Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00606/05.1BECBR-A-V
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/28/2022
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:EXECUÇÃO. CASOS JULGADOS CONTRADITÓRIOS.
Sumário:I) – “A decisão judicial não tem por objecto discutir argumentos ou posições jurídicas mas definir o direito na concreta questão que lhe é submetida” (Ac. TRC, de 09-09-2015, proc. n.º 175/07.8TASRT-B.C1); a sentença que agora se executa, ao invés do que entende o executado, não surge contraditória com anterior julgado, caso em que seria ineficaz; e tendo já por ela ficado definido o direito, sem tal contradição, não procede agora arvorar a infidelidade da execução ao que primeiro foi julgado, em triunfo do que supostamente se oporia.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Ministério da Administração Interna
Recorrido 1:Ministério das Finanças E OUTRO
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

Ministério da Administração Interna (Praça (…)) interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Coimbra, em acção executiva, por apenso ao proc. n.º 606/05.1BECBR-A, intentada contra si e Ministério das Finanças (Rua (...)) por S. (Rua (…)) onde, no essencial, se julgou “(…) a presente ação executiva parcialmente procedente e, em ordem a proceder à execução do acórdão proferido pelo TCAN em 12.06.2019 nos autos de que esta execução constitui um apenso:
a) Determino que o IMT, em aditamento à informação já prestada, no prazo de 15 dias, informe os Ministérios executados, em que escalões e categorias esteve o exequente provido e posicionado no período compreendido entre julho de 2000 e junho de 2017;
b) Condeno os Ministérios executados a, uma vez prestada a informação mencionada no ponto antecedente pelo IMT, I.P., e no prazo de 30 dias a contar da data em que a tenham na sua posse, procederem ao cálculo da diferença entre o valor das remunerações mensais (incluindo suplemento inspetivo) que o exequente efetivamente auferiu desde 01.07.2000 até 22.06.2017, e o valor da remuneração que deveria ter recebido se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do DL 112/2001, de 6 de abril;
c) Fixo em 30 dias, contados desde o termo do prazo mencionado na alínea antecedente, o prazo para que se dê integral execução ao julgado, procedendo ao pagamento ao exequente do valor da indemnização calculada nos termos supra mencionados acrescida dos juros que se mostram devidos, até efetivo e integral pagamento, conforme determinado na decisão exequenda.”.

Conclui:

1) A decisão ora recorrida labora em erro do direito aplicável ao caso em juízo;
2) A decisão ora recorrida propõe-se executar o acórdão do TCAN proferido em 12 de junho de 2019 que decreta a reconstituição da situação atual hipotética do Exequente S. na carreira de inspetor de viação;
3) A decisão ora recorrida ignora o acórdão do TCAN proferido em 6 de março de 2015 sobre a mesma relação material controvertida em que é reconhecido ao Exequente S. o direito à indemnização por impossibilidade superveniente da regulamentação da carreira de inspetor de viação;
4) O acórdão do TCAN proferido em 6 de março de 2015 já transitou há muito em julgado, como reconheceram tempestiva e sucessivamente o TAFC-UO 1 e o próprio TCAN nos autos dos Processos n.os 606/05.1BECBR, 606/05.1BECBR-A e 606/05.1BECBR-A-V;
5) Somente o acórdão do TCAN proferido em 6 de março de 2015 é aplicável à pretensão do Exequente S., por força do disposto nos artigos 625.º e 628.º do Código de Processo Civil, segundo a remissão supletiva do artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
6) Em consequência, a decisão ora recorrida padece do vício de nulidade previsto no artigo 615.º, n.os 1, alíneas d) e e), e 4, do Código de Processo Civil, aplicável segundo a mesma norma remissiva do artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Sem contra-alegações.

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto foi notificado nos termos do art.º 146º, nº 1, do CPTA, não emitindo parecer.
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Dispensando vistos, cumpre decidir.
*
Os factos fixados na sentença como provados:
1. Em sentença de 09.04.2010, proferida no processo n.º 606/05.1BECBR, consignou-se, entre o mais:
(…) concorda-se que para efetivação da transição para as novas carreiras e possibilidade dos (possíveis) destinatários poderem auferir o suplemento de função inspetiva, o DL nº 112/2001, de 6 de Abril carecia da publicação do referido decreto regulamentar, sem o qual o regime instituído naquele não produz efeitos relativamente aos autores, pois este diploma subordinava a essa produção de efeitos à emissão de um decreto regulamentar.
Por outro lado, é pacífico que até hoje, relativamente aos funcionários da extinta DGV, não foi emitido o decreto regulamentar em causa.
Ocorre, por isso, uma situação de ilegalidade por omissão de normas regulamentares, nos termos do nº 1 do artigo 77º do CPTA, que estabelece existe uma situação de ilegalidade por omissão das normas quando a sua adoção, ao abrigo de disposições de direito administrativo, seja necessária para dar exequibilidade a atos legislativos carentes de regulamentação.
Porém, nos termos do nº 2 do citado preceito, quando o tribunal verifique a existência de uma situação de ilegalidade por omissão, julga procedente a ação e disso dará conhecimento à entidade competente, fixando prazo, não inferior a seis meses, para que a omissão seja suprida.
Neste aspeto, face à extinção da DGV, ocorre uma situação de impossibilidade, sendo aparentemente inútil a emanação de tal injunção.
