Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00237/06.9BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/13/2014
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos
Descritores:IMPUGNAÇÃO;IRS; AJUDAS DE CUSTO
Sumário:1. É sobre a administração tributária que recai o ónus de demonstrar que as quantias devidamente declaradas como ajudas de custo constituem retribuição;
2. O abono de quantias mensais fixas a título de ajudas de custo de trabalhador deslocado no estrangeiro não constitui, em si mesmo, indicador de que essas quantias não constituem ajudas de custo;
3. Pelo que a administração tributária não demonstra que essas quantias não constituem ajudas de custo se, na informação que suporta as correções respetivas, se limita a consignar que a quantia paga a título de ajudas de custo deve ser considerada como rendimento por ter sido paga em quantia fixa e regular.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Ministério Público
Recorrido 1:D... e Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. Relatório

1.1. O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga recorreu da sentença desse Tribunal que julgou procedente a impugnação judicial interposta por D..., n.i.f. 1…, com domicílio (indicado na procuração) na Rua…, Esposende, e anulou a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares de 2002, com o n.º 2005 4004475542, efetuada em 2005/12/21.

Notificado da sua admissão, apresentou as respetivas alegações e formulou as seguintes

«CONCLUSÕES:

1 - A decisão recorrida considerou que a A.T. não sustentara a sua decisão em matéria de facto, não logrando outrossim provar a existência dos pressupostos legais da sua actuação.

2 - Porém, quer os documentos juntos pelo recorrido na petição quer as suas próprias omissões, quer ainda, e finalmente, os elementos trazidos ao processo pelo Fisco justificam a ilação inversa, de que os montantes pagos tinham natureza retributiva.

3 - Decidindo em contrário, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 74, n.º 1, da LGT, 100, n.º 1, do CPPT, 655, n.º 1, e 659, n.º 2, do C. Processo Civil, e 2.º, n.º 3, d) do CIRS.

4 - Pelo que deve ser revogada e substituída por outra que decrete a improcedência da acção, mantendo a liquidação em crise.».

1.2. O Recorrido contra-alegou e concluiu que deve ser negado provimento ao Recurso, mantendo-se integralmente a douta sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Do Objeto do Recurso

A única questão a decidir é a de saber se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento na aplicação do direito aos factos, ao concluir que os indicadores de facto recolhidos pela administração tributária não são suficientes para deduzir que as ajudas de custo têm carácter remuneratório.

3. Do Julgamento de Facto

3.1. Foi o seguinte o julgamento de facto em primeira instância:

«Pelos documentos juntos aos autos, não impugnados, com relevância para o caso, considero provados os seguintes factos:

1. A Administração fiscal procedeu à liquidação adicional de IRS nº 2006 00013203064, no montante de 6 675.29 €, relativas ao ano de 2002, com data limite de pagamento em 30.01.2006;

2. Na sequência do procedimento de inspecção tributária à Sociedade Construções S..., SA. apurou que esta empresa tinha efectuado pagamentos a título de ajudas de custo, aos seus trabalhadores, a trabalhar em Angola e Moçambique, no exercício de 2002;

3. O impugnante, foi notificado através do ofício da Direcção de Finanças com o nº 50414421 para substituir as declarações dos anos de 2002 e 2003 por se ter verificado omissão de rendimentos no valor de 20 394,44 € e 21 310.52 € respectivamente;

4. O impugnante, foi notificado através do ofício da Direcção de Finanças com o nº 50415952 Projecto de Correcções efectuadas nos termos do art. 77º da Lei Geral Tributária;

5. Do Relatório elaborado, por técnico da Administração Fiscal, em 24.11.2004, que aqui se dá por integralmente reproduzido consta que: “(…) Em sequência de visita de fiscalização efectuada ao sujeito passivo “Grupo S..., SA – NIPC 505 924 170”, verificou-se que o mesmo pagou mensalmente durante o exercício de 2002, e a segunda durante o exercício de 2003, uma quantia fixa e regular aos funcionários que se encontravam a trabalhar no estrangeiro (República de Angola e Moçambique), a título de ajudas de custo, que não foi tributada em IRS, mas que é de considerar como rendimento de trabalho dependente (Categoria A), nos termos da alínea d) do nº 3 do artigo 2º do CIRS.

