Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00118/09.4BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/28/2021
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Margarida Reis
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA; ISENÇÃO DE IMT; ART. 8.º DO CIMT; PROVA; DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:Tendo o Tribunal a quo desconsiderado a prova documental junta aos autos pelo Autor, aqui Recorrente, por ter entendido que a mesma era “indecifrável”, o regime processual aplicável, no caso, constante dos arts. 87.º, n.º 1, alínea c) e 91.º do CPTA (na redação então em vigor), não o legitimava a negar a abertura de instrução, tanto mais que em causa estava a prova de um facto negativo, essencial à decisão da causa, padecendo assim a sentença recorrida de um erro de direito processual no julgamento, por incorreta interpretação do mesmo.

Impõe-se por isso a anulação da sentença recorrida e a baixa dos autos à primeira instância, para que seja suprido o défice instrutório identificado e após, proferida nova decisão.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Banco (...), S.A.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

Banco (...), S.A., inconformado com o acórdão proferido em 2010-11-20 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que julgou improcedente a ação administrativa por si interposta tendo por objeto o Despacho da Subdirectora-Geral da Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, do Imposto do Selo, dos Impostos Rodoviários e das Contribuições Especiais número 66, datado de 5 de Janeiro de 2009, através do qual lhe foi indeferida a concessão da isenção de pagamento de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”), incidente sobre a transmissão de imóvel operada através do contrato-promessa de dação em cumprimento, nos termos do disposto no art. 8.º do Código do IMT, vem interpor o presente recurso.

O Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

III - CONCLUSÕES
i. Não obstante a falta de notificação do despacho que presidiu à decisão de não realização da produção de prova não configure uma nulidade processual que se possa imputar à decisão final, a realidade é que a indevida dispensa de meio de prova testemunhal poderá implicar a impugnação sobre a matéria de facto, o que aqui se faz.
ii. A lei não estabelece o meio de prova específico de comprovação de que entre a primeira falta de pagamento e o recurso à dação em cumprimento decorreu de mais de um ano, pelo que essa prova poderá ser efectuada com recurso a quaisquer meios de prova admissíveis em direito, inclusivamente a prova testemunhal.
iii. Não obstante, relativamente ao requisito de que entre a primeira falta de pagamento e o recurso à dação em cumprimento decorreu de mais de um ano, o mesmo encontra-se provado através do documento interno do Recorrente, referente ao detalhe da conta caucionada, prova que desde 22 de Novembro de 2004 não existiram quaisquer depósitos na conta que permitissem a satisfação do contrato celebrado com A., sendo que o referido documento tem o mesmo valor probatório que o extracto bancário, porquanto ambos, sendo emitidos pelo Recorrente, têm a mesma credibilidade.
iv. Se face ao conteúdo do documento junto aos autos pelo Recorrente, o Tribunal a quo tinha reservas quanto ao alegado - de que o incumprimento durava há mais de um ano à data da dação em cumprimento - cabia-lhe o dever, ao abrigo do princípio da descoberta de verdade material, corolário do princípio do inquisitório, de ordenar a realização da prova testemunhal.
v. Assim sendo, constatando-se o preenchimento da imposição legal consagrada no artigo 8.º, número 2, alínea b) do Código do IMT - decorrência de mais de um ano entre a primeira falta de pagamento e o recurso à dação em cumprimento - deverá a decisão recorrida ser anulada por V. Excelências, dando-se provimento ao presente Recurso.
vi. Relativamente aos restantes requisitos legais impostos pelo artigo 8.º do Código do IMT, verifica-se a observância dos mesmos, porquanto: a. o imóvel foi adquirido por uma instituição de crédito (o Recorrente) para realização do crédito resultante do empréstimo concedido sob a forma de conta corrente caucionada a A.; b. a aquisição da fracção autónoma, por parte do Recorrente, derivou de actos de dação em cumprimento; e c. entre o Recorrente (o extinto Banco M. S.A.) e o devedor, A., não existiam relações especiais nos termos do artigo 58.º do Código do IRC, por não estarem preenchidas quaisquer das suas alíneas.
vi. A decisão em apreço violou assim, de entre outras normas, o disposto no artigo 8.º do Código do IMT, pelo que deve ser anulada por Vossas Excelências e, em consequência, ser concedida a isenção do pagamento de IMT e reembolsado o imposto pago pelo Recorrente no montante de € 5.525,00, acrescido de juros indemnizatórios calculados desde a data de notificação do indeferimento do pedido até à data do efectivo reembolso.