No entanto, é notório o paralelismo entre a situação dos autos e a examinada no citado acórdão. Desde logo porque, independentemente das funções que cabem aos autores atualmente, a sua situação estatutária como funcionários da DGV deixou de ser necessária. Ou seja, perante o novo quadro legal, a situação atual não carece de qualquer regulamentação: não há necessidade de regulamentar as carreiras inspetivas (inexistentes) da DGV. Impõe-se assim a improcedência do pedido quanto à verificação da situação de ilegalidade de emissão do regulamento para situações atuais e futuras, por falta do requisito acima apontado (existência de ato legislativo – ainda - carente de regulamentação).
Neste ponto, cumpre assinalar que, por isso mesmo, o novo Ministério da tutela não carecia de ser chamado à ação, porque não se cura de regular para futuro a nova situação dos autores. E, do mesmo modo, porque é a situação passada que está em desconformidade com o ordenamento jurídico, apenas deve ser chamado à colação quem, no passado, tinha o dever regulamentar que foi omitido, assim se mantendo o interesse dos réus em contradizer.
Mas, tal como acontece na situação contemplada pelo acórdão transcrito, as situações passadas foram vividas à sombra de um quadro legal, efetivamente carente de regulamentação e estão ainda em desconformidade com a ordem jurídica e, por outro lado, já não é possível emitir um regulamento que corrija essa ilegalidade.
Ou seja, não há qualquer situação de facto que ainda possa ser objeto de regulação através de normas regulamentares, uma vez que a situação atual e futura já não carece de qualquer regulamentação e a situação passada não é suscetível de ser regulada através de ¯normas gerais e abstratas.
No entanto, à semelhança do que sucede no caso analisado pelo STA, a improcedência do pedido de declaração de ilegalidade por omissão de um regulamento por impossibilidade absoluta, faz nascer o direito à indemnização na esfera jurídica dos autores, devendo, nesse caso, o tribunal convidar as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnização devida, nos termos do nº 1 do artigo 45º do CPTA.
(…)
DECISÃO
Pelo exposto:
1) Julgo improcedente o pedido de declaração de ilegalidade por omissão de regulamento;
2) Fixo, nos termos do nº 1 do artigo 45º do CPTA, o prazo de 20 dias para as partes acordarem no montante da indemnização devida.”. – cf. fls. 266 e ss. dos referidos autos no SITAF;
2. Por acórdão proferido em 06.03.2015, no âmbito do processo mencionado no ponto antecedente, o TCA Norte julgou verificada uma situação de impossibilidade superveniente da lide quanto ao pedido inicial, em relação aos autores integrados na carreira de inspetor de viação, e confirmou a decisão recorrida quanto à convolação objetiva do processo, apenas no que toca a este último grupo de autores, entre o mais, com os seguintes fundamentos:
“(…)
No caso concreto e, como vimos, apenas em relação aos autores integrados na carreira de inspetor de viação se verifica uma omissão ilegal de regulamentar; pelo que se verifica ser fundamentado o pedido inicialmente formulado por estes autores.
Voltamos aqui a citar o teor do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.06.2012, no processo n.° 0337/11, com o qual também neste trecho se concorda:
“(...)
A revogação do ato legislativo carente de regulamentação faz cessar a partir da revogação a necessidade da sua regulamentação. Por isso, a partir de então, ou seja, a partir do momento em que o ato legislativo deixa de vigorar, deixa de existir uma condição de procedência.
No entanto, esta evidência não afasta a possibilidade de, durante a vigência da norma carente de regulamentação, se ter tomado exigível a obrigação de emitir as normas e, por esse motivo, a Administração se encontrar já numa situação de “ilegalidade por omissão”.
Por isso a revogação da lei carente de regulamentação, só por si, não afasta a existência de uma situação de ilegalidade por omissão ocorrida durante a sua vigência. Não é, pois exacto, concluir que a revogação da lei carente de regulamentação implica necessariamente a improcedência da ação de condenação na emissão do regulamento.
Para determinar os efeitos de tal revogação, toma-se necessário averiguar várias coisas: (i) se a revogação ocorre antes ou depois de proposta a ação; (ii) se a revogação é retractiva; (iii) se durante a vigência da norma revogada, chegou a constituir-se na esfera jurídica dos interessados o direito ou interesse legítimo de exigir a condenação da Administração na emissão das normas.
Se a revogação da norma ocorre antes da propositura da ação, esta deve ser julgada improcedente, sem aplicação do art. 45°, 1 do CPTA. Falta um requisito de procedência: vigência da lei carente de regulamentação. Se durante o período de vigência da norma chegou a haver uma ilegalidade por omissão, só resta ao interessado lesado pedir a respetiva indemnização através da ação para efetivação da responsabilidade civil.”
É que, em face dessa revogação, não existem situações presentes e futuras carentes de regulamentação e, como este STA tem reafirmado, também não é juridicamente possível emitir regulamentos para o passado, dado estes não poderem ser dotados das características de generalidade e abstração que os mesmos devem conter (cfr., neste sentido, por todos, os acórdãos de 23/4/2008 e de 19/10/2010, proferidos nos recursos n.°s 897/07 e 460/08, respetivamente). (...)”
No caso concreto a revogação da norma ocorreu depois da propositura da ação.
A Direcção-Geral de Viação foi extinta com a criação da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, operada pelo DL n.º 77/07, de 29 de março, que no seu artigo 13° revogou expressamente o Decreto-Lei n.º 484/99.
E a presente ação foi proposta em 19.10.2005 - ver fls. 1.
