Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00978/14.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/16/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:REQUISITOS FORMAIS DAS FACTURAS, DÉFICE INSTRUTÓRIO
Sumário:Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:G., LDA
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

G., Lda., pessoa colectiva n.º (...), devidamente identificada nos presentes autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 23/03/2021, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.ºs 14002170 e 14002172, referentes aos períodos 201003T e 201006T e correspectivas liquidações de juros compensatórios, no valor total de €77.081,49.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:

“I. A sentença recorrida sustenta-se num relatório projeto da Autoridade Tributária e por isso, completamente desatualizado relativamente ao relatório final, cometendo erros graves quer técnicos quer fáticos, a demonstrar o referido está desde logo o estado civil da sócia gerente da Recorrente que apesar de ter sido corrigido no relatório final, na sentença mantem-se como casada quando a mesma ainda hoje é solteira.
II. A sentença a quo, não apreciou os documentos juntos ao relatório inspetivo, uma vez que se guiou pelo relatório projeto e não verificou os documentos que lhe foram juntos em momento posterior aquando dos esclarecimentos solicitados pelo SIT.
III. A sentença recorrida não atendeu a toda a prova documental junto com o relatório inspetivo, cingiu-se, a apreciar e a valorar um relatório incompleto.
IV. A sentença recorrida não atendeu aos documentos juntos, posteriormente ao relatório inspetivo.
V. Na apreciação da prova, concretamente às declarações de parte a douta sentença recorrida contradiz-se referindo que o depoimento é clarão e assertivo não valorando posteriormente o seu conteúdo.
VI. Ao contrário do vertido na sentença ora recorrida a Recorrente/Impugnante nas suas declarações e a testemunha contabilista da empresa, sem margem de dúvida, esclarecem que as faturas passadas correspondem a serviços efetivamente prestados e que esses serviços, ainda hoje constam de um site que pode ser consultado na internet, conforme a MM Juiz a quo inquiriu e obteve a respetiva resposta.
VII. A Recorrente, através do depoimento da Exma. Senhora Dra. Maria do Rosário Alves e da prova documental demonstrou que não violou o disposto no art.º 36.º, n.º 5 do CIVA.
VIII. As faturas a que a sentença assenta a sua tese, estão na contabilidade e, ao contrário do referido na, tiveram uma designação genérica de “desenvolvimento de conteúdos “ mas foram com um anexo que era o próprio contrato de prestação de serviços onde se discriminava todos os serviços prestados.
IX. Ao contrário do concluído na sentença do Tribunal a quo há falta de fundamentação do relatório de inspeção tributária.
X. Não pode a douta sentença a quo, concluir, como concluiu que não há vício de falta de fundamentação dos atos de liquidação.
XI. Ao contrário do referido na douta sentença recorrida a recorrente demonstrou claramente que o relatório de inspeção é completamente infundado e não apreciou os documentos juntos pela impugnante /recorrente.
XII. As correções ao relatório que foram negligenciadas pela MM Juiz a quo.
XIII. Ora, resultou da audiência de julgamento prova que os serviços foram prestados.
XIV. O trabalho da recorrente foi publicado on line e ainda hoje consegue exibi-lo.
XV. A sentença de que se recorre volta a basear as suas conclusões no relatório inspetivo e repete os erros de cálculo valor hora do relatório.
XVI. A recorrente praticou um valor de mercado, valor/hora, abaixo do praticado pelo Estado Português para os mesmos serviços.
XVII. Os serviços faturados correspondem ao número de horas despendidos na execução dos mesmos e o valor praticado, embora possa ser considerado alto, está dentro dos valores de mercado para idênticos serviços.
XVIII. Através do site www.takeacity.com verifica-se, inequivocamente, todos os conteúdos desenvolvidos pelos diferentes prestadores de serviços, num total de 1100 textos originais na língua portuguesa e mais 1100 textos traduzidos da língua portuguesa para a inglesa, não há dúvida quanto à prestação de serviços!
XIX. A AT não fundamenta minimamente a liquidação de IVA e juros compensatórios.
XX. O relatório inspetivo revela leviandade na apreciação dos atos praticados pela Recorrente, não conferindo os serviços prestados e numa avaliação pessoal infundada nos termos da lei.
XXI. O Tribunal “a quo” fez uma errada aplicação do direito, nomeadamente da jurisprudência assente do TJUE, ao não considerar os documentos que se encontram junto aos autos.
XXII. Ao contrário do que o Tribunal afirma não seria o Tribunal a pedir a correção das faturas, teria que ter sido a AT. E assim sendo, a partir do momento que não pediu a correção das faturas e aceitou os elementos complementares que foram juntos, os apreciou e tomou posição sobre os mesmos não podemos voltar à questão formal porquanto já se encontra ultrapassada.
XXIII. O que está em causa nesta fase é a questão substancial e era sobre ela que o Tribunal se deveria ter pronunciado, ao não o ter feito, fez uma errada interpretação e aplicação da Lei que se invoca com as legais consequências.
XXIV. A sentença recorrida, andou mal ao concluir (no seguimento exclusivo do relatório inspetivo) pela simulação dos serviços prestados e, de forma errada a douta sentença segue aquele caminho.
Termos em que Vs. Exas. deverá revogar a sentença que ora se recorrer e substitui-la por outra onde se considere a impugnação procedente por provada e em consequência, ordenar a anulação das liquidações oficiosas de IVA, bem como as liquidações de juros compensatórios com as legais consequências,
FAZENDO DESTA FORMA, Vs. EXAS., INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!”