vii. À cautela e sem conceder, caso se entenda que o documento interno do Recorrente não permite aferir, sem margem para dúvidas, de que entre a primeira falta de pagamento e o recurso à dação em cumprimento decorreu mais de um ano, deverá considerar-se que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa e que os autos não fornecem os elementos probatórios necessários à reapreciação da matéria de facto, pelo que deverão V. Excelências anular a sentença oficiosamente, nos termos dos artigos 712.º, número 4, do Código de Processo Civil, por força dos artigos 792.º e 749.º do mesmo Código e do artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Termina pedindo:
Nestes termos e nos mais de Direito que os Venerandos Juízes doutamente suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como procedente, por provado, e em consequência deverá a decisão recorrida, ser revogada, por ilegal e substituída por outra, que contemple as interpretações de Direito acima explanadas, tudo com as legais consequências.
Assim, V. Exas. farão a costumada JUSTIÇA!”
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A entidade Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais conclui como se segue:

“IV - Face ao exposto, devem então retirar-se as seguintes conclusões:
I. A R. indeferiu o pedido de isenção de IMT por parte do A., formulado ao abrigo do artigo 8.º, n.º 1 do CIMT, pela dação em cumprimento de uma fracção autónoma.
II A Administração Fiscal, e de forma a instruir cabalmente o processo de isenção, solicitou ao autor elementos justificativos/prova do atraso no cumprimento da dívida, que não deveria ser inferior a um ano, da inscrição no balanço do ano anterior da dívida em questão na rubrica de créditos ou juros vencidos da entidade credora, uma vez que dos documentos anexos ao pedido de isenção não constavam alguns elementos essenciais à análise do mesmo.
III. O artigo 8.º, n.º 1 do CIMT serve para beneficiar as aquisições de prédios que são objecto de pagamento de uma dívida, que se demonstrou ser incobrável, já que o meio normal da contratante daqueles créditos satisfazer o contratado é pagar pontualmente as prestações a que ficou adstrita por via contratual. Assim, a situação de impossibilidade de solver as responsabilidades do devedor tem de se verificar e provar, para que se possa permitir ao concessionário do crédito beneficiar, no sentido de não ser onerado com um encargo que é o imposto sobre as transmissões de imóveis, com a aquisição de imóvel, que vai satisfazer, de forma indirecta, o crédito que tem sobre o devedor.
IV. Importa provar o incumprimento superior a um ano mediante elementos justificativos/prova do atraso no cumprimento da dívida, da inscrição no balanço do ano anterior da dívida em questão na rubrica de créditos ou juros vencidos da entidade credora.
V. Não logrou o A. provar o preenchimento de todos os pressupostos que levam à isenção de IMT, nos termos do art. 8.º do CIMT, nomeadamente, não provou o A. ter decorrido mais de um ano entre a primeira falta de pagamento e o recurso à dação em cumprimento, não alcançando assim preencher o exigido pelo art. 8.º, n.º 2, al. b) do CIMT.
VI. Não se retira do documento interno apresentado pela autora que haja um atraso no cumprimento e que esse atraso seja superior a um ano. A autora, como bem refere a Douta Sentença recorrida “limita-se a juntar o documento, e apesar da “linguagem cifrada” nele contida, nem sequer ensaia na petição inicial uma interpretação do mesmo”.
VI. É completamente destituído de sentido que após várias insistências por parte da A.T. para cumprimento dos requisitos constantes do art. 8º do CIMI, que solicitou ao autor os elementos em falta, tenha este incumprido o dever de colaboração previsto no art. 59º da LGT - primeiramente desconsiderando o ofício enviado pela A.T. e afirmando que todos os elementos necessários se encontravam junto ao pedido de isenção, nada respondendo em sede de audição prévia, e finalmente nada tendo sido explanado na PI nem a ela tenha sido junto - venha agora pretender, que seja feita prova de incumprimento através de prova testemunhal!
VIII. Todos os elementos pertinentes para a decisão constam já do processo. Se são ou não claros, apenas e só à autora se deve tal facto.
IX. Nos termos do art. 14º, nº 4 da LGT, “os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à Administração Tributária dos pressupostos da sua concessão”. Trata-se do acolhimento, no que respeita aos benefícios fiscais, da regra geral do ónus da prova dos artigos 342º do CC e art. 74º da LGT.
