Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00749/10.9BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/13/2020
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:DESVIO DE DINHEIROS PÚBLICOS; PROCESSO CRIME; ABSOLVIÇÃO; “IN DUBIO PRO REO”; PROCESSO DISCIPLINAR; PENA DE DEMISSÃO.
Sumário:1 - O ilícito disciplinar e o ilícito criminal são diferenciados entre si, e autónomos os respectivos processos, na medida em que por aquele se visa preservar a capacidade funcional do serviço, e por este [o ilícito criminal] se visa a defesa dos bens jurídicos essenciais à vida em sociedade, sendo por isso que o facto de o arguido ser absolvido em processo crime, não obsta, em princípio à sua punição em processo disciplinar instaurado com base nos mesmos factos.

2 - Em sede de processo disciplinar, a Administração está vinculada aos factos dados por provados na decisão penal condenatória/absolutória do arguido, sem prejuízo da sua valoração e enquadramento jurídico para efeitos disciplinares.

3 – Tendo a arguida a categoria de Chefe de Serviços de Administração Escolar, e logo após o seu início de funções estabelecido orientação de que apenas cabia ao tesoureiro da Escola arrecadar receita que fosse devida decorrente de pagamentos por parte de alunos, escapa ao entendimento do homem médio que a mesma aí efectue funções de tesoureira e arrecade receita [quando a tesoureira se encontra em exercício de funções], e que mesmo assim, por via do seu dever de garante, não venha a entregar a totalidade desse dinheiro por si recebido à tesoureira, ou a efectuar o seu depósito em instituição bancária, tendo parte desse montante por desaparecido.

4 – Viola os deveres de zelo, isenção e de lealdade, a responsável máxima pelos Serviços administrativos de uma escola, quando, sendo certo que lhe incumbe gerir os serviços, aplicando normas legais e regulamentares, assim como ordens e instruções de superiores hierárquicos, e nesse domínio, também, disciplinar termos e modo de funcionamento dos serviços, tendo definido quem exercia as funções de tesoureira e que só a ela [à tesoureira] competia a arrecadação de receita, vem depois a subverter as regras por si definidas, diferentes das que haviam sido fixadas por si e com a utilização de competências que vêm a constatar-se serem manifestamente desadequadas a prover pela efectiva arrecadação de receita e respectivo depósito, para além de que, desrespeitou as funcionárias que desempenhavam essa função.

5 - O princípio in dubio pro reo não tem como fundamento o princípio da “presunção da inocência”, nem constitui regra de “ónus da prova”, mas tão somente o princípio de que é inadmissível a condenação por infracção não provada, sendo que, no caso dos autos, o Tribunal recorrido aferiu da regularidade e suficiência do juízo probatório da decisão disciplinar, tendo perfilhado um juízo coincidente com o que foi formulado pela autoridade administrativa, ora Recorrida, sendo certo que a convicção probatória é formada livremente, com base na prova disponível, no mérito da instrução produzida, o que a Sentença recorrida detalhadamente apreciou.

6 - O desvio de dinheiros públicos constitui fundamento para aplicação da pena disciplinar de demissão, face ao juízo de desvalor que lhe está subjacente e a censura ético-jurídica que impende sobre quem o faz, tendo no caso em presença sido foi apreciado e decidido que existia uma conduta culposa e grave da arguida, e em suma, que se verificavam os elementos subjectivo e objectivo da infracção disciplinar, quer quanto à prática do acto ilícito, quer quanto à respectiva imputação à arguida, ora Recorrente, no que concerne à culpa.


7 - A pena de demissão, no contexto do EDTFP, é aplicável em caso de infracção disciplinar que inviabilize a manutenção da relação funcional, cuja tipificação, meramente exemplificativa, consta do artigo 18.º desse Estatuto, e de onde se destaca a previsão constante da alínea m), isto é, se for dado como provado que dado trabalhador foi encontrado em alcance ou desvio de dinheiros públicos.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Recorrente:M.
Recorrido 1:Ministério da Educação
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


M., inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 23 de janeiro de 2018, que julgou totalmente improcedente a sua pretensão (que apresentou a final da sua Petição inicial, nos seguintes termos: “… ser julgada provada e procedente, e por via disso ser o acto administrativo […] que aplicou a pena de demissão à Autora e obrigação de reposição da quantia de €897,80: A) Declarado nulo por omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade. Ou quando assim não se entenda B) Invalidar-se ser o mesmo anulável por vício de violação de lei com as legais consequências. […]”), tendo consequentemente mantido o acto do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão e a reposição da quantia de €897,80.

No âmbito das Alegações por si apresentadas [Cfr. fls. 255 a 268 dos autos em suporte físico], elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

CONCLUSÕES:

Da sentença recorrida consta como provado a matéria dos pontos 1 a 24 da “Fundamentação de facto” e que, por brevidade e economia processual se dão aqui como reproduzidos na íntegra.

A recorrente pelos mesmos factos foi alvo de um processo crime que correu termos sob o nº 38/10.0TAPFR do Tribunal Judicial da Comarca de Paços de Ferreira (e não de Paredes como erradamente é referido na sentença recorrida).

Neste processo foi proferida sentença que absolveu a aqui recorrente da prática do crime de peculato, tendo a decisão transitado em julgado em 03/09/2012.

Apesar do procedimento disciplinar e procedimento criminal serem inteiramente independentes já que visam objetivos diferentes.

Não se pode ignorar e é entendimento da doutrina e da jurisprudência que apesar da apontada autonomia, a decisão disciplinar, não pode deixar de atender aos factos que a decisão penal transitada julgou provados e que são também objeto de apreciação no processo disciplinar.

Ou seja se uma sentença penal absolutória, só por si não é necessariamente elemento bastante para determinar a sanção disciplinar, se ainda não estiver aplicada, nem a fortiori, para permitir o deferimento do pedido de revisão se a sanção já tiver sido proferida;

Já não será assim, “funcionando então como a circunstância ou meio de prova suscetível de demonstrar a inexistência dos factos que determinaram a condenação e que não pode ser utilizada pelo arguido no processo disciplinar” a que alude o artº 78º do E.D., “se a sentença penal absolutória que serve de fundamento ao pedido de revisão tiver dado como provados factos que eliminem ou destruam inquestionavelmente a prova produzida no processo disciplinar.” (vid. Ac. STA de 21-04-2005 disponível em http://www.dgsi.pt).

Como é referido, por Paulo Veiga e Moura in Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública, Anotado, Coimbra Editora, pág. 79, “...perante uma decisão penal absolutória a dar por assente que o acusado não praticara os factos, já vimos que em sede disciplinar tal decisão penal tem de ser respeitada pela Administração, que não pode nem fazer prova sobre tais factos nem dar por provados os factos contrários. Contudo, na hipótese de antes da sentença penal absolutória a Administração ter aplicado uma pena ao trabalhador e de estar a decorrer na jurisdição administrativa a respetiva acção especial de impugnação, então quando transitar em julgado a sentença penal o Tribunal Administrativo está vinculado a respeitar a presunção legal da inexistência dos factos em que se baseou a punição disciplinar (a qual aliás, já decorria do princípio da presunção da inocência).

O que manifestamente é o caso objeto do recurso!
10ª
Analisando o teor da sentença penal e cuja certidão se encontra a fls. 194 a 210 dos presentes autos, nela é dado como provado desde logo que a Recorrente entre os dias 22 a 24 Julho de 2009 se encontrava-se formalmente em gozo de férias, tendo-se deslocado às instalações da Escola Secundária de (...), por conveniência de serviço.
11ª
Quanto a esta matéria foi necessária produzir-se prova em sede de audiência de julgamento em sede penal para se esclarecer que a aqui recorrente apesar ter solicitado inicialmente férias para o período de 29 de Junho a 17 de Julho de 2009, de acordo com o mapa de férias a mesma havia apresentado um requerimento datado de 26/6/2009 em que solicitou ao Diretor da Escola uma alteração do seu período de férias para 29 de Junho a 3 de Julho e de 22 de Julho a 05 de Agosto.
12ª
O referido requerimento foi deferido por despacho do Diretor da Escola de 26/6/2009, conforme documento junto a fls. 196 dos autos, o que está em perfeita consonância com o mapa de férias autorizadas, junto a fls. 19 do Volume 7, assinado pelo Diretor da Escola, com a folha de presenças constante de fls. 20 a 21 do referido Volume 7 e com a versão dos factos apresentada pela arguida de que alterou as suas férias a pedido do Diretor da Escola, por conveniência de serviço.
13ª
Em sede disciplinar tal factualidade, estranhamente foi omitida!
14ª
Ficou também provado em sede penal que a aqui recorrente, durante os dias 6 a 24 Julho de 2009, ajudou a efetuar as matrículas para o ano letivo de 2009/2010, tendo recebido as quantias entregues pelos respetivos encarregados de educação/alunos relativas a 515 matrículas, no valor global de 3.668,46 € e entregou nos cofres da Escola Secundária, pelo menos, a quantia de € 2.843,61.
15ª
Esta factualidade está em nítida desconformidade com o apurado no procedimento disciplinar, já que no Relatório Final é dado como provado que a arguida efetuou 438 matriculas e recebeu e registou nos cofres da escola a quantia de 2. 829,24.
16ª
No processo crime foi dado como provado, por sentença já transitada em julgado, que a quantia de € 824,85 (sendo €409,50 entregues para pagamento de seguro escolar) e ( € 415,35 € a pagamento de matrículas relativos a 91 alunos) não foi encontrada nos cofres da Escola Secundária.
17ª.
No procedimento disciplinar foi dado como provado, que a quantia de € 897,80 (sendo € 436,50 do seguro escolar/OGE) e 447,80 de outras rubricas e acrescido de € 13,50 (5 folhas não lançadas pela recorrente) foi recebida pela recorrente e não entregue por esta nos cofres da escola.
18ª
Ficou provado no processo crime que no período de matrículas em causa reinou um estado de confusão motivado pelo volume de processos de matrícula e urgência de cumprimentos de prazos e demais formalidades de tais processos. (aliás conforme a Recorrente havia alegado na sua P.I. e também no processo disciplinar (basta atentar nas declarações do Diretor da Escola secundária) e que o Meritíssimo Juiz a quo fez tábua rasa.
19ª
Ficou também provado naquele processo crime que a aqui recorrente enquanto Chefe de Serviços da Administração Escolar ajudou em tais tarefas para que todos os alunos tivessem os processos de matrícula tempestivamente concluídos.

20ª
Pelo exposto, não restam dúvidas que a matéria de fato dada como provada na sentença penal e há muito transitada em julgado, veio eliminar e destruir de forma inquestionável a prova insipiente e contraditória do processo disciplinar.
21ª
Pelo que é manifesto a falta de sustentação probatória para ter sido imputada à aqui recorrente a prática da infração disciplinar “de ter sido encontrada em alcance ou desvio de dinheiros públicos”.
22ª
Acresce que também a sentença recorrida, fez errada aplicação do Direito ao não ter considerado a omissão de uma diligência de prova essencial para a descoberta da verdade material.
23ª
A saber, a recorrente na sua Resposta à Nota de Culpa, requereu a averiguação e apuramento do valor recebido de matrículas diariamente no ano de 2009 a título de talonários, quem os passou, quem os registou e recebeu nas folhas diárias e quanto a esse título foi depositado no Banco, tendo o instrutor do processo indeferido esse requerimento probatório.
24ª
Todavia, os talonários, cuja a averiguação se requereu, seriam documentos necessários para aferição das entradas de verbas e a um levantamento exaustivo, completo e objetivo do funcionamento dos Serviços Administrativos da Escola, sem o qual não estaria devidamente concluído o procedimento disciplinar.
25ª
A possibilidade que o Instrutor tem de indeferimento de diligências probatórias requeridas por quem é arguido em processo disciplinar, restringe-se apenas às situações em que tais diligências não sejam legalmente admissíveis, não permitam a prova dos factos a que se destinam ou já estejam suficientemente provados os factos alegados pelo requerente da prova. (V. Artsº 37º e artº 53º nº 1 do Estatuto Disciplinar), situações que não são subsumíveis ao caso dos autos.
26ª
Como se dispõe neste último normativo, “A diligência requerida pelo arguido pode ser recusada em despacho do instrutor, devidamente fundamentado, quando manifestamente impertinentes e desnecessárias.”
27ª
A manifesta impertinência e a desnecessidade de tal produção de prova, nem sequer foi alegada pelo Instrutor, tendo este se bastado no Relatório Final com a alegação de “não pertinente”.
28ª
Todavia, o Meritíssimo Juiz a quo entendeu, (quanto a nós erradamente), que a manifesta impertinencia estava demonstrada só pelo simples facto dos citados talonários cuja averiguação se pedia não serem relativos ao lapso temporal das alegadas datas da prática da infração disciplinar.
29ª
Contudo a Recorrente no amplo direito da sua defesa e para a descoberta da verdade material, requereu a averiguação e apuramento do valor recebido de matriculas diariamente no ano de 2009 a titulo de talonários, quem os passou, quem os registou e recebeu nas folhas diárias e quanto a esse título foi depositado no Banco, tendo o instrutor do processo indeferido esse requerimento probatório.
30ª
Não estava, pois, na disponibilidade nem no critério do Instrutor do processo (ou do Meritíssimo Juiz de 1ª Instância) adivinhar o que a arguida pretendia demonstrar com tal diligência de prova.
31ª
Tal desiderato, só poderia ser aferido, a posteriori, pela maior ou menor medida em que tais documentos sustentassem a factualidade que a Autora pretendia ver provada no processo disciplinar, ditando-lhe sorte diversa da que antevia.
32ª
Tanto mais que, sublinhe-se, no âmbito do processo disciplinar vigora o princípio da presunção da inocência do arguido, acolhido no artº 32º, nº 2 da CRP e bem assim o Principio in dubio pro reo, este último que opera se da prova produzida resultar alguma dúvida legítima, alguma situação “non liquidet”.
33ª
Pelo que, e insistindo, a prova coligida no processo disciplinar tinha que legitimar uma convicção segura da materialidade dos factos imputados à arguida, (para além de toda a dúvida razoável), bem como de todo o circunstancialismo anterior que rodeou a prática da infração imputada.
34ª
E tanto assim foi que a prova produzida no âmbito do processo crime, em obediência ao princípio da imediação da prova, foi cabal no sentido de absolver a arguida, por permanecer uma dúvida séria e fundada sobre os mesmos factos.
35ª
Razão pela qual, dúvidas não subsistem que a sentença ora recorrida deveria ter dado como verificada a nulidade do procedimento disciplinar por omissão de diligências de prova.
36ª
Para além do citado vício, andou também mal o Meritíssimo Juiz a quo ao ter considerado não verificada a violação do Principio da Imparcialidade e da Boa fé.
37ª
Pois, bem, está provado, que foi o Diretor da Escola Secundária de (...) quem procedeu à instauração do processo de inquérito e que o mesmo prestou declarações no âmbito desse mesmo processo e no processo disciplinar.
38ª
Na sentença ora recorrida, é referido que não “vemos como por si só a circunstância de o diretor ter mandado instaurar o processo de inquérito e ter prestado declarações no mesmo possa implicar a violação da imparcialidade devida”.
39ª
Sabemos que, num processo de inquérito visa-se esclarecer uma situação concreta ou apurar os responsáveis pela ocorrência de determinada situação factual. (V. Nº 2 do artº 66º do Estatuto Disciplinar).
40ª
No entanto tal processo que culminou com a proposta de um pedido de instauração de procedimento disciplinar contra a aqui recorrente foi desencadeado por uma denúncia anónima, que afirmava que a recorrente: “que oficialmente se encontra de férias prontificou-se a vir ajudar na receção de matrículas para o ano escolar 2009/2010, inscrições para exame, revisão de exames, ao faze-lo já era sua intenção desviar verbas provenientes das matrículas e inscrições de exame para seu proveito pessoal. (…). para confirmar tais atos ilícitos basta que confiram as inscrições para exames, matrículas recebidas pela pessoa em questão, com o dinheiro entregue por ela na tesouraria. E aí, como é óbvio se chegará com facilidade à diferença avultada de dinheiro desviado pela Chefe de Serviços de Administração Escolar”, estranha-se, desde logo, que ao longo de todo o processo de inquérito não se procurasse indagar a autoria de tal denúncia e as suas motivações.
41ª
Por outro lado, é muito duvidoso, (e como é bem apontado na sentença penal) que aquela denúncia anónima fosse efetuada por um encarregado de educação.
42ª
Bastaria atentar na forma como está redigida a própria denúncia com expressões “vir ajudar” e não “ir ajudar” mesmo em férias” desviar verbas de matrículas e inscrições”, dinheiro desviado pela Chefe de Serviços de Administração Escolar” que indiciam que o denunciante não seria um alegado encarregado educação mas sim alguém posicionada dentro dos próprios serviços.
43ª
Por isso, é muito estranho o Instrutor do procedimento disciplinar tenho concluído no Relatório Final que a denuncia proveio de um encarregado de educação, sem, contudo, demonstrar com que prova se baseou tal conclusão.
44ª
As referidas declarações do Diretor da Escola, que também faz referência à denuncia anónima, e a conversas ditas com a aqui recorrente, contextualizadas à data em que este agia como a autoridade disciplinar, ofendia, como ofendeu claramente o Princípio da Imparcialidade, previsto no artº 6º do CPA.
45ª
Este Princípio é no plano garantístico, um dos que tem maior significado, sendo o seu conteúdo da mais pura funcionalidade procedimental, complementar ao Princípio da Legalidade.
46ª
Sendo que, ao contrário do entendimento do Tribunal recorrido, a violação dos deveres impostos pelo Princípio da Imparcialidade não está dependente da prova de atuações concretas da Administração.
47ª
Verificando-se tal violação, desde logo, quando um determinado procedimento faz perigar as garantias de isenção e de transparência.
48ª
Ora, permitir-se que se tome depoimento da própria entidade que ordenou ab initio o processo de inquérito num momento critico e de maior melindre, onde se visa recolher dados essenciais para uma decisão de abertura de processo disciplinar, e apuramento dos responsáveis, encerra por si só um notório desequilíbrio.
49ª
Os princípios gerais da Imparcialidade e da Boa-fé, como Princípios Constitucionais, limitam e condicionam, de forma genérica, o poder discricionário da Administração Pública, sendo que a conformidade da decisão administrativa ao Direito depende de uma averiguação cuidadosa e de um bom conhecimento da matéria de facto sobre qual a mesma versa e que constituem igualmente no exercício de um poder discricionário, condição sine qua non da adequação do ato administrativo à prossecução do interesse público.
50ª
O que conforme se viu não aconteceu e ao contrário do entendimento do Meritíssimo Juiz de 1ª Instância, é notório a violação dos Princípios da Imparcialidade e da Boa-fé previstos nos artºs 6º e 6ª A do CPA.
51ª
Entendemos também que não se verificou uma condição essencial para a tipificação de infração disciplinar imputada à aqui recorrente, ao contrário do sustentado na sentença recorrida.
52ª
Para interpretar o espírito da lei teremos que nos socorrer, o que o legislador quis dizer com as expressões “alcance ou desvio de fundos públicos”.
53ª
Ora, para existir alcance ou desvio de dinheiros públicos tem que existir uma intencionalidade de apropriação, sendo que é evidente que essa apropriação terá que ser em proveito próprio (ou de terceiro) e ainda que o agente tenha agido com dolo e consciência da ilicitude.
54ª
Tal demonstração seria fundamental para caracterizar a figura de “alcance ou desvio de dinheiros públicos”.
55ª
Na realidade, conforme a recorrente alegou em sede de procedimento disciplinar e na sua P.I., é facto notório, que durante o período de matrículas, reina sempre em qualquer estabelecimento de ensino, um estado de confusão motivado pela urgência de cumprimentos de prazos e demais requisitos formais de tais processos.
56ª
Aliás, veio a ser demonstrado no processo crime já citado, que durante o período em que a arguida se encontrava formalmente de férias (22/7 a 24/7), a mesma recebeu o dinheiro de duas matrículas, sendo de realçar que apenas desapareceu o dinheiro recebido da matrícula do aluno Daniel Santos.
57ª
Em consonância com as declarações da arguida, da própria tesoureira, M., da tesoureira substituta, M-. e documentos constantes no processo, o procedimento regular das matrículas consistia no preenchimento dos impressos pelos alunos, auxiliados pelo Diretor de Turma, e na passagem pelo respetivo funcionário administrativo que confirmava os dados e ficava na posse do processo de matricula dos alunos, com excepção dos recibos de pagamento/talão de matrícula a entregar ao aluno e a filha de pagamento a apensar posteriormente aos seus processos.
58ª
De seguida o aluno, dirigia-se à tesouraria e efetuava o pagamento do montante que constava no recibo/talão de matrícula, conforme resulta, a título exemplificativo de fls. 56 a 164 do Volume 11. (processo crime).
59ª
Durante os referidos dias 6 a 24 Julho de 2009, a aqui recorrente recebeu as quantias entregues pelos respetivos encarregados de educação/alunos relativas a 515 matrículas, no valor global de €3.668,46, facto reconhecido pela própria em julgamento e que não foram encontrados nos cofres da escola, nem foram depositados na Caixa Geral de Depósitos, a quantia de 824,85 €, correspondendo 409,50 € a quantias entregues para pagamento de seguro escolar e 415,35€ a pagamento de matrículas, ( e não a quantia de € 897,85 referida no procedimento disciplinar) relativos a 91 alunos.
60ª
Porém, tal constatação alheada à ausência dos respetivos registos/guias de pagamento, sem mais, não permitiu ao julgador penal concluir de forma automática que a aqui Recorrente não efetuou os respetivos registos/guias de pagamento quando recebeu o respetivo dinheiro e que a mesma ficou com a quantia de € 824,85 na sua posse, para seu próprio uso, em despesas pessoais
61ª
Sendo que na sentença penal, é expressamente referido que não obstante o instrutor do processo disciplinar, C., ter referido que baseou a sua nota de culpa em tais pressupostos, isto é, na inexistência de registos /guias relativas a matrículas recebidas pela ali arguida e ora recorrente e inexistência do dinheiro nos Cofres da Escola, não tendo o mesmo sido depositado;
62ª
Entendeu o coletivo de juízes criminais que tais pressupostos, por si só, são manifestamente insuficientes para formar a convicção segura que ali arguida se tenha apropriado da quantia em falta.
63ª
Por outro lado também ficou, entre o mais, provado em tal sede criminal que a Tesoureira e a Tesoureira substituta da Escola Secundária de (...), demitiam-se do exercício de uma das funções básicas de tesoureiro pois não efetuavam uma verdadeira conferência, conforme admitiram, já que não dispunham dos talões de matrícula, para controlar a totalidade do dinheiro entrado na escola proveniente das matrículas e também não efetuavam uma conferência pessoal que as salvaguardasse que só lhes foram apresentadas aqueles recibos/guias de pagamento e não outros, o que implicava, desde logo, um descontrole efetivo por parte da tesoureira, não podendo controlar meros erros ou irregularidades e, muito menos, atitudes dolosas de apropriação do dinheiro, pelo que esta versão dos factos apresentada por aquelas testemunhas não apresenta credibilidade.
64ª
Sendo de referir que as declarações prestadas pelo instrutor do processo sobre esta matéria a corroborar tal versão dos factos tiveram reduzida importância, já que as mesmas não se basearam no conhecimento direto dos factos mas nas declarações das testemunhas referidas.
65ª
Acresce que as guias de pagamento não eram rubricadas pela tesoureira, muitas das vezes não eram numeradas e, como tal, por vezes não tinham uma numeração sequencial, as guias de pagamento podiam ter mais que uma folha e nem sempre aparecia o total da guia e o número da guia só aparecia na última folha , sendo que algumas das guias de pagamento de alunos matriculados nem sempre eram preenchidas por uma só pessoa e apenas pela pessoa que recebia o dinheiro, como ocorreu nos dias 17/7/2009 e 20/7/2009, em que 7 alunos foram registadas pela aqui recorrente e o dinheiro foi recebido pela M-., na qualidade de tesoureira substituta conforme foi reconhecido por ambas.
101. Aliás, na sentença penal é referido expressamente que face ao modo como a tesoureira e a tesoureira substituta alegam ter exercido as suas funções não espanta que a folha cofre relativa ao mês de Julho de 2009 tivesse sido encerrada sem que constasse qualquer referência à falta de dinheiro.
66ª
Por fim e conforme já se viu supra, ficou provado no processo crime que durante o período de matrículas em causa reinou um estado de confusão motivado pelo volume de processos de matrícula e urgência de cumprimentos de prazos e demais formalidades de tais processos.
67ª
De todo o supra exposto que é bem ilustrativo como decorreu todo o período de matrículas e o modus operandi do mesmo e o estado de confusão motivado pelo volume de processos e urgência de prazos a cumprir, que reinou é de concluir, sem margem para dúvidas, que a recorrente não praticou a infração que lhe foi imputada, ou que pelo menos existe a dúvida séria quanto à sua autoria.
68ª
Aliás é referido na sentença criminal que existe a forte possibilidade de alguém no interior dos serviços ter surripiado as guias em falta e respetivo dinheiro, com o claro intuito de afastar a arguida dos serviços, realçando-se o mau ambiente existente ao nível dos serviços administrativos e ao próprio teor da denúncia apresentada.
69ª
De tudo o supra alegado, mostram-se que conforme a arguida argumentou na sua P.I. não resultou do procedimento disciplinar, e como não resultou do processo crime que a aqui recorrente se tenha apropriado ilegitimamente, em proveito próprio ou de outra pessoa do dinheiro das referidas matrículas.
70ª
O que não restam dúvidas é que uma determinada verba, que no procedimento cautelar foi quantificada em € 897,80 e no processo crime em € 824,85 não foi encontrada nos cofres da escola.
71ª. Contudo, atento que essa quantia em falta não foi entregue nos cofres da Escola não se poderia ter concluído como se concluiu sem mais que foi a arguida que não procedeu a tal quantia.
72ª
Pelo que, ao decidir como decidiu o Meritíssimo Juiz a quo fez incorreta aplicação do direito, violando, nomeadamente o disposto nos artºs 37 nº 1 do E.D. , o Principio da Imparcialidade e da Boa-fé previstos, respetivamente nos artºs 6º e 6º A do Código do Procedimento Administrativo, IN DUBIO PRO REO e da Presunção da Inocência consagrado no artº 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que o presente recurso deve merecer provimento
e em consequência revogar-se a decisão recorrida.
Assim se fazendo
Inteira e Sá
JUSTIÇA”
**