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Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, designadamente, quanto à selecção da matéria de facto, por não ter atendido a toda a prova documental oferecida.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:

IV. 1) DE FACTO
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, considero provados os seguintes factos:
1. G., Lda., NIPC: (...), aqui Impugnante, no exercício económico de 2010, encontrava-se coletada pelo exercício da atividade de "Outras atividades relacionadas com as tecnologias da informação e informática” (CAE 62090), e enquadrada em sede de IVA no regime normal com periodicidade trimestral – cfr. capítulo 2, ponto 2.3.2. do relatório de inspeção tributária, de fls. 33 a 169 do Processo Administrativo apenso aos autos.
2. Nos termos em que consta do contrato da sociedade Impugnante, a qual iniciou a sua atividade em 19/05/2009, a Impugnante dedica-se a “Outras atividades relacionadas com as tecnologias da informação e informática, nomeadamente o desenvolvimento e comercialização de produtos e serviços de tecnologias de informação destinados a indivíduos e empresas” – cfr. cfr. capítulo 2, ponto 2.3.1. do relatório de inspeção tributária, de fls. 33 a 169 do Processo Administrativo apenso aos autos.
3. Com data de 29/01/2010, a sociedade G., Lda, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º 2010001, no valor de € 4.000,00, acrescida de € 800,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Quant. 1”, “Módulo de integração de Comércio Electrónico com Facturação” – cfr. fatura de fls. 22 verso do Processo Administrativo apenso aos autos.
4. Com data de 29/01/2010, a sociedade G., Lda, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º 2010002, no valor de € 19.200,00, acrescida de € 3.840,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Quant. 1”, “Criação de conteúdos para Plataforma de e-Learning” – cfr. fatura de fls. 17 do Processo Administrativo apenso aos autos.
5. Com data de 29/01/2010, a sociedade A., Lda, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º 2010001, no valor de € 14.000,00, acrescida de € 2.800,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Quant. 1”, “Plataforma de Comunicações unificada” – cfr. fatura de fls. 22 do Processo Administrativo apenso aos autos.
6. Com data de 05/02/2010, a sociedade L., Lda, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º 2010005, no valor de € 4.000,00, acrescida de € 800,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Quant. 1”, “Estudos de mercado e diagnósticos do sector” – cfr. fatura de fls. 21 verso do Processo Administrativo apenso aos autos.
7. Com data de 05/02/2010, a sociedade L., Lda, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º 2010006, no valor de € 12.400,00, acrescida de € 2.480,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Quant. 1”, “Plano de Marketing” – cfr. fatura de fls. 27 do Processo Administrativo apenso aos autos.
8. Com data de 05/02/2010, a sociedade L., Lda, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º 2010007, no valor de € 4.000,00, acrescida de € 800,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Quant. 1”, “Consultoria e aconselhamento legal na área comercial” – cfr. fatura de fls. 21 do Processo Administrativo apenso aos autos.
9. Com data de 19/02/2010, a sociedade P. Lda, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º 2010007, no valor de € 24.000,00, acrescida de € 4.800,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Quant. 1”, “CRM” – cfr. fatura de fls. 23 verso do Processo Administrativo apenso aos autos.
10. Com data de 19/02/2010, a sociedade P. Lda, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º 2010008, no valor de € 6.000,00, acrescida de € 1.200,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Quant. 1”, “Software de Blog” – cfr. fatura de fls. 24 do Processo Administrativo apenso aos autos.
11. Com data de 19/02/2010, a sociedade P. Lda, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º 2010009, no valor de € 30.000,00, acrescida de € 6.000,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Quant. 1”, “Portal com sistema de registo e controle de utilizadores” – cfr. fatura de fls. 24 verso do Processo Administrativo apenso aos autos.
12. Com data de 19/02/2010, a sociedade P. Lda, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º 2010010, no valor de € 30.000,00, acrescida de € 6.000,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Quant. 1”, “Desenvolvimento de loja online” – cfr. fatura de fls. 25 do Processo Administrativo apenso aos autos.
13. Com data de 26/02/2010, a sociedade P. Lda, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º 2010011, no valor de € 40.000,00, acrescida de € 8.000,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Quant. 1”, “Implementação da plataforma de Robótica – Microsoft Robotics” – cfr. fatura de fls. 26 verso do Processo Administrativo apenso aos autos.
14. Com data de 26/02/2010, a sociedade P. Lda, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º 2010012, no valor de € 40.000,00, acrescida de € 8.000,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Quant. 1”, “Catálogo de projectos de Robótica” – cfr. fatura de fls. 26 do Processo Administrativo apenso aos autos.
15. Com data de 26/02/2010, a sociedade P. Lda, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º 2010013, no valor de € 50.000,00, acrescida de € 10.000,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Quant. 1”, “Sistema de alojamento e suporte a competições de Robótica” – cfr. fatura de fls. 25 verso do Processo Administrativo apenso aos autos.
16. Com data de 31/03/2010, a sociedade T., L.da, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º 2010004, no valor de € 5.600,00, acrescida de € 1.120,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Quant. 1”, “Servidor WEB” – cfr. fatura de fls. 20 verso do Processo Administrativo apenso aos autos.