Pelo que, verificando-se em relação a este grupo de autores fundamento válido para o pedido deduzido na ação, de declaração de ilegalidade por omissão de regulamento, impõe-se em relação a eles a convolação objetiva do processo por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 45° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.(…)”. – cf. acórdão a fls. 1506 e ss. dos referidos autos no SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
3. Por acórdão proferido em 12.06.2019, no âmbito de ação administrativa intentada, entre outros, pelo ora exequente, contra o MAI e o MF, que correu termos neste Tribunal sob o n.º 606/05.1BECBR-A, e na sequência de recurso interposto em 22.06.2017, foram as entidades demandas condenadas a «pagar a cada dos Recorrentes (…) os montantes correspondentes aos diferencias remuneratórios entre o valor das remunerações mensais que cada recorrente efetivamente auferiu desde 1 de julho de 2000 até à data de interposição do (…) recurso – ou à data da sua aposentação se anterior – e o valor da remuneração que deveria ter efetivamente recebido se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do DL 112/2001, de 6 de abril, acrescido do diferencial entre o valor do suplemento de função inspetiva efetivamente auferido e o valor desse mesmo suplemento que deveria ter sido estabelecido se tivesse sido regulamentada a carreira de inspeção em que estavam inseridos os recorrentes, em cumprimento do disposto no DL 112/2001, acrescidos de juros de mora à taxa de 7%, desde 1 de julho de 2000 até 30 de abril de 2003, e de 4% desde 1 de maio de 2003 até à data de pagamento das referidas quantias, devendo ainda ser comunicada à Caixa Geral de Aposentações, o valor das novas remunerações resultantes dos referidos cálculos, para que, mostrando-se pagos os necessários descontos, se proceda ao recálculo das pensões dos recorrentes entretanto aposentados».– cf. documento n.º 1 junto com o requerimento executivo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
4. Em julho de 2000 o exequente era técnico profissional de 1.ª classe da carreira de técnico profissional de viação – cf. informação do IMT;
5. Por despacho do Subdiretor Geral de Viação foi nomeado técnico profissional principal da carreira de inspetor de viação com efeitos a 18.11.2002 – cf. informação do IMT;
6. Em 01.01.2009, o exequente transitou para a carreira de assistente técnico do mapa de pessoal do IMTT – cf. informação do IMT;
7. O exequente aposentou-se em 01.04.2019 – cf. processo remetido pelo IMT;
8. O MAI e o MF não procederam ao pagamento ao exequente de qualquer indemnização – acordo.
*
A apelação:
A decisão recorrida vem em face de oposição à execução, culminando, com parcial procedência das pretensões, na estatuição supra já mencionada, após seguinte juízo:
«(…)
Como se expôs supra, o exequente, considerando que o MAI e o MF não deram execução à decisão exequenda, pretende, desde logo, que o IMT:
(i) efetue e apresente os cálculos dos diferenciais remuneratórios entre o valor das remunerações mensais (incluindo suplemento remuneratório) que o exequente efetivamente auferiu desde 1 de julho de 2000 até à data atual e o valor da remuneração que deveria ter efetivamente recebido se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do Decreto-lei n.º 112/2001 de 6/4;
(ii) efetue e apresente os cálculos do valor dos juros calculados, sobre cada diferencial mensal (salarial e relativo ao suplemento) calculados, mês a mês, desde 1 de julho de 2000 até 30 de abril de 2003 (à taxa de 7%) e desde 1 de maio de 2003 até à data presente (à taxa de 4%);
(iii) comunique à Caixa Geral de Aposentações (CGA, IP) o valor das novas remunerações resultantes dos referidos cálculos, e efetue os respetivos descontos para a CGA, IP.
Bem assim, pretende que a CGA seja também chamada a colaborar com o Tribunal e:
(i) efetue e apresente o recálculo do valor da pensão do exequente, atendendo aos valores da remuneração corrigidos que lhe sejam comunicados pelo IMT, IP;
(ii) efetue e apresente o cálculo das diferenças dos valores mensais entre a pensão mensal auferida e os valores mensais de pensão, agora recalculada, que deveria ter auferido;
(iii) efetue e apresente ao Tribunal os cálculos do valor dos juros calculados, sobre cada diferencial mensal da pensão calculados, mês a mês, desde 1 de setembro de 2012 até à data presente, à taxa de 4%.
Tudo isto para que os Ministérios Executados procedam ao pagamento da indemnização, que computa no valor de 90.886,69€, acrescida de juros de mora vincendos, calculados à taxa legal em vigor, até efetivo e integral pagamento.
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O MAI, uma vez chamado, deduziu oposição, invocando existir uma patente contradição no plano decisório entre os dois acórdãos do TCAN proferidos sucessivamente sobre a mesma pretensão no âmbito dos Processos n.ºs 606/05.1BECBR e 606/05.1BECBR-A.
Mais alega que o Decreto-Lei n.º 112/2001 cessou a sua vigência em 4 de agosto de 2009, por força do estatuído no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 170/2009, de 3 de agosto (diploma que estabelece o regime da carreira especial de inspeção, procedendo à transição dos trabalhadores integrados nos corpos e carreiras de regime especial das inspeções-gerais), e que o exequente foi integrado na carreira de assistente técnico do mapa de pessoal do IMTT, nos exatos termos fixados nos n.ºs 1 e 2 do Despacho n.º 11803/2009, de 29 de abril, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 94, em 15 de maio de 2009, tal como consta do respetivo Mapa I – Quadro II – Serviços desconcentrados.