O Recorrido Ministério da Educação apresentou Contra alegações [Cfr. fls. 291 a 294 dos autos em suporte físico], no âmbito das quais, a final, elencou as conclusões que ora se reproduzem:

CONCLUSÕES
I. A douta sentença recorrida está bem fundamentada, não sendo suscetível de qualquer reparo.
II. Contrariamente à matéria alegada e levada às conclusões pela Recorrente, o tribunal “a quo “apreciou todos os vícios imputados ao despacho punitivo e fundamentou, de forma clara, a decisão, concluindo pela completa improcedência dos mesmos.
III. Não obstante, tomando em conta a matéria levada às Conclusões (1ª a 22ª), verifica-se que a Recorrente não se conforma com a sentença recorrida por esta não ter acolhido a sua tese de que os factos dados como provados na sentença penal (Proc. nº 38/10.0TAPFR), que levaram à sua absolvição da prática do crime de peculato, deviam também destruir e eliminar a prova recolhida no processo disciplinar, devendo os mesmos sobrepor-se aos dados como provados no processo disciplinar.
IV. Como a sentença recorrida expende com toda a clareza, face ao princípio da autonomia dos procedimentos penal e disciplinar, consagrado no artº 7º do E.D., o apuramento da factualidade em ambos os processos opera-se de forma autónoma.
V. A sentença recorrida analisou a prova recolhida no processo disciplinar, constituída, essencialmente, pelos “documentos de registo preenchidos e assinados pela própria autora” e concluiu que a mesma se revelou idónea a fundamentar a ilicitude disciplinar pela qual veio a ser punida.
VI. Considerou também que a sanção aplicada se revelou proporcionada e bem enquadrada na al. m) do nº 1 do art.º 18º do ED, dada a factualidade provada no processo disciplinar, a saber: “… que a autora recebeu as verbas em causa, referentes a matrículas por si efetuadas e que não as entregou a nenhuma das responsáveis pela tesouraria”.
VII. A pronúncia do tribunal “a quo” versou sobre a decisão da Administração, tendo-a apreciado, do ponto de vista da sustentação da prova recolhida no processo disciplinar, no contexto deste, sem tecer considerações sobre a decisão penal, independentemente da análise feita por esta aos documentos existentes no processo.
VIII. Nas conclusões 22ª a 35ª, a Recorrente invoca a nulidade do processo disciplinar, por o instrutor ter omitido a diligência probatória requerida na Resposta à Acusação que consistia na averiguação e apuramento do valor recebido de matrículas, diariamente, durante o ano de 2009.
IX. Na verdade, a sentença recorrida esclarece cabalmente que o indeferimento da diligência probatória requerida assenta em fundamentação adequada, proferida pelo instrutor, não só porque se referia a factualidade que não constava da Acusação, como também por extravasar o período temporal dos factos imputados à ora Recorrente, a saber: 6 a 24 de Julho de 2009.
X. Assim, a sentença aceita que a fundamentação do indeferimento da diligência probatória em causa permite a conclusão de que esta se revela desnecessária e sem qualquer relevância para o apuramento dos factos, razão pela qual considerou improcedente a alegada nulidade do processo disciplinar.
XI. Relativamente à matéria levada às Conclusões 36ª a 50ª, alegando violação dos princípios da imparcialidade e da boa-fé, com base na intervenção do diretor da escola, instaurando o processo de inquérito e, na sequência deste, o processo disciplinar, bem como prestando declarações no primeiro dos processos, não encontrou a sentença recorrida qualquer violação dos princípios referidos.
XII. Além do mais, tão pouco está alegado qualquer facto suscetível de conduzir à demonstração de que o diretor da escola, com a sua intervenção nos processos, incorreu na violação dos alegados princípios da imparcialidade e da boa-fé, acrescendo que a referida intervenção correspondeu apenas ao exercício das competências que lhe estão legalmente atribuídas em matéria disciplinar.
XIII. Finalmente, quanto à matéria levada às Conclusões 51º a 74º - não verificação de uma condição essencial para a tipificação da infração disciplinar, por não resultar provado o destino dado à quantia que não foi entregue nos cofres da escola – a sentença recorrida apreciou a alegação da Autora e expendeu, de forma inequívoca, a improcedência da mesma.
XIV. A ora Recorrente labora em erro ao considerar que os pressupostos da infração disciplinar pela qual foi punida são os mesmos do crime de peculato, previsto no art.º 375º do Código Penal.
XV. Como se retira da al. m) do nº 1 do art.º 18º do E.D., não é pressuposto da prática da infração disciplinar em causa, contrariamente ao que é exigido para a infração penal, a demonstração de que o trabalhador se tenha apropriado da quantia desviada ou encontrada em alcance.
XVI. Acresce que, no caso vertente, a sentença penal absolveu a ora Recorrente, por não ter dado como provado que a mesma se tenha apropriado das verbas correspondentes às matrículas que efetuou.
XVII. Esta circunstância de alcance ou desvio de fundos públicos em que a trabalhadora foi encontrada, dada a irreparável perda de confiança que a Administração nela depositava, preenche, sem margem para dúvidas, a cláusula da inviabilidade da manutenção da relação funcional, descrita no corpo do nº 1 do art.º 18.º do E.D., resultando plenamente justificada a sanção expulsiva que lhe foi aplicada.

Termos em que deve improceder o presente recurso.”

**

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos.
**

O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.
***

Com dispensa dos vistos legais, tendo para o efeito, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC, sido obtida a concordância dos Meritíssimos Juízes Desembargadores Adjuntos [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.
***

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR


Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que a declare nula, sempre tem de decidir “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.” , reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, as questões suscitadas pela Recorrente e patenteadas nas suas Alegações resumem-se, em suma e a final, em apreciar e decidir sobre 4 segmentos: se a Sentença recorrida padece de erro de julgamento em matéria de facto, por ser manifesta a falta de sustentação probatória para efeitos de lhe ter sido imputada [à aqui Recorrente] a prática da infração disciplinar, com fundamento em “ter sido encontrada em alcance ou desvio de dinheiros públicos” [Cfr. conclusões 1.ª a 21.ª]; se a Sentença recorrida padece de erro de julgamento em matéria de direito, por não ter o Tribunal a quo julgado verificada a nulidade do procedimento disciplinar, por omissão de diligências de prova essenciais para a descoberta da verdade material [Cfr. conclusões 22.ª a 35.ª]; se a Sentença recorrida incorre em erro de julgamento em matéria de direito, por violação do princípio da imparcialidade e da boa-fé, por não ter o Tribunal a quo julgado essa verificação em sede do procedimento disciplinar, pelo facto de ter sido o Director da Escola Secundária de (...) quem procedeu à instauração do processo de inquérito e de o mesmo ter vindo a prestar declarações no âmbito desse mesmo processo e no processo disciplinar [Cfr. conclusões 36.ª a 50]; e finalmente, se a Sentença recorrida incorre em erro de julgamento em matéria de direito, por ter o Tribunal a quo, em suma, decidido que se verificou uma condição essencial para a tipificação da infração disciplinar que lhe foi imputada [à aqui Recorrente], para concluir pelo alcance ou desvio de dinheiros públicos pela sua parte [Cfr. conclusões 51.ª a 70.ª].

**

III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“Fundamentação de Facto
1 – Factos Provados
Com relevo para a decisão a proferir, está provado que:
1. A Autora era funcionária da Escola Secundária de (...), nos Serviços de Administração Escolar, desde 01.09.1986;
2. Em 17.09.2007, a autora foi nomeada chefe dos Serviços de Administração Escolar em regime de substituição, e em 13.01.2009 foi nomeada chefe desses mesmos serviços, o que aceitou, com efeitos a partir de 23.12.2008 – cf. registo biográfico, de fls. 18/19 do 1.º volume do processo administrativo apenso aos autos;
3. Correu contra a aqui autora processo disciplinar, mandado instaurar pelo diretor da Escola Secundária de (...);
4. Com efeito, esse processo disciplinar foi precedido de um processo de inquérito, também mandado instaurar pelo diretor da Escola Secundária de (...), na sequência de um ofício datado de 27.07.2009 da Direção Regional de Educação do Norte, no qual se dava conhecimento de uma denúncia anónima enviada a esta entidade – cf. documentos de fls. 14 a 17 do 2.º volume do processo administrativo apenso;
5. Nessa carta anónima remetida à Direção Regional de Educação do Norte dizia-se que a aqui autora procedeu ao desvio de verbas provenientes das matrículas e inscrições de exame para o seu proveito pessoal – cf. documento de fls. 15 do 2.º volume do processo administrativo apenso;
6. Por ofício de 12.08.2009, o diretor da Escola Secundária de (...) solicitou à Direção Regional de Educação do Norte (DREN) a avocação do processo de inquérito, por entender não haver condições para que o processo decorresse nos serviços da referida escola – cf. documento de fls. 19/21 do 2.º volume do processo administrativo apenso aos autos;
7. Tendo o diretor regional adjunto da DREN respondido por ofício de 18.08.2009, de referência S/14792/2009, no qual refere que é competente para instaurar o processo de inquérito/disciplinar o diretor da Escola Secundária de (...) – cf. documento de fls. 22 do 2.º volume do processo administrativo apenso aos autos;
8. Nessa sequência, o diretor da referida escola deu início ao processo de inquérito, nomeando como instrutora a professora M. – cf. documentos de fls. 23/24 do 2.º volume do processo administrativo apenso aos autos;
9. O diretor da Escola Secundária de (...) prestou declarações no âmbito desse processo de inquérito, em 03.09.2009, tendo sido lavrado o respetivo auto de declarações, no qual se pode ler o seguinte:
(…)
Instrutora:
Questão um: Quando recebeu da DREN a denúncia anónima contra a chefe dos Serviços de Administração escolar, qual foi a sua primeira impressão relativamente ao conteúdo da denúncia?
Declarante:
Fiquei admiradíssimo com a denúncia, com o seu teor e também pelo facto de visar a Chefe dos Serviços de Administração Escolar, pois sempre depositei a minha total confiança na mesma.
Instrutora:
Questão dois: Qual foi o procedimento adoptado após a recepção da denúncia?
Declarante:
Após a recepção da denúncia, proferi um despacho dirigido à Chefe dos Serviços de Administração Escolar solicitando verificação e informação urgente que habilitasse resposta ao solicitado pela DREN.
A primeira reacção da D. M. foi que seria impossível controlar o número de matrículas dada o acréscimo de trabalho que se fazia sentir, naquela data, nos Serviços de Administração Escolar. A referida chefe ficou de elaborar um relatório que mostrou através de suporte digital (na sua pen), sem o ter entregue formalmente, embora tenha ficado de o entregar ao Subdirector para este o remeter à DREN juntamente com o pedido de informação que seguiu a 12/08/09.
Posteriormente, fui contactado telefonicamente pelo Subdirector que me informou que teria documentos na sua posse que evidenciavam irregularidades no processo de matrículas e que esses documentos lhe foram entregues pela tesoureira, M. e pela Assistente Técnica, M-.. Face a esta informação ordenei, via e-mail, a efectivação de um levantamento exaustivo, a efectuar pela tesoureira e outra funcionária a designar pelo Subdirector, relativo a inscrições e revisões de exames e das matrículas efectuadas para o presente ano lectivo, em especial as que foram recepcionadas pela Chefe dos Serviços de Administração Escolar.
Atendendo à complexidade da situação acabei por interromper as minhas férias e, de imediato, convoquei uma reunião onde estiveram presentes o Subdirector e a D. M.. Esta, confrontada com a situação disponibilizou-se muito prontamente para repor o dinheiro em falta bem como reescrever os documentos para que tudo ficasse em conformidade, reafirmando que não teria sido ela a apropriar-se do dinheiro da escola. Contrapus que se não tinha sido ela não teria que repor o dinheiro. É claro que não concordei com sugestão de reescrever documentos, mas na minha boa-fé pensei que ela pretendia organizar o serviço e que não havia a intenção de cometer de forma consciente irregularidades.
No entanto, tenho pensado no assunto e o que me leva a sentir apreensivo é o facto de as conclusões do relatório das funcionárias, que referi anteriormente, apontarem no sentido de haver uma discrepância de verbas considerável e que a Chefe, até ao momento, não conseguiu explicar de forma inequívoca.
(…)”;
Cf. documento de fls. 57 a 59 do 2.º volume do processo administrativo apenso aos autos;
10. Em 07.10.2009, a referida instrutora elaborou o relatório final relativo ao processo de inquérito, no qual conclui existirem indícios para instauração de processo disciplinar à aqui autora – cf. documento de fls. 150 a 154 do 2.º volume do processo administrativo apenso aos autos;
11. Tendo por base esse relatório, em 16.10.2009, foi proferido despacho pelo Diretor da Escola Secundária de (...), no sentido de ser instaurado processo disciplinar à aqui autora – cf. documento de fls. 1 do 1.º volume do processo administrativo apenso aos autos;
12. Porém, em 09.11.2009 os serviços da DREN elaboraram a informação de referência I/7496/2009, na qual se conclui que a competência para a instaurar o processo disciplinar pertencia ao diretor regional, e não ao diretor da escola, propondo que fossem ratificados pelo diretor regional os atos de instauração do processo disciplinar e de nomeação de instrutora – cf. documento de fls. 4/5 do 1.º volume do processo administrativo apenso aos autos;
13. Sobre essa informação foi aposto despacho da Sra. Diretora Regional da DREN, nos seguintes termos: “Concordo. Com os fundamentos constantes da presente informação ratifico os actos de instauração de processo disciplinar e nomeação de instrutora praticados pelo Senhor Director” – cf. documento de fls. 4 do 1.º volume do processo administrativo apenso aos autos;
14. Em 05.01.2010, o instrutor do processo disciplinar elaborou documento escrito intitulado “Nota de Culpa”, na qual pode ler-se, para o que aos autos importa:
(…)
5 – Procedeu-se às diligências entendidas adequadas, recolhendo documentos (volume 7) e ouvindo os intervenientes nos actos (volume 1, fls. 42 a 83) e veio a apurar-se que:
6 – Apesar da arguida ter solicitado férias para o período de 29 de Junho a 17 de Julho, resulta, de acordo com os documentos trazidos para o processo (volume 7, folhas 20 e 21) e dos depoimentos ouvidos em auto (volume 1, fls. 78), que a arguida esteve a exercer funções na escola no período de 6 a 21 de Julho, período em que decorreram as matrículas para o ano lectivo de 2009/2010, (cf. Volume 7, fls. 45) vindo a gozar férias no período de 22 a 28 de Julho. (volume 7, fls. 20).
7 – E mesmo neste período, oficialmente de férias, concretamente nos dias 22 e 24 de Julho, há registos de matrículas efectuadas pela arguida (Volume 11, fls. 149, 150, e Volume 1, fls. 35).
8 – O procedimento regular de matrículas consistia no seguinte: após o preenchimento dos impressos pelos alunos, auxiliados e conferidos pelo Director de Turma, os alunos passavam pelo respectivo gestor/funcionário das turmas que confirmava os dados e ficava na posse do processo destes, com excepção dos recibos de pagamento a entregar ao aluno e a folha de pagamento a apensar posteriormente aos seus processos; (Volume 4, fls, 74 a 82).
9 – A tesoureira anotava nas listas/guias de pagamento o nome e ano do aluno, o quantitativo de cada rubrica, datava e rubricava os recibos. (Volume 8).
10 – Neste procedimento regular de matrículas interveio a arguida durante o respectivo período, na fase em que os alunos, depois de passarem pelo respectivo gestor de turma, iam efectuar o pagamento da sua matrícula junto da tesoureira da Escola, que era a Dona M., ou junto da tesoureira substituta, Dona M-., no período de férias da titular, de 13 a 24 de Julho (Volume 1, fls. 84).
Concretamente a arguida realizou matrículas, recebeu as folhas de pagamento dos alunos, onde registou o quantitativo que pagou cada aluno, recebeu as importâncias de cada um, registou os nomes dos alunos que matriculou numa lista/guia de pagamento nos dias 6, 7, 8, 9, 13, 15, 16, 20, 21, 22 e 24 de Julho, como o atestam as folhas apensas aos processos dos alunos. (Volume 1, fls. 25 a 35).
11 – Segundo as listas/guias de pagamento existentes na escola, a arguida realizou 438 matrículas, recebeu e registou a importância que depositou nos cofres da escola de 2829,24 €, sendo 1971,00 € do Seguro Escolar, e 858,24 € verba do orçamento da Escola. (Volume 8 e Volume 11, fls. 2 a 12).
12 – Verificados os processos de 1825 alunos matriculados, foram efectivamente registados 1722, a que correspondia a importância de 11,327,82 €. (Volume 11, fls. 11).
Com efeito os alunos do ensino básico, dentro da escolaridade obrigatória, não pagam o Seguro Escolar, apenas o cartão escolar.
13 – Nestes 1722 processos de alunos com folhas de pagamento apensas ao processo, 515 folhas de pagamento foram datadas e assinadas, como tendo a arguida recebido as importâncias nelas registadas, de 3550,46 €. (Volume 9 e Volume 11, fls. 11).
Há, assim uma diferença de 77 alunos, entre os que a arguida recebeu e registou nas guias de pagamento, no valor de 721,31 €, sendo 346,50 € do seguro Escolar, verba do OGE, e 375,19 €, valor que não se encontra registado nas guias entregues na Escola pela arguida.
14 – Há 5 folhas de pagamento de cinco alunos matriculados e registados pela arguida nas guias de pagamento, onde o valor correspondente às propinas, no total de 13,50 € não foi lançado nas referidas guias e, consequentemente, não entrou nos cofres da escola. É uma importância pertença do orçamento da mesma escola, estando também em débito à mesma escola. (Volume 11, fls. 159 a 164).
15 – Num exame mais aprofundado, após o cruzamento de dados e o exame às folhas de pagamento existentes nos processos, datadas e assinadas pela arguida, tendo sido ela que recebeu as matrículas e a importância nelas anotadas, constata-se que há 96 folhas de pagamento que não foram lançadas nas guias de pagamento, não há registo de entrega na escola, não foram registadas na folha-cofre, nem foram depositadas na CGD. (Volume 11, fls. 55 a 158 e fls. 166 a 207 e fls. 12 e 13).
O seu valor é de 436,50 € do Seguro Escolar/OGE, e 447,80 € de outras rubricas, pertença do Orçamento da escola, no valor total de 884,30 €. (Volume 11, fls. 13).
Este dinheiro não foi entregue quer à tesoureira titular, M., quer à tesoureira substituta, M-., no período em que aquela esteve de férias. No processo estão as 96 fotocópias das referidas folhas de pagamento dos alunos. (Volume 11, fls. 55 a 158).
(…)
17 – Há, assim uma verba em débito, que a arguida terá de repor nos cofres da escola de 897,80 €.
(…)”;
Cf. documento de fls. 90 a 94 do 1.º volume do processo administrativo apenso aos autos;