17. Com data de 31/03/2010, a sociedade T., L.da, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º 2010005, no valor de € 8.900,00, acrescida de € 1.780,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Quant. 1”, “Servidor de Aplicações” – cfr. fatura de fls. 20 do Processo Administrativo apenso aos autos.
18. Com data de 31/03/2010, a sociedade T., L.da, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º 2010006, no valor de € 5.000,00, acrescida de € 1.000,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Quant. 1”, “Servidor de Rede” – cfr. fatura de fls. 19 verso do Processo Administrativo apenso aos autos.
19. Com data de 31/03/2010, a sociedade T., L.da, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º 2010007, no valor de € 2.000,00, acrescida de € 400,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Quant. 1”, “Projector” – cfr. fatura de fls. 19 do Processo Administrativo apenso aos autos.
20. Com data de 31/03/2010, a sociedade T., L.da, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º 2010008, no valor de € 700,00, acrescida de € 140,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Quant. 1”, “Máquina de filmar” – cfr. fatura de fls. 18 verso do Processo Administrativo apenso aos autos.
21. Com data de 31/03/2010, a sociedade T., L.da, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º 2010009, no valor de € 500,00, acrescida de € 100,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Quant. 1”, “Máquina fotográfica digital” – cfr. fatura de fls. 18 do Processo Administrativo apenso aos autos.
22. Com data de 31/03/2010, a sociedade G., Lda, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º 2010003, no valor de € 12.000,00, acrescida de € 2.400,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Quant. 1”, “Plataforma de e-Learning” – cfr. fatura de fls. 23 do Processo Administrativo apenso aos autos.
23. Com data de 31/05/2010, a sociedade L., Lda, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º 2010012, no valor de € 2.500,00, acrescida de € 500,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Quant. 1”, “Intervenção de TOC – Projecto n.º 6935 SI Inovação” – cfr. fatura de fls. 28 do Processo Administrativo apenso aos autos.
24. Com data de 31/05/2010, a sociedade P. Lda, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º 2010031, no valor de € 14.000,00, acrescida de € 2.800,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Quant. 1”, “Módulo de Comércio Electrónico” – cfr. fatura de fls. 29 do Processo Administrativo apenso aos autos.
25. Em 19/09/2013, no cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI20130118, os Serviços da Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, desencadearam procedimento inspetivo externo à aqui lmpugnante, de âmbito parcial (IVA) e com incidência sobre o ano de 2010 - cfr. relatório de inspeção tributária, de fls. 33 a 169 do Processo Administrativo apenso aos autos.
26. Em 16/12/2013, na sequência do procedimento inspetivo referido no ponto que antecede, foi elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária, relatório de inspeção tributária, onde foram efetuadas correções de natureza meramente aritmética relativa a IVA considerado como indevidamente deduzido no ano de 2010, no montante total de € 67.440,00 - cfr. relatório de inspeção tributária, de fls. 33 a 169 do Processo Administrativo apenso aos autos.
27. As correções referidas no ponto que antecede, resultaram da seguinte fundamentação inclusa no relatório de inspeção, que, entre o demais, dali se extrai:
“(…)
3. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
3.0 Ponto prévio
No decurso do procedimento inspetivo efetuado ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI201203753 junto da T., LDA. (adiante designada por T.) constatou-se que a mesma tinha efetuado, no ano de 2010, aquisições e transmissões de bens e serviços a sujeitos passivos com os quais se encontra numa situação de relações especiais, tal como definido no artigo 63.º do Código do IRC.
Como tal, numa primeira fase, foram iniciados procedimentos inspetivos de âmbito “Consulta, recolha e cruzamento de elementos” junto das referidas entidades [P., G. e S.], no sentido de serem recolhidos elementos adicionais referentes a tais transações.
Em consequência dos elementos recolhidos nos procedimentos inspetivos efetuados junto das entidades referidas no parágrafo anterior, e dado que estas haviam efetuado, no ano de 2010, aquisições e transmissões de bens e serviços com outros sujeitos passivos com os quais se encontram numa situação de relações especiais, foram iniciados procedimentos inspetivos de âmbito “Consulta, recolha e cruzamento de elementos” junto destes [L., T., T. e ABOUT PROFIT].
As entidades acima mencionadas vão, ao longo do presente documento, ser identificadas por “Grupo P.”, desenvolvendo atividades de “Consultoria e programação informática e atividades relacionadas” (CAE620) [à exceção da G. que também desenvolve a atividade de “Formação Profissional” (CAE 85591) e da L. que desenvolve exclusivamente a atividade de “Outras atividades de consultoria para os negócios e a gestão” (CAE70220)], e que se encontram identificadas no quadro seguinte:
NOMENIPCDOMICÍLIO FISCALDATA INÍCIO
ATIVIDADE
T.(…)(…)2010-02-01
P.(…)(…)1997-09-02
G.(…)(…)1997-01-15
S.(…)(…)2002-09-11
L.(…)(…)1998-06-22
T.(…)(…)2008-02-11
T.(…)(…)2002-10-01
A.(…)(…)2008-06-05
(…)
Por outro lado, e uma vez que várias das entidades do “Grupo P.” haviam realizado, no ano de 2010, aquisições e transmissões de bens e serviços à sociedade G. LDA, NIPC (…), também foi iniciado um procedimento inspetivo de âmbito “Consulta, recolha e cruzamento de elementos” junto da mesma. Tal deveu-se ao facto de:
- os valores globais das transações efetuadas no ano de 2010 terem sido materialmente relevantes em termos dos montantes em causa, tal como se irá dar conta posteriormente no presente documento, e
- a sócia-gerente L., possuidora do NIF (…), ter obtido rendimentos do trabalho dependente junto da G. no ano de 2010, e ser também sócia-gerente da E., LDA., NIPC (…), entidade que efetuou transações comerciais com o “Grupo P.” no ano de 2010.