Conclui que lhe é objetiva e materialmente impossível cumprir a decisão vertida na parte IV do Acórdão ref.ª n.º 006957305.
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Antes de mais, cumpre ter presente o seguinte enquadramento jurídico necessariamente implícito à subsunção que se realizará adiante. Como se sabe, as decisões dos tribunais administrativos são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas (artigo 205.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e artigo 158.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Por isso, impõe o artigo 162.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que as sentenças dos tribunais administrativos que condenem a Administração à prestação de factos ou à entrega de coisas devem ser espontaneamente executadas pela própria Administração, no máximo, no prazo procedimental de 90 dias, salvo ocorrência de causa legítima de inexecução.
Bem assim, dispõe o artigo 168.º do mesmo diploma, no que releva para o caso dos autos, que quando, dentro do prazo concedido para a oposição, a Administração não dê execução à sentença nem deduza oposição, ou a oposição deduzida venha a ser julgada improcedente, o tribunal, estando em causa a prestação de um facto infungível, fixa, segundo critérios de razoabilidade, um prazo limite para a realização da prestação e, se não o tiver já feito na sentença condenatória, impõe uma sanção pecuniária compulsória.
Como se refere no sumário do Acórdão do STA proferido no Proc. n.º 01368/14 de 14-12-2016 (acessível em www.dgsi.pt, bem como toda a jurisprudência doravante mencionada):
I - A execução de decisão judicial terá de consistir na prática pela Administração dos atos e operações materiais necessárias à reintegração da ordem jurídica violada, considerando e respeitando, não só todos os fundamentos de ilegalidade julgados verificados, de molde a que seja restabelecida a situação que o interessado tinha à data do ato ilegal e a reconstituir, se for caso disso, a situação que o mesmo teria se o ato não tivesse sido praticado em pleno respeito do julgado, mas também os termos da pronúncia condenatória nela firmados.
Não se olvide porém que a eficácia da autoridade do caso julgado não se resume apenas àquilo que foi concretamente decidido, isto é, à decisão judicialvertida no dispositivo da sentença, estendendo-se, de igual forma, aos seus fundamentos, ou seja, às “questões preliminares que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado” (cf. entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Janeiro de 2013, proferido no processo n.º 816/09.2TBAGD.C1.S1 e de 22 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 2226/14.0TBSTB.E1.S1, onde, entre o mais, se pode ler que:
“(…) tendo, durante algum tempo, dominado a posição de que apenas tem autoridade de caso julgado a conclusão ou dispositivo do julgado, hodiernamente tem-se por mais equilibrado um critério eclético, que, sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objetivos da sentença, reconhece, todavia, essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, em homenagem à economia processual, ao prestígio das instituições judiciárias quanto à coerência das decisões que proferem e, finalmente, à estabilidade e certeza das relações jurídicas”).
A entidade obrigada pode, em sede de processo executivo, sustentar a inexecução da sentença na existência de causa legítima de inexecução (cf. artigo 165.º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos). Essa causa terá, todavia, de consistir em circunstâncias supervenientes em relação ao título exequendo”, nas palavras de AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª Edição, pp. 1235).
Bem assim, e estando em causa execução baseada em sentença, como a presente, a oposição poder-se-á fundar na existência de caso julgado anterior à sentença que se executa (cf. o disposto no artigo 729.º, al. f) do Código de Processo Civil, aplicável por via do disposto no artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Remetendo para os factos dados como provados, deles se extrai que foi proferida decisão judicial pelo TCAN em 12.06.2019, que condenou o MF e MAI, a:
(i) pagar a cada dos Recorrentes (…) os montantes correspondentes aos diferencias remuneratórios entre o valor das remunerações mensais que cada recorrente efetivamente auferiu desde 1 de julho de 2000 até à data de interposição do (…) recurso – ou à data da sua aposentação se anterior – e o valor da remuneração que deveria ter efetivamente recebido se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do DL 112/2001, de 6 de abril;
(ii) pagar o diferencial entre o valor do suplemento de função inspetiva efetivamente auferido e o valor desse mesmo suplemento que deveria ter sido estabelecido se tivesse sido regulamentada a carreira de inspeção em que estavam inseridos os recorrentes, em cumprimento do disposto no DL 112/2001;
(iii) pagar juros de mora à taxa de 7%, desde 1 de julho de 2000 até 30 de abril de 2003, e de 4% desde 1 de maio de 2003 até à data de pagamento das referidas quantias;
(iv) comunicar à Caixa Geral de Aposentações, o valor das novas remunerações resultantes dos referidos cálculos, para que, mostrando-se pagos os necessários descontos, se proceda ao recálculo das pensões dos recorrentes entretanto aposentados.
Tal condenação estribou-se no entendimento de que a indemnização pela impossibilidade de regulamentar a carreira prevista no DL n.º 112/2001, de 6 de abril deve compensar o exequente pela perda de posição em que o mesmo teria ficado colocado se tivesse sido possível fazê-lo, pelo que, sendo possível determinar, com recurso ao artigo 15.º do referido diploma, qual o escalão para o qual o aqui exequente transitaria, se aquele tivesse sido regulamentado, e, bem assim, com recurso ao seu artigo 12.º, n.º 2, qual o aumento percentual do subsídio de inspeção que então auferia, a indemnização pela causa legitima de inexecução, deverá corresponder à diferença entre o que o exequente auferia, e o que viria a auferir na nova (e potencial) carreira.