X. A não verificação de todos pressupostos exigidos por lei, conduz, necessariamente, ao indeferimento da isenção, pelo que, o despacho ora recorrido, é legal, devendo ser mantido na ordem jurídica, não havendo assim lugar a qualquer tipo de ressarcimento ao A. por parte da A.T.
XI. Não sendo o documento apresentado pela autora capaz de provar que houve incumprimento e que este durava há mais de um ano à data da dação em cumprimento, a decisão recorrida não padece de erro sobre os pressupostos de facto nem de direito.”
Termina pedindo:
“Pelo supra exposto, entende a Recorrida – Subdirectora Geral dos Impostos - que a sua decisão aqui recorrida deverá ser mantida na ordem jurídica, de acordo aliás com a sentença proferida em primeira instância, que, fazendo uma correcta aplicação do direito, manteve a decisão da entidade aqui recorrida.”
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A Digna Magistrada do M.º Público junto deste Tribunal foi notificada nos termos e para os efeitos do artigo 146.º, n.º 1 do CPTA, tendo deixado exarado nos autos parecer no sentido da improcedência do presente recurso.
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Os vistos foram dispensados, com a prévia anuência dos Juízes-Adjuntos.
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Questões a decidir no recurso
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.
Assim sendo, importa apreciar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento que lhe são assacados pelo Recorrente.


II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:

IlI - DOS FACTOS PROVADOS
Compulsados os autos, e com base nos documentos juntos, dou como assente o seguinte circunstancialismo fáctico, com interesse para a decisão a proferir:
1) O autor, em virtude de uma operação de reestruturação do grupo societário a que pertence (Grupo Banco (...)), incorporou, através de uma operação de fusão o Banco M., S.A., sociedade que tinha o número de pessoa colectiva (…) - doc. 1 junto com a petição.
2) Antes da referida operação de fusão, o Banco M., S.A. celebrou, em 4 de Março de 1998, um contrato de abertura de crédito sob a forma de conta-corrente caucionada com A., para fazer face a dificuldades pontuais de tesouraria deste e concedido com o limite de 18.000.000$00 (€ 89.783,962) - doc. 2 junto com a petição.
3) Em virtude da falta de cumprimento das cláusulas estabelecidas no supracitado contrato de crédito concedido sob a forma de conta-corrente - referenciado internamente no Banco pela conta “DDA (...)” - o autor assumiu a posição de credor de A., pelo montante de 89.783,962, acrescido de juros de mora e imposto de selo.
4) Com vista à regularização da responsabilidade supra referida, o autor e A., acordaram, através de contrato-promessa de dação em cumprimento, na dação por este ao autor, da fracção autónoma designada pela letra “X”, correspondente ao Escritório ou Consultório número 4, piso Um, com dois lugares de Garagem, números 10 e 11, no piso menos três (-3), do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito no Gaveto da Rua (…), inscrito na respectiva matriz sob o artigo número 2212, com o valor patrimonial de € 29.787,68 e descrito na Conservatória do registo Predial do mesmo concelho sob o número 344/130488 - freguesia de (...), atribuindo-lhe para efeitos de dação em cumprimento, o valor global de € 85.000,00 - doc. 3 junto com a petição.
5) 3m 08 de Maio de 2006 a autora apresentou à Direcção Geral de Impostos - Impostos sobre o Património um pedido de isenção de pagamento de IMT, nos termos do artigo 8º e 10º do Código do IMT - doc. 4 junto com a petição e cujo teor dou aqui por reproduzido.
6) Em virtude da urgência na celebração da escritura pública de dação em cumprimento e a fim de evitar a caducidade dos registos entretanto efectuados, o autor procedeu nos termos do artigo 19º e ss. do Código do IMT, à liquidação do imposto relativo à transmissão onerosa do aludido prédio, no montante de € 5.525,00, o qual foi liquidado e entregue em 11 de Janeiro de 2007 - doc. 5 junto com a petição.
7) No dia 11 de Janeiro de 2007 foi outorgada a escritura pública de dação em cumprimento, na qual A. deu em cumprimento ao autor, pelo montante de 85.000,00 o prédio acima identificado para pagamento parcial das suas dívidas e obrigações perante aquele - doc. 6 junto com a petição.