O sujeito passivo, no exercício de 2002, não incluiu na sua declaração de IRS, o valor total de 20.394.44 €, e no exercício de 2003, não incluiu na sua declaração de IRS, o valor total de 21.310,52 €, de rendimento da categoria A. (Fls. 7 e 8 do processo administrativo – PA);

6. O impugnante celebrou contrato de trabalho com Sociedade Construções S..., SA, em 01.10.2000, para exercer a actividade profissional, de Carpinteiro de Tosco, na categoria de Encarregado de 1ª, documento constante de fls. 15 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido;

7. No âmbito deste contrato, foi determinado que o local de trabalho abrange toda a cidade do Porto, em todo o território nacional e no estrangeiro;

8. Em 19.04.2002, o impugnante celebrou um “Adicional ao Contrato de Trabalho” a qual implicava a deslocação para a República de Angola documento constante de fls. 17 que se dá por integralmente reproduzido;

9. Foi acordado que, para além do vencimento base, de 838 €, terá direito a um subsídio de deslocação, equivalente a 25% sobre o vencimento base, no montante de 210 €, quantias essas a pagar em Portugal, mediante crédito em conta bancária. E ainda a ajuda de custo de 1 745.80 € para fazer face ao acréscimo de despesas resultantes da deslocação;

10. O impugnante tinha residência, a data da celebração dos contratos de trabalho no Lugar…, Barcelos;

11. Em 20.02.2006 foi deduzida a presente impugnação;

Formou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso por linha.

Nada mais resulta provado com interesse para a presente decisão».

4. Do Julgamento de Direito

4.1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que, tendo concluído que a administração tributária não logrou provar a existência dos pressupostos legais da sua atuação, isto é, que as importâncias auferidas a título de ajudas de custo eram, afinal, remuneração derivada da prestação de trabalho, anulou a consequente liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares do ano de 2002.

Com o assim decidido não se conformou o Digno Magistrado do Ministério Público, ora Recorrente, por entender que a factualidade carreada para os autos, analisada segundo o crivo lógico e racional que conduz à prudente convicção do julgador, suportava a qualificação das quantias percebidas neste item como verdadeira remuneração.

A expressão «ajudas de custo», devidamente enquadrada no contexto laboral, é suficientemente descritiva para dispensar grandes desenvolvimentos técnico-jurídicos: estamos perante montantes colocados à disposição do trabalhador para compensar os custos que este suportou ao serviço da entidade patronal. Estas importâncias não devem ser consideradas rendimento para efeitos tributários (e muito menos remuneração) porque não representam nenhum acréscimo patrimonial, destinando-se apenas a compensar gastos que afetam negativamente a esfera patrimonial do trabalhador e que devam ser imputados à sua atividade laboral e no interesse da sua entidade empregadora.

Na prática, porém, as coisas não se apresentam com tal linearidade. A dificuldade na determinação concreta dos custos elegíveis ou da sua comprovação conduz a que, muitas vezes, se convencionem atribuições patrimoniais fixas ou variáveis para compensar custos mais ou menos presumidos. E por vezes, o trabalhador faz a sua própria gestão de custos, poupando nas despesas e obtendo assim um rédito suplementar. Ora estas quantias, embora sejam justificadas com a ocorrência de custos ao serviço da entidade patrimonial, podem gerar verdadeiros acréscimos patrimoniais, na parte em que excedam os custos efetivamente suportados. E, assim sendo, as «ajudas de custo» podem conter verdadeiros rendimentos. Que, por apresentarem alguma conexão com a prestação do trabalho, cabem no conceito de remuneração acessória a que aludem a parte final do n.º 2 e a alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