Estabelece como limite temporal para o computo das diferenças salariais a data de interposição do recurso – 22.06.2017 – ou a data da aposentação dos AA., se anterior.
Na mesma decisão refere-se que as referidas alterações remuneratórias deverão ter reflexo no montante da aposentação dos recorrentes que, entretanto, se tenham aposentado. Todavia, também nestes autos, no processo principal, foi proferida decisão, transitada em julgado previamente àquela cuja execução é aqui visada, na qual se decidiu que, não existindo situações presentes e futuras carentes de regulamentação e, não sendo juridicamente possível emitir regulamentos para o passado, dado estes não poderem ser dotados das características de generalidade e abstração que os mesmos devem conter se imporia, em relação aos recorrentes inseridos na carreira de inspetor de viação, a convolação objetiva do processo por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 45° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, tendo, por isso, sido as partes convidadas a acordar no montante da indemnização.
Ora, do que vem invocado pelos Ministérios executados em sede de oposição, apenas consubstancia fundamento válido de oposição a existência de uma contradição, no plano decisório, entre os dois acórdãos do TCAN proferidos sucessivamente sobre a mesma pretensão no âmbito dos Processos n.ºs 606/05.1BECBR e 606/05.1BECBR-A, na medida em que tal circunstância se reconduz à existência de caso julgado anterior à decisão que se visa executar (cf. artigo 729.º, al. f) do Código de Processo Civil).
Tudo o que mais vem invocado (vg. falta de documentação atinente à carreira/categoria e correspondente percurso profissional da A. e cessação da vigência do Decreto-Lei n.º 112/2001) são circunstâncias prévias ao título executivo (o Acórdão de 12.06.2019), ou meras dificuldades ultrapassáveis com recurso à colaboração de outras entidades, pelo que, não constituindo causas legítimas de inexecução, jamais poderiam as oposições proceder com esse fundamento.
De resto, a cessação de vigência do Decreto-Lei n.º 112/2001 operada pelo artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 170/2009 apenas operou quanto aos trabalhadores por este abrangidos, não estando o exequente nessa situação por não estar integrada em nenhum dos serviços de inspeção mencionados no artigo 2.º do referido diploma. Vejamos, então, se o caso julgado formado pelo acórdão de 06.03.2015 obsta à execução (parcial ou integral) do acórdão proferido em 12.06.2019, nos termos em que a mesma vem peticionada.
Conforme se decidiu no Acórdão do TRC de 18.03.2014 proferido no Proc. n.º 556/12.5TBTMR-A.C, “(…)se o caso julgado não deve abranger o pronunciamento sobre toda e qualquer questão debatida no percurso lógico que conduziu à decisão da ação, justifica-se que ele confira definitividade ao julgamento das questões prejudiciais quando estas se encontrem numa estreita interdependência com a decisão, de tal modo que mesmo quando as partes não hajam formulado os correspondentes pedidos, provocando pronúncias formais em termos decisórios do tribunal, seja aconselhável impedir uma nova apreciação da mesma questão de modo a evitar uma incompatibilidade prática entre as duas decisões”.
Ora, no entender deste Tribunal, efetivamente, a decisão exequenda, na parte em que ordena que se comunique à Caixa Geral de Aposentações o valor das novas remunerações resultantes dos cálculos a elaborar, para que, mostrando-se pagos os necessários descontos, se proceda ao recálculo das pensões dos recorrentes entretanto aposentados, é incompatível com o que antes se havia decidido, no sentido de que não há qualquer situação de facto que ainda possa ser objeto de regulação através de normas regulamentares, e de que, por isso, haveria que proceder à modificação do objeto do processo, passando este a ser, não a omissão regulamentar, per se, mas sim a indemnização devida pela atuação ilegítima das entidades demandadas, que perdurou desde 01.07.2000 (data da produção de efeitos do DL 112/2001) até à extinção da DGV, conforme resulta da decisão proferida no Proc. n.º 606/05.1BECBR.
Na verdade, impor aos Ministérios executados o pagamento das contribuições para a CGA, e a comunicação a esta entidade do valor “das novas remunerações”, o que só se compreende se servisse para que, daí em diante, as pensões dos AA. aposentados passassem a ser pagas tendo por referência esse valor, equivaleria a reconstituir a carreira dos referidos AA., tudo se passando como se a omissão regulamentar não tivesse existido, isto é, a emitir um regulamento para o passado, o que, conforme se disse expressamente no acórdão proferido no ano de 2015, não é possível, por um regulamento, com essas características, não ser dotado das características de generalidade e abstração que deve conter.
Embora o exequente peticione o pagamento do valor diferencial entre as remunerações que auferiu após 22.06.2017 (incluindo pensões), como veremos infra, a decisão exequenda não manda computar esse diferencial no valor da indemnização e, por isso, nessa parte, não belisca o caso julgado formado pelo acórdão proferido previamente nos autos principais, na medida em que condena o MAI e o MF a pagar aos ali autores uma indemnização, que não deixa de o ser por se reportar aos diferenciais entre o valor das remunerações mensais (incluindo suplemento remuneratório) que aqueles efetivamente auferiram desde 1 de julho de 2000 até à data da sua aposentação (ou, se anterior, até à data do recurso) e o valor da remuneração que deveriam ter recebido se tivessem transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do Decreto-lei n.º 112/2001 de 6/4.
