-2010, o Presidente da Câmara Municipal da (...) emitiu a seguinte decisão (cf. fls. 2 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido):
“Em 5 dias apure, antes de mais, em que data ocorreu a utilização de veículos da autarquia para fins privados, nomeadamente para mudança de móveis da namorada do Sr. P. e dos trabalhadores J., M. e L., conforme referido no depoimento prestado por este;
Após, autue-se como procedimento disciplinar, determinando-se que a fase de instrução seja constituída pelo processo de inquérito (art. 68º/3 e 4 do E.D)”
6. Em 12-07-2010, foram novamente ouvidos funcionários da entidade demandada, em cumprimento da decisão referida em 5. (cf. fls. 3 e 4 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
7. Em 03-08-2010, foi junto aos autos certificado de registo disciplinar do A., do qual constava apenas a aplicação de uma pena de repreensão escrita, sem procedimento disciplinar, datada de 1986 (cf. fls. 5 a 9 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
8. Em 04-08-2010, foi deduzida acusação contra o A. (cf. fls. 11 a 19 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
9. Em 20-09-2010, o A. apresentou a sua defesa, na qual afirma o seguinte (cf. fls. 67 a 76 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido):
“12º
Finalmente, e não menos importante, é a gritante falta de referência na acusação às circunstâncias de tempo em que os factos nela referidos foram alegadamente praticados.
(…)
17º
A omissão das circunstâncias temporais na acusação constitui uma clara violação do plasmado no nº 3 do artº 48º do EDTEFP, e leva à nulidade da acusação”
10. Em 08-10-2010, a instrutora elaborou uma exposição em que propunha, a final (cf. fls. 77 a 78 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido):
“- A declaração de nulidade da acusação;
- Renovação da decisão de instaurar o processo disciplinar ao arguido C., nos exatos termos em que foi proferida inicialmente, ou seja, nos termos do nº 4 do art. 68º do ED (…).”
11. Em 13-10-2010, o Presidente da Câmara Municipal da (...) apôs, na exposição mencionada em 11., uma decisão nos seguintes termos (cf. fls. 77 a 78 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido):
“1. Concordo.
2. Renovo a decisão de instaurar o procedimento disciplinar, devendo o processo de inquérito constituir a fase da instrução (art. 68º, nº 4), sem prejuízo de haver lugar a outras diligências necessárias ao apuramento da verdade (…).”
12. Em 30-11-2010, foi deduzida nova acusação contra o A., nos seguintes termos (cf. fls. 87 a 92 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido):

Acuso o trabalhador C., funcionário número 36 dos quadros do Município da (...), com a categoria de Encarregado Geral Operacional, a exercer funções nos Serviços de Higiene e Limpeza da Câmara Municipal da (...), dos seguintes factos:

O arguido tem como funções, gerir os recursos humanos e equipamentos afectos aos serviços de Higiene e Limpeza, competindo-lhe designadamente assegurar a limpeza de toda a zona urbana, dos sanitários públicos, recolha de monstros, encaminhamento dos resíduos para o aterro sanitário, remoção de veículos da via pública, desinfestação do espaço público, em suma o arguido é responsável pela execução de todos os trabalhos ordenados superiormente no âmbito do descrito nas atribuições da D.H.R.N.

Pertencendo a um grupo designado de "Especial" ou do "Jet-set" que operava durante o período de trabalho nos Serviços de Higiene e Limpeza da Câmara Municipal da (...) (Estrada de Coimbra) e que integrava também os funcionários F., V., J., H. e F., o arguido, de forma concertada e organizada com aqueles funcionários, dedicou-se, desde data não concretamente apurada até, pelo menos, Março de 2010, à desmontagem de aparelhos eléctricos (frigoríficos, televisões, máquinas de lavar e outros electrodomésticos), deles separando o ferro, cobre, bronze, alumínio e inox.

A referida equipa dedicava-se a esta actividade sob orientação e ordens do arguido, o qual distribuía as funções pelos funcionários de modo que apenas aqueles que tinham a sua autorização utilizavam a viatura da autarquia para recolher o material que interessava para venda, enquanto os outros funcionários que também desempenhavam funções nos Serviços de Higiene e que integravam o designado "grupo dos escravos", recolhiam apenas o material que não interessava àquele grupo.

O material recolhido era depois desmontado nas oficinas, às quais só tinham acesso directo, por instrução do arguido, os funcionários J., F., V. e, por vezes, o C..

Na posse destes materiais o arguido, em comunhão de esforços com os restantes funcionários, procedia à sua venda a privados, fazendo transportar o material em viaturas do Município, revertendo o produto da venda de tais materiais para o arguido e para os restantes elementos do grupo, em proporção não concretamente apurada. O grupo remetia depois para a ERSUC as peças daqueles equipamentos que não interessavam por não terem valor económico.

Com encarregado geral, o arguido também era responsável pela confirmação do trabalho extraordinário e/ou nocturno efectuado pelos trabalhadores que desempenhavam funções e estavam afectos ao edifício dos Serviços de Higiene e Limpeza da Câmara Municipal da (...), sito na Estrada de Coimbra.

Para o efeito, o arguido apunha a sua assinatura nas folhas de Trabalho extraordinário e/ou nocturno efectuado previamente preenchidas por cada um dos funcionários.

Em várias ocasiões, muitos dos trabalhadores preencheram as ditas folhas de Trabalho extraordinário e/ou nocturno efectuado com informações que não correspondiam à realidade, logrando desse modo receber indevidamente o pagamento daquelas horas extraordinárias e/ou nocturnas, tudo com a conivência do arguido, o qual, bem sabendo que aquele trabalho não tinha sido prestado e que o pagamento não era devido, confirmava as informações dos trabalhadores, apondo a sua assinatura nas referidas folhas.

Assim, quanto à funcionária M., o arguido confirmou:

- 6 horas de trabalho extraordinário alegadamente exercido entre as 05h00 e as 11h00 do dia 10 de Abril de 2009, sexta-feira, não obstante neste dia a M. se encontrar de férias, com o que permitiu que a trabalhadora recebesse indevidamente, fazendo sua, a quantia de 44,76€;

- 6 horas de trabalho extraordinário alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11h do dia 19 de Abril de 2009, Domingo, não obstante nesta data a M. se encontrar em período final de férias, com o que permitiu que a trabalhadora recebesse indevidamente, fazendo sua, a quantia de 44,76€;

- 2 horas nocturnas sobre os dias 28, 29 e 30 de Abril de 2009, por alegados serviços prestados entre as 5h00 e as 11h30, muito embora a funcionária não tenha prestado qualquer serviço naqueles dias, com o que permitiu que a trabalhadora recebesse indevidamente, fazendo sua, a quantia de 44,76€;

- 2 horas de trabalho nocturno alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11ih30 nos dias 1, 19, 20, 29 e 30 de Setembro de 2009, não obstante no dia 1 a funcionária se encontrar de férias e nos dias 19, 20, 29 e 30 de Setembro não ter prestado qualquer serviço. Permitiu o arguido que a trabalhadora recebesse indevidamente, fazendo sua, a quantia de 52,20€.

- 2 horas de trabalho nocturno alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11h30 do dia 3 de Outubro de 2009, não obstante nesse dia a funcionária não ter prestado qualquer serviço, com o que o arguido permitiu que a trabalhadora recebesse indevidamente, fazendo sua, a quantia de 1,86€;

- 6 horas de trabalho extraordinário alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11h do dia 5 de Outubro de 2009, não obstante nesta data a funcionária não ter prestado qualquer serviço, com o que o arguido permitiu que a trabalhadora recebesse indevidamente, fazendo sua, a quantia de 44,76€

- 3 horas de trabalho extraordinário alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11h do dia 11 de Outubro de 2009, não obstante nesta data a funcionária não ter prestado qualquer serviço, com o que o arguido permitiu que aquela recebesse indevidamente, fazendo sua, a importância de 22,38 €;

- 6 horas de trabalho extraordinário alegadamente exercido entre as 6h00 e as 12h do dia 1 de Janeiro de 2010, não obstante nesta data a referida funcionária não ter prestado qualquer serviço, com o que o arguido permitiu que a trabalhadora recebesse indevidamente, fazendo sua, quantia de 44,76€;

- 2 horas de trabalho nocturno alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11h30 do dia 4 de Janeiro de 2010, não obstante nesta data a M. ter prestado serviço apenas a partir das 08h00, com o que o arguido permitiu que a trabalhadora recebesse indevidamente, fazendo sua, quantia de 1,86€;

- 2 Horas de trabalho nocturno alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11h30 dos dias 5 a 8 e 19 a 23 de Janeiro de 2010, não obstante nesta data a M. não ter prestado qualquer serviço, com o que o arguido permitiu que a trabalhadora recebesse indevidamente, fazendo sua, quantia de €16.79.