15. A autora, depois de tomar conhecimento da aludida nota de culpa, apresentou a sua resposta, na qual solicita a inquirição das testemunhas J., C., M., F., M., M., N., M., A., A., C., J., M., V. e M.; mais solicitou, a título de prova documental: (i) que se averiguasse qual o número de matrículas efetuadas pelas funcionárias M. e M-. e qual o valor por estas recebido e depositado a esse título no banco; (ii) quais os valores depositados no banco a título de recebimentos de matrículas; e (iii) que se averiguasse e apurasse os valores recebidos diariamente no ano de 2009 a título de talonários, quem os passou, quem os registou e recebeu nas folhas diárias e quanto, a esse título, foi depositado no banco – cf. documento de fls. 10 a 38 do 12.º volume do processo administrativo apenso aos autos;
16. A autora, entretanto, limitou as testemunhas oferecidas a J., C., F., A., C., J., M., V. e M.– cf. documento de fls. 40 do 12.º volume do processo administrativo apenso aos autos;
17. Foram ainda juntas ao processo disciplinar 101 folhas de pagamentos de matrículas, subscritas pela autora – cf. volume 11.º do processo administrativo apenso aos autos, fls. 56 a 72, 74 a 79, 81 a 92, 94 a 107, 109 a 111, 113 a 119, 121 a 123, 125 a 148, 150 a 157, e 160 a 164;
18. Em 05.03.2010, foi elaborado o relatório final por parte do instrutor do processo disciplinar, o qual é composto por sete capítulos, a saber: o capítulo I, intitulado “Introdução”; o capítulo II, intitulado “Diligências de Instrução”; o capítulo III, intitulado “Factos Apurados”; o capítulo III (segundo), intitulado “Acusação”; o capítulo IV, intitulado “A Defesa”; o capítulo V, intitulado “Análise à Defesa”; e o capítulo VI, intitulado “Conclusões”; consta ainda do mesmo relatório um capítulo final intitulado “Proposta” – cf. documento de fls. 104 a 122 do 12.º volume do processo administrativo apenso aos autos;
19. Do referido relatório final, no capítulo IV “A Defesa”, ponto 106, consta o seguinte:
(…)
106 – Relativamente ao pedido de investigação dos talonários solicitado pela defesa, na resposta à nota de culpa, foi considerado que tal não era pertinente, dado que tal facto não consta da nota de culpa, pois a arguida não foi acusada de tal facto, bem como o período da investigação se situar apenas entre 6 e 24 de Julho de 2009, e deste há elementos no processo – como analisado acima nos nºs 79 a 86;
(…)”;
Cf. documento de fls. 116 do 12.º volume do processo administrativo apenso aos autos;
20. Ainda do mesmo relatório final, consta do capítulo VI, “Conclusões”, e da “Proposta” o seguinte:
(…)
CAP. VI – Conclusões
133. Concluída a investigação, ficou provado que:
134. A arguida, M., é funcionária nesta escola nos Serviços de Administração Escolar desde o dia 1 de Setembro de 1996, tendo sido nomeada Chefe por urgente conveniência de serviços em regime de substituição – D.R. nº 197, II Série de 17/09/2007, e nomeada como Chefe de Serviços de carreira a partir de 13 de Janeiro de 2009, por aceitação, com efeitos a partir de 23/12/2008.
135. Apesar da arguida ter solicitado férias, facto é que a arguida esteve a exercer funções na escola no período de 6 a 21 de Julho, período em que decorreram as matrículas para o ano lectivo de 2009/2010, vindo a gozar férias de 22 a 28 de Julho.
136. E mesmo neste período, oficialmente de férias, concretamente nos dias 22 e 24 de Julho, há registos de matrículas efectuadas pela arguida.
137. O procedimento de matrículas instituída na Escola consistia no seguinte: após o preenchimento dos impressos pelos alunos, auxiliados e conferidos pelo Director de Turma, os alunos passavam pelo respectivo gestor/funcionário das turmas que confirmava os dados e ficava na posse do processo destes, com excepção dos recibos de pagamento a entregar ao aluno e a folha de pagamento a apensar posteriormente aos seus processos.
138. A tesoureira anotava nas listas/guias de pagamento o nome e ano do aluno, o quantitativo de cada rubrica, datava e assinava os recibos.
139. Neste procedimento regular de matrículas interveio a arguida durante o respectivo período de 6 a 24 de Julho, na fase em que os alunos, depois de passarem pelo respectivo gestor de turma, iam efectuar o pagamento da sua matrícula junto da tesoureira da Escola, que era a M., ou junto da tesoureira substituta, M-., no período de férias da tesoureira titular, de 13 a 24 de Julho.
Concretamente a arguida, naquele período de matrículas, recebeu as folhas de pagamento dos alunos, onde registou o quantitativo que pagou cada aluno, recebeu as importâncias de cada um, registou os nomes dos alunos que matriculou numa lista/guia de pagamento nos dias 6, 7, 8, 9, 13, 15, 16, 20, 21, 22 e 24 de Julho.
140. Segundo as listas/guias de pagamento existentes nos autos, a arguida realizou 438 matrículas, recebeu e registou a importância que depositou nos cofres da escola de 2.829,24 €.
141. Dos processos de matrícula de 1.825 alunos matriculados, foram efectivamente registados 1.722, a que correspondia a importância de 11.327,82 €.
142. Nestes 1.722 processos de alunos com folhas de pagamento apensas ao processo da sua respectiva matrícula, 515 folhas de pagamento foram datadas e assinadas pela arguida, tendo esta recebido as importâncias nelas registadas, de 3.550,46 €.
143. Há 5 folhas de pagamento de cinco alunos matriculados e registados pela arguida nas guias de pagamento, onde o valor correspondente às propinas, no total de 13,50 € não foi lançado nas referidas guias e, consequentemente, não entrou nos cofres da escola. É uma importância pertença do orçamento da mesma escola, estando também em débito à mesma escola.
144. Há 96 folhas de pagamento que não foram lançadas nas guias de pagamento, não há registo de entrega na escola, não foram registadas na folha-cofre, nem foram depositadas na CGD.
O seu valor é de 436,50€ do Seguro Escolar/OGE, e 447,80€ de outras rubricas, pertença do Orçamento da escola, no valor total de 884,30€.
Este dinheiro recebido pela arguida aquando das matrículas por si efectuadas não foi entregue quer à tesoureira titular, M., quer à tesoureira substituta, M-., no período em que aquela esteve de férias.
Constam do processo 96 fotocópias preenchidas pela arguida cujas folhas de pagamento foram pagas pelos alunos.
(…)
Proposta
Face a tudo o que antecede, e considerando que:
146. Ficou provada a conduta imputada à arguida e descrita na acusação, conduta essa que constitui infracção disciplinar nos termos do art.º 3.º, n.º 1, do Estatuto dos Trabalhadores que Exercem Funções, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, por violação dos deveres gerais de isenção, zelo e lealdade, previstos no nº 2, alíneas b), e) e g), e nºs 4, 7 e 9 do mesmo artigo.
147. Concorre contra a arguida a agravante prevista no artigo 24, nº 1, alínea b) “A produção efectiva de resultados prejudiciais ao órgão ou serviço ou ao interesse geral, nos casos em que o arguido pudesse prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta”.
148. A arguida, pelos factos por si praticados e dados como provados, avaliados no contexto funcional da sua prática e cometimento, ou seja, no quadro de desempenho do processo de matrículas escolares, no momento em que há todo um conjunto de procedimentos e tarefas próprias e específicas desenvolvidas numa interacção e num contacto pessoal e directo com o público, nomeadamente alunos, pais encarregados de educação, tarefas e actividades essas próprias e legalmente atribuídas aos Serviços de Administração das Escolas, e, no caso presente, aos Serviços de Administração da Escola Secundária de (...), de que a arguida é a máxima responsável, o comportamento que lhe foi imputado, e superiormente descrito na nota de culpa, pela forma como foi praticado, abalou, de forma considerável e profunda, o princípio da confiança do público na Administração, pelo que a continuidade do exercício das funções por parte da arguida na Escola, para além de ter já comprometido e poder comprometer no futuro, de forma irremediável o interesse público que deve ser prosseguido pela Administração Pública e designadamente os seus valores e princípios do prestígio, da eficiência e da idoneidade que deve merecer toda a acção da Administração, pelo que, no meu entender, esta conduta imputada à arguida é inviabilizadora da manutenção da relação funcional, nos termos do artigo 18.º, nº 1 do ED, sendo susceptível de ser punida com a pena prevista no artigo 9.º, n.º 1, alínea d) – do mesmo Estatuto – DEMISSÃO – por integrar a previsão da alínea m) do artigo 18.º - sejam encontrados em alcance ou desvio de dinheiros públicos.
149. Assim, proponho que seja aplicada à M., Chefe dos Serviços de Administração da Escola Secundária de (...), a pena de DEMISSÃO, devendo ainda repor nos cofres da mesma Escola a verba de 897,80 €, (oitocentos e noventa e sete Euros e oitenta cêntimos).
(…)”;
Cf. documento de fls. 120 a 122 do 12.º volume do processo administrativo apenso aos autos;
21. Na sequência da receção deste relatório, os serviços da Inspeção Geral da Educação elaboraram, em 18.05.2010, a informação de referência I/01947/SC/10, na qual se lê:
(…)
1 – Estamos perante um Processo Disciplinar instaurado por despacho do Director da escola referida em assunto, datado de 16.10.2009, o qual veio a ser ratificado pelo despacho da Directora Regional da Educação do Norte, de 09.11.2009.
2 – Na sequência do processo concluiu-se existir a violação dos deveres gerais de isenção, zelo e lealdade, previstos nas alíneas b), e) e g) do n.º 2 do art.º 3.º do Estatuto Disciplinar, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro.
3- A violação dos deveres gerais antes referidos consubstanciou-se na cobrança e arrecadação da quantia de 897,80 €, por parte da arguida, aquando da realização das matrículas dos alunos, sem que a verba referenciada tenha dado entrada nos respectivos cofres.
4 – O instrutor do processo disciplinar propõe a aplicação à arguida da pena de demissão.
5 – Analisada a tramitação do procedimento e a prova carreada para os autos, importa salientar os seguintes aspectos:
a. A arguida, embora formalmente em gozo de férias, encontrou-se a exercer funções no período de 6 a 24 de Julho, período esse durante o qual decorreram as matrículas para o ano lectivo 2009/2010;
b. No âmbito do processo de matrícula a arguida recebeu as folhas de pagamento dos alunos, nas quais registou o quantitativo pago por cada aluno, recebeu as respectivas quantias, e, bem assim, registou os nomes dos alunos que matriculou numa lista/guia de pagamento nos dias 6, 7, 8, 9, 13, 15, 16, 20, 21, 22 e 24 de Julho de 2009;
c. Constata-se nos processos de matrícula a existência de 515 folhas de pagamento datadas e assinadas pela arguida, tendo esta recebido as importâncias nelas registadas, no montante de 3 550,46 €;
d. Todavia, segundo a lista/guias de pagamento existentes nos autos, a arguida apenas teria realizados 438 matrículas, tendo recebido e registado a quantia de 2 829,24 €, que veio a depositar nos cofres da escola;
e. Verifica-se assim uma diferença de 77 alunos, entre os que a arguida recebeu e registou nas guias de pagamento, diferença essa que corresponde ao valor de 721,31 €, o qual não se encontra registado nas guias entregues na escola pela arguida;
f. Acresce o facto de existirem 5 folhas de pagamento, correspondentes a 5 alunos matriculados e registados pela arguida nas guias de pagamento, num montante total de 13,50 €, o qual não foi lançado nas referidas guias e por consequência não entrou nos cofres da escola;
g. Em suma, da análise de todas as matrículas efectivamente realizadas pela arguida, constata-se a existência de 96 folhas de pagamento por si assinadas e datadas, as quais não foram lançadas nas guias de pagamento;
h. Os pagamentos correspondentes às 96 folhas antes identificadas não foram entregues na escola, não foram registadas na folha/cofre nem foram depositadas na Caixa Geral de Depósitos;
i. O valor recebido pela arguida e não entregue na escola corresponde à quantia de 884,30 € (436,50 € do seguro escolar/OGE + 447,80 € de outras rubricas);
j. Ao valor em causa, acresce o montante de 13,50 € (5 folhas de pagamento não lançadas pela arguida);
k. Conclui-se assim que a arguida é responsável pela não entrega de 897,80 €, por si recebidos aquando das matrículas, nos cofres da escola.
6 – Face ao supra exposto e tendo em conta a ampla prova existente nos autos resulta claramente que a conduta da arguida inviabiliza a manutenção da sua relação funcional.
7 – Com efeito, a arguida enquanto responsável pelos serviços de administração escolar, com a conduta já antes identificada e no âmbito do processo de matrículas, comprometeu a necessária confiança que teria que existir de forma a continuar no exercício das suas funções.
8 – Na verdade, resulta provado nos autos que a conduta da arguida se subsume ao alcance ou desvio de dinheiros públicos, comportamentos esses que obstam à manutenção da sua relação funcional e que são punidos nos termos previstos na alínea m) do art.º 18.º, do Estatuto Disciplinar, com a pena de demissão.
(…)
10 – Milita ainda contra a arguida a circunstância agravante prevista na alínea b), do n.º 1 do art.º 24.º do mesmo diploma, ou seja, “… a produção efectiva de resultados prejudiciais ao órgão ou serviço ou ao interesse geral, nos casos em que o arguido pudesse prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta”.
(…)
Termos em que:
1 – Se deverá determinar a aplicação à arguida da pena de demissão prevista na alínea m), do n.º 1 do art.º 18.º e n.º 5 do art.º 10.º do Estatuto Disciplinar em conjugação com o n.º 4 do art.º 88.º e alínea c) do n.º 1, do art.º 32.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, por violação dos deveres gerais de isenção, zelo e lealdade, previstos nas alíneas b), e) e g), n.º 2 do art.º 3.º, do já referido Estatuto Disciplinar, com a obrigação de repor a quantia de 987,80 €, por si recebidos e não entregues nos cofres da escola.
(…)”;
Cf. documento de fls. 33 a 37 dos autos em suporte físico;
22. Sobre esta informação recaiu despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, em 24.05.2010, nos seguintes termos: “Concordo. Aplico à arguida M., a pena de demissão, com a obrigação de reposição da quantia de 897,80 €, nos termos e com os fundamentos propostos” – cf. documento de fls. 33 dos autos em suporte físico;
23. A autora foi notificada desta decisão pelos serviços da Escola Secundária de (...), tendo a mesma sido acompanhada apenas pelo teor da informação, do despacho punitivo, e do capítulo VI e da proposta contidos no relatório final elaborado pelo instrutor do processo disciplinar – cf. documentos de fls. 31 a 40 dos autos em suporte físico;
Provou-se ainda que:
24. A autora foi arguida no processo-crime que correu termos sob o número 38/10.0TAPFR, Tribunal Judicial da Comarca de Paredes, no âmbito do qual foi proferida sentença que absolveu a autora da prática do crime de peculato, tendo a decisão transitado em julgado a 03.09.2012 – cf. certidão de fls. 194 a 210 dos autos em suporte físico.
*
2 – Factos Não Provados
Com relevo para a decisão a proferir, não existem factos que tenham sido considerados como não provados.
*
3 – Motivação
Na determinação do elenco dos factos provados, o tribunal teve em consideração o conjunto de documentos que se encontra junto aos autos e ao processo administrativo apenso, o qual não foi objeto de impugnação ou mero reparo por qualquer das partes, inexistindo motivo que faça duvidar da sua genuinidade ou da fidedignidade do conteúdo, razão pela qual foi merecedor de crédito para efeitos probatórios.
Foi igualmente tida em conta a posição expressamente assumida pelas partes, e nomeadamente a da entidade demandada, expressa no art.º 1.º da contestação, pelo que os factos relevantes encontram-se, na generalidade, admitidos por acordo, além de sustentados documentalmente.
Para melhor elucidação, ficou identificado, a propósito de cada facto elencado, o documento que alicerçou, em concreto, a convicção do tribunal.”
*
Tendo subjacente o disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA, corrigimos os pontos 1 e 8 do probatório, onde são patentes meros lapsos, supríveis, como segue:

1. A Autora era funcionária da Escola Secundária de (...), nos Serviços de Administração Escolar, desde 01.09.1996 – cfr. documento de fls. 18 e 19 do Processo Administrativo, volume 1, atinentes ao registo biográfico da Autora, ora Recorrente, apenso aos autos;

8. Nessa sequência, o diretor da referida escola deu início ao processo de inquérito, nomeando como instrutora a Professora Titular Celestina Maria Gomes e Silva – cf. documentos de fls. 23/24 do Processo Administrativo, volume 2, apenso aos autos;

Ainda nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA, aditamos ao probatório os factos 5A, 5B, 9A, 10A, 13A e 13B, que seguem:

5A – Na Escola Secundária de (...), já com a categoria profissional de “Assistente Administrativa Especialista”, a Autora exerceu funções de “Tesoureira”, no período compreendido entre 10 de fevereiro de 2003 e 17 de novembro de 2003 – cfr. documento de fls. 19 verso do Processo Administrativo, volume 1, atinentes ao registo biográfico da Autora, ora Recorrente.”

5B - Por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui extractamos parte da denúncia endereçada por via postal à Directora Regional de Educação do Norte – Cfr. documento constante do Processo Administrativo, Volume 2, fls. 15 e 17 -, como segue:

“Ex.mo Sr.ª Directora Regional de Educação Norte
Assunto: Denúncia
Por descargo de consciência, valores morais e éticos venho por este meio expor o seguinte:
Não posso ocultar esta informação de extrema gravidade da qual tomei conhecimento por alguém outrora afecto ao serviço e com responsabilidades na área.
A chefe de serviços de administração escolar da Escola Secundária de (...) (M.) que oficialmente se encontra de férias (01 a 17 de Julho), prontificou-se a vir ajudar (mesmo de férias) na recepção de matrículas para o ano escolar 2009/2010, inscrições essas para exame e revisão de exames, ao faze-lo já era sua intenção desviar verbas provenientes das matrículas e inscrições de exame para seu proveito pessoal.
[…]
Pois para confirmar tais actos ilícitos basta que confiram as inscrições para exames, matriculas recebidas pela pessoa em questão, com o dinheiro entregue por ela na tesouraria. E aí, como é óbvio, se chegará com relativa facilidade à diferença avultada de dinheiro desviado pela Chefe de Serviços de Administração Escolar.
Espero que esta situação mereça celeridade porque é muito grave ter pessoas a praticar este tipo de actos numa escola que tem por objectivo formar e educar pessoas.
Estou convicto de que se V.ª Ex.ª pedir parecer, nada ficará provado, mas com uma acção directamente no terreno produzirá efeitos.
Com os melhores cumprimentos,
Pai e Encarregado de Educação,
A.F.M.”