(…)
Finalmente, refira-se que, em virtude de se ter verificado do sítio da internet da T., www.takeacity.com/euproject.aspx, a existência da concessão de incentivos no âmbito do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN), e dado que nos sítios da internet de outras empresas do “Grupo P.” se verificou igual facto, procedeu-se a um pedido de elementos ao IAPMEI Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, IP.
Assim, nos pontos seguintes dar-se-á conta dos elementos recolhidos junto de cada uma das entidades anteriormente mencionadas (as pertencentes ao “Grupo P.” e a G.), mencionando-se, entre outros aspetos:
- a atividade exercida, composição do capital social e identificação da gerência;
- a estrutura da demonstração de resultados por naturezas;
- os rendimentos obtidos, bem como os elementos e esclarecimentos fornecidos em resposta à notificação efetuada;
- os gastos suportados (em especial, no tocante às rubricas as rubricas “Fornecimentos e serviços externos”, “Gastos com o pessoal” e “Gastos/reversões de depreciação e de amortização”), bem como os elementos e esclarecimentos fornecidos em resposta à notificação efetuada;
- a política adotada em matéria de preços de transferência;
- os elementos obtidos junto do IAPMEI; e
- a análise dos elementos recolhidos.
(…)
3.9 Elementos recolhidos junto da G.
(…)
3.9.2. Quanto aos rendimentos obtidos
No que concerne às faturas ou documentos equivalentes emitidos pela G. no ano de 2010, e que titulam o valor das vendas e serviços prestados, o Anexo n.º 10 espelha os dados contidos nesses documentos, enquanto que o quadro seguinte apresenta um resumo dos mesmos:
N.ºDATANOME(…)(…)TOTALDESCRITIVO
201000131-03-2010P.95.000,0019.000,00114.000,00Desenvolvimento de conteúdos
201000231-03-2010G.120.000,0024.000,00144.000,00Desenvolvimento de conteúdos
201000331-03-2010T.92.000,0018.400,00110.400,00Desenvolvimento de conteúdos
201000430-11-2010L.10.000,002.100,0012.100,00Serviços de Consultoria Comercial
TOTAL317.000,0063.500,00380.500,00
Quadro n.º 1
(…)
3.9.3. Quanto aos gastos suportados
No que concerne aos gastos incorridos, importa referir que as rubricas “Fornecimentos e serviços externos”, “Gastos/reversões de depreciação e de amortização” e “gastos com o pessoal”.
3.9.3.1. A título de “Fornecimentos e Serviços Externos” e “Gastos/reversões de depreciação e de amortização”
Ao nível dos “Fornecimentos e serviços externos”, importa referir a subconta “62211 - Serviços Especializados - Trabalhos Especializados”, e cujo valor ascendeu a € 199.950,00, e na qual se encontram incluídos:
- o montante da subconta 622110, no valor global de € 181.050,00, sendo que o montante de € 180.000,00 corresponde a serviços que teriam sido prestados por colaboradores da mesma, mas relativamente aos quais ainda não havia sido emitido qualquer documento que titulasse o serviço prestado;
- o montante da subconta 622113, no valor global de € 18.900,00, referente aos gastos titulados pelas seguintes faturas emitidas por entidades do “Grupo P.”:

N.ºDATANOMEQUANT.PREÇOBASEIVATOTALDESCRIÇÃO
UNITÁRIOTRIBUTÁVEL
Estudos de
201000505-02-2010L.112.400,0012.400,002.480,0014.880,00mercado e
diagnósticos do
setor
Consultoria e
201000705-02-2010L.14.000,004.000,00800,004.800,00aconselhamento
legal na área
comercial
Intervenção de
201001231-05-2010L.12.500,002.500,00500,003.000,00TOC - Projeto n.º
6935 SI Inovação
TOTAL18.900,003.780,0022.680,00
Quadro n.º 2
Ao nível dos “Gastos/reversões de depreciação e de amortização”, verificou-se que, no ano de 2010, a G. contabilizou as seguintes aquisições de ativo fixos ao “Grupo P.”:
a) relativamente a ativos fixos tangíveis, na subconta “43511 - Equipamento Administrativo - Atividade 1 (Principal) – Aquisições - Projeto”:
N.ºDATANOMEQUANT.PREÇOBASEIVATOTALDESCRIÇÃO
UNITÁRIOTRIBUTÁVEL
201000431-03-2010T.15.600,005.600,001.120,006.720,00Servidor Web
201000531-03-2010T.18.900,008.900,001.780,0010.680,00Servidor de
Aplicações
201000631-03-2010T.15.000,005.000,001.000,006.000,00Servidor de Rede
201000731-03-2010T.12.000,002.000,00400,002.400,00Projetor
201000831-03-2010T.1700,00700,00140,00840,00Máquina de filmar
201000931-03-2010T.1500,00500,00100,00600,00Máquina
fotográfica digital
TOTAL22.700,004.540,0027.240,00
Quadro n.º 3
b) relativamente a ativos fixos intangíveis:
b.1.) na subconta “4421101 - Projetos de Desenvolvimento - Atividade 1 (Principal) –
Aquisições - Projeto”:
N.ºDATANOMEQUANT.PREÇOBASEIVATOTALDESCRIÇÃO
UNITÁRIOTRIBUTÁVEL
201000605-02-2010L.112.400,0012.400,002.480,0014.880,00Plano de
Marketing
Implementação
201001126-02-2010P.140.000,0040.000,008.000,0048.000,00da plataforma
de Robótica -
Microsft Robotics
Catálogo de
201001226-02-2010P.140.000,0040.000,008.000,0048.000,00projetos de
Robótica
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Quadro n.º 6
3.8.3.1.1. Notificação efetuada e resposta obtida
No dia 2013-05-22, a G. foi notificada no sentido de apresentar no dia 2013-06-05, relativamente às aquisições de bens e/ou serviços no ano de 2010 efetuadas às sociedades A., G., L., P. e T., diversos elementos e esclarecimentos por escrito. No dia 2013-06-05, o sujeito passivo apresentou diversos elementos e esclarecimentos, tendo posteriormente, no dia 2013-06-11, procedido à apresentação de documentos adicionais.