Relativamente ao funcionário J., o arguido confirmou:

- 6 horas de trabalho extraordinário alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11h do dia 9 de Agosto 2009, não obstante nesta data o referido J. não ter prestado qualquer serviço, com o que o arguido permitiu que o trabalhador recebesse indevidamente, fazendo sua, a importância de € 52,68;

- 2 horas de trabalho nocturno alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11h30 do dia 12 de Agosto de 2009, não obstante nesse dia o J. só ter entrado ao serviço às 8h30, com saída às 15h00, com o que o arguido permitiu que o trabalhador recebesse indevidamente, fazendo sua, a importância de 2,18€;

- Horas de trabalho extraordinário alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11h00 do dia 6 de Setembro de 2009, não obstante o trabalhador nesse dia não ter prestado qualquer serviço, com o que o arguido permitiu que o trabalhador recebesse indevidamente, fazendo sua, a importância de 52,68€;

- 13 horas (6h30/dia) de trabalho extraordinário alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11h30 dos dias 26 (6.30horas) e 27 (6.30 horas) de Setembro de 2009, não obstante naquelas datas o J. se encontrar a gozar período de férias, com o que o arguido permitiu que o trabalhador recebesse indevidamente, fazendo sua, a importância de 114,14€.

- 12 horas (6h/dia) de trabalho extraordinário alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11h dos dias 24 e 25 de Outubro de 2009, não obstante naquelas datas o J. se encontrar a gozar período de férias, com o arguido permitiu que o trabalhador recebesse indevidamente, fazendo sua, a importância de 105,36€.

- 2 horas de trabalho extraordinário alegadamente exercido entre as 8h00 e as 10h00 do dia 25 de Dezembro de 2009, não obstante nesta data o J. não ter prestado qualquer serviço, com o que o arguido permitiu que o trabalhador recebesse indevidamente, fazendo sua, a importância de 17.56 €.

- 2 horas de trabalho nocturno alegadamente exercido entre as 5h00 e as 11h30 do dia 30 de Janeiro de 2010, não obstante nesta data o J. não ter prestado qualquer serviço, com o que o arguido permitiu que o trabalhador recebesse indevidamente, fazendo sua, a importância 2,18€.

Relativamente ao funcionário V., o arguido confirmou:

- Trabalho extraordinário alegadamente prestado nos dias 8 e 20 de Dezembro de 2009, não obstante nestas datas o referido V. não ter trabalhado, com o que o arguido permitiu que o trabalhador recebesse indevidamente, fazendo sua, a importância 123,12€;

- 2 horas de trabalho nocturno alegadamente prestado no dia 23 de Dezembro de 2009, não obstante nesse dia o trabalhador ter iniciado o serviço apenas às 8 horas da manhã, com o que o arguido permitiu que o trabalhador recebesse indevidamente, fazendo sua, a importância € 1.71 (um euro e setenta e um cêntimos).

Em relação ao funcionário L., o arguido confirmou:

- 18 horas de trabalho extraordinário alegadamente prestado nos dias 10 (6 horas), 11 (6h) e 17 (6h) de Outubro de 2009, não obstante o L. se encontrar a gozar férias, com o que o permitiu que este trabalhador recebesse indevidamente, fazendo sua, a importância de 166,32 €,

Relativamente ao funcionário F., o arguido confirmou:

- Trabalho extraordinário alegadamente prestado no dia 23 de Janeiro de 2010, não obstante neste dia o F. não ter prestado qualquer serviço, com o que o arguido permitiu que o trabalhador recebesse indevidamente, fazendo sua, a importância de 54.00 €.

Desde data não concretamente apurada até, pelo menos, Março de 2010, o arguido consentiu e tolerou que uma das funcionárias que estava sob sua direcção, M. , não executasse durante o período de trabalho quaisquer das funções que lhe são inerentes. Assim, permitiu o arguido que a referida M., de forma habitual e sistemática, agisse ora como mera observadora dos serviços que os restantes funcionários iam realizando, ora mantendo-se no edifício dos serviços de higiene e limpeza sem realizar qualquer tarefa, ora vendo televisão e lendo jornais.

Desde data não concretamente apurada até, pelo menos, Março de 2010, o arguido consentiu e autorizou que o funcionário H. se ausentasse de forma sistemática e permanente durante o horário de trabalho, com o propósito de este ir prestar serviços numa sua empresa de limpeza.

Por outro lado, o arguido também permitiu e autorizou que desde data não concretamente apurada os funcionários C. e M. incumprissem com o horário de trabalho, sendo habitual que os referidos funcionários se ausentassem ao fim de três horas de trabalho para não mais regressarem.

Durante o ano de 2008, em dias não concretamente apurados e durante o período de horário de trabalho, o arguido deslocou-se por várias ocasiões em viatura da autarquia para se encontrar com a namorada junto ao parque das (…).

Também em data não concretamente apurada, no início de Novembro de 2009, o arguido utilizou uma viatura camarária para efectuar uma mudança de móveis da casa da sua namorada, de nome S.. A mudança foi efectuada da Rua (…) para a Rua (…).

Com os comportamentos descritos, violou o arguido os deveres de prossecução do interesse público, de isenção, de zelo, de lealdade, de assiduidade e pontualidade, previstos nas alíneas a), b), e), g), i) e l) do n° 2 do art. 3° do Estatuto Disciplinar (Lei 58/2008 de 9 de Setembro), puníveis, em abstracto, com uma pena de suspensão ou de demissão ou despedimento por facto imputável ao trabalhador (arts. 9°, 17 e 18° do referido diploma).

Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que com a sua conduta violava deveres a que está vinculado enquanto trabalhador do Município.

Contra o arguido militam as seguintes circunstâncias agravantes: produção efectiva de resultados prejudiciais ao Município e ao interesse geral, a comparticipação com outros funcionários para a sua prática e a acumulação de infracções [art. 24°, n° 1, als. b), d) e g) do Estatuto Disciplinar].

13. Em 02-12-2010, o mandatário do A. recebeu a decisão de renovação do procedimento disciplinar referida em 11., bem como a nova acusação referida em 12., tendo o A. rececionado essas mesmas comunicações em 03-12-2010 (cf. fls. 79 a 86 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
14. O A. apresentou a sua defesa à acusação mencionada em 12., na qual requeria, a final, a inquirição de oito testemunhas (cf. fls. 108 a 118 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido):
15. Entre 11-01-2011 e 25-02-2011, foram ouvidas as testemunhas indicadas pelo A. na defesa referida em 14., tendo igualmente sido ouvidos outros funcionários da entidade demandada que a instrutora entendeu dever ouvir “em declarações para melhor esclarecimento dos factos e apuramento da verdade no processo disciplinar” (cf. fls. 126 a 166 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
16. Tendo-lhe sido comunicadas as diligências realizadas e referidas em 15., o A. pronunciou-se acerca das mesmas (cf. fls. 169 a 172 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
17. Em 19-08-2011, foi elaborado o relatório final do procedimento disciplinar, onde se conclui da seguinte forma (cf. fls. 176 a 191 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido):
“Em face do exposto, considera-se que, o funcionário com o comportamento por si consciente e voluntariamente tomado e assumido, lesou os deveres gerais que estão inerentes às funções que desempenha, dando-se como provados os factos que constituem ilícitos disciplinares, entendendo-se que a sua conduta consubstanciou negligência grave, e manifestou um grave desinteresse pelo cumprimento dos seus deveres funcionais.
De acordo com os factos apurados, será adequada a aplicação da PENA DE SUSPENSÃO, nos termos da Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, porquanto dá-se como provado que a conduta do funcionário é de tal forma grave que o Município da (...) pretende o afastamento completo do trabalhador do órgão ou serviço durante 300 dias, com perda das remunerações e da contagem do tempo de serviço para a antiguidade”
18. Em reunião ordinária da Câmara Municipal da (...), realizada em 20-09-2011, foi deliberada a concordância com o relatório final mencionado em 17. e a aplicação ao A. da pena de suspensão aí proposta (cf. fls. 195 a 204 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido).
19. Em 11-10-2011, o A. recebeu a seguinte comunicação (cf. 207 a 212 do 3.º volume do processo instrutor, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido):
“Por despacho de 20/092011 proferido (nos termos do nº 2 do art. 57º do E.D.T.E.F.P), pelo Presidente da Câmara Municipal, foi protelado, o prazo de notificação aos arguidos até ao final do presente mês.
Assim, comunica-se que, em reunião de 20 de setembro, a Câmara, após ter procedido à votação por escrutínio secreto, deliberou, por unanimidade, concordar com o Relatório Final (nos termos do artigo 54º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9 de setembro), aplicar a pena de suspensão de 300 dias, período durante do qual se verifica o não exercício das funções e a perda das remunerações correspondentes e da contagem do tempo de serviço para a antiguidade, prevista na al. c) do nº 1 do art. 9º, caraterizada no nº 3 do art. 10º e cujos efeitos estão previstos no nº 2 do art. 11º do referido Estatuto Disciplinar.”