9A – No dia 04 de setembro de 2009, M., tesoureira da escola, prestou declarações no âmbito do processo de inquérito – Cfr. documento constante do Processo Administrativo, Volume 2, fls. 77 -, das quais [declarações], por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui extractamos o que segue:

“[…]
Instrutora:
Questão cinco: Quando é que teve conhecimento da denúncia que foi apresentada?
Declarante: A data não posso precisar, mas foi após ter vindo de férias. A D. M. chamou-me ao gabinete e mostrou-me o texto da denúncia.
[…]
Instrutora:
Questão oito: Se não tivesse existido a denúncia, alguma vez seriam levadas a averiguar se algo não estaria bem?
Declarante: Nem pensar, tudo estava a correr tão bem.
Instrutora:
Questão nove: Como foi possível chegar ao documento elaborado onde consta o levantamento efectuado aos registados de 1 de Julho de 2009 a 11 de Agosto de 2009?
Declarante:
O ano passado todo o dinheiro que entrava era registado numa folha que não tinha o nome do aluno, nem o ano de escolaridade e depois tornou-se muito difícil apurar o seguro escolar.
Este ano optou-se por fazer uma folha onde passou a constar o nome e o ano. Esta folha foi utilizada para salvaguarda do nosso trabalho.
Fui eu que elaborei esta folha e depois conversei com as minhas colegas que acharam que seria um bom método de trabalho. Nesta altura a D. M. estava de férias, mas no primeiro dia de matrículas dei-lhe a conhecer o documento e esta achou bem o procedimento adoptado.
Instrutora:
Questão dez: É possível haver um erro, uma falha que envolva a quantia de resulta do documento que em conjunto com a M-. apresentou ao Director?
Declarante:
É muito difícil, é um valor muito elevado.
[…]”

10A – A final do Relatório de inquérito – Cfr. documento constante do Processo Administrativo, Volume 2, fls. 154 e 155 -, a instrutora nomeada, C., enunciou o que segue:

“[…]
Face ao exposto e na sequência da matéria factual apurada, concluo pela existência de irregularidades associadas aos processos de matrícula e de inscrição em exames.
Deste modo, proponho a instauração do competente processo disciplinar contra a pessoa visada, a Chefe de Serviços de Administração Escolar, M..
[…]”

13A – O Instrutor do processo disciplinar, C., foi nomeado por despacho do Director Regional de Educação, em substituição de M., por seu despacho datado de 16 de novembro de 2009 – Cfr. documento constante do Processo Administrativo, Volume 1, fls. 7, 8 e 10;

13B - A arguida prestou declarações perante o Instrutor do processo disciplinar no dia 28 de dezembro de 2009 – Cfr. documento constante do Processo Administrativo, Volume 1, fls. 74 -, do qual para aqui se extrai o que segue:

“[…]
8. Quando tomou posse do seu cargo, alterou várias normas do procedimento habitual. Acha que foi sensata e sábia nessas alterações?
R: A única alteração que eu entendo ser a mais significativa foi apenas o Tesoureiro receber as verbas todas, e não estarem todas as funcionárias a arrecadar valores. Tudo através de talonários que o Tesoureiro rubricava ao entregarem-lhe o dinheiro.
[…]”

**

IIIii - DE DIREITO

Está em causa a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, datada de 23 de janeiro de 2018, pela qual foi julgada totalmente improcedente a pretensão apresentada pela Autora, ora Recorrente na sua Petição inicial, deduzida no sentido de ser julgada provada e procedente, e por via disso ser o acto administrativo que lhe aplicou a pena de demissão e obrigação de reposição da quantia de €897,80, declarado nulo por omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade, ou quando assim não se entendesse, que fosse anulado por vício de violação de lei com as legais consequências, e que consequentemente, manteve na ordem jurídica administrativa o acto da autoria do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, datado de 24 de maio de 2010.

Os recursos jurisdicionais constituem os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, razão pela qual é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso, os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

A Recorrente sustentou a sua pretensão recursiva em 4 domínios, sintetizando a final das suas conclusões [Cfr. 72.ª] que o Tribunal a quo fez incorreta aplicação do direito, tendo violado o disposto nos artigos 37.º n.º 1 do Estatuto Disciplinar, o Principio da imparcialidade e da boa-fé, previstos, respetivamente nos artigos 6.º e 6.º-A do Código do Procedimento Administrativo, e os princípios in dubio pro reo e da presunção da inocência consagrados no artigo 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da Constituição da República Portuguesa, como enunciado sob as conclusões 1.ª a 21.ª, 22.ª a 35.º, 36.º a 50.º, e 51.º a 70.º.

Assim, as questões suscitadas pela Recorrente e patenteadas nas suas Alegações resumem-se, em suma e a final, em apreciar e decidir sobre 4 segmentos:

Num 1.º, sobre se a Sentença recorrida padece de erro de julgamento em matéria de direito, por ser manifesta a falta de sustentação probatória para efeitos de lhe ter sido imputada [à aqui Recorrente] a prática da infração disciplinar, com fundamento em “ter sido encontrada em alcance ou desvio de dinheiros públicos” [Cfr. conclusões 1.ª a 21.ª];

Num 2.º, sobre se a Sentença recorrida padece de erro de julgamento em matéria de direito, por não ter o Tribunal a quo julgado verificada a nulidade do procedimento disciplinar, por omissão de diligências de prova essenciais para a descoberta da verdade material [Cfr. conclusões 22.ª a 35.ª];

Num 3.º, sobre se a Sentença recorrida incorre em erro de julgamento em matéria de direito, por violação do princípio da imparcialidade e da boa-fé, por não ter o Tribunal a quo julgado essa verificação em sede do procedimento disciplinar, com fundamento em que foi o Director da Escola Secundária de (...) quem procedeu à instauração do processo de inquérito, tendo o mesmo vindo a prestar declarações no âmbito desse mesmo processo e no processo disciplinar [Cfr. conclusões 36.ª a 50];

E finalmente, num 4.º, sobre se a Sentença recorrida incorre em erro de julgamento em matéria de direito, por ter o Tribunal a quo, em suma, decidido que se verificou uma condição essencial para a tipificação da infração disciplinar que lhe foi imputada [à aqui Recorrente], para concluir pelo alcance ou desvio de dinheiros públicos pela sua parte [Cfr. conclusões 51.ª a 70.ª].

Neste patamar.

Por uma questão de encadeamento lógico, começaremos por apreciar o invocado erro de julgamento por não ter o Tribunal a quo julgado verificada a omissão de uma diligência de prova essencial para a descoberta da verdade material. [Cfr. conclusões 22.ª a 35.ª].

Para tanto e em suma, sustenta a Recorrente que foi omitida no procedimento disciplinar uma diligência essencial, por si solicitada, considerada como indispensável à descoberta da verdade, e que consistia na averiguação e apuramento do valor recebido das matrículas no ano de 2009 a título de talonários, quanto a quem os passou, quem os registou e os recebeu nas folhas diárias e que montantes foram depositados no Banco, pedido esse que o Instrutor veio a indeferir, mas que a Recorrente sustenta que esses talonários seriam necessários para aferição das entradas de verbas e a um levantamento exaustivo, completo e objectivo do funcionamento dos Serviços Administrativos da Escola, sem o qual não estaria devidamente concluído o procedimento disciplinar.

Referiu ainda que de acordo com os artigos 37.º e 53.º, n.º 1 do Estatuto disciplinar, a possibilidade que o Instrutor tem de indeferimento de diligências probatórias requeridas por quem é arguido em processo disciplinar, restringe-se apenas às situações em que tais diligências não sejam legalmente admissíveis, não permitam a prova dos factos a que se destinam ou já estejam suficientemente provados os factos alegados pelo requerente da prova, e que o instrutor do processo indeferiu esse requerimento probatório, quando não estava na disponibilidade nem no critério do Instrutor do processo (ou do Meritíssimo Juiz de 1ª Instância) adivinhar o que a arguida pretendia demonstrar com tal diligência de prova, pois que que só a posteriori, é que tal seria avaliável, pela maior ou menor medida em que tais documentos sustentassem a factualidade que a arguida, ora Recorrente pretendia ver provada no processo disciplinar, ditando-lhe sorte diversa da que antevia, e tanto assim que a prova produzida no âmbito do processo crime, em obediência ao princípio da imediação da prova, foi cabal no sentido de a absolver a arguida, por permanecer uma dúvida séria e fundada sobre os mesmos factos.

Por sua vez, o Recorrido contrapôs, referindo que a Sentença recorrida esclarece cabalmente que o indeferimento da diligência probatória requerida assenta em fundamentação adequada, e nesse domínio, que não só porque se referia a factualidade que não constava da Acusação, como também por extravasar o período temporal dos factos imputados à ora Recorrente [de 6 a 24 de Julho de 2009], e a final, que o Tribunal a quo aceita que a fundamentação do indeferimento da diligência probatória em causa permite a conclusão de que esta se revela desnecessária e sem qualquer relevância para o apuramento dos factos.

Ora, neste conspecto, e como assim julgamos, o Tribunal
a quo fez um correcto ajuizamento da invocada omissão de diligência essencial ao referir o que, por facilidade, para aqui extractamos como segue:

Início da transcrição
“[...]
Decorre do elenco dos factos provados que, em sede de defesa, a aqui autora efetivamente requereu a averiguação e apuramento do valor recebido de matrículas diariamente no ano de 2009 a título de talonários, quem os passou, quem os registou e recebeu nas folhas diárias e quanto a esse título foi depositado no Banco – cf. o ponto 15 do elenco dos factos provados.
Também está provado que o instrutor do processo indeferiu este requerimento probatório, fundamentando a sua decisão nos seguintes termos: “106 – Relativamente ao pedido de investigação dos talonários solicitado pela defesa, na resposta à nota de culpa, foi considerado que tal não era pertinente, dado que tal facto não consta da nota de culpa, pois a arguida não foi acusada de tal facto, bem como o período da investigação se situar apenas entre 6 e 24 de Julho de 2009, e deste há elementos no processo – como analisado acima nos nºs 79 a 86” – cf. o ponto 19 do elenco dos factos provados.
Perante o que assim se demonstra, a conclusão a que se chega é a de que não subsiste a invocada nulidade, e que a fundamentação vertida no relatório do instrutor se revela assertiva, e demonstra a manifesta impertinência e desnecessidade da diligência requerida.
Com efeito, em investigação no âmbito do processo disciplinar – como decorre dos documentos que o integram e resultam do probatório – está um período temporal muito concreto, compreendido entre os dias 6 e 24 de Julho, altura em que se efetivaram matrículas na escola em que a autora prestava serviço.
Não estava em discussão, por isso, o desaparecimento de verbas ao longo do ano de 2009, mas somente naquele período temporal concreto e determinado. Nada foi imputado à autora fora daquele hiato temporal, pelo que não se adivinha a mínima necessidade da diligência de prova requerida.
Nem a autora consegue justificar nestes autos em que medida a realização de tal diligência assumia qualquer importância para o apuramento dos factos. O argumento de acordo com o qual a realização dessa prova se mostrava necessária no sentido de apreciar globalmente os procedimentos dos serviços administrativos da escola revela-se frágil, e até certo ponto sem nexo – o objeto do processo disciplinar não é o de averiguar o funcionamento genérico dos serviços da escola, mas sim o de apurar se a autora tinha ou não praticado os factos que lhe eram imputados.
E o que lhe era imputado consistia na não entrega de valores recebidos a título de matrículas pelos alunos do estabelecimento, no período de 6 a 24 de julho de 2009. Nunca esteve em investigação qualquer outro período que não esse, pelo que apenas se justifica o interesse em investigar o procedimento que durante o mesmo ocorreu.
Por outro lado, a justificação em torno da não realização das diligências de prova não se resume à utilização da expressão “manifestamente impertinente e desnecessária”. Essa é, com efeito, a conclusão a que se deve chegar, e não a fundamentação propriamente dita. Ou seja, a manifesta impertinência e desnecessidade resulta da análise dos fundamentos assacados pelo instrutor, e não da mera invocação literal dos termos da lei.
Como afirmado, o raciocínio expresso pelo instrutor do processo mostra-se ajustado a essa conclusão, na medida em que estando em investigação o período de tempo compreendido entre 6 e 24 de julho de 2009, não se vislumbra a mínima pertinência em analisar todos os talonários desse ano, apenas com fundamento na necessidade de apreciar globalmente o procedimento dos serviços.
Aliás, é por essa razão que se exige que a descrição dos factos em acusação seja circunstanciada no tempo, precisamente para permitir delimitar o objeto da investigação e da punição disciplinar.
Improcede, assim, a alegada nulidade do processo disciplinar.
[...]“
Fim da transcrição

Ou seja, o julgamento assim prosseguido pelo Tribunal recorrido não merece censura jurídica, pois que fez uma correcta apreciação da prova produzida no processo disciplinar, assim como do direito convocado, tendo também ajuizado correctamente a invocada omissão de diligência essencial, por a julgar desnecessária em sede da instrução do processo disciplinar, tendo por referência o teor da factualidade que estava imputada à arguida em sede da nota de culpa.

O cerne da pretensão recursiva da Recorrente assenta na apreciação que dessa matéria de facto fez o Tribunal a quo, pois que, passando-a sobre o seu crivo, veio a negar provimento ao pedido deduzido na Petição inicial, confirmando assim o acto impugnado e o processado em sede do procedimento disciplinar, mormente, a não ocorrência da invocada omissão de realização de diligências instrutórias como havia por si [arguida, ora Requerente] sido requerido e que foi indeferido pelo Instrutor.

Com efeito, sendo bastante claro e objectivo o período de tempo que foi objecto do processo de inquérito e também do processo disciplinar, a saber, aquele período em que foi entendido que estando a Chefe dos Serviços de Administração Escolar em período de gozo de férias [de 6 a 24 de julho], que a mesma se encontrou todavia em exercício de funções [sendo indiferente para o juízo ora a prosseguir sobre se a Autora, ora Recorrente, estando em período de gozo de férias, se o Director autorizou a alteração desse período, e/ou ainda que fosse trabalhar por conveniência de serviço – já que o que releva de forma contundente é a conduta protagonizada pela Autora, no resultado que veio a ser evidenciado, do que foi o seu trabalho dentro desse concreto período de 6 a 24 de julho], e que nesse âmbito recebeu dinheiros de pagamentos feitos pelos alunos, nesse mesmo período, a instrução prosseguida pelo instrutor do processo disciplinar revelou-se adequada a esse conhecimento e prova alcançada, o que logrou fixar a conclusão em torno do dinheiro que a arguida recebeu relativamente a pagamento de matrículas e inscrições de alunos, e a quantia que não veio a ser encontrada no cofre da Escola, sendo que era manifesto que a requerida diligência não se mostrava pertinente, como assim entendeu o instrutor do processo disciplinar.

É certo que a Recorrente sustenta agora no âmbito das suas Alegações, que a diligência requerida se inseria no amplo direito da sua defesa e tendo em vista a descoberta da verdade material, e que esse seu pedido visava averiguar e apurar o valor recebido de matrículas diariamente no ano 2009 a título de talonários, e que não estava na disponibilidade nem do critério, seja do instrutor, seja de o Tribunal a quo adivinhar o que a arguida pretendia demonstrar com tal diligência de prova.

Porém, atento o período circunscrito, de 6 a 24 de julho de 2009, e a imputação que era feita à arguida no âmbito da “nota de culpa”, de que nesse período arrecadou receita adveniente de pagamentos feitos pelos alunos, e que não entregou à tesoureira [ou à sua substituta], antes que apenas parte dela foi depositada no cofre, e no fundo, que desconhece a mesma [a arguida] o que aconteceu a essa outra parte da receita que recebeu mas que não foi encontrada, para apreciar e decidir desta imputação feita à arguida, e como assim também julgou o Tribunal a quo, de que nunca esteve em investigação qualquer outro período que não o compreendido entre 6 e 24 de julho, e que apenas se justificava o interesse em investigar o procedimento que durante o mesmo ocorreu, de facto, não revestia qualquer pertinência efectuar a análise de todos os talonários desse ano [tanto mais que, “matrículas e inscrições de alunos” só se realizam num concreto período do ano, antes do início de cada período lectivo], apenas com fundamento na necessidade de apreciar globalmente o procedimento dos serviços.

Aliás, sendo a arguida, ora Recorrida, Chefe dos Serviços Administrativos desde o ano de 2007 [desde 17 de setembro, ainda que em regime de substituição], apresentar-se-ia também e de igual modo, se assim tivesse sido por si requerido, como desprovido de pertinência instrutória, prosseguir na avaliação de todo o seu exercício funcional ocorrido até essa data, ou seja, desde a sua entrada em funções até ao referido dia 24 de julho, ainda que fosse invocado para esse efeito que tal se inseria no seu amplo direito de defesa e da descoberta da verdade, pois que é designadamente para esse efeito que se impõe que na acusação patenteada na nota de culpa os factos sejam descritos [Cfr. artigo 48.º, n.º 3 do EDTFP] de forma circunstanciada no tempo [Cfr. pontos 6, 7 e 10 da nota de culpa”], de modo a permitir delimitar o objeto da investigação e da punição disciplinar, pelo que, no caso concreto, face à prova já então constante do processo disciplinar, o pedido formulado pela arguida, não se nos afigura ser uma diligência indispensável à descoberta da verdade, não revestindo, por isso, a sua não realização a nulidade insuprível a que se reporta o artigo 37.º, n.º 1 do EDTFP.

De modo que, por aqui tem de improceder a pretensão recursiva da Recorrente, como patenteado sob as conclusões 22.ª a 35.ª das suas Alegações.

Cumpre agora apreciar o invocado erro de julgamento [Cfr. conclusões 1.ª a 21.ª] sustentado no facto de ser manifesta a falta de sustentação probatória para efeitos de lhe ter sido imputada [à aqui Recorrente] a prática da infração disciplinar, “com fundamento em ter sido encontrada em alcance ou desvio de dinheiros públicos”.

Ora, neste âmbito, referiu a Recorrente, em suma, que apesar da autonomia entre o processo crime e o processo disciplinar, que a decisão disciplinar não pode deixar de atender aos factos que a decisão penal transitada em julgado julgou provados e que são também objeto de apreciação no processo disciplinar, e que em face da matéria de facto dada como provada na sentença penal, que foi eliminada e destruída de forma inquestionável a prova incipiente e contraditória do processo disciplinar, e que dessa forma é manifesta a falta de sustentação probatória para efeitos de lhe ser imputada [à aqui Recorrente] a prática da infração disciplinar.

Por seu turno, no âmbito das Contra alegações apresentadas pelo Recorrido, o mesmo contrapôs, tendo referido, em suma, que como vertido na Sentença recorrida face ao princípio da autonomia dos procedimentos penal e disciplinar, consagrado no artigo 7.º do EDTFP, o apuramento da factualidade em ambos os processos opera-se de forma autónoma, tendo constatado que o Tribunal a quo analisou a prova recolhida no processo disciplinar, constituída, essencialmente, pelos documentos de registo preenchidos e assinados pela própria autora e concluiu que a mesma se revelou idónea a fundamentar a ilicitude disciplinar pela qual veio a ser punida, e que a pronúncia do Tribunal recorrido apreciou a decisão da Administração do ponto de vista da sustentação da prova recolhida no processo disciplinar, no contexto deste, sem tecer considerações sobre a decisão penal, independentemente da análise feita por esta aos documentos existentes no processo.