Todavia, a tributação da totalidade das «ajudas de custo» nas situações descritas também coloca problemas delicados. Problemas, desde logo, relacionados com a desigualdade de tratamento dos trabalhadores que, pela natureza do seu trabalho ou das circunstâncias em que fosse prestado, não pudessem determinar em cada momento a componente do custo e a componente do ganho das ajudas. Problemas relacionados com objetivos sociais e económicos que, muitas vezes, se associam à atribuição destas quantias, que extravasam a relação laboral e que se entende dever estimular e proteger. Problemas relacionados com a capacidade de fiscalização concreta destas situações, o custo que lhes está associado e a sua proporção com o valor das receitas potenciais.

Razões de sobra para que o legislador abdicasse da tributação das eventuais vantagens económicas que trabalhador obtivesse em consequência do recebimento de tais quantias, desde que contidas num determinado limite quantitativo – artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. Assim, na parte em que não excedam determinados limites, as «ajudas de custo» não são tributáveis, mesmo que delas derivem vantagens económicas para o trabalhador, porque a lei exclui essas quantias da incidência do imposto. Na parte em que esses limites são excedidos, porém, o legislador presume que o seu recebimento gerou um excedente patrimonial para o trabalhador (e que, por conseguinte, o custo efetivo não atingiu aquele montante), constituindo um rendimento suplementar enquadrável no conceito de remuneração acessória.

A que acresce um limite qualitativo: as «ajudas de custo» são tributáveis quando (ou na parte em que) não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado.

Tudo isto, naturalmente, no pressuposto de que essas quantias sejam percebidas a título de «ajudas de custo». Nada impede, na verdade, a que sobre essa designação seja acordado entre trabalhador e empregador o pagamento de quantias que não se destinem verdadeiramente a compensar custos, mas a remunerar trabalho. Sendo que, em tal caso, não se pode sequer falar em ajudas nem em custos.

Em alguns casos, o legislador presume que as importâncias despendidas não têm conexão com as funções exercidas pelo trabalhador ao serviço da entidade patronal. São aqueles em que seja apurado que as importâncias atribuídas dizem respeito a despesas de deslocação, de viagens e de representação e não tenham sido prestadas contas até ao fim do exercício. Trata-se, porém – se bem vemos – de situações em que aquelas importâncias são provisionadas pela entidade patronal mas em que o trabalhador só tem direito ao valor dos custos efetivamente suportados com esse fim.

Apliquemos estes conceitos ao caso dos autos.

4.2. Na informação que sustenta a correção que suportou a liquidação impugnada, a administração tributária concluiu que a quantia percebida pelo Recorrido a título de «ajudas de Custo» seria de considerar «como rendimento de trabalho dependente» por se tratar de «uma quantia fixa e regular» paga aos funcionários que se encontravam a trabalhar no estrangeiro (República de Angola e Moçambique).

Ou seja, as quantias percebidas a título de «ajudas de custo» foram consideradas remunerações, não porque o seu recebimento tivesse excedido os limites qualitativos e quantitativos consignados na lei, mas porque o modo de atribuição (através de «uma quantia fixa e regular») constituía indicador suficiente de que esta quantia não se destinava a compensar quaisquer custos, mas a atribuir uma remuneração mais compensadora a quem se dispusesse a trabalhar deslocado em Angola ou Moçambique.

Mas já vimos que do facto de a quantia paga aos trabalhadores a esse título ser «fixa e regular» não decorre em si mesmo que seja retribuição. Circunstâncias relacionadas com a dificuldade de estimar a natureza e os montantes das despesas adicionais a que se sujeita quem está deslocado no estrangeiro, com a inexistência de estruturas administrativas para as processar ou com idiossincrasias desses países (como a dimensão da economia informal) estão entre muitas possíveis razões para que entre a entidade patronal e os trabalhadores seja fixado um valor constante, correspondente aos custos que presumivelmente irão suportar.

Caberia, por isso, à administração tributária reunir outros indicadores que por si só ou conjugadamente, suportassem essa conclusão. Como decorre do artigo 74.º da Lei Geral Tributária.