DE DIREITO
Está posta em crise a sentença que ostenta este discurso fundamentador:

Nos termos do disposto no artº 95º, nº 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, impõe-se ao juiz, nos processos impugnatórios, como o dos presentes autos, a pronúncia sobre todas as causas de invalidade.
Vejamos;
Da ilegalidade da renovação do procedimento disciplinar
Por considerar que a acusação deduzida em 04-08-2010 (ponto n.º 8 da fundamentação de facto) continha a nulidade insuprível identificada no n.º 3 do artigo 48.º do ED, conjugada com o n.º 1 do artigo 37.º, consubstanciada no facto de a mesma não indicar as circunstâncias de tempo relativas às infracções disciplinares alegadamente cometidas pelo A. (ponto n.º 9), a entidade demandada declarou a sua nulidade, e procedeu à renovação do procedimento disciplinar, nos termos do artigo 63.º do ED (ponto n.º 10).
O A. insurge-se contra esta renovação, por considerar que a mesma nunca deveria ter ocorrido, na medida em que o artigo 63.º apenas se dirige a renovações do procedimento que possam ocorrer durante a pendência de acção judicial, não sendo aplicável à fase administrativa do procedimento. Mais alega que a verificação da mencionada nulidade insuprível na primeira acusação implicava o arquivamento do procedimento disciplinar, não podendo gerar a sua renovação.
Pelo contrário, entende a entidade demandada que o artigo 63.º do ED, ao permitir a renovação do procedimento na pendência de uma acção judicial, também terá de a permitir na fase administrativa, de acordo com o argumento ad maioria ad minus, pelo qual se a lei permite o mais, também permite o menos.
Apesar de o artigo 63.º do ED se referir, especificamente, à renovação da decisão de instauração do procedimento disciplinar na pendência de acção judicial em que se impugne o ato de aplicação da sanção, tal não significa que o mesmo não possa suceder durante a fase administrativa do procedimento disciplinar. De facto, “nada obsta, no processo disciplinar, conhecidos que sejam novos factos, ou novas circunstâncias relacionadas com factos contidos em acusação já formulada, a que o instrutor proceda à reformulação da acusação, com vista à completa articulação dos factos e circunstâncias que envolvem responsabilidade disciplinar do arguido” (cf. acórdão do STA de 12-01-2012, Proc. n.º 0863/11, disponível em www.dgsi.pt).
Não viola quaisquer exigências procedimentais a anulação da acusação quando a entidade administrativa se aperceba da existência de alguma nulidade, podendo emitir nova acusação, expurgada desses vícios, aproveitando as diligências instrutórias que já se tenham realizado, desde que respeite os direitos de audição e defesa do arguido, o que, in casu, sucedeu.
Efectivamente, a entidade demandada anulou a acusação movida ao arguido por considerar que a mesma se encontrava ferida de nulidade, por não indicar concretamente as circunstâncias temporais relativas às infracções alegadamente cometidas pelo A., tendo emitido nova acusação onde esses elementos já figuravam.
Após a emissão da nova acusação, foi dada ao A. a possibilidade de apresentar nova defesa, tendo ainda sido realizadas diligências instrutórias por ele requeridas, acerca das quais teve também oportunidade de se pronunciar. Só posteriormente a Entidade Demandada emitiu o acto punitivo, o que significa que os direitos de defesa e audição do A. não ficaram prejudicados pela emissão de nova acusação.
Assim, não se verifica a nulidade que o A. aponta ao acto impugnado por se basear numa ilegal renovação do procedimento disciplinar.
*
Da falta de audiência do A. na fase de inquérito

Alega o A. que deveria ter sido ouvido durante a fase de inquérito, posteriormente convertida na instrução do procedimento disciplinar (ponto n.º 11 da fundamentação de facto), o que viola o disposto no n.º 2 do artigo 46.º do ED, constituindo uma nulidade nos termos do n.º 1 do artigo 37.º, em virtude de não se ter procedido a uma diligência essencial à descoberta da verdade.
Pelo contrário, afirma a Entidade Demandada que apenas estava obrigada a ouvir o A. durante a fase de instrução, se este o requeresse e se a instrutora do procedimento o tivesse por conveniente, o que resulta do teor literal da norma do n.º 2 do artigo 46.º do ED.
Na presente situação, existiu uma participação que deu origem à abertura de um processo de inquérito, nos termos do disposto nos artigos 66.º a 69.º do ED no sentido de se apurar uma série de factos relatados pelos funcionários da Divisão de Higiene e Salubridade da entidade demandada e que, alegadamente, envolveriam outros funcionários dessa mesma divisão. É certo que, no âmbito do processo de inquérito, o A. não foi ouvido, mas é também certo que o processo de inquérito não visava o A. de forma directa, mas sim a Divisão de Higiene e Salubridade, sendo que as normas que regulam o processo de inquérito não obrigavam a instrutora a ouvir o A..
Por este motivo, e pelo que resulta do teor literal da norma do n.º 2 do artigo 46.º do ED, o facto de o A. não ter sido ouvido na fase de inquérito, posteriormente convertida em instrução do processo disciplinar, não se traduz em qualquer invalidade do acto impugnado, na medida em que resulta da norma mencionada que apenas a requerimento do A. ou quando o entendesse como necessário a instrutora do procedimento estava obrigada a ouvi-lo.
Ademais, o A. requereu, em sede de defesa e antes da emissão do ato punitivo, a inquirição de várias testemunhas, que foi realizada, tendo inclusivamente tido oportunidade de se pronunciar acerca das declarações prestadas pelas mesmas, não tendo, em nenhuma ocasião, requerido que a instrutora do procedimento o ouvisse. Face às considerações tecidas, não pode concluir-se que tenham sido feridos quaisquer direitos de audição e defesa do A. durante o procedimento disciplinar.
Deste modo, também inexiste a nulidade que o A. considera provir da sua não audição em fase de inquérito.
*
Da ultrapassagem de prazos procedimentais

Alega o A. que a entidade demandada ultrapassou uma série de prazos procedimentais, como é o caso do prazo constante do n.º 1 do artigo 39.º do ED, que confere ao instrutor 45 dias para ultimar a fase da instrução, ou os prazos de 48 horas e 10 dias previstos, respetivamente, no n.º 4 do artigo 68.º e nos números 1 e 2 do artigo 48.º, para a dedução da acusação, após a elaboração do relatório final.
Pelo contrário, entende a entidade demandada que os prazos constantes dessas mesmas normas são meramente indicativos, não podendo a sua ultrapassagem constituir uma nulidade do procedimento disciplinar.
Com efeito, o processo de inquérito foi instaurado por despacho do Presidente da Câmara Municipal de 25-03-2010, tendo o seu relatório final sido elaborado apenas em 16-06-2010, o que vai além do prazo de 45 dias conferido pelo n.º 1 do artigo 39.º (cf. pontos números 1 e 4 da fundamentação de facto), considerando a contagem de prazo nos termos do art. 72º do CPA (então em vigor), conforme art. 2º do diploma preambular da Lei nº 58/2008. Também a acusação apenas foi proferida em 04-08-2010 (ponto n.º 8), o que vai além dos prazos de 48 horas e 10 dias conferidos pelo n.º 4 do artigo 68.º e pelos números 1 e 2 do artigo 48.º do ED.
No que diz respeito ao prazo de 45 dias para concluir a instrução, não podemos perder de vista que estamos perante uma situação especial em que, por força do n.º 3 do artigo 68.º do ED, o processo de inquérito se converteu na instrução do procedimento disciplinar, e não existe qualquer prazo previsto na lei para a finalização do processo de inquérito.
Além disso, ambos os prazos que o A. considera terem sido violados são prazos meramente ordenadores, funcionando como uma referência para o instrutor, constituindo o seu incumprimento uma mera irregularidade, que apenas poderá acarretar a responsabilidade disciplinar do próprio instrutor, e não uma nulidade do processo disciplinar de que o A. possa aproveitar-se para ver anulado o ato punitivo (v. Paulo Veiga e Moura, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública, anotado, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2014, págs. 217-219, em anotação ao artigo 39.º do ED).
Deste modo, também a ultrapassagem dos prazos procedimentais não conduz à nulidade do ato impugnado.
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- Da falta de indicação das circunstâncias temporais relativas às infracções alegadamente cometidas

Entende o A. que nem a acusação nem o relatório final do procedimento disciplinar fazem referência às circunstâncias de tempo em que as infracções foram alegadamente praticadas, considerando o A. que as mesmas eram essenciais para se defender cabalmente e para aferir de uma eventual prescrição do procedimento disciplinar, o que acarreta a nulidade do ato impugnado, nos termos do n.º 1 do artigo 37.º do ED.
Ora, relativamente à infracção que se prende com a desmontagem de aparelhos eléctricos, indica a acusação que o A., juntamente com outros funcionários, se dedicava a essa actividade “desde data não concretamente apurada até, pelo menos, março de 2010”.
Relativamente à infracção que se prende com os registos de trabalho extraordinário e nocturno, também a acusação refere expressamente as datas, referindo inclusivamente os dias, em que considera as infracções praticadas, aí se afirmando, relativamente a alguns dos funcionários, que tais infracções ocorreram “desde data não concretamente apurada até, pelo menos, março de 2010”.
Também relativamente às infrações que se prendem com a utilização de viaturas da entidade demandada refere, concretamente, que as mesmas se verificaram “durante o ano de 2008” e “em data não concretamente apurada, no início de novembro de 2009”.
Deste modo, perscrutando o teor da acusação (ponto n.º 12 da fundamentação de facto), constata-se que todas as infracções imputadas ao A. são acompanhadas de um enquadramento temporal. É certo que é utilizada, para a maioria das infracções, a expressão “até, pelo menos, março de 2010”, mas essa referência é suficiente para o tipo de infracção em causa, uma infracção continuada ou permanente, que decorreu durante um período indeterminado de tempo, e que, pelo menos, ainda se verificava à data da participação que deu origem ao processo de inquérito. Assim, também relativamente a estas infracções o A. dispunha de elementos suficientes para aferir de uma eventual prescrição, na medida em que o prazo de prescrição, nas infracções continuadas, apenas pode começar a correr a partir do momento em que tais infracções deixam de se verificar.
Face ao exposto, não se verifica, in casu, a falta de indicação de circunstâncias temporais prevista no n.º 1 do artigo 37.º do ED, razão pela qual não pode verificar-se a nulidade invocada pelo A..
*
- Da insuficiência da instrução para fundamentar a aplicação da pena

Cumpre antes de mais referir que a prova dos factos integradores da infracção disciplinar é determinada, face aos elementos existentes no processo disciplinar, pela convicção do julgador, estando sujeita ao princípio da livre apreciação da prova.