Para essa apreciação, para aqui cumpre extractar parte da Sentença recorrida, como segue:

Início da transcrição
“[...]
Tal como se explanou, no processo de inquérito visa-se esclarecer factos determinados (cf. art.º 66.º, n.º 2, do ED); e, no caso concreto, os factos que constavam da denúncia anónima apenas diziam respeito à autora, e não a qualquer outra colega. Nesse sentido, o que importava era esclarecer aqueles factos, e não quaisquer outros.
Em relação ao respeito pelo princípio do inquisitório e ao cariz persecutório do processo disciplinar, volta a dizer-se que não se alegam quaisquer factos capazes de sustentar essa afirmação, de nenhum modo emergindo da tramitação do procedimento, ou da atuação de algum dos seus intervenientes, a intenção de atingir pessoalmente a autora, prejudicando-a. Repete-se, nada se alega sequer nesse sentido.
No que tange à falta de sustentação probatória, cumpre de imediato notar que a autora se insurge contra a utilização de fotocópias rasuradas e facilmente suscetíveis de manipulação, mas que não coloca em causa nenhum dos factos apurados pela análises desses elementos, nomeadamente que: (i) no âmbito do procedimento de efetivação das matrículas recebeu folhas de pagamento dos alunos, em que registou o quantitativo que pagou cada aluno, e recebeu as importâncias de cada um (ponto 139 do relatório final); (ii) segundo as guias/ listas de pagamento, a autora realizou 438 matrículas; (iii) analisadas as matrículas realizadas no período em análise, a autora assinou e datou 515 folhas de pagamento dos alunos, tendo recebido as importâncias nelas registadas de € 3.550,46 (ponto 142 do relatório final); (iv) existem 5 folhas de pagamento de cinco alunos matriculados e registados pela autora nas guias de pagamento, em que o valor das propinas não foi lançado nessas guias; (i) as 96 fotocópias foram preenchidas pela aqui autora, tendo os montantes sido pagos pelos alunos (ponto 144 do relatório final).
Ou seja, à autora é diretamente imputada a autoria/preenchimento das folhas de pagamento referidas, como decorre da leitura do relatório final, que se enunciou; essas folhas, diz-se no relatório, foram datadas e assinadas pela ali arguida, e aqui autora.
Perante isto, torna-se realmente incompreensível como a autora apenas alega que se trata de fotocópias rasuradas e de fácil manipulação, sem colocar em causa que as tenha preenchido ou assinado.
Ainda que se considere compreensível a tentativa de descredibilizar aquele que foi, bem vistas as coisas, o principal elemento de prova (os documentos de registo preenchidos e assinados pela própria autora), impunha-se o cumprimento do ónus da invocação de factos concretos que permitissem retirar a conclusão no sentido da falta de idoneidade dos documentos em causa como elemento de prova.
Admitindo que as folhas de pagamento são manipuláveis, é diferente de dizer-se que foram manipuladas; e dessas, quais efetivamente o foram. A autora apenas invoca razões abstratas, mas não coloca sequer em causa o conteúdo em concreto das folhas de pagamento, nem tão pouco nega a autoria da assinatura que dos mesmos consta. E quanto à eventual rasura, uma vez mais a autora não logra concretizar minimamente qual ou quais desses documentos foi rasurado.
No fundo, faltou à autora invocar fundamentos concretos capazes de abalar a credibilidade probatória dos documentos em causa; ao não o ter feito, acaba inclusive por obviar a que o tribunal ache conclusão distinta daquela que foi feita em processo disciplinar, momento em que é feito o primeiro juízo sobre a capacidade probatória desses elementos.
De facto, os documentos em questão, devidamente analisados, e não logrando colocar-se em causa o seu conteúdo ou a sua genuinidade, são demonstrativos do ilícito disciplinar. Com efeito, não é admissível como mera coincidência que todos os registos pertençam à autora, nem se admite a tese de um mero erro com tamanha dimensão. Talvez se admitisse, perante um número razoável de documentos esquecidos de registar; mas nunca perante o não registo de 101 folhas de pagamento (96 + 5) em tão curto período de tempo (recorde-se que a investigação apenas abrangeu o período de 06.07.2009 a 24.07.2009), e sobretudo quando todos os lapsos pertencem a registos da mesma pessoa, aqui autora. E daí que não tenha sobrado dúvida razoável sobre os factos, ao contrário do aventado em alegações.
Também é certo que a autora foi absolvida do crime de peculato. Sobre o assunto, somente se dirá que a punição disciplinar é relativamente autónoma em relação ao processo penal, sendo que mesmo a punição penal não preclude a possibilidade de punição disciplinar (como decorre do n.º 3 do art.º 7.º do ED). Por outro lado, o tribunal pronuncia-se apenas sobre a decisão da Administração, e se a mesma se mostra sustentada em termos probatórios, não lhe competindo em caso algum tecer considerações sobre a decisão penal (designadamente, se foi feita a mesma análise aos documentos existentes, e que permitiam obter a conclusão achada pela Administração). Por fim, recorde-se que o crime de peculato, nos termos expostos acima, constitui-se de pressupostos distintos da infração disciplinar, designadamente no que diz respeito à finalidade dada aos bens desviados.
Por último, refira-se que a sanção aplicada não se mostra desproporcionada, à luz da factualidade provada no processo disciplinar, que bem se enquadrou na al. m) do n.º 1 do art.º 18.º do ED. Ou seja, provou-se em procedimento disciplinar que a autora recebeu as verbas em causa, referentes a matrículas por si efetuadas, e que não as entregou a nenhuma das responsáveis pela tesouraria. Perante tais factos, justificava-se a aplicação da pena mais gravosa, por corresponder a uma intolerável quebra da confiança que sustenta a relação laboral – neste sentido, veja-se o acórdão do TCA Norte de 12.10.2012, proferido no processo n.º 01266/04.2BEVIS.
[...]“
Fim da transcrição

E este juízo assim prosseguido pelo Tribunal a quo, não merece censura. Vejamos.

A ora Recorrente não pode colocar de lado, que a pena de demissão que lhe foi aplicada resulta de factualidade acrescida em relação àquela que foi tida em consideração no âmbito do processo crime pela imputação da prática do crime de peculato, pois que no processo disciplinar estão em causa infracções de natureza disciplinar.

Conforme refere Luís Vasconcelos Abreu, in Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: As Relações com o Processo Penal, Almedina, 1993, páginas 32 e 33, “A autonomia do ilícito disciplinar encontra-se expressa na possibilidade de cumulação das responsabilidades disciplinar e criminal pela prática do mesmo facto, sem violação do ne bis in idem. Reafirmando um lugar-comum: o ilícito disciplinar não é um minus relativamente ao criminal, mas sim um aliud. Aliás, a conhecida subsidiariedade da intervenção do direito penal é suficiente para justificar a referida possibilidade de aplicação cumulativa de uma medida disciplinar e de uma sanção criminal pela prática do mesmo facto.” [sublinhado da nossa autoria], sendo que é por isso que os vários ramos do direito têm funções distintas, já que “O direito disciplinar da função pública visa precisamente assegurar a capacidade funcional da Administração - sem disciplina não há produtividade -, condição da perfeita realização do interesse público. A responsabilidade disciplinar pode e deve ser completada por outras formas de responsabilidade, designadamente a civil e a penal.” – ibidem, página 18.

Como assim também referem Paulo Veiga e Moura e Cátia Arrimar, in Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, 1.º Vol., Coimbra Editora, 2014, páginas 520-521, “[…] os factos dados por provados na sentença penal condenatória são incontestáveis em sede de procedimento disciplinar, tendo a Administração que dar por assentes tais factos e apenas podendo proceder à qualificação jurídica dos mesmos para efeitos de ilícito disciplinar. Por sua vez, os factos dados por provados na sentença penal absolutória também têm que ser dados por assentes para efeitos disciplinares, pelo que, se em sede criminal foi provado que os factos não ocorreram ou que não foi o arguido que os praticou, não pode em sede disciplinar fazer-se prova nem dar por provados os factos contrários. Já relativamente aos factos que não foram dados por provados pelo Tribunal criminal, nomeadamente por falta ou insuficiência de prova, nada impede que a Administração sobre eles faça prova em sede disciplinar e considere como assente aquilo que no procedimento criminal não foi tido como provado.” [sublinhado da nossa autoria]

A Recorrente sustenta que foi alvo de um processo crime no qual foram apreciados os mesmos factos que servem de base ao processo disciplinar, e de que naquele se deu a sua absolvição, por não se ter provado a sua autoria em torno dos factos previstos na acusação deduzida pelo Ministério Público, e que por essa razão não podem deixar de ser atendidos em processo disciplinar os factos que a decisão penal absolutória julgou provados, concluindo assim que “… a matéria de facto dada como prova na sentença penal e há muito transitada em julgado, veio eliminar e destruir de forma inquestionável a prova incipiente e contraditória do processo disciplinar.”, e dessa forma, que “… é manifesto a falta de sustentação probatória para ter sido imputada à aqui recorrente a prática da infração disciplinar “de ter sido encontrada em alcance ou desvio de dinheiros públicos.

Ora, em conformidade com o entendimento firme e reiterado da doutrina e da jurisprudencial, o processo disciplinar é independente e autónomo do processo criminal, sendo diversos os respectivos fundamentos e os fins das respectivas penas, assim como os pressupostos da responsabilidade [disciplinar e criminal], sendo que essa autonomia caracteriza-se pela coexistência de espaços valorativos e sancionatórios próprios, tendo em conta a diversidade dos interesses específicos a que se dirige cada um daqueles procedimentos sancionatórios.

Neste sentido, por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos parte do Douto Acórdão do STA, datado de 19 de junho de 2007, proferido no Processo n.º 01058/06, como segue:

Início da transcrição
“[…]
A questão da relevância, no processo disciplinar, de decisões proferidas em processo crime que versaram sobre os mesmos factos, tem sido abundantemente discutida na doutrina e na jurisprudência.
Como já observava, o Prof Eduardo Correia cf. citados autor, in Direito Criminal II, Coimbra 1992, p.5 e Parecer da PGR nº 24/95, de 07.12.1995 , citado no Parecer do Conselho Consultivo da PGR nº 24/95, de 07.12.1995, «um mesmo facto pode constituir ao mesmo tempo uma falta penal e uma falta disciplinar; mas, igualmente pode acontecer que esse facto constitua uma infracção penal sem ter o carácter de falta disciplinar e que, inversamente, um facto constitua uma falta disciplinar, sem reunir as condições de uma infracção penal (…).
E isto porque, a autonomia dos campos disciplinar e penal caracteriza-se, «pela coexistência de espaços valorativos e sancionatórios próprios», desde logo, «só as faltas cometidas no exercício da função ou susceptíveis de comprometer a dignidade desta podem ser objecto de repressão disciplinar. (…)
«Na verdade, enquanto a repressão penal é exercida no interesse e segundo as necessidades da sociedade em geral, a repressão disciplinar é-no no interesse e segundo as necessidades do serviço. A sanção penal atinge o cidadão na sua liberdade e nos seus bens, a sanção disciplinar atinge o funcionário na sua situação de carreira (…). A valoração é, assim, autónoma e independente, donde resulta, pois, que a mesma conduta pode ser apreciada simultaneamente no campo penal e no campo disciplinar, sem que isso envolva violação do princípio “ne bis in idem”, que apenas funciona no âmbito de cada específico ordenamento sancionatório».
É também jurisprudência assente deste STA, que «o processo disciplinar é autónomo do processo criminal, uma vez que são diversos os fundamentos e fins das respectivas penas, bem como os pressupostos da respectiva responsabilidade, podendo ser diversas as valorações que cada uma delas faz dos mesmos factos e circunstâncias. Por isso, a existência de ilícito disciplinar não está prejudicada ou condicionada pela decisão que, sobre os mesmos factos, tenha sido, ou venha a ser tomada em processo penal»
«Pelo que, em princípio, torna-se irrelevante em processo disciplinar a invocação do facto de o processo crime ter sido arquivado. O invocado arquivamento ou uma eventual absolvição em processo criminal, não é factor impeditivo de a mesma conduta vir posteriormente a ser dada como demonstrada em procedimento disciplinar e se apresente violadora de determinados deveres gerais ou especiais decorrentes do exercício da actividade profissional exercida e, por isso, susceptível de integrar um comportamento disciplinarmente punível» [sublinhado da nossa autoria] cf. acs. STA de 25.02.99, rec. 37.235, 11.12.02, rec. 38.892, 09.10.2003, rec. 856/03, 11.02.04, rec. 42.203, 15.02.04, rec. 797/04, e do Pleno de 24.01.02, rec. 48.147, de 15.01.02, rec.47.261, de 22.10.98, rec. 42.519, de 25.09.97, rec. 38.658 e de 06.12.2005, rec. 42.203.
Aliás, a autonomia do procedimento disciplinar relativamente ao processo penal é hoje um dado adquirido.

O ilícito disciplinar não é, assim, um minus, mas um alliud relativamente ao ilícito criminal, sem prejuízo de algumas projecções, especialmente previstas na lei, do processo penal no ilícito disciplinar (cf. por exemplo, os artºs 4º, nº3 e artº 7º,nº3 do ED).
Tem-se discutido, a propósito, ainda da referida autonomia do processo disciplinar relativamente ao processo crime, qual a repercussão que tem, no ordenamento jurídico, a decisão proferida em processo crime, e para o que aqui nos interessa, quais os efeitos do caso julgado penal (condenatório ou absolutório) no âmbito do processo disciplinar.
No nosso caso, a discussão interessa apenas relativamente ao caso julgado penal condenatório, quando este abrange os mesmos factos objecto do processo disciplinar, como é aqui o caso.
Com efeito, a questão que se suscita é tão só a de saber se a decisão a proferir em processo disciplinar terá ou não de atender à factualidade provada no processo crime, ou poderá alhear-se dessa mesma factualidade, produzindo prova, em sede disciplinar, sobre esses mesmos factos, ou seja, abrindo a possibilidade de o arguido, depois de condenado por eles, em sede criminal, voltar a discuti-los agora em sede disciplinar.
Ora, é entendimento da doutrina e da jurisprudência deste STA que pese embora a afirmada autonomia entre os dois processos, a decisão disciplinar, nesse caso, não pode deixar de atender aos factos que a decisão penal transitada julgou provados e que são também objecto de apreciação no processo disciplinar. [sublinhado da nossa autoria]
É que a autonomia apontada não pode afirmar-se em prejuízo da unidade superior dos órgãos do Estado. Daí que a absolvição em processo criminal, mesmo por falta de provas, não constitui caso julgado em processo disciplinar [sublinhado da nossa autoria], já a condenação do réu em processo criminal por certos factos não pode deixar de implicar a prova desses mesmos factos em processo disciplinar. cf. Eduardo Correia, Direito Criminal, I, 1972, p.39 e segs e acs. STA de 15.10.91, rec. 29.002, de 28.01.99, rec. 32.788 e de 18.02.99, rec. 37476
«A repressão disciplinar e a repressão criminal baseadas no mesmo facto, são independentes, uma vez que aquela visa a satisfação de interesses próprios de um grupo social, enquanto esta se preocupa com a defesa dos interesses essenciais da comunidade política.
As duas formas de repressão são exercidas separadamente sem que uma prejudique a outra, não envolvendo a condenação ou a absolvição numa necessariamente a condenação ou a absolvição na outra. Só assim não será, em nome da unidade superior do Estado, no caso da condenação do Réu em processo criminal por certos factos: nesta hipótese, a prova desses factos naquele processo deixa de implicar a prova desses mesmos factos em processo disciplinar». Cf. Ac. STA de 15.10.91, BMJ 410-846
Assim, «O caso julgado penal apenas abrange os factos provados (e os seus autores), já não os factos não provados», por isso, «a decisão proferida em processo penal, transitado em julgado, vincula a decisão disciplinar no que respeita à verificação da existência material dos factos e dos seus autores, podendo, contudo, a Administração proceder a uma qualificação jurídica diversa dos mesmos, à luz do direito disciplinar». acs. do STA de 28.01.99, rec. 32788 e de 18.02.99, rec. 37476 e L. Vasconcelos Abreu, Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português vigente: As Relações com o Processo Penal, Almedina, p. 116. (sublinhados nossos)
Portanto, de acordo com esta doutrina e jurisprudência e em respeito do caso julgado penal ( artº 84º e 467º, nº1 do CPP, artº 673º do CPC ex vi artº 4º e artº 205º,nº2 da CRP), estava o Tribunal a quo vinculado aos factos dados por provados na decisão penal condenatória do recorrente, relevantes para a decisão destes autos, sem prejuízo da sua valoração e enquadramento jurídico para efeitos disciplinares.
[…]”
Fim da transcrição

Ora, no âmbito do processo crime, a arguida foi acusada do crime de peculato, a que se reporta o artigo 375.º do Código Penal, e de tanto veio a ser absolvida, por não ter o colectivo de juízes formado convicção segura de que a arguida cometeu esse crime, isto é, de que se apropriou, em seu benefício ou de terceiro, de parte da quantia por si recebida mas não depositada, antes todavia, que foi confrontado com dúvida séria e fundada que em face da matéria de facto dada como provada e não provada, e em prossecução do princípio in dubio pro reo, não possibilitou que tivesse ficado com a certeza necessária respeitante aos factos decisivos para a solução da causa, pelo que, atento o estado de dúvida, decidiu a favor da arguida.

E depois de compulsado o Acordão proferido naquele processo crime, da leitura dos factos que aí foram dados como provados, por contraponto com os factos dados como provados, seja no processo disciplinar, seja pelo Tribunal a quo, é com facilidade que se constata que não se apuraram os mesmos factos, sendo ainda que, a instrução prosseguida em sede disciplinar visa uma finalidade distinta daquela visada pelo processo crime.

Por também julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos parte do Douto Acórdão do STA, datado de 12 de janeiro de 2005, proferido no Processo n.º 0930/04, como segue:

Início da transcrição
“[...]
Com efeito, é sabido que os vários ramos do direito têm funções próprias e objectivos distintos, que visam a protecção de valores autónomos, e que, por via disso, há factos passíveis de sanções criminais que o não são de sanções civis e inversamente, como também o é que os mesmos factos podem desencadear, cumulativamente, responsabilidade disciplinar e responsabilidade penal e que à independência dos ilícitos corresponda a autonomia dos respectivos processos, os quais podem, assim, correr em simultâneo e em separado.
Do que resulta
a possibilidade de valoração dos mesmos factos em sedes distintas sem que tal signifique a violação do princípio ne bis in idem – Vd., entre outros, Acórdãos deste Tribunal de 23/06/99 (rec.º nº 37.812), de 24/11/99 (rec.º nº 41.997), de 29/02/00 (rec.º nº 31.130), de 3/4/01 (Pleno) (rec.º nº 29.864, de 19/02/03 (rec.º 1.129/02) e de 21/9/04 (rec. 47.146).
Nesta conformidade, e neste “quadro de autonomia de ilícitos e independência de processos, justificados pela diferenciação dos bens a proteger, os comportamentos são apreciados à luz de normativos diversos, a partir de enfoques distintos, com critérios de prova diferentemente orientados, sem perigo de contradição entre a decisão disciplinar e a sentença penal, em termos que ponham em causa a unidade da ordem jurídica.” – Acórdão deste Tribunal de 21/9/04 (rec. 47.146). E, porque assim, o facto de o arguido ser absolvido em processo crime, não obsta, em princípio, à sua punição em processo disciplinar instaurado com base nos mesmos factos. [sublinhado da nossa autoria] - Acórdão deste Supremo 24/01/02 (rec.º nº 48.147).
Em suma: é ponto assente que os mesmos factos podem ser apreciados e valorados, simultaneamente e com autonomia, em sede criminal e em sede disciplinar o que significa que a sua punição numa daquelas sedes não obsta a que os factos que a determinaram sejam, de novo, fundamento para a aplicação de uma nova sanção em sede diferente sem que tal possa ser qualificado como violação do princípio “ne bis in idem”.
[...]“
Fim da transcrição

De igual modo, por também julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos parte do Douto Acórdão do STA, datado de 21 de setembro de 2004, proferido no Processo n.º 047146, como segue:

Início da transcrição
“[...]
Na relação processo disciplinar/processo criminal é inequívoco que os mesmos factos podem desencadear cumulativamente, sem violação do princípio
ne bis in idem, responsabilidade disciplinar e responsabilidade penal (vide, por exemplo, o art. 7º nº 1 do Estatuto Disciplinar aprovado pelo DL nº 24/84 de 16.).
A diferenciação entre o ilícito disciplinar (que visa preservar a capacidade funcional do serviço) e o ilícito criminal (que se destina à defesa dos bens jurídicos essenciais à vida em sociedade) é um dado adquirido na Doutrina (EDUARDO CORREIA, “Direito Criminal”, I, pp. 35/39 MARCELO CAETANO “Manual de Direito Administrativo”, II, 9ª ed., p. 777 e seguintes e “ Do Poder Disciplinar...”, pp. 43/44 LUIS VASCONCELOS ABREU, “Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: As Relações com o Procedimento Disciplinar”, p. 87) e na Jurisprudência do STA ( Vide, neste sentido, os acórdãos STA de:
1999.06.23 – recº nº 37 812
1999.11.24 – recº nº 41 997
2000.02.29 – recº nº 31 130
2001.04.03 – recº nº 29 864 (Pleno)), sendo que à independência dos ilícitos corresponde a autonomia dos respectivos processos, que de resto, com relevância para o caso em apreço, vem expressamente afirmada no nº 1 do art. 165º do Estatuto do Ministério Público aprovado pela Lei nº 60/98 de 27 de Agosto.
Mas já não sufragamos a segunda ideia do recorrente. Antes de mais,
porque é, precisamente, a distinção de ilícitos que justifica a implicação disciplinar dos factos passíveis de sanção penal e disciplinar em simultâneo [sublinhado da nossa autoria]. Depois, porque, sem unidade de ilicitude, o desvalor jurídico de natureza penal, releva no âmbito disciplinar como mero índice de qualificação da infracção disciplinar, pelo alarme social que provoca e pela danosidade associada que, em regra terá para a eficácia funcional do serviço a prática de uma falta disciplinar que seja, ao mesmo tempo, tipificada como crime. Finalmente, porque no quadro da autonomia de ilícitos e independência de processos, justificados pela diferenciação dos bens a proteger, os comportamentos são apreciados à luz de normativos diversos, a partir de enfoques distintos, com critérios de prova diferentemente orientados, sem perigo de contradição entre a decisão disciplinar e a sentença penal, em termos que ponham em causa a unidade da ordem jurídica [sublinhado da nossa autoria].
Assim se compreende, por um lado, que não haja norma expressa que determine a suspensão do processo disciplinar quando este e o processo criminal corram em paralelo, com incidência sobre os mesmos factos e que, portanto, em princípio, o procedimento disciplinar não tenha que aguardar o desenrolar do processo penal (acórdão STA de 2000.02.29 – recº nº 31 130) […]”.
Fim da transcrição

Ou seja, no processo disciplinar estão sob sindicância valores funcionais, inerentes ao regular funcionamento dos serviços da Administração, e onde se visa apurar da responsabilidade de trabalhadores que tenham cometido, por acção ou omissão, infracções que sejam merecedoras dessa tutela e de punição, de que o processo criminal não trata, existindo assim uma total separação entre ambos.