8) Pelo ofício n.º 328, datado de 01 de Fevereiro de 2008, o requerente foi notificado nos seguintes termos:
«Por força da Lei 53-Af2006, de 29 de Dezembro que introduz alterações ao Código do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, solicito a essa entidade se digne apresentar também, conforme nova redacção da alínea b), do n.º 2 do art. 8.º, o seguinte:
1. Justificativo (extracto bancário) /prova do atraso do cumprimento da dívida, que não deverá ser inferior a um ano;
2. Justificativo/prova de inscrição no balanço do ano anterior da divida em questão na rubrica de créditos ou juros vencidos da entidade credora;
3. Informação sobre se existem ou não relações especiais entre o credor e o devedor nos termos do n.º 4 do artigo 58º do CIRC.» - doc. 7 junto com a petição.
9) O autor respondeu nos termos constantes do documento n.º 8 junto com a petição cujo teor dou aqui por reproduzido.
10) Pelo ofício n.º 66, datado de 05 de Janeiro de 2009, o autor foi notificado do indeferimento do pedido de isenção do IMT - doc. 9 junto coma petição cujo teor dou aqui por reproduzido.
11) Dou por reproduzido o teor do documento 10 junto com a petição (fls. 75).
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II.2. Fundamentação de Direito
Importa apreciar se a sentença recorrida padece dos erros de julgamento que lhe são imputados pelo Recorrente.
O Recorrente dá início às suas alegações de recurso argumentando que apesar da falta de notificação do despacho que presidiu à decisão de não realização da produção de prova não configurar uma nulidade processual que se possa imputar à decisão final, a indevida dispensa de meio de prova testemunhal poderá implicar “a impugnação sobre a matéria de facto” (cf. art. 5.º das alegações de recurso).
Nas respetivas alegações refere, a propósito que o Tribunal a quo entendeu que face aos elementos por si carreados para os autos, era dispensável a produção de prova e que não obstante ter indicado, “aquando da apresentação da petição inicial, uma testemunha a inquirir - a saber, M., técnica de recuperação de crédito (…) que, na sua óptica, permitiria fazer prova de que os pressupostos para a concessão da isenção do IMT estavam preenchidos no caso sub judice, a realidade é que o Tribunal a quo optou por prescindir da realização da audiência de julgamento, sem que, para tal, notificasse o Recorrente, ao abrigo do artigo 90.º, número 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos” (cf. art. 4.º das alegações de recurso).
Acrescenta que embora “a falta de notificação do despacho que fundamente a decisão de não realização da produção de prova - não configure uma nulidade processual que se possa imputar à decisão final, a realidade é que a indevida dispensa de meio de prova testemunhal implica que o Recorrente possa impugnar, em sede de Recurso, a matéria de facto” (cf. art. 5.º das alegações de recurso).
Prossegue sublinhando que a produção de prova testemunhal era essencial para que pudesse demonstrar que estavam preenchidos todos os requisitos a que alude o art. 8.º do CIMT para a concessão da pretendida isenção, uma vez que o Tribunal a quo não só não permitiu a sua produção como desvalorizou a prova documental junta (cf. art. 8.º das alegações de recurso).
Remata a sua argumentação referente à questão da dispensa da prova testemunhal referindo que “ao afastar-se a possibilidade de se produzir toda a prova indicada, por um lado, e ao desvalorizar-se a prova admitida, por outro, arredou o Tribunal a hipótese de que, nos autos, ficasse a constar o apuramento da matéria de facto que o Recorrente reputa de correcta, pelo que urge anular a sentença, baixando os autos à 1.ª Instância, para a produção da prova testemunhal preterida” (cf. art. 10.º das alegações de recurso), e que “a dar-se provimento ao aqui requerido, a solução de facto - e, em consequência, de Direito - será evidentemente outra, pelo que não poderá o Tribunal ad quem abster-se de atender ao peticionado, em homenagem ao princípio da descoberta da verdade material” (cf art. 11.º das alegações de recurso).
Assim, e tanto quanto é possível compreender o almejado, através da interpretação conjugada das alegações e conclusões de recurso do Recorrente, pretende o mesmo que a sentença errou ao desconsiderar a prova documental produzida e, simultaneamente, indeferir o seu requerimento de produção de prova testemunhal – indeferimento que resulta implícito, uma vez que não foi proferido qualquer despacho que lhe desse a conhecer os seus fundamentos –, pelo que pretende que os autos baixem à primeira instância para que a mesma seja ali produzida.