Na verdade, no âmbito disciplinar vale o princípio, consignado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, da livre apreciação da prova – salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

Na fixação dos factos, pressupostos da aplicação da pena disciplinar, a Administração goza, pois, de ampla margem de livre apreciação da prova, o que lhe permite formular o seu juízo sobre a realidade e sentido dos factos através da apreciação do material probatório que não tenha valor legal fixo, segundo a sua livre convicção.

Assim, o resultado probatório só pode ser objecto de censura judicial se for invocada a violação de normas legais de direito probatório, erro grosseiro e manifesto na apreciação da prova ou desvio de poder.

Feito este enquadramento, vejamos da pertinência dos argumentos do Autor.
Entende o A. que os factos em que se baseou a sua condenação não se encontram comprovados pelos meios de prova constantes do processo instrutor, por considerar que as declarações das testemunhas são vagas e imprecisas, não acusando o A. de qualquer ilícito de forma concretizada no espaço e no tempo.
Ora, a análise da prova recolhida durante a fase de instrução é uma actividade sujeita à discricionariedade administrativa, como se referiu, não cabendo ao Tribunal imiscuir-se na avaliação que é feita da prova produzida e da decisão que, feita essa avaliação, decide acusar ou, pelo contrário, arquivar o procedimento disciplinar.
No caso em apreço, efectivamente, resulta dos elementos juntos aos autos que foram realizadas várias diligências instrutórias (pontos números 3, 6, 7 e 15 da fundamentação de facto), todas devidamente ponderadas nos relatórios do processo de inquérito e do procedimento disciplinar, bem como na decisão de acusação, pelo que não podemos sequer ponderar estar perante uma situação de défice instrutório manifesto, de inércia do instrutor do procedimento, ou de erro grosseiro na apreciação da prova produzida.
Retira-se do conteúdo da p. i. que aquilo que o A. pretende é, verdadeiramente, que o A. controle o modo como a instrutora do procedimento avaliou a prova produzida, o que manifestamente não se insere nos poderes conferidos ao Tribunal (cf. acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) de 14-03-2013, Proc. n.º 00331/07.9BEVIS, e de 19-12-2014, Proc. n.º 0242/07.8BEPRT, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Face ao exposto, não pode o Tribunal conhecer dos vícios invocados pelo A. relativos à insuficiência da instrução para fundamentar a aplicação da pena.
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Da falta de ponderação de circunstâncias atenuantes

Alega por fim o A. que é funcionário da entidade demandada desde Janeiro de 1980, tendo sempre tido um comportamento exemplar, não tendo tal circunstância sido ponderada na decisão para efeitos de lhe ser aplicada a circunstância atenuante especial prevista na al. a) do artigo 22.º do ED.
Em primeiro lugar, há que precisar que também a ponderação de circunstâncias atenuantes cabe na actividade discricionária da Administração Pública, cabendo apenas ao Tribunal aferir do respeito pelos princípios de direito administrativo, como o princípio da proporcionalidade.
Em segundo lugar, há ainda que referir que, sendo as infracções cometidas pelo A. abstractamente enquadráveis nas previsões dos artigos 17.º e 18.º do ED, e portanto puníveis com uma pena de suspensão ou de demissão e despedimento por facto imputável ao trabalhador, sempre cabe à Administração a escolha daquela que considera ser mais adequada, relevando apenas para a invalidade do ato os casos de desrespeito manifesto ou grosseiro pelo referido princípio da proporcionalidade, o que não pode dizer-se que sucede in casu, visto que a entidade demandada aplicou ao A. a pena menos grave das duas que a lei em abstracto considera aplicáveis (v., neste sentido, acórdão do STA de 30-05-2013, Proc. n.º 0658/13, disponível em www.dgsi.pt).
Por último, cabe apenas referir que a circunstância atenuante da prestação exemplar de serviço durante 10 anos não é aplicável, sem mais, a todas as situações em que dos registos disciplinares dos trabalhadores da Administração Pública não consta o registo de qualquer infração durante o período de 10 anos, não sendo tal circunstância suficiente para se poder afirmar que o funcionário demonstra, em concreto, um comportamento e zelo exemplares no desempenho das suas funções, tal como é exigido expressamente na al. a) do artigo 22.º do ED.
Face a todas as considerações expostas, não se verifica qualquer desrespeito pelo princípio da proporcionalidade pelo facto de não se ter ponderado aplicar ao A. a circunstância atenuante da al. a) do artigo 22.º do ED, pelo que o ato impugnado também não padece desta ilegalidade.
*
Concluindo: Não se verificando as nulidades imputadas pelo ora Autor ao procedimento disciplinar nem à deliberação punitiva, a presente acção terá de improceder, por não provada.
X
São duas as críticas apontadas pelo Autor/Recorrente à sentença, a saber:
-insuficiência da instrução para fundamentar a aplicação da pena disciplinar;
-falta de ponderação das circunstâncias atenuantes.