Deste modo, o caso julgado formado pelo acórdão de 06.03.2015 não obsta à execução nos termos em que de seguida se determinará.
Conforme se consignou na decisão exequenda, as remunerações que o exequente teria recebido se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do Decreto-lei n.º 112/2001 de 6/4, hão de ser calculadas tendo por base a regra geral de transição prevista no artigo 15.º do referido decreto-lei, segundo a qual os funcionários dos serviços e organismos abrangidos pelo presente diploma, integrados em carreiras de inspeção, transitam para carreira com iguais requisitos habilitacionais de ingresso, sendo que a categoria de integração na nova carreira é a equivalente à detida na data da transição, e a transição faz-se para o escalão igual ao que o funcionário detém na categoria de origem. Os requisitos de ingresso a atender, para os efeitos supra mencionados, serão os previstos nos artigos 36.º a 38.º do Decreto-Lei n.º 484/99, de 10/11, e os previstos nos artigos 4.º a 6.º Decreto-lei n.º 112/2001 de 6/4.
Por outro lado, o suplemento de inspeção do exequente teria um aumento de 2,5% (cf. artigo 12.º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 112/2001 de 6/4), passando a ser de 22,5% da remuneração, e o seu cálculo far-se-á através de uma mera operação aritmética, uma vez determinadas as carreira e categoria em que aquele estaria inserido, e tendo por base a respetiva remuneração.
A circunstância de os executados desconhecerem qual a carreira, categoria, escalões e índices remuneratórios em que estava provido e posicionado o ora exequente no antigo quadro de pessoal não dirigente da extinta DGV em 1 de julho de 2000, e qual o percurso que fez na carreira até à data da aposentação, não constitui, como vimos, fundamento válido de oposição à execução, na medida em que todos esses factos são do conhecimento de uma entidade administrativa, o IMT, I.P., cuja colaboração pode ser solicitada, como, de resto, requereu o exequente.
No entanto, nada na decisão exequenda (com a qual o aqui exequente se conformou) autoriza a que se computem, na indemnização a pagar, os valores correspondentes à diferença entre o valor da pensão que o exequente efetivamente auferiu e o valor da pensão que deveria ter recebido se esta tivesse sido calculada com base nas remunerações que aquela deveria ter recebido desde julho de 2000. O limite temporal a considerar para efeitos de apurar os diferenciais remuneratórios é claro e foi expressamente definido na decisão exequenda: 22 de junho de 2017 ou a data da aposentação, se anterior.
Assim a indemnização a pagar ao exequente corresponderá, conforme resulta expressamente do acórdão exequendo, à diferença entre o valor das remunerações mensais (incluindo suplemento inspetivo) que efetivamente auferiu desde 01.07.2000 até 22.06.2017, e o valor da remuneração que deveria ter recebido naquele período, se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do DL 112/2001, de 6 de abril.
Concretizando:
Em julho de 2000 o exequente era técnico profissional de 1.ª classe da carreira de técnico profissional de viação, cujo ingresso era feito entre indivíduos habilitados com o 11.º ano de escolaridade ou equivalente, com carta de condução e com idade não inferior a 21 anos, aprovados em estágio com a duração de um ano que integra um curso de formação específico (cf. artigo 38.º do referido Decreto-Lei n.º 484/99, de 10/11), tendo passado, em 18.11.2002, para a categoria de técnico profissional principal.
A carreira prevista no Decreto-lei n.º 112/2001 de 6/4 com idênticos requisitos de ingresso à da carreira técnica profissional corresponde à de inspetor-adjunto (cf. o respetivo artigo 6.º, n.º 2).
Assim, os Ministérios executados, tendo por referência os índices previstos no mapa anexo ao Decreto-lei n.º 112/2001 de 6/4, terão que efetuar o cálculo do diferencial entre o valor das remunerações pagas ao exequente e o valor das remunerações que seriam devidas a um inspetor-adjunto e a um inspetor-adjunto principal, tendo em conta os escalões em que aquele esteve inserido, sendo que a partir do momento em que o exequente transitou para a carreira geral de assistente técnico e se passou a aplicar a tabela remuneratória única deixa de ser possível fazer operar a regra de transição prevista no artigo 15.º do Decreto-lei n.º 112/2001 de 6/4, pelo que se deverá considerar, desde esse momento e até 01.11.2009, para efeitos de apurar o valor da remuneração que lhe seria devida, o escalão em que estava posicionado antes de transitar para a referida carreira do mapa de pessoal do IMTT (note-se que não estamos aqui a procurar reconstituir a carreira do exequente).
Bem assim terão que efetuar o cálculo do diferencial entre o suplemento de inspeção que foi pago ao exequente e aquele que lhe deveria ter sido pago à luz do disposto no artigo 12.º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 112/2001 de 6/4, no mesmo período, e dos juros que são devidos, conforme consta da decisão exequenda.
Tendo em conta o que supra se expôs, será despiciendo chamar a CGA a colaborar com o Tribunal, na medida em que a indemnização a pagar ao exequente corresponderá apenas, conforme resulta expressamente do acórdão exequendo, à diferença entre o valor das remunerações mensais (incluindo suplemento inspetivo) que aquele efetivamente auferiu desde 01.07.2000 até 22.06.2017, e o valor da remuneração que deveria ter recebido naquele período, se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do DL 112/2001, de 6 de abril.