E não sendo possível concluir que o indeferimento (implícito) da prova testemunhal configure uma nulidade processual, qualifica o erro de julgamento em causa como sendo um erro de facto, que lhe permite impugnar a matéria de facto, tal como refere no art. 5.º das suas alegações de recurso, e no art. 1.º das respetivas conclusões.
Com o devido respeito, o Recorrente não faz uma qualificação correta do vício que invoca, pois atento o alegado, o que realmente pretende é imputar à sentença um erro de direito processual no julgamento, por incorreta interpretação das normas processuais aplicáveis – no caso, o disposto no art. 87.º, n.º 1, alínea c) e no 90.º do CPTA, na sua redação original (sendo que do art. 90.º do CPTA na redação introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 02/10, conjugado com o disposto no e no art. 411.º do CPC, a sua redação atual, resulta igualmente a necessidade de instrução sempre que persistam factos controvertidos) -, que no caso em apreço, atendendo a que existia um facto controvertido essencial para a resolução da questão colocada perante o Tribunal, não legitimavam o Tribunal a quo a concluir pela dispensabilidade da produção da prova testemunhal.
Corrigida a qualificação do vício, vejamos se tem razão.
A sentença identifica a questão a resolver como sendo a de “saber se o autor fez prova do incumprimento há mais de um ano entre a primeira falta de pagamento e o recurso à dação em cumprimento, um dos pressupostos previstos para a isenção do IMT prevista no artigo 8.º do CIMT”, concretamente, na alínea b) do respetivo n.º 2.
Sustenta a decisão (negativa) sobre a mesma nos seguintes fundamentos:
(…) O autor não põe em causa a aplicação da norma na redacção dada pela Lei n.º 53- A/2006, de 29 de Dezembro. Não se conforma com a decisão da administração fiscal apenas na parte em que esta entendeu não estar preenchido o requisito previsto na alínea b) do n. º 2 do artigo 8º “que tenha decorrido mais de um ano entre a primeira falta de pagamento e o recurso á dação em cumprimento”.
Defende o autor que o documento n.º 10 junto com a petição inicial e que juntou com o pedido de isenção de pagamento prova os factos exigidos naquele pressuposto.
Quanto a este documento refere o réu que se trata de um documento meramente interno da entidade bancária de onde nada se retira acerca da situação de incumprimento que se lograva provar.
Sobre o mesmo documento escreveu o Ministério Público no seu Parecer: «A impugnante alega que o incumprimento deve ser dado como assente à data de 22/11/2004, data do último depósito. E para prova juntou, no âmbito do procedimento administrativo, um “ACDT 2 CIS DETALHE CONTA DDA 04/11/22 1 l.16.31” (junto como documento nº 10 com a p.i.). Só que desse “ACDT ... “, cujo teor se não se descortina na linguagem cifrada em que se apresenta, não se pode retirar sem mais” “que tenha decorrido mais de um ano entre a primeira falta de pagamento e o recurso à dação em cumprimento. Por isso é que a AT quer ver “justificativo (extracto bancário/prova do atraso em do cumprimento da dívida, que não deverá ser inferior a um ano; justificativo/prova de inscrição no balanço do ano anterior da divida em questão na rubrica de créditos ou juros vencidos da entidade credora”».
Não se retira do documento apresentado pela autora, como referem o réu e o Ministério Público, que haja um atraso no cumprimento e que esse atraso seja superior a um ano. A autora limita-se a juntar o documento, e apesar da “linguagem cifrada” nele contida, nem sequer ensaia na petição inicial uma interpretação do mesmo.
Na verdade, quanto a esta matéria que constituiu o fundamento de indeferimento do pedido de isenção, a autora dedica-lhe um único artigo dos 39º que compõem a petição inicial dizendo tão-só: «Acresce que o recurso à dação em cumprimento ocorreu mais de um ano após a primeira falta de pagamento, conforme comprovativo da situação de incumprimento do empréstimo registado à data de 22 de Novembro de 2004 junto quer no pedido de isenção de pagamento de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, quer na resposta ao Oficio número 328, de 1 de Fevereiro de 2008 e que ora se junta como Documento 10».
De notar ainda que a autora não alega que os documentos solicitados pela administração tributária não existem por não estarem previstos na sua organização, ou que existem, mas que de algum modo há impossibilidade de os apresentar.