Vejamos:
Contrariamente ao alegado, a sentença recorrida não afasta a possibilidade de sindicar as decisões da Administração no âmbito dos processos disciplinares.
Para além disso, a sentença que junta não transitou em julgado, tendo o Município interposto recurso. O que transitou em julgado foi o Acórdão deste TCAN entretanto proferido e que concedeu provimento ao recurso, julgando improcedente a acção.
Porque os pontos deste processo se tocam com os apreciados no dito Acórdão, proferido em 15 de novembro de 2019, no âmbito do processo nº 27/12.0BECBR, onde interviemos como Adjunta, aqui o deixamos transcrito, fazendo nossa, com a devia vénia, a argumentação nele desenvolvida e que, naturalmente, conduzirá à manutenção na ordem jurídica da sentença proferida nestes autos.
Assim:
“F., intentou acção administrativa especial contra o Município da (...), tendo peticionado a anulação da deliberação proferida pela Câmara Municipal da (...) nos termos da qual foi aplicada ao A. a pena disciplinar de 40 dias de suspensão.
O T.A.F. de Coimbra, por decisão datada de 6 de Janeiro de 2016, julgou procedente a acção.
Discordando da referida decisão interpôs recurso o R., sintetizado nas seguintes alegações:
“I. Por ausência de qualquer erro manifesto ou grosseiro, de violação de normas de competência, de abuso e desvio de poder (Ac. do TCA Norte, processo 331/07.9BEVIS de 14/3/2013) estava o tribunal a quo impedido de substituir o julgamento de facto feito pela instrutora do processo na prova dos factos B. e C. do relatório final, por se tratar de actividade onde vigora a regra da livre apreciação da prova pelo julgador administrativo, valendo os limites gerais do poder discricionário (Ac. do TCA Sul, tirado no processo 6944/10 de 20/12/2012).
II. Ao fazê-lo, o Tribunal invadiu a esfera de competência da Administração, postergando as normas do art. 3º/1 do CPTA conjugado com o artº 127º do CPP e com os artigos 54º e 55º do EDTFP, aprovado pela Lei 58/2008 de 9 de Setembro.
III. Ao abrir essa porta, o Tribunal reapreciou todo o acervo probatório, repetindo o julgamento feito pela instrutora, mas, salvo o devido respeito, sem a devida análise e ponderação que o mesmo merecia, com o que considerou os elementos de prova insuficientes para dar como assentes os factos B. e C. do relatório final.
IV. Porém, quer a prova que resulta do depoimento coincidente de 8 testemunhas que trabalham de perto com o autor, quer a demais prova documental que a instrutora indicou para dar como provados os factos em crise, devidamente correlacionada, sustentam, de modo consistente, seguro e para além de toda a dúvida razoável, que o autor praticou os factos que lhe são imputados.
V. De resto, no âmbito do processo judicial 789/10.9TAFIG, Secção Criminal – J2 do Tribunal da Comarca de Coimbra, o autor foi recentemente condenado pelos mesmos factos e tendo em conta, genericamente, os mesmos meios de prova considerados no processo disciplinar – cfr. documento 1 – o que, pelo menos, revela a bondade do juízo feita pela instrutora.
VI. Ao concluir pela ausência de prova que sustentasse os sobreditos factos, o Meritíssimo Juiz incorreu em erro de julgamento, que deve ser corrigido nesta sede.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O M.P. emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
II – Fundamentação de facto
Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
1
O Autor é e era trabalhador do Réu, com a categoria de assistente operacional, a exercer funções na divisão de Salubridade, de Recursos Naturais, Serviços de higiene e Limpeza da Câmara Municipal.
2
Procedendo denúncia de um vereador da câmara, datada de 24/3/2010, de que vários funcionários, entre eles o aqui Autor, da sobredita divisão teriam vindo a praticar factos considerados gravemente lesivos do património do Município, designadamente a desmontagem de electrodomésticos e outra maquinaria votada à reciclagem (vulgo “monstros”) recolhidos seguida da venda particular dos componentes disso susceptíveis, tais como metais e motores, recolha e inceneração de cadáveres de animais pertencentes a uma clinica veterinária particular à custa do Município, desvio de gasóleo, utilização de viaturas camarária em fins particulares, desvio de produtos de higiene, registo falso, para pagamento sem causa, de trabalho extraordinário, foi ordenado inquérito disciplinar por despacho do dia seguinte. Cf. fs. 1 a 3 do 1º volume do processo de inquérito.
3
Desse inquérito resultou a abertura do processo disciplinar nº 6/2010 contra o aqui Autor, tendo sido nomeada instrutora a técnica superior Adelaide Lé. Cf. o P.A. apenso.
4
A acusação, cuja cópia figura de fs. 14 a 19 do PA apenso, aqui dada como reproduzida, foi proferida em 20/10/2010.
5
O Autor, ali arguido, constituiu advogado e apresentou a sua contestação, cujo teor a fs. 21 e sgs do P.A. aqui se dá como reproduzido.
6
Inquiridas as testemunhas indicadas na contestação e ouvidos de novo o arguido e a testemunha J., a Instrutora, em 14 de Setembro de 2011 proferiu o relatório final cujo teor de fs. 55 a 63 do PA apenso aqui se dá como reproduzido, destacando os seguintes segmentos:
“DOS FACTOS:
- Resultam provados os seguintes factos com interesse para a decisão:
A. O arguido desenvolve várias actividades nos serviços de higiene e limpeza, nomeadamente condutor de moto-tricarro, para assistência aos sanitários/balneários (garantia de consumíveis), recolha de papeleiras na zona urbana, acompanhamento do médico veterinário na Campanha de Vacinação Anual, acompanhamento de limpeza nas fontes ornamentais, assistência ao canil Municipal quando necessário, e limpeza urbana.
B. Pertencendo a um grupo que operava durante o período de trabalho nos Serviços de Higiene e Limpeza da Câmara Municipal da (...) (Estrada de Coimbra) e que integrava também os funcionários C., V., J. e F., o arguido, de forma concertada e organizada com aqueles funcionários, dedicou-se, desde data não concretamente apurada até, pelo menos, Março de 2010, à desmontagem de aparelhos eléctricos (motores de frigoríficos, televisões, máquinas de lavar etc.) deles separando o ferro, cobre, bronze e alumínio.
Na posse destes materiais o arguido, em comunhão de esforços com os restantes funcionários, procedia à sua venda a privados, fazendo transportar o material em viaturas do Município, revertendo o produto da venda de tais materiais para o arguido e para os restantes elementos do grupo, em proporção não concretamente apurada. O grupo remetia depois para a ERSUC as peças daqueles equipamentos que não interessavam por não terem valor económico.
C. O arguido preencheu as folhas de Trabalho extraordinário e/ou nocturno efectuado com informações que não correspondem à realidade, logrando desse modo, e com a conivência do encarregado, receber indevidamente o pagamento daquelas horas extraordinárias e/ou nocturnas. Assim, o arguido recebeu, fazendo sua, a importância de 54,00€ referente a trabalho extraordinário, alegadamente prestado no dia 23/01/2010, não obstante não ter prestado qualquer serviço;
D. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que com a sua conduta violava deveres a que estava obrigado enquanto trabalhador do Município.
A convicção da instrutora formou-se com base nos seguintes elementos de prova:
a) Documentos que integram o processo de inquérito, pastas 1 e 2.;
b) Documentos que integram o processo disciplinar;
c) Declarações das testemunhas;
- O facto dado como provado na alínea A) resultou concretamente de fls. 10 verso do processo disciplinar.
- O facto dado como provado na alínea B) resultou da conjugação dos seguintes meios de prova: As fotografias de fls. 32 a 34, as declarações de J. de fls. 103 do processo de inquérito e 48 do processo disciplinar, as declarações de H., de A., de E., L., J., a fls. 112, 116, 128, 133, 149 e 153, respectivamente, do processo de inquérito; também as declarações das testemunhas M., a fls. 160 do processo de inquérito; o depoimento de F., a fls. 164 do processo de inquérito;
- O facto dado como provado na alínea C) resultou da conjugação dos seguintes meios de prova:
documentos de fls. 261, 262 e 280 da 2ª pasta do processo de inquérito e fls. 8 a 12 do processo disciplinar.
- O facto dado como provado na alínea D) resultou da conjugação dos diversos meios de prova constantes do processo de inquérito e do processo disciplinar, designadamente os referidos na motivação dos factos anteriores, os quais, devidamente ponderados, levam a instrutora a formar a sua convicção relativamente à prova deste facto.
Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão. Não se provou, designadamente, que no dia 21/02/2010 o arguido tenha prestado serviço, encontrando -se de atestado médico.
Com efeito, a informação dos recursos humanos (fls. 10) refere que o trabalhador se encontrava de Atestado Médico no mês de Março, não mencionando aquele dia.
Também não se provaram os pontos 4º e 5° da acusação, na medida em que a prova produzida a este respeito é escassa e suscita várias dúvidas à instrutora. Das testemunhas arroladas na defesa, apenas é trabalhador da Câmara Municipal, Serviços de Higiene e Salubridade, M. que sobre a acusação feita ao arguida disse desconhecer os factos de que o arguido vem acusado, contudo, referiu que o arguido procedia à recolha de animais cadáver na F., na APAFF e na via pública, algumas vezes acompanhado pela testemunha, com autorização do P., o que nada acrescenta ou retira de concreto à acusação.
Não se provou igualmente que o grupo a que o arguido pertencia se designasse de "especial", tão –só porque não resulta claro dos autos se esta designação era utilizada pelo grupo ou foi atribuída pelos demais funcionários que não o integravam.