(…)
Nos pontos seguintes dá-se conta do solicitado em tal notificação, bem como da resposta obtida.
1.1.) Cópia de quaisquer contratos celebrados com os referidos sujeitos passivos e eventuais alterações aos mesmos contratos, referentes aos serviços prestados no ano em apreço;
Resposta: “Docs. 1 a 21”.
Relativamente a este ponto, a G. apresentou diversas faturas pró-forma, bem como as propostas apresentadas pelas diversas entidades pertencentes ao “Grupo P.”, propostas essas de que já se deu conta nos respetivos pontos deste documentos relativos a tais entidades.
1.2.) Cópia de orçamentos ou quaisquer outros documentos elaborados para o mesmo efeito referentes a prestações de serviços efetuadas pelos referidos sujeitos passivos;
Resposta: “Remete a empresa para o ponto 1.1.)”.
1.3.) Indicação, para cada uma das faturas ou documentos equivalentes emitidos pelos referidos sujeitos passivos no ano de 2010:
1.3.1.) a natureza do serviço prestado/bem adquirido, de forma o mais detalhada possível, referindo:
1.3.1.1.) as tarefas desempenhadas;
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1.3.1.2.) o número de funcionários ou colaboradores das entidades prestadoras dos serviços que as realizaram e, se possível, a sua identificação,
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1.3.1.3.) a identificação dos elementos patrimoniais ativos onde foram realizados tais serviços:
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1.3.1.4.) apresentação dos textos em suporte de papel ou em formato digital produzidos, em resultado da prestação de serviços, nomeadamente, ao nível da prestação de serviços de “Estudos de mercado e diagnósticos do setor”, “Plano de Marketing”, “Consultoria e aconselhamento legal na área comercial”, “Catálogo de projetos de Robótica”, “Criação de conteúdos para Plataforma de e-Learning” e “Intervenção de TOC - Projeto n.º 6935 SI Inovação”. No caso específico do tipo de serviços atrás indicado, solicita-se ainda a explicação por escrito da necessidade de incorrer em tais gastos, identificando os rendimentos obtidos até à presente data relacionados com os mesmos;
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No tocante a este ponto, a G. apresentou:
- o documento intitulado “Estudo de Mercado e Diagnóstico do Setor – G.”, contendo 77 páginas, bem como a proposta para a sua elaboração por parte da L. (proposta essa de que já se deu conta no presente documento);
- o documento intitulado “Plano de Marketing”, contendo 74 páginas.
1.3.1.5.) no caso específico da prestação de serviços referentes a “Portal com sistema de registo e controle de utilizadores”, identificação dos utilizadores registados no referido portal até à presente data, apresentando comprovativos dos mesmos, e indicando os motivos subjacentes à necessidade de existência do referido portal;
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1.3.1.6.) no caso específico da aquisição de “plataforma de comunicações unificada”, indicação, por escrito, das funcionalidades disponibilizadas através da referida plataforma (por exemplo, serviços de voz, vídeo, presença, videoconferência), bem como explicação por escrito do(s) motivo(s) para a necessidade de incorrer em tais gastos em função da carteira de clientes existente;
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(…)”
- cfr. relatório de inspeção tributária, de fls. 33 a 169 do Processo Administrativo apenso aos autos.
28. Do relatório do procedimento inspetivo fazem parte integrante treze Anexos – cfr. fls. 149 a 169 do Processo Administrativo apenso aos autos.
29. Em resultado das correções efetuadas pelos Serviços da lnspeção Tributária, referidas no ponto 26) e descritas no ponto 27), foi emitida a liquidação adicional de IVA n.º 14002170, relativa ao período de 201003T, no valor a pagar de € 64.140,00, aqui impugnada, nos seguintes termos, como entre o demais, dali se extrai:
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- cfr. Demonstração da liquidação junta como Doc. n.º 3 da p.i., de fls. 14 do processo físico.
30. Na sequência das mesmas correções, foi emitida a seguinte liquidação adicional de IVA n.º 14002172, relativa ao período de 201006T, no valor a pagar de € 3.300,00, aqui impugnada, nos seguintes termos, como entre o demais, dali se extrai:
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- cfr. Demonstração da liquidação junta como Doc. n.º 1 da p.i., de fls. 12 do processo físico.