Como escreve M. Leal-Henriques, in Procedimento Disciplinar, 4.ª edição, 2002, página 93, “Constitui regra nesta matéria a total separação entre ambas - o procedimento disciplinar é independente do procedimento criminal -, […]. Assim, violando-se deveres funcionais, que visam assegurar a harmonia dos serviços, nasce a responsabilidade disciplinar; violando-se regras jurídicas protectoras de interesses vitais da comunidade, temos a responsabilidade criminal.
Distintas embora, podem cumular-se, o que sucede quando o facto cometido ofende, ao mesmo tempo, as duas ordens jurídicas, desencadeando, pois, duas reacções distintas que, por terem finalidades diferentes, não constituem agressão ao princípio “non bis in idem”.“

Na situação em apreço, temos uma sentença penal absolutória, que com fundamento nos factos que deu como provados, não poderia imputar à arguida a autoria material da factualidade de que vinha acusada, tendo assim, face à dúvida instalada e na perspectiva da tutela da protecção dos interesses gerais, absolvido a arguida da prática do facto típico e ilícito de que vinha acusada pelo Ministério Público, previsto e punido pelo artigo 375.º do Código Penal.

Sustenta a Recorrente que aqueles factos dados como provados na sentença proferida no processo criminal são por si suficientes para que não lhe possa ser imputada a prática de infracção disciplinar, mormente, de ser a responsável pelo desvio de parte dos dinheiros públicos advenientes do pagamento das 515 inscrições e matrículas que efectuou, pois que apesar de ter recebido a quantia de €3.668,46 e de ter entregado nos cofres da Escola, pelo menos, a quantia de €2.843,61, que quanto à quantia remanescente, de €824,85, que não veio a ser encontrada nos cofres da Escola, mas que não pode ser responsável por essa factualidade, e que a factualidade apurada em processo disciplinar que decidiu em sentido contrário, não se pode sobrepor ao caso julgado formado pela Sentença proferida no processo crime.

Mas não lhe assiste razão. Vejamos.

Conforme se extrai destas conclusões [Cfr. 1.ª a 21.ª], a arguida põe em causa a fixação dos factos que vieram a ser determinantes da sua responsabilização disciplinar, e bem assim, sustenta que em face dos factos dados como provados no processo crime, que eles por si são determinantes de que não possa ser-lhe fixada responsabilidade disciplinar.


Neste patamar, cumpre avaliar sobre se a prova carreada para o processo disciplinar e que o Tribunal recorrido apreciou, legitima a imputação que foi feita à arguida, ora Recorrente, no que veio a determinar a aplicação da pena de demissão.

Ora, conforme resulta do probatório [factualidade que, como patenteado a final da Sentença recorrida, em sede da respectiva fundamentação, o tribunal firmou a sua convicção na base de que esses factos, que os teve por relevantes para a decisão a proferir, se encontravam, na generalidade, admitidos por acordo, além de sustentados documentalmente, quanto ao que, diga-se, a Recorrente não invocou a ocorrência de qualquer erro de julgamento em torno dessa matéria de facto, tendo-se por isso conformado com esses factos provados, nos seus estritos termos, sendo que nenhums factos foram dados como não provados], e em sede das questões nucleares suscitadas pela Recorrente nas suas Alegações e respectivas conclusões, temos assim que a Autora, ora Recorrente, era funcionária da Escola Secundária de (...), nos Serviços de Administração Escolar, desde 01 de setembro de de 1996, tendo em 17 de setembro de 2007 sido nomeada Chefe dos Serviços de Administração Escolar, em regime de substituição, e em 13 de janeiro de 2009 foi nomeada chefe desses mesmos serviços, o que aceitou, com efeitos a partir de 23.12.2008, sendo que, no período de 10 de fevereiro de 2003 até 17 de novembro de 2003 exerceu funções de tesoureira – cfr. pontos 1, 2 e 5A do probatório.

Mais resultou provado que, precedendo uma denuncia anónima apresentada por via postal e remetida à Directora Regional de Educação do Norte, correram termos no seio do Réu, um processo de inquérito [instaurado pelo Director da Escola Secundária de (...), onde veio a prestar declarações em 03 de setembro de 2009], e um processo disciplinar [que tendo sido inicialmente instaurado pelo Director da Escola Secundária, veio a ser ratificado - os actos de instauração de processo disciplinar e nomeação de instrutora praticados pelo Director – por despacho da Directora Regional de Educação do Norte], que tiveram em vista, em suma, apreciar sobre se a Autora, ora Recorrente, no concreto período de 6 a 24 de julho de 2009, tinha desviado verbas provenientes de matrículas e inscrições de exame de alunos - cfr. pontos 4, 5, 6, 7, 8 9, 10, 11, 12 e 13 do probatório.

Mais resultou provado que no dia 05 de janeiro de 2010, o Instrutor do processo disciplinar elaborou “Nota de culpa” visando a Autora, ora Recorrente, e de onde se extrai, em suma [Cfr. pontos 5 a 17 da acusação] - cfr. ponto 14 do probatório -, o que segue:

- que a arguida esteve a exercer funções na escola no período de 6 a 21 de julho, período em que decorreram as matrículas para o ano lectivo de 2009/2010, e de dias 22 e 24 de julho;
- que estava definido um procedimento regular de matrículas, que passava pelo preenchimento dos impressos pelos alunos, auxiliados e conferidos pelo Director de Turma, passando depois os alunos pelo respectivo gestor/funcionário das turmas que confirmava os dados e ficava na posse do processo destes, com excepção dos recibos de pagamento a entregar ao aluno e a folha de pagamento a apensar posteriormente aos seus processos, sendo que a tesoureira anotava nas listas/guias de pagamento o nome e ano do aluno, o quantitativo de cada rubrica, datava e rubricava os recibos;
- que na Escola Secundária de (...) existe uma tesoureira e uma tesoureira substituta;
- que a arguida, ora Recorrente, veio a intervir no procedimento regular de matrículas durante aquele período, na fase em que os alunos, depois de passarem pelo respectivo gestor de turma, iam efectuar o pagamento da sua matrícula junto da tesoureira da Escola, que era a Dona M., ou junto da tesoureira substituta, Dona M-., e concretamente, a arguida realizou matrículas, recebeu as folhas de pagamento dos alunos, onde registou o quantitativo que pagou cada aluno, recebeu as importâncias de cada um, registou os nomes dos alunos que matriculou numa lista/guia de pagamento;
- que em 1722 processos de alunos com folhas de pagamento apensas ao processo, 515 folhas de pagamento foram datadas e assinadas, como tendo a arguida recebido as importâncias nelas registadas, de 3.550,46 €, havendo ainda 5 folhas de pagamento de cinco alunos matriculados e registados pela arguida nas guias de pagamento, onde o valor correspondente às propinas, no total de 13,50 € não foi lançado nas referidas guias e, consequentemente, não entrou nos cofres da escola;
- que num exame mais aprofundado, após o cruzamento de dados e o exame às folhas de pagamento existentes nos processos, datadas e assinadas pela arguida, tendo sido ela que recebeu as matrículas e a importância nelas anotadas, constata-se que há 96 folhas de pagamento que não foram lançadas nas guias de pagamento, não há registo de entrega na escola, não foram registadas na folha-cofre, nem foram depositadas na CGD, sendo o seu valor de 436,50 € do Seguro Escolar/OGE, e 447,80 € de outras rubricas, no valor total de 884,30 €, dinheiro este que não foi entregue quer à tesoureira titular, M., quer à tesoureira substituta, M-., no período em que aquela esteve de férias. No processo estão as 96 fotocópias das referidas folhas de pagamento dos alunos;
- que há uma verba em débito, que a arguida terá de repor nos cofres da escola de 897,80 €. [€884,30 +€13,50].

Mais resultou provado que depois de corrida a instrução do procedimento administrativo, o instrutor elaborou relatório final - cfr. pontos 20, 21, 22 e 23 do probatório - onde a final foram elencadas as Conclusões, e de onde se retira, em essência, que finda a investigação, o Instrutor deu como provado [no que ora reputamos como essencial], que apesar da arguida ter solicitado férias, que a mesma esteve a exercer funções na escola no período de 6 a 21 de Julho, período em que decorreram as matrículas para o ano lectivo de 2009/2010, vindo a gozar férias de 22 a 28 de Julho, e que mesmo neste período, oficialmente de férias, concretamente nos dias 22 e 24 de Julho, há registos de matrículas efectuadas pela arguida; e que em face do procedimento de matrículas instituído [onde não estava procedimentalmente previsto que a arguida tivesse intervenção], segundo as listas/guias de pagamento existentes nos autos, a arguida realizou 438 matrículas, recebeu e registou a importância que depositou nos cofres da escola de 2.829,24 €; que dos processos de matrícula consta que foram efectivamente registados 1.722, e que destes 1.722 processos de alunos com folhas de pagamento apensas ao processo da sua respectiva matrícula, 515 folhas de pagamento foram datadas e assinadas pela arguida, tendo esta recebido as importâncias nelas registadas, de 3.550,46 €, havendo ainda 5 folhas de pagamento de cinco alunos matriculados e registados pela arguida nas guias de pagamento, onde o valor correspondente às propinas, no total de 13,50 € não foi lançado nas referidas guias e, consequentemente, não entrou nos cofres da escola, e a final, que há 96 folhas de pagamento que não foram lançadas nas guias de pagamento, não há registo de entrega na escola, não foram registadas na folha-cofre, nem foram depositadas na CGD, sendo o seu valor global de €884,30 [436,50€ do Seguro Escolar/OGE, e 447,80€ de outras rubricas], dinheiro que foi recebido pela arguida aquando das matrículas por si efectuadas mas que não foi entregue quer à tesoureira titular, M., quer à tesoureira substituta, M-., tendo a final formulado proposta no sentido de lhe ser aplicada a pena de demissão [por ser inviabilizadora da manutenção da relação funcional, nos termos do artigo 18.º, nº 1 do ED, sendo susceptível de ser punida com a pena prevista no artigo 9.º, n.º 1, alínea d) do mesmo Estatuto, por integrar a previsão da alínea m) do artigo 18.º, já que foi encontrada em alcance ou desvio de dinheiros públicos], e ainda o dever de repor nos cofres da mesma Escola a verba de 897,80 € (oitocentos e noventa e sete euros e oitenta cêntimos), o que foi acolhido pelo Secretário de Estado Adjunto e da Educação, por seu despacho datado de 24 de maio de 2010, precedendo informação da IGE datada de 18 de maio de 2010, do que a arguida, ora Recorrente foi notificada.

Finalmente, sob o ponto 24 do probatório, resultou ainda provado que a Autora foi arguida no processo-crime que correu termos sob o número 38/10.0TAPFR, Tribunal Judicial da Comarca de Paredes [leia-se Paços de Ferreira], no âmbito do qual foi proferida sentença que a absolveu da prática do crime de peculato, decisão que transitou em julgado a 03 de setembro de 2012, e da qual, com interesse para a decisão a proferir nestes autos, para aqui se extraem factos que aí foram dados como provados, como segue:

“[…]
2 – A arguida M., entre os dias 22 a 24 de Julho de 2009, encontrava-se formalmente em gozo de férias, tendo-se deslocado às instalações da Escola Secundária de (...), por conveniência de serviço
3 – Durante os dias 6 a 24 de Julho de 2009, a arguida […] ajudou a efectuar as matrículas para o ano lectivo de 2009/2010, tendo recebido as quantias entregues pelos respectivos encarregados de educação/alunos relativas a 515 matrículas, no valor global de 3.668,46 € […].
4 – A arguida entregou nos cofres da Escola Secundária, pelo menos, a quantia de €2.843,61.
5 – A quantia de 824,85 € […], correspondendo […] a quantias entregues para pagamento de seguro escolar […] pagamento de matrículas, relativos a 91 alunos, não foi encontrada nos cofres da Escola Secundária.
[…]
7 – Durante o período de matrículas em causa reinou um estado de confusão motivado pelo volume de processos de matrícula e urgência de cumprimento de prazos e demais formalidades de tais processos.
8 – A arguida enquanto Chefe de Serviços da Administração Escolar ajudou em tais tarefas para que todos os alunos tivessem os processos de matrícula respectimente concluídos.
[…]”

Ora, nos termos do artigo 205.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa “As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades.”

Conforme refere M. Leal Henriques, in Procedimento Disciplinar, 4.ª edição, 2002, página 98, «os factos provados em processo penal que venham a ser levados à sentença final não podem obviamente ser jamais postos em causa para qualquer outro efeito ou fim, desde que ocorra o trânsito daquela decisão (...), sendo certo que a sentença criminal transitada só é definitiva quanto à existência dos factos e aos seus autores, que não quanto à respectiva qualificação, podendo a Administração proceder a um enquadramento diverso dos mesmos à luz do direito disciplinar». [sublinhado da nossa autoria]

Como assim resulta constante do Douto Acórdão do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, a essência do que aí foi apreciado centrou-se em julgar da verificação dos termos e os pressupostos por que foi deduzida a acusação contra a aí também arguida [como decorre do ponto 89 da Nota de culpa deduzida contra a arguida, aqui Recorrente, depois de esta ter sido notificada em 5 de janeiro de 2009, o Instrutor remeteu cópia ao Senhor Procurador da República da comarca de Paços de Ferreira, face ao eventual ilícito criminal resultante da conduta da arguida – a apropriação de dinheiros públicos], mormente, se a também aí arguída [no processo crime] se se apropriou de dinheiros públicos [de acordo com a previsão normativa a que se reporta o artigo 375.º, n.º 1 do Código Penal, atinente ao crime de peculato].

E nesse conspecto, o colectivo de juízes, depois de corrida a audiência contraditória e da necessária produção de prova, em face do probatório aí fixado [sendo certo que o ónus de prova cabe/cabia ao titular da acção penal, o Ministério Público] não teve dúvidas em apreciar e decidir que vindo a arguida acusada da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de peculato, previsto e punível pelo artigo 375.º, n.º 1 do Código Penal, e que o que mesma fez foi ajudar a fazer as matrículas de alunos para o ano lectivo 2009/2010 entre os dias 6 e 24 de julho de 2009, para o que se deslocou à Escola Secundária, tendo aí recebido a quantia global de €3.668,46, relativas a 515 matrículas, e que procedeu à entrega nos cofres da Escola, pelo menos, da quantia de €2.843,61, sendo que quanto à quantia remanescente, de €824,85, que a mesma não foi encontrada nos cofres da Escola, e de outro modo mais concreto, que a arguida se tenha apropriado dessa quantia.

Esse Douto Acórdão transitou em julgado em 03 de setembro de 2012, o que traduz, em suma e a final, que o Ministério da Educação, ou para sermos mais rigorosos, que o Ministério Público [enquanto titular da acção penal] aceitou esse decisório, que assentou na prova que foi carreada para esses autos, designadanente o Processo Administrativo que consta apenso aos presentes autos.

É certo que a quantia em causa naquele processo crime, no montante de €824,85, não é idêntica aquela que esteve em causa no processo disciplinar e também nestes autos, pois como resulta da proposta apresentada pelo Instrutor do processo disciplinar, o valor declarado em falta, como imputado à arguida ora Recorrente, no sentido de que tendo recebido a quantia de €3.550,46, que não se encontrou depositado o montante de €897,80, embora seja coincidente o número de folhas de pagamento datadas e assinadas pela arguida, 515, essa disparidade é resultado do âmbito documental que foi apreciado em ambas as instâncias [criminal e disciplinar], pois que no processo crime [Cfr. ponto 5 do respectivo probatório], a quantia em falta é relativa a 91 alunos, e no processo disciplinar foram identificadas 101 folhas de pagamento não registadas [Cfr. pontos 143 e 144 das Conclusões do Relatório final do processo disciplinar, enunciado sob o ponto 20 do probatório destes autos].

Como foi apreciado e decidido no processo crime, a quantia de €824,85 [que é reportada a quantia não encontrada, mas recebida pela arguida, ora Recorrente, atinente a pagamentos de matrículas de 91 alunos; que como assim julgamos, no processo disciplinar se reporta à quantia de €897,80, correspondente ao apuramento no processo disciplinar de 96 folhas de pagamento, e de mais outras 5 folhas] que estão identificadas nos autos de processo disciplinar, mormente, no relatório final, e que se trata de dinheiro recebido pela arguida aquando da realização das matrículas], relativa a quantias entregues para pagamento de seguro escolar e matrículas, relativa a 91 alunos, quantia que não foi encontrada nos cofres da Escola, tendo a final sido julgado que não se provou que a arguida se apropriou dessa quantia, por permanecer a dúvida séria e fundada de que tal tenha acontecido. Neste conspecto, em torno da quantia arrecadada pela arguida, mas que não foi encontrada no cofre da Escola, nem foram depositados na Caixa Geral de Depósitos, decidiu o Tribunal Judicial de Paços de Ferreira que essa constatação [em suma, o desaparecimento da quantia em causa] “... alheada à ausência dos respectivos registos/guias de pagamento, sem mais, não nos permite concluir de forma automática que a arguida M. não efectuou os respectivos registos/guias de pagamento quando recebeu o respectivo dinheiro e que a mesma ficou com quantia de €824,85 na sua posse, para seu próprio uso, em despesas pessoais.
Não obstante o instrutor do processo disciplinar, C., nos ter referido que baseou a sua nota de culpa em tais pressupostos, isto é, na inexistência de registos/guias relativas a matriculas recebidas pela arguida e inexistência do dinheiro nos Cofres da Escola, não tendo o mesmo sido depositado, entendemos que tais pressupostos, por si só, são manifestamente insuficientes para formar a convicção segura que a arguida se apropriou da quantia em falta. [...]“

De igual modo, por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos, de novo, parte do juízo final atinente à motivação da fundamentação da matéria de facto do Douto Acórdão proferido no Tribunal de Paços de Ferreira, como segue:

Início da transcrição
“[...]
O princípio in dubio pro reo respeita à decisão da matéria de facto, constituindo uma regra legal de decisão em matéria de facto, segundo o qual o tribunal deve decidir a favor do arguido se não se encontrar convencido da verdade ou falsidade de um facto, isto é, se permanecer em estado de dúvida sobre a realidade do mesmo.
Este princípio é uma imposição diriguida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favoravel ao arguido, quando não houver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
[...].“
Fim da transcrição

Se naquele período de 6 a 24 de julho de 2009, a arguida se auto determinou por fazer arrecadação de receita, cabia-lhe também a si prosseguir no exercício das demais tarefas associadas, mormente, de efetuar os depósitos que não foram efetuados, ou pelo menos de entregar o dinheiro à tesoureira, para que assim prosseguisse.

Ora, em face dos factos que se dão como provados no julgamento da matéria de facto [no processo disciplinar e nestes autos], não se mostram questionados os seguintes factos:

1i) que a arguida à data dos factos era Chefe dos Serviços de Administração Escolar da Escola Secundária de (...), desde 17 de setembro de 2007;
2ii) que quando iniciou funções [se não naquela data, a partir do dia em que foi nomeada para o cargo, com efeitos a partir de 23 de dezembro de 2008], uma das alterações que introduziu no funcionamento dos serviços, e que reputou de mais significativa, foi a de apenas o tesoureiro receber as verbas que devessem ser pagas pelos alunos, e de não estarem por isso todas as funcionárias a arrecadas valores;
3iii) que na Escola Secundária de (...), a Autora exerceu funções de “Tesoureira”, no período compreendido entre 10 de fevereiro de 2003 e 17 de novembro de 2003;
4iiii) que nesses Serviços existia uma tesoureira e uma tesoureira substituta, integrando o seu conteúdo funcional, estar encarregue de receber os pagamentos devidos pelos alunos, de os registar, de os contabilizar e de os depositar, tendo o dever da sua guarda;
5iiiii) que no período compreendido entre 6 e 24 de julho de 2009, a arguida realizou matrículas, tendo, concretamente, recebido as folhas de pagamento dos alunos onde registou o quantitativo que pagou cada aluno, recebeu as importâncias de cada um, registou os nomes dos alunos que matriculou numa lista/guia de pagamentos nos dias 6, 7, 8, 9, 13, 15, 16, 20, 21, 22 e 24 de julho de 2009;
6iiiiii) que há 96 folhas de pagamento que não foram lançadas nas guias de pagamento, não há registo da sua entrega na Escola, não foram registadas na folha-cofre, nem foram depositadas na CGD, no valor global de €884,30 [sendo € 436,50 do Seguro Escolar/OGE, e €447,80 de outras rubricas, dinheiro este que foi recebido pela arguida aquando das matrículas por si efectuadas, mas que não entregou quer à tesoureira, M., quer à tesoureira substituta, M-., no período em que aquela esteve de férias;
7iiiiiii) que há 5 folhas de pagamento de cinco alunos matriculados e registados pela arguida nas guias de pagamento, onde o valor correspondente às propinas, no total de 13,50 € não foi lançado nas referidas guias e, consequentemente, não entrou nos cofres da escola;
8iiiiiiii) que nesse período, a arguida exerceu, pois, funções de tesoureira, quando a tesoureira nomeada e/ou a tesoureira substitua se encontravam ao serviço.

Ora, na defesa apresentada pela arguida, a mesma não negou que tivesse exercido as funções de tesoureira, as quais, não lhe competiam.

Pelo que, ao contrário do por si alegado no presente recurso, do probatório e do julgamento tirado pelo Tribunal a quo, não pode deixar de se entender que a arguida foi sancionada pela violação de deveres funcionais, e que os factos que subjazem a esses ilícitos disciplinares se encontram integralmente demonstrados no âmbito do processo disciplinar, pois que factos descritos foram valorados como traduzindo a violação dos deveres gerais de isenção, zelo e lealdade, a que estão obrigados os trabalhadores da função pública, nos termos do artigo 3.º do Estatuto Disciplinar.