O DIREITO:
Nos termos do artigo 3°, n° 1 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública, considera-se infracção disciplinar o comportamento do trabalhador, por acção ou omissão, ainda que meramente culposo, que viole deveres gerais ou especiais inerentes à função que exerce. Assim, são pelo menos três os elementos que caracterizam a infracção: o comportamento, ilícito e culposo.
A ilicitude há-de resultar da violação dos deveres gerais ou especiais inerentes às funções exercidas pelo trabalhador. Ora, os comportamentos descritos nos factos dados como provados, consubstanciam a prática de várias infracções disciplinares por violação dos deveres gerais consagrados no n° 2 e seguintes do art. 3° do Estatuto, nomeadamente o dever de prossecução do interesse público, de isenção e de lealdade previstos respectivamente, nas alíneas a), b) e g) do n° 2 do art. 3° e tipificados nos nºs 3, 4 e 9 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n° 58/2008, de 9 de Setembro.
O dever de prossecução do interesse público consiste no respeito pelas leis e pelos direitos legalmente protegidos dos cidadãos. A actuação do arguido revela que o mesmo se guiou por interesses pessoais que não o interesse publico, designadamente através da obtenção de vantagens patrimoniais para si.
O dever de isenção traduz-se no dever de não retirar vantagens, directa ou indirectas, pecuniárias ou outras, para si ou para terceiro. Os factos dados como provados demonstram que este dever de isenção foi manifestamente violado, porquanto o arguido, além do mais, logrou que a sua entidade patronal lhe efectuasse o pagamento de horas nocturnas/extraordinárias que não eram devidas: por outro lado, resultou provado que o arguido participava em actividade de desmontagem de aparelhos eléctricos em período de trabalho, procurando com tal comportamento obter vantagens pecuniárias.
O dever de lealdade foi também violado (ai. g) do n°2 e n°9 do E.D.T.E.F.P.). O arguido não desempenhou as funções nem cumpriu com os objectivos do serviço onde estava integrada, porquanto, não teve em vista exclusivamente a realização dos objectivos do serviço na prossecução do interesse público, antes colocando em primeiro lugar os seus próprios interesses, utilizando para isso, os meios do erário público ao seu alcance (materiais e humanos) por forma a enriquecer o seu património, fazendo tábua rasa da sua subordinação aos objectivos do órgão e serviço.
No que respeita ao grau de culpa do arguido, verifica-se que mesmo agiu com consciência de que todos os actos praticados eram ilícitos, contudo, não deixou de os praticar. O arguido agiu, pois, com dolo.
Relativamente à gravidade das infracções, não haverá dúvidas que as mesmas são graves e altamente reprováveis, não se aceitando que à custa do erário público o arguido retire vantagens em proveito próprio.
CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES:
Militam a favor do arguido as seguintes circunstancias atenuantes previstas no artigo 22º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem funções Públicas, aprovado pela lei nº 58/2008, de 9 de Setembro:
a) A prestação de mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo (iniciou as funções públicas a 31 de Dezembro de 1987, cf. certificado disciplinar emitido pela da D.R.H, anexo ao processo), al.) do art. 22" do E.D.T.E.E.P.
b) A epigrafe do artigo 22° "Circunstancias atenuantes especiais'' destinam-se a diminuir a pena a aplicar, pelo que tendo o arguido cerca de 24 anos de serviço com exemplar comportamento, podendo mesmo considerar-se tal circunstância uma atenuação extraordinária e, por conseguinte subsumível no artigo 23° do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei n°58/2008, de 9 de Setembro.
CIRCUNSTANCIAS AGRAVANTES:
Verifica-se contra o arguido as seguintes circunstâncias agravantes especiais previstas no artigo 24° do Estatuto Disciplinar dos trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela lei nº 58/2008, de 9 de Setembro:
- A produção efectiva de resultados prejudiciais ao órgão ou serviço ou ao interesse em geral, nos casos em que o arguido pudesse prever essa consequência corno efeito necessário da sua conduta, prevista na alínea b) do artigo 24" do estatuto.
- A comparticipação com outros indivíduos para a sua prática, prevista na alínea d) do artigo 24º do E.D.T.E.F.P.
ESCOLHA DA MEDIDA DA PENA:
(…)
PENA PROPOSTA
Nestes termos, considerando os princípios da justiça, da proibição do excesso, atendendo à matéria de facto cuja prova resulta dos autos, atento ao facto do arguido ter (24) vinte e quatro anos de serviço em funções públicas com exemplar comportamento e zelo e, e tendo em consideração o disposto no artigo 20° do estatuto Disciplinar, proponho por considerar necessária, adequada e proporcional, a aplicação ao arguido F., de urna suspensão durante o período 60 (sessenta) dias prevista na alínea o) do n° 1 do art. 9º do Estatuto Disciplinar dos trabalhadores que Exercem Funções Públicas, aprovado pela Lei nº 58/2008, de 09 de Setembro, cujos efeitos estão previstos nos nºs 2 e 3 do artigo I do referido Estatuto.
Atendendo aos factos dados como provados no ponto C, deverá ainda o arguido repor a quantia de 54,00E, destinando-se esta importância ao Município da (...).
ASSIM,
Remete-se o processo Disciplinar ao Exmo. Presidente da Camara Municipal, nos termos do n° 3, do art. 54º do Estatuto Disciplinar, para decisão.
Nos termos do n° 4, do art. 140 do Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei n° 58/2008, de 9 de Setembro, a competência para aplicar a referida pena disciplinar pertence à Camara Municipal.
7
A fs. 10 do processo disciplinar contra o aqui Autor, ora apenso, consta uma informação manuscrita, cujo teor aqui se dá como reproduzido.
8
Dá-se igualmente por reproduzido o teor dos depoimentos das testemunhas Henrique Ataíde de Almeida, A., E., L., J., M., M., F., a fs. 112, 116, 128, 133, 149, 153, 160 e 164, respectivamente.
9
A folha 261 do segundo volume do inquérito disciplinar consiste na fotocópia de uma folha de ponto da divisão de salubridade e recursos naturais do departamento de obras municipais, relativa ao mês de Janeiro de 2010, assinada ilegivelmente por um encarregado e por alguém em substituição do chefe de divisão.
13
Segundo a legenda e as notações relativas ao dia 23 o aqui Autor estaria em gozo de descanso semanal.
14
Folha 262 do segundo volume do inquérito disciplinar, cujo teor aqui se dá como reproduzido, consiste na fotocópia de um registo do trabalho extraordinário e/ou nocturno prestado pelo aqui Autor no mês de Janeiro de 2010, datado de 31 de janeiro de 2010, com uma declaração de Autorização do pagamento da respectiva remuneração, por parte do vereador “do pelouro”.
Não ostenta qualquer assinatura do Autor.
15
Folha 280 do segundo volume do inquérito disciplinar consiste na fotocópia da página de um livro de ponto, relativa ao aqui Autor e ao mês de Janeiro de 2010, onde o espaço destinado à assinatura do Autor no dia 23 se encontra sem assinatura em qualquer dos períodos em que a jornada de trabalho aparece dividida, tendo manuscrita a seguinte menção: “descanso”.
16
Folhas 8 a 12 do processo disciplinar (cf. P.A. apenso), cujo teor aqui se dá como reproduzido, consistem, além do mais, num pedido de informação sobre qual o valor pago ao ora Autor pelas horas de trabalho extraordinário no dia 23 de Janeiro de 2010, quando, no dizer do pedido, se encontrava de folga, e no dia 21 de Fevereiro de 2010 quando, no dizer desta comunicação, se encontrava “de atestado médico”, bem como de extracção e entrega de cópias dos recibos desses meses.
17
Folha 9 consiste no termo de juntada da certidão que é a folhas seguinte, cujo teor aqui se dá como reproduzido e que consiste, além do mais, na certificação, por parte da coordenadora técnica da divisão de recursos humanos, A., de que o ora A recebeu 54 € como remuneração do período de trabalho extraordinário de 23 de Janeiro.
18
Folhas 11 e 12 são fotocópias das folhas de vencimento do aqui Autor, relativas aos meses de Janeiro e Fevereiro de 2010.
III – Fundamentação jurídica
O T.A.F. de Coimbra julgou procedente a acção administrativa em apreço, tendo concluído que os “…princípios in dubio pro reo e do acusatório obrigam o tribunal a concluir que na decisão instrutória devia dar-se como não provados os factos objecto de acusação.”, concretamente os factos constantes dos itens B) e C), decisão contra a qual se insurgiu o Recorrente, referindo que o Tribunal invadiu a esfera de poder da Administração e, mesmo que assim não se entenda, as provas – documentais e testemunhal – alicerçam o juízo de imputação ao ora recorrido, da prática de ilícitos disciplinares que sustentaram a deliberação impugnada.
Vejamos.
No que diz respeito ao primeiro fundamento de recurso - invocada invasão da esfera da Administração – constitui entendimento deste Tribunal que a apreciação da prova feita pela Administração, em sede de processo disciplinar, é susceptível de ser sindicada pelo Tribunal, não podendo este, contudo, substituir-se à Administração na tarefa que, primariamente, lhe compete levar a cabo, sendo que, no caso em apreço, o Tribunal a quo não violou, ao contrário do alegado, a esfera de competência da Administração, dado ter proferido a decisão de procedência da acção alicerçando-se nos princípios in dubio pro reo e do acusatório, princípios que, por serem imanentes, a todo o direito sancionatório – como é o caso do poder disciplinar – justificam e impõem que o Tribunal avalie a apreciação e valoração da prova levada a cabo pela Administração, sob pena de violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, não tendo a decisão recorrida violado o artigo 3º nº 1 do C.P.T.A., nem os meramente invocados artigos 54º e 55º do EDTFP, aprovado pela Lei nº 58/2008, de 9 de Setembro Diploma revogado pela Lei nº 35/2014, de 20 de Junho, nem o artigo 127º do C.P.P. dado o princípio da livre apreciação da prova não significar que tal apreciação não possa ser sindicada.