Face à documentação trazida aos autos pelo IMT, e tendo em conta os factos dados como provados, tais cálculos podem, e devem, ser efetuados pelos Ministérios executados, ainda que seja de chamar a colaborar o IMT, I.P., nos termos previstos no artigo 167.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos para que informe os elementos necessários para que os Ministérios executados (únicos responsáveis pelo pagamento da indemnização aqui em causa) procedam ao cálculo do valor da indemnização devida ao exequente, e dos respetivos juros, e, posteriormente, ao seu pagamento. Tudo conforme infra se determinará.
Embora o exequente tenha requerido que o referido instituto efetue e apresente os cálculos dos diferenciais entre o valor das remunerações mensais (incluindo suplemento remuneratório) que efetivamente auferiu, e o valor da remuneração que deveria ter recebido se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do Decreto-lei n.º 112/2001 de 6/4, e que efetue e apresente os cálculos do valor dos juros, tais cálculos podem, e devem, ser efetuados pelos Ministérios executados, necessitando estes apenas de ter na sua posse os elementos que lhes permitam determinar qual a carreira, categoria, e escalão em que aquele estava posicionado, e aquela para a qualo exequente transitaria, à luz do disposto no artigo 15.º do Decreto-lei n.º 112/2001 de 6/4.
Ora, tudo visto e ponderado, tendo ainda em conta a inércia da Administração e o tempo já decorrido, justifica-se a fixação de prazo limite para que se adotem os atos necessários à execução da presente decisão (cf. artigos 168.º, n.º 1, 176.º, 4 e 179.º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), isto é, para que os Ministérios procedam aos cálculos supra descritos, e ao pagamento da indemnização ao exequente.
*
Em face de todo o exposto, procederá, mas apenas parcialmente a presente execução.
Assim se decidirá.
(…)”
Vejamos.
Os presentes autos foram intentados com vista obter a execução da decisão proferida em 14.06.2019, nos autos 606/05.1BECBR-A.
Compreende-se melhor o fio condutor da discordância do recorrente com atenção ao que vem em corpo de alegações, imputando que “o citado aresto do TCAN de 12 de junho de 2019 contraria frontalmente o sentido material da decisão explanada no Sumário e ínsita na parte IV do Acórdão de 6 de março de 2015 (Doc. 2) também proferido pelo mesmo Tribunal no âmbito do Processo n.º 606/05.1BECBR, no qual esta instância jurisdicional julgou «[…] verificada uma situação de impossibilidade superveniente da lide quanto ao pedido inicial [declaração de ilegalidade por omissão do dever de regulamentação das carreiras de inspeção de viação da extinta Direção-Geral de Viação (DGV)], em relação aos autores integrados na carreira de inspector de viação [um dos quais sendo o Exequente S.]», mais decretando com este fundamento «[…] a convolação objectiva do processo […], nos termos do artigo 45º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.»” (cfr. art.º 3º).
A seu ver:
«(…)
o TCAN decidiu duas vezes sobre a mesma pretensão material do Exequente S.:
a) Primeiro, no acórdão de 6 de março de 2015, foi decidido que o Exequente tem direito a uma indemnização pela omissão do dever de regulamentação das carreiras de inspeção de viação da extinta DGV;
e
b) Depois, no acórdão de 12 de junho de 2019, a mesma instância veio, ao invés, a decidir que o Exequente tem direito à reconstituição da respetiva situação atual hipotética na carreira de inspeção de viação de acordo com a estrutura retrovigente das carreiras de inspeção da Administração Pública aprovada pelo há muito revogado Decreto-Lei n.º 112/2001, de 6 de abril.
7.º
Pelo exposto, constata-se existir uma patente contradição no plano decisório entre os dois acórdãos do TCAN proferidos sucessivamente sobre a mesma pretensão no âmbito dos Processos n.os 606/05.1BECBR e 606/05.1BECBR-A,
8.º
A qual é resolvida de maneira expressa pelo artigo 625.º do Código de Processo Civil (CPC) conjugado com o artigo 628.º do mesmo Código, aplicáveis por força do disposto no artigo 1.º do CPTA: cumpre-se o acórdão de 6 de março de 2015, por ter transitado em julgado em primeiro lugar”.
9.º
E não o posterior acórdão de 12 de junho de 2019, entretanto invocado como fundamento da presente execução pelo saneador-sentença ora recorrido…
10.º
Porquanto, conforme se extrai diretamente dos números 5, 7 e 8 do Sumário do acórdão de 6 de março de 2015, os quais remetem para o regime de modificação do objeto do processo consagrado no artigo 45.º do CPTA: «a revogação do ato legislativo carente de regulamentação faz cessar a partir da [data da sua] revogação (1 de maio de 2007) a necessidade da sua regulamentação», sendo a declaração de ilegalidade por omissão de regulamento fundamento válido para o pedido deduzido na ação, com a consequente convolação do mesmo em pretensão indemnizatória do Exequente S..
11.º
O que prejudica definitivamente qualquer posterior decisão jurisdicional de decretação da reconstituição da situação atual hipotética do Exequente S. na carreira de inspetor de viação,
12.º
E que constitui fundamento legal e processual radicalmente distinto de qualquer causa legítima de inexecução acolhida no CPTA mas nunca invocada pelo MAI, ora Recorrente, em nenhum passo do presente Processo n.º 606/05.1BECBR-A-V, não obstante a reiterada confusão conceitual em que labora e naufraga a sentença ora recorrida do TAFC-UO 1…”.
(…)».