Assim, é de julgar no sentido de não assistir razão à Recorrente, por os factos descritos permitirem a sua integração na violação dos deveres gerais imputados e, consequentemente, nas infrações disciplinares correspondentes, preenchendo os tipos de ilícito disciplinar pelos quais a arguida, ora Recorrente, foi sancionada, e que não põem em causa o caso julgado decorrente do trânsito em julgado do Acórdão proferido no processo criminal.

Por outro lado, em face do que resulta do teor do Relatório Final, carece totalmente de sentido o alegado pela Recorrente no presente recurso, pois resulta provada a prática dos atos ilícitos e, atenta a gravidade dos factos, também uma forte intensidade no grau de culpa da arguida, sendo que, tendo a punição disciplinar de basear-se em factos que permitam um juízo de censura sobre a prática da infracção por parte da trabalhador/arguida, a prova dos factos integradores de infracção disciplinar é determinada face aos elementos existentes no processo, pela convicção da entidade competente, estando, portanto, sujeita ao principio da livre apreciação da prova, sendo que, como assim julgamos, em face da matéria de facto constante do probatório, existe prova suficiente da prática pela arguida, ora Recorrente, dos factos que integram a infracção disciplinar por que foi punida.

O princípio in dubio pro reo não tem como fundamento o princípio da “presunção da inocência”, nem constitui regra de “ónus da prova”, mas tão somente o princípio de que é inadmissível a condenação por infracção não provada, sendo que, no caso dos autos, o Tribunal recorrido aferiu da regularidade e suficiência do juízo probatório da decisão disciplinar, tendo perfilhado um juízo coincidente com o que foi formulado pela autoridade administrativa, ora Recorrida, sendo certo que a convicção probatória é formada livremente, com base na prova disponível, no mérito da instrução produzida, o que a Sentença recorrida detalhadamente apreciou.

De modo que, por aqui tem de improceder a pretensão recursiva da Recorrente, como patenteado sob as conclusões 1.ª a 21.ª das suas Alegações.

Cumpre agora apreciar e decidir sobre se a Sentença recorrida incorre em erro de julgamento em matéria de direito, por violação do princípio da imparcialidade e da boa-fé, por não ter o Tribunal a quo julgado essa verificação em sede do procedimento disciplinar, pelo facto de ter sido o Director da Escola Secundária de (...) quem procedeu à instauração do processo de inquérito e de o mesmo ter vindo a prestar declarações no âmbito desse mesmo processo e no processo disciplinar [Cfr. conclusões 36.ª a 50];

Ora, neste domínio referiu a Recorrente, em suma, que foi o Director da Escola Secundária de (...) quem procedeu à instauração do processo de inquérito, e que o facto de o mesmo ter vindo a prestar declarações no âmbito desse mesmo processo e no processo disciplinar, que está posto em causa o princípio da imparcialidade e da boa-fé, e que o Tribunal recorrido errou quando julgou que a circunstância de o diretor ter mandado instaurar o processo de inquérito e ter prestado declarações no mesmo, que tal não pode implicar a violação da imparcialidade devida, quando é certo que ao longo de todo o processo de inquérito não se procurou indagar a autoria da denúncia e das suas motivações, tendo o Tribunal criminal apreciado que é muito duvidoso que a denúncia anónima fosse efetuada por um encarregado de educação.

Referiu ainda que encerra em si um notório desequilíbrio, permitir-se que se tome depoimento da própria entidade que ordenou ab initio o processo de inquérito num momento critico e de maior melindre, onde se visa recolher dados essenciais para uma decisão de abertura de processo disciplinar.

Por seu turno, contrapôs o Recorrido, referindo que a Sentença recorrida não encontrou qualquer violação dos princípios referidos, e que tão pouco veio alegado pela Recorrente qualquer facto suscetível de conduzir à demonstração de que o Diretor da escola, com a sua intervenção nos processos, incorreu na violação dos alegados princípios da imparcialidade e da boa-fé, concluindo a final que a referida intervenção correspondeu apenas ao exercício das competências que lhe estão legalmente atribuídas em matéria disciplinar.

Para essa apreciação, para aqui cumpre extractar parte da Sentença recorrida, como segue:

Início da transcrição
“[...]
Para a autora, e não obstante a ratificação ulteriormente feita pela diretora da DREN (ponto 13 dos factos provados) quanto aos atos praticados no procedimento disciplinar, foi violado o princípio da imparcialidade, previsto no art.º 6.º do CPA, bem como o princípio da boa-fé, previsto no art.º 6.º-A do mesmo diploma.
[…]
É certo que o diretor da Escola Secundária de (...) procedeu à instauração do inquérito. E também está provado que o mesmo diretor prestou declarações no âmbito desse mesmo inquérito – tudo como resulta do probatório, pontos 8 e 9.
No entanto, não vemos como por si só a circunstância de o diretor ter mandado instaurar o processo de inquérito e ter prestado declarações no mesmo possa implicar a violação da imparcialidade devida.
Note-se, em primeiro lugar, e como também decorre do elenco dos factos provados, que a decisão de instaurar o processo disciplinar, subsequente ao processo de inquérito, nem sequer pertenceu ao diretor da escola.
Sendo verdade que, primeiramente, foi dele o despacho nesse sentido, de imediato se veio a apurar que a competência não lhe pertencia. Aliás, provou-se até que o diretor da escola chegou a suscitar junto da DREN esclarecimentos sobre o assunto, na medida em que, tal como decorre dos factos provados, não estava seguro de ser a entidade competente – cf. ponto 6 do probatório.
Assim sendo, a única decisão que efetivamente pode ser imputada ao diretor da escola, com prejuízo para a aqui autora, é a de ter instaurado o processo de inquérito, após ter recebido a denúncia anónima, que aliás referia expressamente a autora, o que permite refutar que o processo de inquérito foi instaurado apenas com intuitos persecutórios dos próprios serviços, como se quer fazer crer.
A ulterior decisão, no sentido de ser instaurado o processo disciplinar, ainda que tenha sido tomada pelo diretor da escola, não lhe pode ser imputada, na medida em que esse ato acaba por ser ratificado pela diretora regional da DREN – sendo que, como também se provou, essa conclusão foi achada pelos próprios serviços da DREN, e não pelos serviços da Escola.
Também não é despiciendo ter em mente o teor das declarações prestadas pelo diretor da escola em sede de inquérito. Tal como decorre do teor do respetivo auto de declarações – ponto 9 dos factos provados – em nenhum momento emerge qualquer subjetividade ou desprimor para com a aqui autora, não denotando qualquer espécie de inimizade ou relação menos cordial que possa justificar a parcialidade no sentido de prejudicar a autora.
Em suma, na medida em que ao diretor da Escola Secundária de (...) não pode sequer ser imputada a decisão de instaurar o processo disciplinar à autora, uma vez que os efeitos do ato foram ratificados pela entidade competente, não é possível concluir por qualquer violação do princípio da imparcialidade, conclusão que não é excluída pela circunstância de o referido diretor ter mandado instaurar o processo de inquérito e nele ter prestado declarações, uma vez que tal processo se destina a apurar factos, e não a responsabilidade pessoal de pessoa determinada.
Já sobre o princípio da boa-fé, importa ter presente a previsão do art.º 6.º-A do CPA, de cujo n.º 1 resulta que no exercício da atividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa-fé. Em concretização deste enunciado geral, o n.º 2 do mesmo artigo diz que devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas, e, em especial: a) a confiança suscitada na contraparte pela atuação em causa; b) o objetivo a alcançar com a atuação empreendida.
[…]
Não vemos, porém, em que medida essas declarações podem configurar violação do princípio da boa-fé. Sobretudo pela análise das próprias declarações em si mesmas, das quais não emerge qualquer prejuízo para a autora. Depois, porquanto em momento algum se diz que aquela conversa terá ocorrido fora do âmbito institucional, ou que tivesse natureza secreta.
Na verdade, nada do que se alega sustenta que tenha sido criada qualquer confiança à autora digna de ser tutelada, nem mesmo que a conversa havida tenha tido o propósito ou o objetivo definido de prejudicar a autora, de modo a que a mesma servisse de assunção de algum tipo de responsabilidade.
Deste modo, a mera revelação em sede de inquérito, do teor de uma conversa existente entre o diretor da escola, atuando nessa qualidade, e a funcionária alvo de denúncia anónima, de cujo teor nada resulta de relevante para o processo, e em que não se tece qualquer juízo depreciativo sobre a mesma (pelo contrário) não configura a violação do princípio da boa-fé, pois não desrespeita qualquer confiança gerada ou configura atitude persecutória para com o visado.
Improcede, assim, a alegada violação dos princípios da imparcialidade e da boa-fé.
[…]”
Fim da transcrição

Ora, como assim julgamos, também por aqui não assiste razão à Recorrente.

Com efeito, no âmbito das suas Alegações e em face das conclusões apontadas, a Recorrente fica-se por meros juízos conclusivos relativamente à “participação/intervenção” do Director da Escola no inquérito/procedimento disciplinar, sem que tenha apontado por que termos e sob que pressupostos é que o facto de o Dirigente da instituição de ensino ter instaurado um processo de inquérito face à uma denúncia que lhe foi reportada e de ter vindo a prestar declarações nesse domínio, tal possa ser violador ou pelos menos indiciador da violação dos invocados princípios da imparcialidade e da boa-fé. Por outro lado, e como assim julgou o Tribunal recorrido, em face das declarações por este prestadas no procedimento, delas não resulta existir qualquer subjectividade ou desprimor para com a arguida, ora Recorrente, não denotando existir qualquer espécie de inimizade ou relação menos cordial que possa justificar a sua parcialidade, no sentido de a prejudicar.

De modo que, por aqui tem de improceder a pretensão recursiva da Recorrente, como patenteado sob as conclusões 36.ª a 50.ª das suas Alegações.

Cumpre agora apreciar e decidir sobre se a Sentença recorrida incorre em erro de julgamento em matéria de direito, por ter o Tribunal a quo, em suma, decidiu que se verificou uma condição essencial para a tipificação da infração disciplinar que lhe foi imputada [à aqui Recorrente], quando concluiu pelo alcance ou desvio de dinheiros públicos pela sua parte [Cfr. conclusões 51.ª a 70.ª].

Ora, neste domínio, referiu a Recorrente, em suma, que que ao contrário do decidido na Sentença recorrida, para existir alcance ou desvio de dinheiros públicos tem que existir uma intencionalidade de apropriação, sendo evidente que essa apropriação terá que ser em proveito próprio (ou de terceiro) e ainda que o agente tenha agido com dolo e consciência da ilicitude, sendo que conforme alegou em sede de procedimento disciplinar e na sua Petição inicial, que durante o período de matrículas, reina sempre em qualquer estabelecimento de ensino, um estado de confusão motivado pela urgência de cumprimentos de prazos e demais requisitos formais de tais processos.

Referiu ainda que também ficou provado em sede criminal, que até existe a forte possibilidade de alguém no interior dos serviços ter surripiado as guias em falta e respetivo dinheiro, com o claro intuito de a afastar [a arguida, ora Recorrente], dos serviços, realçando-se o mau ambiente existente ao nível dos serviços administrativos e ao próprio teor da denúncia apresentada, e ainda, que quer a Tesoureira quer a Tesoureira substituta da Escola Secundária de (...), se demitiam do exercício de uma das funções básicas de tesoureiro pois não efetuavam uma verdadeira conferência, conforme admitiram, já que não dispunham dos talões de matrícula, para controlar a totalidade do dinheiro entrado na escola proveniente das matrículas e também não efetuavam uma conferência pessoal que as salvaguardasse que só lhes foram apresentadas aqueles recibos/guias de pagamento e não outros, o que implicava, desde logo, um descontrole efetivo por parte da tesoureira, não podendo controlar meros erros ou irregularidades, e que face ao modo como a tesoureira e a tesoureira substituta alegam ter exercido as suas funções, que decidiu o Tribunal criminal que não espantava que a folha cofre relativa ao mês de Julho de 2009 tivesse sido encerrada sem que constasse qualquer referência à falta de dinheiro.

Por seu turno, contrapôs o Recorrido, tendo para tanto referido que a Recorrente labora em erro ao considerar que os pressupostos da infração disciplinar pela qual foi punida são os mesmos do crime de peculato, previsto no artigo 375.º do Código Penal, pelo facto de como assim dispõe a alínea m) do n.º 1 do artigo 18.º do EDFTP, e contrariamente ao que é imposto para efeitos de sindicância da infracção penal, que não é pressuposto da prática da infração disciplinar em causa, a demonstração de que o trabalhador se tenha apropriado da quantia desviada ou encontrada em alcance, e que no caso vertente a Sentença penal absolveu a ora Recorrente, por não ter dado como provado que a mesma se tenha apropriado das verbas correspondentes às matrículas que efetuou, rematando a final que o alcance ou desvio de fundos públicos em que a trabalhadora foi encontrada, dada a irreparável perda de confiança que a Administração nela depositava, preenche, sem margem para dúvidas, a cláusula da inviabilidade da manutenção da relação funcional, resultando plenamente justificada a sanção expulsiva que lhe foi aplicada.

Para essa apreciação, para aqui cumpre extractar parte da Sentença recorrida, como segue:

Início de transcrição
“[...]
Este raciocínio é desenvolvido nos artigos 77.º a 88.º da petição inicial, e a tese essencial é a de que só podia haver lugar a desvio de dinheiros públicos no caso de ser provado o destino dado à quantia que não foi entregue nos cofres da escola. Segundo a autora, esta figura de desvio de dinheiros públicos corresponde ao crime de peculato previsto no art.º 375.º do Código Penal, sendo que não se provaram os elementos típicos dessa infração.
Não podemos, desde logo, admitir esta ideia avançada pela autora, de acordo com a qual a punição disciplinar dependia da demonstração dos elementos típicos do crime de peculato.
Em momento anterior deixamos já caracterizado o conceito de infração disciplinar, que resulta do art.º 3.º, n.º 1, do ED. Esse conceito não é confundível com os elementos típicos da infração penal, o que significa que ainda que os factos não sustentem esse tipo de punição, não deixarão de justificar a sanção disciplinar, desde que preenchidos os requisitos consagrados nas normas do estatuto disciplinar.
Ora, a al. m) do n.º 1 do art.º 18.º do ED, que justificou a aplicação da pena disciplinar mais grave à aqui autora, nunca se refere à necessidade de demonstrar a finalidade visada com o desvio ou o alcance de fundos públicos. Ao contrário, o crime de peculato exige que se demonstre que o arguido se apropriou do dinheiro no seu proveito próprio ou de outrem – tal como decorre do art.º 375.º, n.º 1, do Código Penal.
Ou seja, para efeitos do art.º 18.º, n.º 1, al. m), do ED, o legislador basta-se com a mera circunstância de o trabalhador ter sido encontrado no alcance ou desvio de fundos públicos, não decorrendo da letra da lei que se exija a demonstração de que o trabalhador tenha usado tais fundos em proveito próprio ou de terceiro.
O que bem se compreende, dado que o fundamento basilar da aplicação de qualquer pena disciplinar que implique o rompimento do vínculo laboral reside na quebra fatal da confiança depositada pela entidade empregadora no trabalhador. Essa perda de confiança constituiu o fundamento que inviabiliza a manutenção da relação laboral; e, no entender do legislador, tal resulta da simples circunstância de o trabalhador ser encontrado a desviar ou alcançar fundos públicos, independentemente do fim que deu aos fundos desviados ou alcançados.
[...]“
Fim da transcrição

Neste patamar.

A convicção do julgador sobre os factos forma-se, livremente, com base nos elementos de prova, globalmente considerados, com recurso, ainda, às regras da lógica e da experiência comum na análise das provas.

Em suma, haverá erro de julgamento de facto quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto, sendo que, haverá erro de julgamento em matéria de direito quando o direito convocado pelo julgador ou a interpretação que dele tirou se mostre desconforme.

Como assim perspectivamos, o núcleo essencial da pretensão recursiva da Recorrente assenta na invocação de que a matéria carreada para o processo disciplinar não legitima a imputação que lhe foi feita, no sentido de que se apropriou/desviou dinheiros públicos, e que vieram a determinar a aplicação da pena disciplinar de demissão e a reposição da quantia de €897,80.

Ora, é certo que na tese por si defendida, quer no procedimento disciplinar, quer na Petição inicial que motivou estes autos, quer no âmbito do recurso jurisdicional, a Recorrente sempre sustentou que não se apropriou de nenhuma das quantias que recebeu de alunos, designadamente a título de matrículas.

E de facto, nem no processo disciplinar, nem na Sentença recorrida foi assacado à arguida, Autora ora Recorrente, que a mesma se apropriou da quantia desaparecida.

Mas o que é facto é que precedendo a instrução levada a cabo no procedimento disciplinar, aí veio a ser apreciado e decidido que, de facto, a arguida, ora Recorrente recebeu quantias decorrentes dos processos de matrículas, mas não as entregou nos Cofres da Escola, nem foram depositadas, quantitativo esse que se afere entre os montantes constantes nas guias de pagamento identificadas pelo Instrutor, e o montante que a mesma entregou no cofre da Escola, que, este, era inferior ao que foi depositado, em €897,80, tendo assim sido concluído que a arguida, ora Recorrente, violou os deveres de zelo, isenção e de lealdade, conduta que é susceptível de ser punida com a pena de demissão, com fundamento em que a arguida foi encontrada em alcance ou desvio de dinheiros públicos.

Ora, não restam dúvidas, atento o disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea m) do EDTFP, que o desvio de dinheiros públicos constitui fundamento para aplicação da pena disciplinar de demissão, atento o juízo de desvalor, e a censura ético-jurídica que impende sobre quem o faz, e que no caso em presença, foi apreciado e decidido que existia uma conduta culposa e grave da arguida, e em suma, que se verificavam os elementos subjectivo e objectivo da infracção disciplinar, quer quanto à prática do acto ilícito, quer quanto à respectiva imputação à arguida, ora Recorrente, no que concerne à culpa.

Ou seja, e como assim decidido, a arguida praticou infração disciplinar porque em face da sua conduta, violou deveres gerais ou especiais inerentes à função que exerce, a saber, os deveres de isenção, de zelo, e de lealdade.

Segundo o n.º 1 do artigo 3.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem
Funções Públicas, em vigor à data dos factos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro, “Considera-se infracção disciplinar o comportamento do trabalhador, por acção ou omissão, ainda que meramente culposo, que viole deveres gerais ou especiais inerentes à função que exerce.

Por sua vez, nos termos do n.º 3 do artigo 3.º do citado Estatuto Disciplinar, são deveres gerais dos trabalhadores:
“[…]
b) O dever de isenção;
e) O dever de zelo;
[…]
g) O dever de lealdade;
[…]”.

O dever de isenção consiste em não retirar vantagens directas ou indirectas, pecuniárias ou outras, para si ou para terceiro, das funções que exerce.

O dever de zelo consiste em conhecer e aplicar as normas legais e regulamentares e as ordens e instruções dos superiores hierárquicos, bem como exercer as funções de acordo com os objectivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas.

O dever de lealdade consiste em desempenhar as funções em subordinação aos objetivos do orgão ou serviço.

Ora, como assim deflui das conclusões das Alegações de recurso, e já acima expendemos, a ora Recorrente não põe em causa nenhum dos factos constantes do probatório, por que assim não consta como fundamento do objecto do recurso. Aliás, a final da fundamentação da matéria de facto, o Tribunal a quo, para além de ter julgado inexistirem factos que tenham sido considerados como não provados, motivou que na determinação do elenco dos factos provados teve em consideração o conjunto de documentos que se encontra junto aos autos e ao Processo Administrativo, assim como foi também levada em conta a posição expressamente assumida pelas partes nos articulados, e nessa medida, que os factos relevantes encontram-se assim, na generalidade, admitidos por acordo, além de sustentados documentalmente.

Por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos o teor do artigo 375.º do Código Penal, na versão vigente à data dos factos [rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 73-A/95, publicada no Diário da República n.º 136/1995, 1.º Suplemento, Série I-A de 14 de junho de 1995, em vigor a partir de 01 de outubro de 1995], como segue:

Artigo 375.º
Peculato
1 - O funcionário que ilegitimamente se apropriar, em proveito próprio ou de outra pessoa, de dinheiro ou qualquer coisa móvel, pública ou particular, que lhe tenha sido entregue, esteja na sua posse ou lhe seja acessível em razão das suas funções, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - Se os valores ou objectos referidos no número anterior forem de diminuto valor, nos termos da alínea c) do artigo 202.º, o agente é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
[…]”

Como resulta do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal judicial de Paços de Ferreira, a arguida, ora Recorrente, foi absolvida da prática do crime de peculato, pelo facto, em suma, de não se ter provado [isto é, o Ministério Público, enquanto titular da acção penal, não logrou fazer essa prova] que a arguida, de forma ilegítima, se apropriou, em proveito próprio ou de outra pessoa, de dinheiro que lhe foi entregue, proveniente do pagamento de inscrições e matrículas de alunos, ou que lhe estava acessível em razão das suas funções.