31. Na sequência das mesmas correções, foi emitida a liquidação de juros compensatórios n.º 14002171, relativa ao período de 201003T, no valor a pagar de € 9.201,01, aqui impugnada, nos seguintes termos, como entre o demais, dali se extrai:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. demonstração de liquidação junta como Doc. n.º 2 da p.i., de fls. 13 do processo físico.
32. Na sequência das mesmas correções, foi emitida a liquidação de juros compensatórios n.º 14002173, relativa ao período de 201006T, no valor a pagar de € 440,48, aqui impugnada, nos seguintes termos, como entre o demais, dali se extrai:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. demonstração de liquidação junta como Doc. n.º 2 da p.i., de fls. 13 do processo físico.
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Não se mostram provados outros factos relevantes para a decisão dos presentes autos.
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Motivação da decisão de facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como assente relevante para a decisão da causa, resultou da análise conjugada da prova documental constante dos autos, bem como da prova testemunhal e declarações de parte produzida em sede de audiência de inquirição de testemunhas, baseando-se essencialmente numa livre apreciação pelo tribunal, conforme discriminado nos vários pontos do acervo factual.
No que respeita à prova documental, teve-se em consideração os documentos constantes dos autos e do Processo Administrativo apenso, que não foram impugnados.
De referenciar, no que concerne ao facto assente em 27), que constitui o relatório de inspeção tributária aí coligido, um documento autêntico (cf. artigo 371.º, n.º 1 do Código Civil), na medida em que é exarado por funcionário da Administração Tributária e Aduaneira, no âmbito e exercício das respetivas funções, o qual tem força probatória plena relativamente aos factos afirmados como sendo praticados pela Administração Tributária e Aduaneira ou com base na perceção dos seus órgãos e que apenas pode ser ilidida nos termos da lei, sendo que os juízos conclusivos aí considerados só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do tribunal, segundo a sua prudente convicção, atenta a análise crítica e conjugada de todos os meios de prova do Código do Processo Civil).
Quanto aos documentos a que se alude nos pontos 3) a 24) do acervo factual, tratam-se de documentos particulares cuja força probatória se circunscreve às declarações de ciência ou de vontade que deles constam como feitas pelo seu subscritor, não fazendo prova plena dos factos nele narrados como efetivamente praticados pelo seu autor ou como objeto da sua perceção direta, sujeitos como tal a valoração pelo Tribunal na sua livre apreciação, numa análise crítica e conjugada da demais prova produzida.
Na apreciação das declarações de parte e depoimento das testemunhas arroladas pelas partes, tendo o tribunal as valorado na sua livre apreciação (tal como dispõem os artigos 466.º, n.º 3 do Código do Processo Civil e 396.º do Código Civil), jamais se perdeu de vista um critério objetivo que permitiu aferir do rigor da narração dos factos, da razão de ciência e das qualidades de isenção e convicção denotadas.
Especificando,
L., sócia gerente da Impugnante, prestou declarações de parte aos factos constantes na petição inicial.
Não obstante ter prestado um depoimento claro e assertivo ao que lhe foi questionado, o mesmo revelou-se de conteúdo genérico, não esclarecendo o Tribunal quanto aos reais serviços ou aquisição de bens/elementos patrimoniais genericamente constantes das faturas emitidas pelos fornecedores.
Com efeito, explicou ao tribunal da existência e em que consistia no geral o projeto desenvolvido pela Impugnante e apresentado ao IAPMEI, não concretizando, no entanto, cada um dos serviços/bens ou elementos patrimoniais identificados nas faturas em causa nos autos e que alegadamente foram adquiridos aos fornecedores, apenas referindo generalidades, tais como que existiam contratos, faturas, tais bens e pagamentos, não tendo sequer referido em que consistiam os serviços/bens ou elementos patrimoniais e qual o seu papel ou relevância no referido projeto elaborado na medida da necessidade para a sua elaboração, não tendo assim contribuído para qualquer convicção do tribunal quanto a tais bens/serviços, de forma a que fosse dado por provado qualquer facto relevante para a decisão dos autos.
No que respeita à prova testemunhal,
R., docente universitário e gestor de empresas, é sócio-gerente da sociedade “P.” e sócio de empresas associadas a esse “grupo” que prestaram serviços à Impugnante.
Inquirido a toda a matéria de facto da p.i., apesar de ter prestado um depoimento claro ao que lhe foi questionado, apesar de credível, não convenceu o Tribunal quanto à materialidade das operações subjacentes às faturas emitidas pelos fornecedores em causa, uma vez que apenas referiu generalidades do projeto apresentado por todas as empresas da qual era sócio e da candidatura daquelas ao IAPMEI, nada aduzindo de concreto quanto aos serviços/aquisição de bens/elementos patrimoniais mencionados nas faturas desconsideradas pela Autoridade Tributária em causa nos autos.
Com efeito, apesar de ser responsável/sócio das empresas emitentes, quanto a estes a testemunha apenas descreveu, a instâncias do tribunal, quanto ao significado do descritivo de duas faturas, como sendo o que significava “CMR” e “Software Blog”, e mesmo quanto a essas, nada concretizou quanto à sua venda à aqui Impugnante.
Ora, atentas as funções por si desempenhadas nas sociedades emitentes e o conhecimento direto que revelou do projeto em causa, não obstante o tempo decorrido, seria de esperar uma maior concretização dos serviços/vendas de bens/elementos patrimoniais alegadamente adquiridos àquelas sociedades pela Impugnante.