Questão diversa, consiste em saber se a decisão proferida pelo T.A.F. de Coimbra padece do erro de julgamento que lhe é assacado.
No relatório final do processo disciplinar a Sra Instrutora do mesmo considerou provados, para o que aqui revela, os seguintes factos:
(…)
“B. Pertencendo a um grupo que operava durante o período de trabalho nos Serviços de Higiene e Limpeza da Câmara Municipal da (...) (Estrada de Coimbra) e que integrava também os funcionários C., V., J. e F., o arguido, de forma concertada e organizada com aqueles funcionários, dedicou-se, desde data não concretamente apurada até, pelo menos, Março de 2010, à desmontagem de aparelhos eléctricos (motores de frigoríficos, televisões, máquinas de lavar etc.) deles separando o ferro, cobre, bronze e alumínio.
Na posse destes materiais o arguido, em comunhão de esforços com os restantes funcionários, procedia à sua venda a privados, fazendo transportar o material em viaturas do Município, revertendo o produto da venda de tais materiais para o arguido e para os restantes elementos do grupo, em proporção não concretamente apurada. O grupo remetia depois para a ERSUC as peças daqueles equipamentos que não interessavam por não terem valor económico.
C. O arguido preencheu as folhas de Trabalho extraordinário e/ou nocturno efectuado com informações que não correspondem à realidade, logrando desse modo, e com a conivência do encarregado, receber indevidamente o pagamento daquelas horas extraordinárias e/ou nocturnas. Assim, o arguido recebeu, fazendo sua, a importância de 54,00€ referente a trabalho extraordinário, alegadamente prestado no dia 23/01/2010, não obstante não ter prestado qualquer serviço;”
E fê-lo com base nos seguintes elementos probatórios:
(…)
“A convicção da instrutora formou-se com base nos seguintes elementos de prova:
a) Documentos que integram o processo de inquérito, pastas 1 e 2.;
b) Documentos que integram o processo disciplinar;
c) Declarações das testemunhas;
- O facto dado como provado na alínea A) resultou concretamente de fls. 10 verso do processo disciplinar.
- O facto dado como provado na alínea B) resultou da conjugação dos seguintes meios de prova: As fotografias de fls. 32 a 34, as declarações de J. de fls. 103 do processo de inquérito e 48 do processo disciplinar, as declarações de H., de A., de E., L., J., a fls. 112, 116, 128, 133, 149 e 153, respectivamente, do processo de inquérito; também as declarações das testemunhas M., a fls. 160 do processo de inquérito; o depoimento de F., a fls. 164 do processo de inquérito;
- O facto dado como provado na alínea C) resultou da conjugação dos seguintes meios de prova:
documentos de fls. 261, 262 e 280 da 2ª pasta do processo de inquérito e fls. 8 a 12 do processo disciplinar.
O Tribunal a quo entendeu, quanto ao facto vertido na alínea b) que as fotografias – fls. 32 a 34 da pasta do inquérito – não provam a autoria imediata ou mediata do arguido, dos factos a ele imputados e que os diversos depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas pela Instrutora do processo disciplinar como determinantes para a sua convicção não permitem a prova do facto descrito na alínea B) dos factos considerados apurados no relatório final, tese que este Tribunal não adopta.
Começando pelas fotografias – fls. 32 a 34 da pasta 1 do inquérito – cuja cópia consta a fls. 77/79 dos autos – se é verdade que as mesmas não provam a autoria de qualquer facto ilícito, por parte do Recorrido, as mesmas devem ser concatenadas com o teor dos testemunhos prestados por M., funcionário da Empresa 2045, que prestou serviço de Segurança e Vigilância na área do edifício dos Serviços de Higiene e Limpeza, durante 2 anos, no período das 16 horas às 8 horas da manhã, que referiu que “…as fotos existentes no processo (…) foram tiradas pelo Colega F. – cfr. fls. 105/107 dos autos – bem como pelo testemunho prestado pelo mencionado F. – de nome completo F., igualmente trabalhador da empresa 2045, que referiu o seguinte: “Que davam como desaparecidos determinados materiais, nomeadamente televisões e que o Sr. P. referia que os Seguranças é que tinham levado quando eram retirados pelos funcionários envolvidos na área, o que me levou a tirar as fotografias dos matérias desmantelados para conhecimento superior.” – cfr. fls. 108/110 dos autos -, pelo que, se é verdade que as fotografias, isoladamente consideradas, não sustentam a prova de qualquer ilícito por parte do Recorrido, as mesmas devem ser concatenadas com o depoimento prestado pelas supras identificadas testemunhas que afirmaram o seguinte, começando pelo depoimento prestado pelo supra referido M., que declarou:
“Ser funcionário da Empresa 2045, que prestou serviço de Segurança e Vigilância na área do edifício dos Serviços de Higiene e Limpeza, durante 2 anos, no período das 16 horas às 8 horas da manhã, durante os dias de serviço semanal e nos fins de semana e feriados, no período de 24 horas.
(….)
- Relativamente à desmontagem de materiais e aparelhos (motores de frigoríficos, TV´S, máquinas de lavar roupa, etc.), referiu que efectivamente são feitas desmontagens de materiais (inox, cobre, etc.) em regra com início às 6 horas da manha e 7,30 horas, efectuadas em regra por J. e L. (até se aposentar), F., V., que chegam a levar nos carros próprios quer do V. e Jeep do M. e Tricarro do F. e quando estão em serviço de motorista na carrinha de Higiene e Limpeza também as utilizam para levar os materiais para venda por conta própria.”
Por seu turno, a testemunha F., declarou o seguinte:
(…)
“Ser Funcionário da Empresa 2045 e prestou serviço de Segurança, cerca de 2 anos nas instalações dos Serviços de Higiene e Limpeza.
- Declarou que o Sr. P. chegou ao ponto de criar um mau ambiente de trabalho, quer para os funcionários, quer para os Seguranças do qual fazia parte e onde trabalhou nas instalações cerca de 2 anos, com entrada às 16 horas e saída às 8 horas da manhã.
1 – Referiu que, relativamente à desmontagem de materiais de aparelhos (motores de frigoríficos, TV’s, máquinas de lavar roupa, etc) para obtenção de materiais (inox, cobre, etc), para venda própria, que efectivamente eram praticadas pelo Sr. F., Sr. J., e que ambos têm chaves das oficinas e pelo qual era responsável o Sr. P..
- Quanto às sucatas, referiu que iam para os sucateiros, tendo retirado a matrícula de um veículo (XX-XX-XX), que as ia buscar as sucatas que não interessavam ao grupo, sem guias nem nada.
O Sr. P. dizia que não era necessário registo dos referidos veículos, mas que ele registou nos relatórios da semana.
Que davam como desaparecidos determinados materiais, nomeadamente televisões e que o Sr P. referia que os Seguranças é que tinham levado quando eram retirados pelos funcionários envolvidos na área, o que me levou a tirar as fotografias dos materiais desmantelados para conhecimento superior” – cfr. fls. 108/110 dos autos.
Ora concatenados os referidos testemunhos, nomeadamente o de quem tirou as fotografias em apreço, é legítimo concluir, ao contrário do entendido pelo T.A.F. de Coimbra, que as provas nas quais se baseou a conclusão a que chegou a Sra Instrutora do processo disciplinar instaurado ao recorrido permitiam considerar provado facto dado como assente no item B), dado ambos os testemunhos, prestados por quem exercia funções de segurança/vigilância nas instalações dos serviços de higiene e limpeza permitirem dar como assente, como consta do relatório final, que:
“Pertencendo a um grupo que operava durante o período de trabalho nos Serviços de Higiene e Limpeza da Câmara Municipal da (...) (Estrada de Coimbra) e que integrava também os funcionários C., V., J. e F., o arguido, de forma concertada e organizada com aqueles funcionários, dedicou-se, desde data não concretamente apurada até, pelo menos, Março de 2010, à desmontagem de aparelhos eléctricos (motores de frigoríficos, televisões, máquinas de lavar etc.) deles separando o ferro, cobre, bronze e alumínio.
Na posse destes materiais o arguido, em comunhão de esforços com os restantes funcionários, procedia à sua venda a privados, fazendo transportar o material em viaturas do Município, revertendo o produto da venda de tais materiais para o arguido e para os restantes elementos do grupo, em proporção não concretamente apurada. O grupo remetia depois para a ERSUC as peças daqueles equipamentos que não interessavam por não terem valor económico.”
Igualmente pertinente, tal como considerado pela Sra Instrutora, revela-se o depoimento prestado pela testemunha J. – a fls. 48/50 do P.A. – testemunha que “disse ter conhecimento dos factos por ter trabalhados nos serviços de Higiene e Limpeza sito na estrada de Coimbra, por isso conhece bem o arguido” – a fls 48/50 do P.A. (processo instrutor) do qual se transcreve o seguinte passo:
(…)
“Confirma a existência do grupo designado de especial, constituído pelo aqui arguido F. e pelos funcionários V., J., C. e F., que se dedicavam de forma concertada e organizada, à desmontagem de aparelhos eléctricos, deles separando o ferro, cobre, bronze, alumínio, inox e os respectivos motores para venda em proveito dos próprios.”
(….)
Refere ainda, que todos os procedimentos anteriormente referidos, foram efectuados pelo menos até Março de 2010.”