Ora, nos termos do artigo 14.º, n.º 4 da LGT «os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão». Trata-se do acolhimento, no que respeita aos benefícios fiscais da regra geral do ónus da prova dos artigos 342º do CC e 74º da LGT.
Não sendo o documento apresentado pelo autor capaz de provar que houve incumprimento e que este durava há mais de um ano à data da dação em cumprimento, a decisão impugnada não padece de erro sobre os pressupostos de facto nem de direito.
Ou seja, e em suma, o Tribunal a quo entende que o documento n.º 10 que o ora Recorrente juntou à petição inicial - e ao pedido de isenção – para prova da questão a resolver no processo (saber se o autor fez prova do incumprimento há mais de um ano entre a primeira falta de pagamento e o recurso à dação em cumprimento), e que o mesmo identifica como correspondendo ao “detalhe da conta caucionada” (cf. art. 21.º das alegações de recurso), é indecifrável; nega a produção da prova testemunhal, sem que se mostre cumprido o disposto no n.º 2 do art. 90.º do CPTA na redação em vigor, e conclui que o Autor, aqui Recorrente, não provou “… que houve incumprimento e que este durava há mais de um ano à data da dação em cumprimento”.
Ora, tanto é quanto basta para que se conclua que a sentença padece de um erro de direito processual nos seus pressupostos.
Senão vejamos.
O Recorrente pretende provar o requisito constante na alínea b) do n.º 2 do art. 8.º do CIMT.
Tal como alega, da lei não resultava qualquer exigência específica no que se refere ao modo como a prova deste requisito deveria ser feito; não resultava do disposto no art. 8.º do CIMT, como também não resultava do disposto no n.º 4 do art. 14.º, invocado pela Recorrida no art. 18.º das respetivas contra-alegações de recurso, como aliás, acaba por reconhecer no art. 33.º das mesmas.
Por outro lado, este ponto, que a sentença identifica como sendo “a questão” a resolver nos autos, implica que seja feita uma prova negativa, ou seja, que o devedor não efetuou qualquer pagamento “há mais de um ano à data da dação em cumprimento”.
O Tribunal a quo conclui que o documento de que o Recorrente se pretende socorrer para fazer a prova deste facto negativo é indecifrável.
Por outro lado, não ouviu a testemunha indicada, não tendo, como já referido, dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do art. 90.º do CPTA, na redação em vigor à data, norma que impunha que o indeferimento do requerimento de prova do Autor, aqui Recorrente, fosse objeto de um despacho fundamentado.
Ou seja, e para todos os efeitos, não ouviu as partes sobre a desnecessidade da produção de prova testemunhal, o que teria dado ao Recorrente a oportunidade de sublinhar a importância que confere à testemunha em causa, tal como vem agora fazer, no art. 4.º das suas alegações de recurso.
Refira-se ainda que o Recorrente tem igualmente razão quando refere que caso o Tribunal a quo não tivesse prescindido da realização da prova testemunhal, estaria em condições de, até ao momento da audiência de julgamento e cumprindo o prazo legal para o efeito, ter aditado novas testemunhas ou alterado o respetivo rol, nomeadamente, aditando o próprio devedor, A., o qual poderia atestar qual o momento em que efectuou o último pagamento por conta do empréstimo obtido (cf. art. 26.º das alegações de recurso).
Com efeito, tal possibilidade era-lhe conferida nos termos do disposto no n.º 2 do art. 512.º-A (atual art. 598.º) do CPC, na sua redação original, aplicável ex vi art. n.º 2 do art. 90.º (recordando que o CPC era e é supletivamente aplicável, nos termos da remissão genérica constante do art. 1.º) do CPTA, subsistindo a mesma nos termos do disposto no atual n.º 5 do art. 89.º-A do CPTA, aditado pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro.
Sublinhe-se que a abertura da instrução lhe permitiria ainda a junção de documentos nos termos do disposto no n.º 2 art. 523.º (atual art. 423.º) do CPC, disposição igualmente aplicável subsidiariamente, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 90.º do CPTA na redação então em vigor (como na atual conferida pelo DL 214-G/2015).
Ora, do disposto no art. 91.º do CPTA, assim como da alínea c) do n.º 1 do art. 87.º do mesmo diploma (na redação então vigente), da qual resultava que deveria ser determinada a abertura de um período de produção de prova “quando tenha sido alegada matéria de facto que ainda controvertida e o processo haja de prosseguir”, decorria claramente que a lei processual não autorizava o Tribunal de 1.ª instância a negar (implicitamente) a produção de prova testemunhal no caso em apreço, tanto mais que, estando em causa a prova de um facto negativo, esta leitura errada da lei colocou o ora Recorrente numa potencial situação de indefesa.