Todavia, o depoimento prestado revelou-se incipiente no que respeita às operações apostas nas faturas em dissídio, não tendo assim contribuído para qualquer convicção do tribunal quanto a tais bens/serviços, de forma a que fosse dado por provado qualquer facto relevante para a decisão dos autos.
M., contabilista certificada, presta serviços de contabilidade à Impugnante desde junho de 2010, sendo de igual modo responsável pela contabilidade de todas as outras sociedades do grupo “P.”, algumas delas emitentes das faturas em causa.
Apesar de ter prestado um depoimento sério e credível, quanto aos bens/serviços em causa nas faturas apenas prestou declarações genéricas no sentido de que foram adquiridos e que existiam, sem que, no entanto, haja concretizado quem prestou tais serviços/vendeu tais bens/elementos patrimoniais, para que serviram, se e como foram utilizados no projeto que a empresa desenvolveu, não permitindo assim criar no Tribunal qualquer convicção sobre a que respeitavam ou consistiam tais serviços/bens/elementos patrimoniais.”
*
2. O Direito

A Recorrente começa por argumentar que a sentença recorrida se sustenta num projecto de relatório da Autoridade Tributária e, por isso, completamente desactualizado relativamente ao relatório final, cometendo erros graves, quer técnicos quer fácticos. Para demonstrar o equívoco em que incorreu a primeira instância, analisando um acto que não seria o final, a Recorrente realça o estado civil da sócia gerente da impugnante que, apesar de ter sido corrigido no relatório inspectivo final, na sentença se alude e mantem como casada quando ainda hoje é solteira.

Compulsada a decisão da matéria de facto vertida na sentença recorrida, verifica-se que na sequência da realização do procedimento inspectivo, foi elaborado um relatório de inspecção tributária onde se mostram motivadas as correcções de natureza meramente aritmética operadas relativamente a IVA considerado indevidamente deduzido no ano de 2010 pela Recorrente. Para espelhar essa fundamentação do acto impugnado, o tribunal recorrido socorreu-se da técnica de transcrição parcial dos aspectos que seleccionou (mais relevantes) da fundamentação inclusa no relatório inspectivo – cfr. ponto 27 do probatório.

De facto, a dado momento da reprodução da fundamentação do acto está escrito verificar-se que a senhora L. é sócia gerente da G. e que o senhor P. é o marido da senhora L..
O facto de o relatório inspectivo não se encontrar integralmente transcrito na decisão da matéria de facto não significa que o tribunal recorrido não tenha considerado a sua versão integral e final. Com efeito, o processo administrativo apenso aos autos apenas integra o acto final do procedimento inspectivo – cfr. fls. 33 a 173 verso – incluindo os 13 anexos ao relatório de inspecção tributária, pelo que o tribunal “a quo” não poderia ter atendido a um documento que não se mostra ínsito nos autos (o projecto de relatório inspectivo).
A decisão final que recaiu sobre o relatório de inspecção tributária, proferida em 19/12/2013 (“concordo”) e o facto de o mesmo integrar o ponto 8, relativo à ponderação da AT acerca da pronúncia que a impugnante apresentou no exercício do seu direito de audição, revelam não ter o tribunal recorrido sindicado uma proposta de decisão, mas sim a decisão final. De facto, nesse ponto 8 (“Direito de audição – fundamentação”), a AT reconheceu o lapso em que incorreu no projecto de relatório, ao constar do ponto 3.9.6. que o senhor P. é marido da senhora L.. Aí se esclarece que se pretendia dar conta, isso sim, do facto do senhor P. e a senhora L., sócia gerente da entidade inspeccionada, terem apresentado conjuntamente, com referência ao ano de 2010, a respectiva declaração de rendimentos de IRS (Modelo 3), assinalando como estado civil “Unidos de Facto”.
Não existe, portanto, qualquer evidência de o tribunal recorrido ter laborado em erro, sindicando um projecto, antes sendo manifesto que considerou no seu julgamento o acto final e a respectiva fundamentação.
No presente recurso, a Recorrente avança acentuando que a sentença a quo não apreciou os documentos juntos ao relatório inspectivo, uma vez que se guiou pelo relatório projecto e não verificou os documentos que lhe foram juntos em momento posterior, aquando dos esclarecimentos solicitados pelos serviços de inspecção tributária. Concluindo não ter atendido a toda a prova documental junta com o relatório inspectivo, tendo-se cingido a apreciar e a valorar um relatório incompleto. Acrescenta que, de igual forma, não atendeu aos documentos juntos, posteriormente ao relatório inspectivo.
Na verdade, o processo administrativo aponta para eventual incompletude na sua organização, dado que o relatório, designadamente, no ponto 3.9.2.1 se reporta aos documentos 22 a 25 e 26 a 30, ou no ponto 3.8.3.1.1 (provavelmente será ponto 3.9.4) existe a menção aos documentos 1 a 21, e não vislumbramos que tais elementos constem dos autos.
Recordamos que na sua petição inicial a impugnante invocou a existência de contratos de prestação de serviços e propostas comerciais que estariam anexos às facturas em crise e que esses documentos contêm a quantidade e o preço unitário dos serviços prestados, bem como a respectiva descrição detalhada que, em virtude da sua extensão, não foi comportável transcrevê-los para as respectivas facturas. Mais se afirma que as fotocópias de todos os documentos anexados às facturas foram entregues à inspecção tributária. De facto, o relatório inspectivo parece mencionar estes documentos e ponderar a relevância dos mesmos, porém, tais elementos não estão ínsitos no processo administrativo.