Independentemente do teor do depoimento prestado pelas outras testemunhas – H., A., E., L., J. e M. – o depoimento das supra referidas testemunhas era suficiente – ainda que concatenado com as fotografias tiradas pela testemunha F. – para que a Sra Instrutora do processo disciplinar desse como provado o facto vertido no item B) do relatório final não se acolhendo a argumentação, tecida na sentença recorrida, segunda a qual “os depoimentos da testemunha J. não deixam perceber, sequer, tacitamente, a razão de ciência dos factos que ele descreve, pelo que não é neles que se pode arcar a decisão de prova desses factos e dos factos descritos sob B) no relatório da Sra Instrutora”, dado a razão de ciência do depoimento prestado pela testemunha J. ser a circunstância de ter trabalhado nos serviços de higiene e limpeza - cfr. fls. 48 do processo instrutor - sendo que relativamente aos depoimentos prestados pelas testemunhas M. e F., ao contrário do referido na decisão recorrida, é possível concluir-se dos respectivos depoimentos não só a razão de ciência - a circunstância de terem trabalhado, como vigilantes nas instalações dos Serviços de Higiene e Limpeza -, revelando os respectivos depoimentos, ao contrário do referido na sentença a quo factos imputáveis ao ora Recorrido, conforme se conclui da transcrição, parcial, que supra se fez dos depoimentos prestados pelas referidas testemunhas, pelo que é de concluir que a sentença padece do invocado erro de julgamento ao ter considerado que as provas apontadas para formar a convicção da prática dos factos por parte do ora Recorrido, descritos no item B) do relatório final, seriam insuficientes para tal.
Necessário se torna agora indagar se a prova que a Sra Instrutora do processo julgou fulcral para dar como provado o facto descrito na alínea C), que ora se recorda:
“O arguido preencheu as folhas de Trabalho extraordinário e/ou nocturno efectuado com informações que não correspondem à realidade, logrando desse modo, e com a conivência do encarregado, receber indevidamente o pagamento daquelas horas extraordinárias e/ou nocturnas. Assim, o arguido recebeu, fazendo sua, a importância de 54,00€ referente a trabalho extraordinário, alegadamente prestado no dia 23/01/2010, não obstante não ter prestado qualquer serviço.”
Para considerar como provado tal facto, a Sra Instrutora alicerçou-se nos seguintes meios de prova:
documentos de fls. 261, 262 e 280 da 2ª pasta do processo de inquérito e fls. 8 a 12 do processo disciplinar.”
Quanto a estes meios de prova o T.A.F.de Coimbra considerou que “…a diversidade entre os meios escritos não permite concluir se e qual das menções neles feitas não corresponde à realidade ocorrida, como a ausência de qualquer firma do Autor na folha de registo e remuneração do trabalho extraordinário inibe uma conclusão – sem o concurso de outros meios de prova – de que esse registo e remuneração, se indevidos, se deveram a uma acção sua fraudulenta, por si só ou com o conluio de terceiro.”
Vejamos:
Conforme refere o Recorrente a folha 280 do processo de inquérito - fls. 114 dos autos - corresponde a fotocópia da página de um livro de ponto, respeitante ao Recorrido, relativamente ao mês de Janeiro, encontrando-se o espaço destinado à assinatura do Recorrido no dia 23, em qualquer dos períodos em que a jornada de trabalho se divide, sem assinatura do Recorrido, tendo manuscrita a seguinte menção “Descanso” - cfr. facto descrito no item 15 dos factos apurados da sentença recorrida -
Por outro lado, da folha 262 do processo de inquérito - 113 dos autos - consta que no dia 23 de Janeiro de 2010, o ora Recorrido prestou 6 horas de trabalho em dia de descanso semanal ou feriado - encontrando-se em tal documento uma autorização de pagamento da respectiva remuneração, por parte do Vereador do Pelouro, contendo, ainda, tal documento duas assinaturas, cujos autores se desconhece, pelo que, ao contrário do decidido pelo T.A.F. de Coimbra, encontra-se provado - face ao teor dos referidos documentos – bem como face ao teor de fls. 10 e 11 do Processo Instrutor - que o Autor recebeu indevidamente a quantia de 54,00 €, por não trabalhado no dia 23 de Janeiro, apenas não permitindo a prova produzida concluir que tal tenha sucedido “…com a conivência do encarregado…”, dado se desconhecer quem assinou o documento de fls. 113 dos autos (262 do processo de inquérito) o que é irrelevante para a sorte do presente recurso, dado a falta de elementos de prova que permitam concluir que o Recorrido recebeu a quantia de 54,00 € por ter contado com a conivência do encarregado, não obsta a que se conclua que a prova produzida permite dar como provados os factos que sustentam a prática dos ilícitos disciplinares por parte do Recorrido e que sustentaram a deliberação impugnada, pelo que deve proceder o presente recurso.”
X
Em suma:
-A sentença sob censura resulta dos elementos juntos aos autos onde foram realizadas várias diligências instrutórias (pontos 3, 6, 7 e 15 da fundamentação de facto) todas devidamente ponderadas nos relatórios do processo de inquérito e do procedimento disciplinar, bem como na decisão de acusação, pelo que não se está perante uma situação de défice instrutório ou de inércia do instrutor do procedimento, ou muito menos, num erro na valoração e apreciação da prova;
-Não se vislumbra que o julgado mereça qualquer reparo na avaliação que fez;
-Aliás, a posição do Arguido na acção foi a de impugnar genericamente os factos da decisão final, sem que, na verdade, apresentasse argumentação plausível que levasse a concluir por outra decisão, o que podia ter feito, explicando, por exemplo, que para determinado facto foi considerada a prova “X” ou “Y” e que essa prova é de todo em todo impossível de sustentar ou demonstrar esse facto;
-A convicção da Senhora Instrutora tem carácter iminentemente subjectivo mas aparece devidamente fundamentada: está suportada em declarações de testemunhas e em documentos (fotografias, folhas de ponto, etc.). E em relação a cada facto dado como provado a Senhora Instrutora indicou a prova ou conjunto de provas sobre as quais fundou a sua convicção;
-Repete-se que a sentença junta pelo Recorrente, e na qual encontrou algum conforto, não transitou em julgado, tendo o Réu/Município interposto recurso e obtido ganho de causa;
-Como apurado, “O principal responsável por todos estes procedimentos e atitudes dos referidos funcionários e dele próprio como Chefe Geral dos Serviços de Higiene é na realidade o Sr. P., cujo comportamento negligente e disciplinar violou determinados deveres gerais inerentes às suas funções, nomeadamente de isenção, zelo, lealdade e correção como chefe e superior hierárquico dos respetivos trabalhadores.”;
-Como diz o povo, mais poder é mais responsabilidade e daí a medida da pena nestes autos ser superior à fixada ao arguido do falado processo nº 27/12.0;
-A segunda questão suscitada pelo aqui Recorrente, a propósito da aplicação do artº 22º/a) do Estatuto Disciplinar, também não merece crítica;
-Com efeito, prestar mais de 10 anos de serviço com exemplar comportamento e zelo não significa não ter infracções disciplinares registadas nos últimos 10 anos. Por isso, o exemplar comportamento tem de estar traduzido em avaliação de desempenho, o que pressupõe que se tenha pelo menos dez anos de serviço avaliados com a menção máxima como ensina Paulo Veiga e Moura, em Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública, 2ª ed., Coimbra Editora, 2014, anotação ao artigo 22º.
-Assim justificada e fundamentada a decisão judicial não nos merece reparo; ela acolheu a posição do Réu/Município e nós também;
-O exemplar comportamento que decorre do artº 22º/a) do Estatuto Disciplinar tem de traduzir-se numa avaliação de desempenho avaliada com a menção máxima durante 10 anos de serviço, pressuposto que o Recorrente não logrou demonstrar;
-Como sentenciado: em primeiro lugar, há que precisar que também a ponderação de circunstâncias atenuantes cabe na actividade discricionária da Administração Pública, cabendo apenas ao Tribunal aferir do respeito pelos princípios de direito administrativo, como o princípio da proporcionalidade.
Em segundo lugar, há ainda que referir que, sendo as infracções cometidas pelo A. abstractamente enquadráveis nas previsões dos artigos 17.º e 18.º do ED, e portanto puníveis com uma pena de suspensão ou de demissão e despedimento por facto imputável ao trabalhador, sempre cabe à Administração a escolha daquela que considera ser mais adequada, relevando apenas para a invalidade do ato os casos de desrespeito manifesto ou grosseiro pelo referido princípio da proporcionalidade, o que não pode dizer-se que sucede in casu, visto que a entidade demandada aplicou ao A. a pena menos grave das duas que a lei em abstracto considera aplicáveis (…).
Por último, cabe apenas referir que a circunstância atenuante da prestação exemplar de serviço durante 10 anos não é aplicável, sem mais, a todas as situações em que dos registos disciplinares dos trabalhadores da Administração Pública não consta o registo de qualquer infração durante o período de 10 anos, não sendo tal circunstância suficiente para se poder afirmar que o funcionário demonstra, em concreto, um comportamento e zelo exemplares no desempenho das suas funções, tal como é exigido expressamente na al. a) do artigo 22.º do ED.
Face a todas as considerações expostas, não se verifica qualquer desrespeito pelo princípio da proporcionalidade pelo facto de não se ter ponderado aplicar ao A. a circunstância atenuante da al. a) do artigo 22.º do ED, pelo que o ato impugnado também não padece desta ilegalidade; (sublinhados nossos);
-Tem, pois, de concluir-se que o acervo probatório alcançado permite dar como provados os factos que sustentam a prática dos ilícitos disciplinares por parte do Recorrente e que sustentaram a deliberação impugnada, pelo que tem de improceder o presente recurso;
-Tal equivale a dizer que a sentença sub judice não incorreu nos males que lhe vêm assacados, isto é, desrespeito, entre outros, pelos artigos 20º/1, 266º/4 e 31º/10 da CRP.
Falecem as conclusões da alegação.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
*
Custas pelo Recorrente.
*
Notifique e DN.
*
Porto, 18/12/2020



Fernanda Brandão
Frederico Branco
Rogério Martins