Com efeito, é inegável que a prova de um facto negativo, por implicar uma dificuldade acrescida, exige da parte do julgador uma maior flexibilidade na aceitação da respetiva demonstração, pelo que, e ao contrário do que parece pretender a Recorrida, a prova testemunhal não resulta necessariamente desqualificada para o efeito, antes pelo contrário.
Nesse sentido se pronunciou já o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão proferido em 2008-12-17, no proc. 0327/08 (disponível para consulta em www.dgsi.pt/jsta), cuja argumentação aqui se acompanha, ali se frisando que “a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur»”.
Ou seja, e em suma, ainda que, como refere o Recorrente, a circunstância de não ter sido ouvida a testemunha indicada não constitua uma nulidade insanável, constitui um erro de interpretação do direito processual no julgamento, repercutindo-se indelevelmente na instrução dos presentes autos.
Neste sentido se pronunciou já o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão proferido em 2013-11-27, no proc. 01159/09, jurisprudência na qual nos revemos inteiramente, e que vai no sentido de que “A falta de inquirição das testemunhas arroladas não consta do rol de nulidades insanáveis do art. 98º do CPPT nem constitui uma nulidade processual à luz do art. 201º e segs. do CPC, na medida em que a lei não prescreve que deva ter sempre lugar a produção de prova, antes conferindo ao juiz o poder de ajuizar da necessidade da sua produção; pelo que não havendo essa imposição legal, se o juiz dispensa a produção de prova não se pode dizer que foi preterida uma formalidade legal. O que não obsta a que a omissão de diligências de prova possa afectar o julgamento da matéria de facto e acarretar, nessa medida, a anulação da sentença por défice instrutório”.
Assim sendo, deve a sentença recorrida ser anulada, nos termos do disposto no n.º 4 do art. 712.º do CPC, na sua redação anterior (aqui aplicável, atendendo a que a decisão sob recurso foi proferida em 2010-11-20, antes da entrada em vigor em 2013-09-01 – cf. art. 8.º da Lei n.º 41/2013, de 26-06 - da nova redação do CPC, e que a ação foi instaurada após o 2008-01-01, nos termos do disposto nos arts. 5.º, n.º 1, 6.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1 da Lei n.º 41/2013; cf. neste sentido GEMAS, Laurinda – Introdução. A aplicação da lei no tempo. In O Novo Processo Civil. Contributos da Doutrina para a Compreensão do Novo Código de Processo Civil Caderno I. 2.ª edição. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2013. Disponível na internet: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/Caderno_I_Novo%20_Processo_Civil_2edicao.pdf>, pág. 42), aplicável ex vi art. 1.º, do CPTA, de modo a permitir que, no Tribunal a quo, seja promovida a inquirição da testemunha arrolada pela impugnante e feitas as demais diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento da matéria controvertida.
Assim sendo, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões invocadas pelo Recorrente nas suas alegações de recurso, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 660.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT.
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No que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, a mesma cabe à entidade Recorrida, atendendo ao seu decaimento [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 1.º, do CPTA].
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Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

Tendo o Tribunal a quo desconsiderado a prova documental junta aos autos pelo Autor, aqui Recorrente, por ter entendido que a mesma era “indecifrável”, o regime processual aplicável, no caso, constante dos arts. 87.º, n.º 1, alínea c) e 91.º do CPTA (na redação então em vigor), não o legitimava a negar a abertura de instrução, tanto mais que em causa estava a prova de um facto negativo, essencial à decisão da causa, padecendo assim a sentença recorrida de um erro de direito processual no julgamento, por incorreta interpretação do mesmo.
Impõe-se por isso a anulação da sentença recorrida e a baixa dos autos à primeira instância, para que seja suprido o défice instrutório identificado e após, proferida nova decisão.
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III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao presente recurso, e em consequência, anular a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos à primeira instância, para que seja suprido o défice instrutório supra identificado e após, proferida nova decisão.
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Custas pela Recorrida.
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Porto, 28 de janeiro de 2021

Margarida Reis (relatora) - Cláudia Almeida – Paulo Moura.