Neste conspecto, cumpre para aqui extractar parte da fundamentação jurídica aportada na Sentença recorrida, na parte em que faz alusão ao facto de a Recorrente ter sido absolvida do crime de peculato, como segue:


Início da transcrição
“[…]
Também é certo que a autora foi absolvida do crime de peculato. Sobre o assunto, somente se dirá que a punição disciplinar é relativamente autónoma em relação ao processo penal, sendo que mesmo a punição penal não preclude a possibilidade de punição disciplinar (como decorre do n.º 3 do art.º 7.º do ED). Por outro lado, o tribunal pronuncia-se apenas sobre a decisão da Administração, e se a mesma se mostra sustentada em termos probatórios, não lhe competindo em caso algum tecer considerações sobre a decisão penal (designadamente, se foi feita a mesma análise aos documentos existentes, e que permitiam obter a conclusão achada pela Administração). Por fim, recorde-se que o crime de peculato, nos termos expostos acima, constitui-se de pressupostos distintos da infração disciplinar, designadamente no que diz respeito à finalidade dada aos bens desviados.
[…]”
Fim da transcrição

Depois de cotejado aquele Douto Acórdão proferido pelo Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, a que se reporta o ponto 24 do probatório, em especial, a fundamentação aportada à fixação da respectiva matéria de facto provada, e compaginando-a com os factos que foram dados como provados no processo disciplinar, julgamos ser manifesto que em ambas as instâncias [a disciplinar e a criminal] foi apreciada a relação que a arguida teve com o procedimento de matrículas e inscrições de alunos, sendo que, do processo crime não resultou provado que a mesma se tenha apropriado da quantia em falta, e por sua vez, do processo disciplinar, também não tendo resultado que ela se apropriou dessa quantia, que de todo o modo que a teve sob o seu domínio e que essa quantia não mais foi encontrada nos cofres da Escola.

Neste sentido, por também julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos parte do Douto Acórdão do STA, datado de 24 de janeiro de 2002, proferido no Processo n.º 048147, como segue:

Início da transcrição
“[...] é sabido que a responsabilidade disciplinar e a responsabilidade criminal são distintas e acumuláveis, visando tutelar bens jurídicos diversos: no primeiro caso, a preservação da capacidade funcional do serviço público em causa e no outro a defesa dos valores ético-sociais ou interesses fundamentais da vida em sociedade - cfr. M. Caetano, Manual de Direito Administrativo, II, 9ª ed., págs. 43-44 e Luís Vasconcelos Abreu, - para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: As Relações com o Procedimento Disciplinar, pág. 87 e acs. do STA de 2/6/92, rec. nº 29640; de 6/10/93, rec. nº 30356; de 13/10/94, rec. nº 29716; de 30/11/94, rec. nº 32888; e de 23/11/95, rec. nº 34324.
Daí que o procedimento disciplinar seja independente e autónomo do procedimento criminal instaurado pelos mesmos factos, tal como são independentes as respectivas decisões. Como bem salienta o Exmº Magistrado do Ministério Público, a diversidade de finalidades que, a partir da natureza dos bens a proteger, é a razão de ser da independência dos processos justifica, do mesmo passo, que a absolvição, em processo penal, por factos integrantes, também, de infracção disciplinar, não releve nesta sede, uma vez que o mesmo comportamento é, num e noutro dos processos, apreciado à luz de normativos diversos, a partir de enfoques distintos e com critérios de prova autónomos e diferentemente orientados - cfr. acs. do STA, de 23/6/99, rec. nº 37812; de 24/11/99, rec. nº 41997; de 29/2/00, rec. nº 31130; e de 3/4/01,rec. nº 29864 (este do Pleno).
O mesmo facto pode não ser provado em processo criminal com o grau de certeza necessário para ser punido por sentença penal, onde o rigor da prova terá que ser maior, e todavia aparecer em processo disciplinar com suficiente consistência para demonstrar a responsabilidade do agente.
Assim, o facto de no processo crime instaurado contra o arguido pelos mesmos factos, o resultado da prova ser diverso, não invalida, per se, a apreciação que sobre eles fez o instrutor do processo e a autoridade punitiva, não estando o processo disciplinar subordinado ao processo crime, como pretende o recorrente.
[...]
Com efeito, o recorrente não logrou demonstrar que da prova autonomamente colhida no processo disciplinar resulte a inexactidão material dos factos constitutivos das infracções disciplinares e das circunstâncias em que as mesmas foram praticadas, tudo de acordo com a acusação formulada. E, uma vez provada essa materialidade, estão provadas as circunstâncias agravantes que dela decorrem.
[...]“
Fim da transcrição

Conforme emerge das posições adversariais assumidas pelas partes nos seus articulados, incluindo os apresentados neste TCA Norte, na base do julgamento prosseguido pelo Tribunal recorrido está a realização de um inquérito assim como, subsequentemente, de um processo disciplinar em que foi visada a actuação da Autora, arguida, ora Recorrente, no período de 6 a 24 de julho de 2009, que foi atinente ao procedimento de regular de matrículas para o ano de 2009/2010 da Escola Secundária de (...), e que culminou na apresentação de um Relatório final que incluía uma proposta por parte do Instrutor nomeado, com a qual concordou o Secretário de Estado Adjunto e da Educação, por seu despacho datado de 24 de maio de 2010.

Essa proposta está enunciada sob o ponto 20 do probatório, e dela se extrai que a aplicação à arguida, ora Recorrente, devia ser aplicada a pena disciplinar de demissão, a que devia acrescer a reposição nos cofres da Escola a quantia de €897,80, e tanto, porque em sede do procedimento disciplinar ficou provada a conduta imputada à arguida e descrita na acusação, conduta essa que foi entendido constituir infracção disciplinar subsumível no âmbito do artigo 3.º, n.º 1 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas [doravante, também referido como EDTFP], aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, por violação dos deveres gerais de isenção, zelo e lealdade, previstos no n.º 2, alíneas b), e) e g), e n.ºs 4, 7 e 9 do mesmo artigo. E que, como decorreu da instrução procedimental, assim como das respectivas “Conclusões” [onde foram fixados os factos que o Instrutor deu como provados], tal assim resulta do facto de no período compreendido entre 6 a 21 de julho de 2009 [tempo em que decorreram as matrículas para o ano lectivo 2009/2010], a Autora, ora Recorrente, apesar de ter solicitado férias, e mesmo nos dias 22 e 24 de julho de 2009 em que também estava oficialmente de férias, a mesma ter estado a exercer funções na escola, onde interveio no procedimento regular de matrículas, tendo recebido as folhas de pagamento de alunos, onde registou a quantia que cada aluno pagou, deles tendo recebido as importâncias devidas cada um, sendo que segundo as listas/guias de pagamento existentes nos autos, a arguida, ora Recorrente tinha realizado 438 matrículas, recebido e registado a importância que depositou nos cofres da escola de 2.829,24 €, só que no âmbito dos processos de matrícula de 1.825 alunos matriculados, foram efectivamente registados 1.722, e com referência a estes [1.722], há 515 folhas de pagamento que foram datadas e assinadas pela arguida, ora Recorrida, tendo esta recebido as importâncias nelas registadas, no valor de 3.550,46 €, sendo que há ainda 5 folhas de pagamento de cinco alunos matriculados e registados pela arguida nas guias de pagamento, onde o valor correspondente às propinas, no total de 13,50 € não foi lançado nas referidas guias , e que não entrou nos cofres da escola, e ainda, há 96 folhas de pagamento que não foram lançadas nas guias de pagamento, nem há registo de entrega na escola, nem foram registadas na folha-cofre, nem foram depositadas na CGD, no valor de €884,30 [sendo 436,50€ do Seguro Escolar/OGE, e 447,80€ de outras rubricas], dinheiro este (no montante global de €897,80 [€884,30+€13,50]) que foi recebido pela arguida aquando das matrículas por si efectuadas e que não foi entregue quer à tesoureira titular, M., quer à tesoureira substituta, M-., no período em que aquela esteve de férias.

Ou seja, a actuação sindicada e que visou a conduta da arguida, ora Recorrente, fixou-se assim, como residualmente consta do ponto 145 das Conclusões do Relatório final do Instrutor do processo disciplinar, na existência de “… uma verba em débito, de que a arguida é responsável pela sua não entrega e que terá de repor nos cofres da Escola, verba essa no valor de 897,80€ […]”.

E como patenteado sob o ponto 148 das Conclusões do Relatório final do Instrutor, datado de 5 de março de 2010 “… A arguida, pelos factos por si praticados e dados como provados, avaliados no contexto funcional da sua prática e cometimento, ou seja, no quadro de desempenho do processo de matrículas escolares, no momento em que há todo um conjunto de procedimentos e tarefas próprias e específicas desenvolvidas numa interacção e num contacto pessoal e directo com o público, nomeadamente alunos, pais encarregados de educação, tarefas e actividades essas próprias e legalmente atribuídas aos Serviços de Administração das Escolas, e, no caso presente, aos Serviços de Administração da Escola Secundária de (...), de que a arguida é a máxima responsável, o comportamento que lhe foi imputado, e superiormente descrito na nota de culpa, pela forma como foi praticado [isto é, o constatado desaparecimento da quantia global de € €897,80, num período temporal em que, como assim apreciado em sede disciplinar, a arguida, ora Recorrente, devia estar em período de férias – mas independentemente desse estado situacional -, tendo estado a trabalhar, esse dinheiro não veio a ser encontrado nos cofres da escola], essa “… conduta imputada à arguida é inviabilizadora da manutenção da relação funcional …”, nos termos do artigo 18.º, nº 1 do EDTFP, sendo susceptível de ser punida com a pena de demissão prevista no artigo 9.º, n.º 1, alínea d) do mesmo Estatuto, por integrar a previsão da alínea m) do artigo 18.º do mesmo diploma, ou seja, seja encontrada em alcance ou desvio de dinheiros públicos.

Por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai o referido artigo 18.º, como segue:

Artigo 18.º
Demissão e despedimento por facto imputável ao trabalhador
1 - As penas de demissão e de despedimento por facto imputável ao trabalhador são aplicáveis em caso de infracção que inviabilize a manutenção da relação funcional,
nomeadamente aos trabalhadores que:
[…]
m) Sejam encontrados em alcance ou desvio de dinheiros públicos;
[…]”

A Autora, ora Recorrente, havia alegado que eram várias as pessoas que arrecadavam receita, e que nos dias de matrícula era grande a azáfama para efeitos de fazer as matrículas, e que por essa razão ela foi trabalhar em período que, anteriormente, estava agendado período de férias, ou também, por conveniência de serviço, o que até está em conformidade com os factos dados como provados no processo crime.

Porém, não podemos obnubilar que a arguida era a responsável máxima pelos Serviços administrativos da Escola, a si cabendo gerir esses serviços, com eficácia e eficiência, por forma a que, atempadamente, todos os alunos fossem inscritos e pudessem iniciar o ano lectivo sem percalços motivados por questões de ordem administrativa.

E nesse sentido, a arguida, por motu próprio, aprestou-se a ir trabalhar para a Escola, para os respectivos Serviços administrativos, em período temporal em que estava de férias já agendadas [sem prejuízo da sua alteração], o que assim decidiu a pretexto de auxiliar na realização dessas matriculas.

Quanto a essa atitude, corporizada na opção por si tomada, à primeira vista ela não merece nenhuma censura, pois que, enquanto responsável pelos serviços, ela melhor do que ninguém deve/devia saber o estado em que o procedimento de inscrição estava e de que forma é que a sua intervenção, a par de todas as demais funcionárias, era necessária para esse efeito.

Porém, seria imperioso que a sua intervenção no procedimento não viesse a ser causa de maior confusão, mormente, em torno da quantidade de dinheiro por si recebido por conta das inscrições matrículas que realizou, e daquele dinheiro que referiu veio a entregar no cofre, e aquele que apenas veio a aparecer, bem inferior ao que por si foi recebido, como foi documentalmente evidenciado.

Como assim julgamos, escapa ao entendimento do homem médio, que a ora Recorrente se tenha, por si, auto-determinado a ir desempenhar uma função – de tesoureira -, arrecadando dinheiro em conformidade com os pagamentos que íam sendo efectuados, quando essa função não lhe estava adstrita, antes a uma funcionária dos serviços, que de resto foi por si escolhida para esse efeito, assim como também escolheu uma outra funcionária para exercer as funções em substituição, como se não houvesse uma organização prévia dos Serviços, e a final não entregou a essa tesoureira o dinheiro por si arrecado.

Note-se que, como assim resultou provado [por interposição deste TCA Norte – Cfr. pontos 5A e 13B do probatório], a arguida exerceu funções de “Tesoureira” na Escola Secundária, no período compreendido entre 10 de fevereiro de 2003 e 17 de novembro de 2003, sendo ainda que, quando prestou declarações perante o Instrutor do processo disciplinar no dia 28 de dezembro de 2009, à pergunta sobre “Quando tomou posse do seu cargo, alterou várias normas do procedimento habitual. Acha que foi sensata e sábia nessas alterações?, a mesma respondeu que “A única alteração que eu entendo ser a mais significativa foi apenas o Tesoureiro receber as verbas todas, e não estarem todas as funcionárias a arrecadar valores. Tudo através de talonários que o Tesoureiro rubricava ao entregarem-lhe o dinheiro.”.

Ou seja, o serviço da tesouraria não era “novo” para a arguida, e enquanto Chefe dos Serviços de Administração Escolar, a si lhe competia prover pela adopção de procedimentos adequados à realidade que foi encontrando, e tanto assim, que quando tomou posse do cargo, em 13 de janeiro de 2009, a mesma referiu em sede da instrução do processo disciplinar, que das alterações mais significativas que introduziu no âmbito da sua gestão, foi a de apenas o Tesoureiro, isto é, de apenas o funcionário/a que estiver com a função de “tesoureiro”, podia receber toda a receita que fosse passível de ser arrecada por força do funcionamento dos Serviços de que a mesma era a responsável máxima.

Por força da instrução do processo disciplinar, o que se assiste é que, para além da tesoureira e da sua substituta, também a arguida arrecadou receita no período de 6 a 24 de julho de 2009, sendo que parte dessa receita por si arrecada não veio a aparecer para efeitos de ser depositada em instituição bancária, sendo que, manifestamente, estava sob o seu domínio, era seu dever de garante, prover por que todo ou parte do dinheiro por si arrecadado não desaparecesse/não fosse desviado, e tendo tal acontecido, foi-o em violação do seu conteúdo funcional e também do conteúdo funcional da/s funcionária/s a quem estava atribuída a função de fazer essa arrecadação, enquanto “tesoureira/s”, sendo que nem a arguida, ora Recorrente, apresentou justificação plausível para esse seu comportamento, quando sabia e conhecia [aliás, não podia deixar de saber e conhecer, por forças das suas funções de chefia] que não estava nas suas competência exercer funções de tesoureira, assim como, de receber quaisquer quantias que os alunos devessem pagar, quando, no limite do razoável, se se auto-determinou por o fazer, a alegação de que depositou o dinheiro no cofre da Escola mas que parte dele aí não foi encontrado, traduz uma actuação grosseiramente negligente, com manifestos reflexos anómalos no funcionamento dos Serviços, e lesivos do património da Escola.

Como assim julgamos, pela quantia global que foi identificada pelo instrutor do processo disciplinar, como tendo sido por si recebida, e pela parte desse dinheiro que não veio depois a aparecer para efeitos de ser depositado em instituição bancária, apenas e só a arguida é responsável, no contexto do funcionamento dos Serviços, que chefiava, sendo que, se não se logrou fazer prova em processo penal, de que a mesma se apropriou, em seu benefício ou de terceiro dessa quantia sem paradeiro, por não ter sido possível ao respectivo Tribunal formar convicção firme de que tal aconteceu, de todo o modo, em sede disciplinar, a conduta assacada à arguida é por demais manifesta ser violadora dos deveres que devia observar e respeitar, a saber, de isenção, de zelo e de lealdade, porquanto, tendo estado na sua posse o dinheiro que não mais apareceu, que é por causa que lhe é imputável, que é devida a imputação de que, em sede disciplinar, essa sua actuação é causa do desvio de dinheiros públicos, sendo que estava ao seu alcance garantir, por todos os meios, que jamais quantia alguma por si recebida fosse desaparecer sem rasto.

Mas em sede disciplinar, não é a questão da “apropriação ilegítima do dinheiro” que está em causa, [por se tratar de questão do foro criminal e já julgada], antes o facto de esse dinheiro ter estado no domínio, na efectiva esfera de imediação da arguida, a qual não tinha funções de tesoureira, mas que no período em causa decidiu, sozinha, que devia exercê-las, no que veio a derivar, a final, que parte do dinheiro que confessadamente a arguida refere ter recebido, não foi depois capaz de garantir que o mesmo viria a ser depositado.

Consistindo o dever de zelo em conhecer e aplicar as normas legais e regulamentares e as ordens e instruções dos superiores hierárquicos, bem como exercer as funções de acordo com os objectivos que tenham sido fixados e utilizando as competências que tenham sido consideradas adequadas, sendo a arguida, ora Recorrente a Chefe dos Serviços de Administração Escolar, desde 17 de setembro de 2007, e também, por inerência membro do Conselho Administrativo da Escola, todo o mau funcionamento dos serviços administrativos e financeiros da Escola só a si é imputável, em razão da sua função, até porque nunca alegou que sobre quaisquer determinações de serviço por si queridas tomar, algum Dirigente superior a tanto tivesse obstado.

A pena de demissão, no contexto do EDFTFP, é aplicável em caso de infracção disciplinar que inviabilize a manutenção da relação funcional, cuja tipificação, meramente exemplificativa, consta do artigo 18.º desse Estatuto, e de onde se destaca a previsão constante da alínea m), isto é, se for dado como provado que dado trabalhador foi encontrado em alcance ou desvio de dinheiros públicos.

De modo que, também por aqui tem de improceder a pretensão recursiva da Recorrente, como patenteado sob as conclusões 51.º a 70.ª.
*

E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Desvio de dinheiros públicos; Processo crime; Absolvição; “In dubio pro reo”; Processo disciplinar; Pena de demissão.

1 - O ilícito disciplinar e o ilícito criminal são diferenciados entre si, e autónomos os respectivos processos, na medida em que por aquele se visa preservar a capacidade funcional do serviço, e por este [o ilícito criminal] se visa a defesa dos bens jurídicos essenciais à vida em sociedade, sendo por isso que o facto de o arguido ser absolvido em processo crime, não obsta, em princípio à sua punição em processo disciplinar instaurado com base nos mesmos factos.

2 - Em sede de processo disciplinar, a Administração está vinculada aos factos dados por provados na decisão penal condenatória/absolutória do arguido, sem prejuízo da sua valoração e enquadramento jurídico para efeitos disciplinares.

3 – Tendo a arguida a categoria de Chefe de Serviços de Administração Escolar, e logo após o seu início de funções estabelecido orientação de que apenas cabia ao tesoureiro da Escola arrecadar receita que fosse devida decorrente de pagamentos por parte de alunos, escapa ao entendimento do homem médio que a mesma aí efectue funções de tesoureira e arrecade receita [quando a tesoureira se encontra em exercício de funções], e que mesmo assim, por via do seu dever de garante, não venha a entregar a totalidade desse dinheiro por si recebido à tesoureira, ou a efectuar o seu depósito em instituição bancária, tendo parte desse montante por desaparecido.

4 – Viola os deveres de zelo, isenção e de lealdade, a responsável máxima pelos Serviços administrativos de uma escola, quando, sendo certo que lhe incumbe gerir os serviços, aplicando normas legais e regulamentares, assim como ordens e instruções de superiores hierárquicos, e nesse domínio, também, disciplinar termos e modo de funcionamento dos serviços, tendo definido quem exercia as funções de tesoureira e que só a ela [à tesoureira] competia a arrecadação de receita, vem depois a subverter as regras por si definidas, diferentes das que haviam sido fixadas por si e com a utilização de competências que vêm a constatar-se serem manifestamente desadequadas a prover pela efectiva arrecadação de receita e respectivo depósito, para além de que, desrespeitou as funcionárias que desempenhavam essa função.

5 - O princípio in dubio pro reo não tem como fundamento o princípio da “presunção da inocência”, nem constitui regra de “ónus da prova”, mas tão somente o princípio de que é inadmissível a condenação por infracção não provada, sendo que, no caso dos autos, o Tribunal recorrido aferiu da regularidade e suficiência do juízo probatório da decisão disciplinar, tendo perfilhado um juízo coincidente com o que foi formulado pela autoridade administrativa, ora Recorrida, sendo certo que a convicção probatória é formada livremente, com base na prova disponível, no mérito da instrução produzida, o que a Sentença recorrida detalhadamente apreciou.

6 - O desvio de dinheiros públicos constitui fundamento para aplicação da pena disciplinar de demissão, face ao juízo de desvalor que lhe está subjacente e a censura ético-jurídica que impende sobre quem o faz, tendo no caso em presença sido foi apreciado e decidido que existia uma conduta culposa e grave da arguida, e em suma, que se verificavam os elementos subjectivo e objectivo da infracção disciplinar, quer quanto à prática do acto ilícito, quer quanto à respectiva imputação à arguida, ora Recorrente, no que concerne à culpa.


7 - A pena de demissão, no contexto do EDTFP, é aplicável em caso de infracção disciplinar que inviabilize a manutenção da relação funcional, cuja tipificação, meramente exemplificativa, consta do artigo 18.º desse Estatuto, e de onde se destaca a previsão constante da alínea m), isto é, se for dado como provado que dado trabalhador foi encontrado em alcance ou desvio de dinheiros públicos.
***

IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em negar provimento ao recurso interposto pela Recorrente M., e consequentemente, em confirmar a Sentença recorrida, mantendo na ordem jurídica administrativa o acto impugnado, da autoria do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, datado de 24 de maio de 2010, que aplicou à Recorrente a pena de demissão com a obrigação de reposição da quantia de €897,80.
*
Custas a cargo da Recorrente.
**
Notifique.
*

Porto, 13 de novembro de 2020.


Paulo Ferreira de Magalhães
Fernanda Brandão
Hélder Vieira