Lembramos que, de forma determinante, a sentença recorrida julgou o seguinte, a respeito do incumprimento do formalismo das facturas, para efeitos de dedução do respectivo IVA, nos termos do artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA e artigo 19.º, n.º 2 do mesmo Código:
“(…) Ora, na petição inicial, a Impugnante invoca a existência de elementos adicionais, que terão sido disponibilizados à AT e que os ignorou, que se mostravam anexos às faturas, como sendo os respetivos contratos de prestação de serviços e propostas comerciais, os quais alegadamente continham a quantidade e o preço unitário dos serviços prestados bem como a sua descrição detalhada.
Ou seja, a alegação da Impugnante aponta para a existência de informação adicional às faturas, sendo que, no entanto, em parte alguma do seu petitório concretiza quais são esses elementos, nem sequer, refira-se, tão pouco as declarações de parte e prova testemunhal serviram tal desiderato (cfr. motivação de facto) ou sequer quaisquer elementos adicionais se encontram aos autos por si juntos.
Aliás, refira-se, que tão pouco qualquer das faturas remete para tais documentos alegadamente complementares, o que na medida da sua existência se impunha, o que inviabiliza desde logo a solicitação por este tribunal dos mesmos para sindicar se eles colmatam a incompletude das faturas.
Assim sendo, não pode afirmar-se, globalmente, que nas faturas emitidas tenha sido, pelas razões expostas, plenamente atingida a ratio legis do artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA, ou seja, possibilitar à AT uma forma segura de verificar da adequação da base tributável e evitar a eventual dupla dedução do IVA. (…)”

Neste recurso, a Recorrente elenca vários documentos que foram juntos por solicitação dos serviços de inspecção tributária e que o tribunal recorrido não ponderou nem considerou, referindo as suas respostas de 05/06/2013 e de 11/06/2013.

Efectivamente, na transcrição que foi realizada na sentença, pelo tribunal recorrido, do relatório inspectivo está omitido o ponto 3.9.2.1, onde o senhor inspector tributário escreveu que, no dia 2013-06-05, o sujeito passivo apresentou diversos elementos e esclarecimentos, tendo posteriormente, no dia 2013-06-11 procedido à apresentação de documentos adicionais. De seguida, no relatório inspectivo dá-se conta do solicitado pelos serviços de fiscalização e das respostas obtidas. São os documentos que aí se mencionam que não constam dos autos, pelo que é impossível o tribunal sindicá-los e valorá-los para efeitos do disposto nos artigos 19.º, n.º 2 e 36.º, n.º 5, ambos do Código do IVA.
Aparentemente, segundo está alegado, documentos como propostas comerciais detalhadas dos serviços prestados e contratos de prestação de serviços celebrados estariam anexos às facturas desconsideradas pela AT para efeitos de dedução do respectivo IVA. Existirão também cópias em papel dos textos correspondentes aos serviços prestados pela impugnante aos seus clientes, designados nas facturas por “Desenvolvimento de Conteúdos”, “Aconselhamento Legal e Comercial”, etc. – cfr. elenco das páginas 3 e 4 do corpo das alegações de recurso.
Na conclusão VIII das alegações do recurso argumenta-se que as facturas, em que a sentença assentou a sua tese, estão na contabilidade e, ao contrário do referido na decisão, tiveram uma designação genérica de, por exemplo, “desenvolvimento de conteúdos”, mas foram com um anexo que era o próprio contrato de prestação de serviços onde se discriminava todos os serviços prestados.
Na medida em que faltam nos autos todos estes elementos que terão sido apresentados aos serviços de inspecção tributária, seria inviável o tribunal recorrido ter atendido aos mesmos e impossibilitando, agora, um aditamento à decisão da matéria de facto nos termos previstos no artigo 662.º do CPC, para ponderação da sua relevância no caso concreto e sindicar se colmatam a incompletude de cada uma das facturas.
A sentença recorrida alerta que tão-pouco qualquer das facturas remete para tais documentos alegadamente complementares, mas não podemos olvidar a invocação de que tais documentos estariam anexos às facturas.
Uma vez que a decisão da matéria de facto não espelha a existência destes documentos, nem os mesmos constam dos autos, fica inviabilizada a análise por este tribunal de recurso do eventual cumprimento dos requisitos formais das facturas, na linha de entendimento da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia citada na sentença recorrida.
Perante a falta destes elementos, não existem condições para conhecer o objecto do recurso, havendo necessidade de uma melhor instrução.
Nesta conformidade, mostrando-se imperioso conhecer o teor dos documentos carreados para o procedimento inspectivo, deparamo-nos, agora, com défice de natureza instrutória, que se repercute na decisão da matéria de facto disponibilizada à nossa apreciação.
Deste modo, não podendo sufragar-se, sem mais, o julgamento produzido em 1.ª instância, impõe-se anular, oficiosamente, segundo o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, a sentença, de molde a permitir que, no tribunal recorrido, sejam efectivadas as diligências probatórias ou outras que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, do aspecto apontado como deficitariamente instruído.

Conclusão/Sumário

Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo à 1ª instância para nova decisão, com preliminar ampliação da matéria de facto, após a aquisição de prova conforme acima se indica.
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Custas a cargo da Recorrida, que não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.
*
D.N.
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Porto, 16 de Setembro de 2021


Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares