Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 03118/18.0BEPRT |
| Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
| Data do Acordão: | 06/12/2019 |
| Tribunal: | TAF do Porto |
| Relator: | Luís Migueis Garcia |
| Descritores: | PROCESSO CAUTELAR. EXTINÇÃO. |
| Sumário: | I) – Os processos cautelares extinguem-se se o requerente não fizer uso, no respetivo prazo, do meio contencioso adequado à tutela dos interesses a que o pedido de adoção de providência cautelar se destinou (art.º 123º, nº 1, a), do CPTA). * * Sumário elaborado pelo relator |
| Recorrente: | AAS |
| Recorrido 1: | Serviço de Estrangeiros e Fronteiras |
| Votação: | Unanimidade |
| Meio Processual: | Impugnação Urgente - Intimação Protecção Direitos, Liberdades e Garantias (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: AAS, natural do Brasil, actualmente recluso no EPC, interpõe recurso em processo cautelar contra o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (Av.ª do Casal de Cabanas, Urbanização Cabanas, n.º 1, 2734-506 Barcarena, Oeiras) julgado extinto. * O recorrente dá em conclusões:I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou extinto o presente processo cautelar, nos termos do artigo 123.º, n.º 1, al. a) do CPTA. II. Ora, não pode o recorrente, conformar-se com tal decisão. III. Com efeito, resulta da douta sentença recorrida, que os vícios invocados pelo recorrente não se enquadram na nulidade, mas sim numa eventual anulabilidade. IV. Sucede, porém, que, na modesta óptica do recorrente, o entendimento do tribunal recorrido padece de fundamento. V. Destarte, conforme refere, e bem, nesta parte a decisão recorrida, os actos suspendendos, tal como alega o recorrente, são manifestamente ilegais, porquanto violam os princípios da igualdade, da não discriminação e da proporcionalidade, uma vez que o recorrente entrou e permaneceu no território nacional convicto de que a sua situação se encontrava regularizada. VI. Efectivamente, dispõe o artigo 161.º, n.º 2, alínea d) do CPA que actos administrativos praticados em violação de direitos fundamentais são nulos. VII. Por seu turno, conforme dispõe o artigo 58.º, n.º 1 do CPTA, a impugnação de actos nulos não está sujeita a prazo, sendo certo que, o recorrente alega factos que consubstanciam a prática da violação de um direito fundamental (o direito à igualdade), previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (adiante CRP). VIII. A nulidade constitui a forma mais grave de invalidade, tendo como elementos caracterizadores o facto do acto ser “ab initio” totalmente ineficaz não produzindo qualquer efeito (cfr. n.º 1 do art. 162.º do CPA) e ser insanável quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão. IX. Os casos de nulidade no nosso ordenamento são aqueles que vêm estabelecidos no art. 161.º do CPA. X. Por um lado, temos aquelas situações em que por lei especial é fulminado um acto com tal forma de invalidade e, por outro, temos as situações em que um acto é nulo por lhe faltarem os “elementos essenciais”. XI. Atente-se, por outro lado, que dúvidas não existem quanto à previsão legal da al. d) do n.º 2 do art. 161.º do CPA que a mesma é extensível à violação de direitos, liberdades e garantias do Título II da Parte I da Constituição da República Portuguesa, bem como aos direitos de carácter análogo àqueles insertos no próprio texto constitucional. XII. A violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), gera nulidade nos casos em que ela fira o núcleo do conteúdo essencial do direito, XIII. Tal só se verifica nos casos em que é atingido o cerne das categorias vertidas no n.º 2 do art. 13.º, através de discriminações com as causas ali previstas, e das contempladas no art. 36.º, n.º 4 da Constituição. XIV. No caso dos autos é manifesta a violação deste princípio, afigurando-se manifesta a ilegalidade do acto sindicado e evidente a procedência da pretensão dos autos porquanto os actos praticados pelo recorrido padecem dos vícios de violação de lei e de violação dos princípios da igualdade e da não discriminação. XV. Desta forma, o vício invocado pelo recorrente é susceptível de gerar, salvo melhor e douto entendimento, a nulidade dos actos em causa na presente lide. XVI. E em consequência, a impugnação dos mesmos, pela via da acção, não está sujeita a qualquer prazo (artigo 58.º, n.º 1 do CPTA). XVII. A instrumentalidade, provisoriedade e sumariedade são características intrínsecas às providências cautelares e, para certa jurisprudência, como já se referiu acima, são essas razões de um limite temporal ao requerimento de providências cautelares, por a não existência de prazo ser incompatível com a celeridade da ação. XVIII. Se de uma ação administrativa não decorre um prazo, segundo a característica da instrumentalidade, a consequente providência cautelar administrativa não deve ser sujeita a um. XIX. Logo, salvo douto melhor entendimento, não se encontram reunidos os pressupostos para a extinção do presente processo cautelar, tendo por base os argumentos supra expostos, não podendo desta forma concordar o mesmo com a douta sentença recorrida. XX. E é neste aspeto que assiste razão ao recorrente. XXI. Merece, pois, provimento o recurso, devendo ser revogada a decisão recorrida. * Sem contra-alegações.* A Exmª Procuradora-Geral Adjunta foi notificada nos termos do art.º 146º do CPTA, emitindo parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.* Com legal dispensa de vistos, cumpre decidir.* Os factos, que o tribunal “a quo deu como indiciariamente provados:1. Em 24.04.2009 o Requerente efetuou uma manifestação de interesse ao abrigo do artigo 88.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, a qual foi recusada por o Requerente não ter feito prova de possuir um contrato de trabalho ou não ter uma relação aprovado por Sindicato, por Associação com assento no Conselho Consultivo ou pela Inspeção-Geral do Trabalho, e por não ter permanência legal em território nacional, recusa de que o Requerente foi notificado em 9.7.2010 – cf. fls. 156 do SITAF. 2. Na sequência de instauração de procedimento de afastamento coercivo, em 23.11.2016 foi emitida decisão pelo Diretor Nacional Adjunto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a determinar o afastamento do Requerente do território nacional por se encontrar irregularmente em Portugal ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 134.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, decisão com o teor de fls. 161 do SITAF, que aqui se dá por integralmente reproduzida – cf. fls. 123 a 162 do SITAF. 3. A decisão referida no n.º anterior foi notificada ao Requerente em 24.11.2016 nos termos constantes de fls. 165 do SITAF, que aqui se dão por integralmente reproduzidos – cf. fls. 165 do SITAF. 4. O Requerente nasceu em 26/09/1980, é natural e nacional do Brasil, é solteiro, tem uma filha maior de idade que reside no Brasil, entrou pela primeira vez em Portugal em 2002 e encontra-se atualmente recluído no EPP desde 30.03.2012, atingindo os cinco sextos da pena em 29.09.2019 e o termo da mesma em 30.03.2021 – cf. fls. 123, 128, 155 e 200 do SITAF. 5. Até à data de hoje não foi instaurada ação administrativa destinada a impugnar a decisão do Requerido de 9.7.2010 de indeferimento da manifestação de interesse e a sua decisão de afastamento coercivo de 23.11.2016 – cf. consulta ao SITAF. * O Direito:O tribunal “a quo” concluiu que “Não tendo sido tempestivamente interposta a ação principal de impugnação dos atos em causa nos presentes autos, verifica-se a causa de extinção do processo cautelar prevista no artigo 123.°, n.º 1, al. a) do CPTA.”, e decretou tal extinção. Ponderou que: «(…) A ação principal de que o presente processo cautelar seria dependente seria uma ação administrativa destinada a impugnar a decisão do Requerido de 9.7.2010 de indeferimento da manifestação de interesse e a sua decisão de afastamento coercivo de 23.11.2016, a qual até à data de hoje não foi intentada (cf. facto provado n.º 5). Dispõe o artigo 58.°, n.º 1 que a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo e a de atos anuláveis tem lugar no prazo de 3 meses [artigo 58.º, n.º 1, al. b) do CPTA], contados nos termos do artigo 279.° do Código Civil, a partir da data da notificação (artigo 59.°, n.ºs 1 e 2 do CPTA). O Requerente sustenta que atos suspendendos são manifestamente ilegais pois incorrem nos vícios de violação de lei e de violação dos princípios da igualdade, da não discriminação e da proporcionalidade, pois o Requerente entrou no país convicto de que a sua situação se encontrava regularizada pelo agente que providenciou a sua contratação para clube de futebol, não resulta que o Requerente tenha entrado e permanecido ilegalmente em território nacional e, não se vislumbra, além da discriminação, motivo para o Requerido recusar a concessão de autorização de residência, pelo que a sua decisão de afastamento coercivo é drástica e desproporcional. Os vícios invocados não são suscetíveis de provocar a nulidade dos atos aqui em causa porquanto nos termos do artigo 161.º, n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo (doravante CPA) são nulos apenas os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade. Nenhum dos vícios alegados pelo Requerente cabe nas situações previstas no artigo 161.º, n.º 2 do CPA. Pelo que os atos em causa apenas poderiam padecer de anulabilidade nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do CPA, onde caberiam atos com os vícios como os que o Requerente alega. Os atos anuláveis, como vimos, têm de ser impugnados no prazo de 3 meses a contar da notificação dos mesmos [artigo 58.º, n.º 1, al. b) do CPTA e 59.º, n.º 2 do CPTA], prazo que já terminou há muito, tendo em conta que as notificações ocorreram em 2010 e 2016 (cf. factos provados n.ºs 1 e 3). (…)». Uma primeira observação. Na decisão recorrida tem-se em pressuposto que também “a decisão do Requerido de 9.7.2010” se encontra sob objecto da providência. E no recurso o recorrente refere-se também aos “ actos suspendendos”. Mas não é assim. Sob título de “II- Do objecto da providência”, o requerente é inequívoco em identificar e delimitar a providência à “suspensão dos efeitos da decisão de afastamento coercivo do Território Nacional proferida pelo Requerido, datada de 23/11/2016” (art.º 48º). Posto isto. No que possam ser vícios geradores da anulabilidade – como o do erro nos pressupostos, vício de violação de lei -, essa é controvérsia referida ao acto de recusa de autorização de residência (de 24.04.2009), alheio à providência (contra o qual, aliás há muito que encontra esgotado prazo de propositura de acção - art. 58.º, n.º 1, al. b), do CPTA). No que resta de possível (tempestivo) conhecimento, cumpre saber se o requerente convocou em causa algum vício susceptível de configurar nulidade do acto suspendendo - de afastamento do território nacional -, a modos de justificar tempestiva reacção. Como resulta do art.º 161.º, do CPA, são nulos os actos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade, designadamente os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental (art.º 161º, n.º 2, d), do CPA). Esta última a hipótese mais próxima ao caso (e a única, nunca tendo o requerente - e, portanto, espúrio à causa - sequer convocado que o acto fosse nulo por lhe faltarem os “elementos essenciais”). Ora, incumbe ao recorrente consubstanciar os vícios que alega, não bastando invocar a violação de normas ou de princípios jurídicos. E, no caso, de forma a integrar ofensa do dito conteúdo essencial. Nesta medida de gravidade de ofensa não se poderá acolher a crítica feita agora em recurso de que “alega factos que consubstanciam a prática da violação de um direito fundamental (o direito à igualdade), previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa” que “gera nulidade nos casos em que ela fira o núcleo do conteúdo essencial do direito”. Com relação ao princípio da igualdade (ofendendo esse conteúdo essencial o ato que atinja o cerne do direito vertido nas categorias do n.º 2, do art. 13.º da CRP, em que se colocam descriminações ilegítimas baseadas no sexo, língua, religião, convicções políticas, religiosas, etc., ou em outras categorias subjetivas traduzidas por «direitos especiais de igualdade») o requerente simplesmente o faz por antinomia, de que, se, a seu ver, se não verifica o erro nos pressupostos em relação à autorização de residência, então só por discriminação o seu indeferimento terá tido lugar; o que, para além de ser imputação não dirigida ao acto suspendendo que é objecto da providência, verdadeiramente não consubstancia um vício, mas mera especulação de um oculto pretexto das circunstâncias, que não participando de fundamento não o podem afectar com tal putativa feição; nem sequer vem consubstanciada a discriminação assente no cerne de violação de tais categorias da igualdade, que não se afere por simples convocação de tutela de equiparação dos estrangeiros aos cidadãos nacionais, quando tal equiparação não tem sentido quando se trata do regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território nacional, não gozando o estrangeiro do direito absoluto de permanecer em território nacional, antes a um «direito de asilo» e ao direito de «não ser arbitrariamente expulso ou extraditado» (art.º 33º da CRP). E não há dúvida que o acto suspendendo convoca hipótese legal. Efectivamente, o art.º 134º, nº 1, a), da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho (com as suas alterações), prevê o afastamento de território nacional, determinado no acto suspendendo. E pese o reflexo na vida familiar que recorrente aduz, certo é que a vida familiar não tem um valor absoluto, sendo valorada apenas na medida em que foi concretizada nos limites estabelecidos pelo art.º 135.º da referida lei (cfr. Ac. do STA, de 04-10-2017, proc. n.º 0340/17), onde já estão proporcionalmente conciliados os interesses de ordem pública que fundamentam a expulsão ou afastamento coercivo de estrangeiro do território nacional com o interesse da protecção da unidade familiar e filhos (cfr. Ac. do STA, de 30-07-2014, proc. n.º 0489/14), limites que preservam um núcleo essencial, que sequer a alegação feita atinge. Sem essa (des)proporção, a que poderia projectar nulidade. Pelo que se confirma o decidido. *** Pelo exposto, acordam em conferência os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.Custas: pelo recorrente, sem prejuízo nesta instância do apoio judiciário entrementes concedido. Porto, 12 de Maio de 2019. Ass. Luís Migueis Garcia Ass. Conceição Silvestre Ass. Alexandra Alendouro |