Só que os serviços de inspeção tributária não reuniram ou não invocaram quaisquer outros indícios que suportassem essa conclusão. Não o fizeram sequer por remissão para o relatório da fiscalização efetuada à entidade patronal do Recorrido e cuja fundamentação, por isso, não lhe aproveita.

E ainda que lhe aproveitasse, nem por isso a conclusão seria diversa.

Do relatório correspondente, cuja junção foi oficiosamente ordenada pelo tribunal recorrido, consta que o montante pago a título de ajudas de custo a trabalhadores colocados em centros de custos de Angola e Moçambique deveria ser considerado como rendimento de trabalho dependente porque «não foram observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado, previstos no Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de Abril (…) e no Decreto-Lei n.º 192/95, de 28 de Julho», visto que «o principal pressuposto para a atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado é a existência de deslocação do funcionário em serviço para local diferente do seu domicílio necessário» e que o seu domicílio necessário seria o local onde aceitou prestar o serviço.

Este raciocínio estaria correto se o Recorrido tivesse sido contratado em Portugal para prestar serviço em alguma localidade de Angola e Moçambique. Mas não é isso que resulta dos contratos a que aludem os pontos 6 a 8 dos factos provados. O que dali resulta é que o Recorrido foi contratado para prestar serviço em Portugal e aceitou trabalhar deslocado na República de Angola durante determinado período mediante um aditamento ao contrato de trabalho inicialmente celebrado. O centro da sua atividade funcional continuou a ser o do território português e o estrangeiro o local onde aceitou deslocar-se por períodos mais ou menos longos.

Do mesmo relatório consta que o referido montante deveria ser considerado como rendimento de trabalho dependente também por constituir acrescer a «um subsídio de deslocação equivalente a 25% sobre o vencimento base (sujeito a retenção em sede de IRS)».

Todavia, o que daqui resulta é que é aquele adicional de 25% que constitui uma retribuição suplementar a acrescer às ajudas de custo. E, ainda que assim não fosse, importaria também que a administração tributária tivesse indagado e apurado o que cada uma dessas quantias pretenderia compensar, para que seu pudesse concluir que havia sobreposição de ajudas. Diligências que também não se mostra ali ter realizado.

De todo o exposto decorre que a administração tributária não também reuniu indicadores suficientes de que o abono da quantia em causa não observava os pressupostos da atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado.

Contrapõe a Recorrente que da forma como as ditas ajudas vêm descritas se afere o seu caráter remuneratório. A saber: o facto de não terem sido elaborados boletins de itinerário, o facto de os valores serem rigorosamente idênticos, o facto de não discriminarem o serviço prestado e omitirem a explicitação das regras de cálculo.

Trata-se, porém, de indicadores que nunca foram relevados pela administração tributária no local próprio (com exceção do facto de a quantia abonada ser fixa, que já foi acima analisado) e que, por isso, não lhe podem agora aproveitar. Pelo que também não tem este tribunal que fazer a análise do seu mérito.

Pelo que a douta sentença deve ser confirmada e ao recurso deve ser negado provimento.

5. Conclusões

5.1. É sobre a administração tributária que recai o ónus de demonstrar que as quantias devidamente declaradas como ajudas de custo constituem retribuição;

5.2. O abono de quantias mensais fixas a título de ajudas de custo de trabalhador deslocado no estrangeiro não constitui, em si mesmo, indicador de que essas quantias não constituem ajudas de custo;

5.3. Pelo que a administração tributária não demonstra que essas quantias não constituem ajudas de custo se, na informação que suporta as correções respetivas, se limita a consignar que a quantia paga a título de ajudas de custo deve ser considerada como rendimento por ter sido paga em quantia fixa e regular.

6. Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.

Sem custas o presente recurso, por delas estar isenta a Recorrente.

Porto, 14 de Fevereiro de 2014

Ass. Nuno Bastos

Ass. Irene Neves

Ass. Paula Ribeiro