Resultará, a seu ver, que a decisão recorrida “é absolutamente nula nos termos das alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 1.º do CPTA, em virtude de condenar o MAI, ora Recorrente, a executar o acórdão do TCAN proferido em 12 de junho de 2019, em vez do decidido sobre a mesma relação material controvertida no acórdão da mesma instância jurisdicional proferido em 6 de março de 2015 que primeiro transitou definitivamente em julgado” (cfr. art.º 13º).
O domínio em que o recorrente coloca esta última imputação é o das nulidades da sentença, em que o art. 615.º, n.º 1, do CPC, enumera taxativamente as específicas causas, determinando que (apenas) podem consistir na omissão da assinatura do juiz [al.a)]; na omissão da especificação dos fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão [al.b)]; na contradição entre os fundamentos e a decisão ou ocorrência de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível [al.c)]; na omissão de pronúncia ou excesso de pronúncia [al.d)]; na condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido [al.e)]; o seu n.º 4 disciplina perante qual tribunal devem ser arguidas.
Como se recolhe na prática, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades» (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, pág. 132).
E no caso, logo pela enunciação expositiva das hipóteses legais, confrontando com o que vem alegado, é claro que nada do que vem apontado em recurso consubstancia qualquer nulidade tipificada no “artigo 615.º, n.os 1, alíneas d) e e), e 4, do Código de Processo Civil”.
O ponto não merece mais desenvoltura.
A questão de fundo relativa a uma “patente contradição no plano decisório entre os dois acórdãos do TCAN proferidos sucessivamente sobre a mesma pretensão no âmbito dos Processos n.os 606/05.1BECBR e 606/05.1BECBR-A”, reconduz-se apenas a uma questão de (ine)eficácia; já ensinava Alberto dos Reis, a eficácia jurídica da segunda decisão fica prejudicada, paralisada pela força e autoridade do caso julgado anterior (“Código Processo Civil anotado”, Vol. V, Coimbra Editora, 1952, págs. 196/7); no mesmo sentido, referem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto (“Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, Coimbra Editora, 2001, pág. 693) que a prolação de decisão de mérito que o caso julgado impediria conduz a que ela seja ineficaz; tb, Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 218.
Vejamos.
Dispõe o art. 625º do CPC que:
«1 - Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.
2 - É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual».
O recorrente entende que ao caso se aplica este regime.
A razão pode servir de causa; os efeitos da violação do caso julgado são remediados através de regra que concede prevalência à decisão que transitou em primeiro lugar e que redunda na ineficácia da sentença coberta por trânsito em julgado posterior, constituindo ainda fundamento de oposição à execução que venha a ser instaurada com base em tal decisão (art. 729º, al. f) do CPC) - Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. I Almedina 2018, pág. 748.
Mas o recurso é destituído dessa boa razão.
Nada o recurso censura que se esteja a “a executar o acórdão do TCAN proferido em 12 de junho de 2019” (no proc. n.º 606/05.1BECBR-A).
Com o que o recorrente não se conforma é que a execução siga seu comando.
Aproveitando o texto do Ac. do STA, de 12-12-2019, proferido na sequência da revista (não admitida) interposta deste último referido aresto (Ac. deste TCAN de 12/6/2019; proc. n.º 606/05.1BECBR-A), e melhor dando síntese elucidativa:
«Os vários autores a quem o TCA Norte, por acórdão de 6/3/2015, já reconhecera o direito de obterem dos aludidos Ministérios, nos termos do art. 45º do CPTA, indemnizações por omissão ilegal de regulamentação, solicitaram «in judicio» que elas fossem liquidadas, condenando-se os réus nesse pagamento.
O TAF fixou em € 15.000,00 o valor da indemnização devida, a esse título, a cada autor.
Mas o TCA Norte revogou tal pronúncia; e condenou o MAI e o MFAP a pagar aos autores as diferenças remuneratórias – relativamente à carreira de inspecção que deveria ter sido regulamentada – desde 1/7/2000, bem como os respectivos juros moratórios, e a comunicar à CGA o valor das «novas remunerações» dos autores já aposentados para que «se proceda ao recálculo» das respectivas pensões.».
Na visão do recorrente, o Ac. deste TCAN de 12/6/2019 (proc. n.º 606/05.1BECBR-A), é infiel ao antes decidido (em 6/3/2015, proc. n.º 606/05.1BECBR), atingindo o caso julgado.
Mas sem razão, quando aí, e para o que agora é pertinente, apenas - sem a projecção suposta pelo recorrente - se confirmou “a decisão recorrida quanto à convolação objectiva do processo” (quanto a um grupo de autores).
Aí se determinou a final:
«(…) IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO JURISDICIONAL, pelo que:
1. Revogam parcialmente a decisão recorrida e, em consequência:
1.1. Julgam a acção improcedente relativamente aos autores que não integravam a carreira de inspector de viação, absolvendo as entidades demandadas do pedido.
1.2. Julgam verificada uma situação de impossibilidade superveniente da lide quanto ao pedido inicial, em relação aos autores integrados na carreira de inspector de viação.
2. Confirmam a decisão recorrida quanto à convolação objectiva do processo, apenas no que toca a este último grupo de autores. (…)»]
No âmbito de uma execução, não se estranhará chamar à colação o caso julgado.
Mas é precisamente o que retira razão ao recorrente.
A contradição de casos julgados, seja material ou simplesmente formal, exige uma relação de identidade – ou ao menos de prejudicialidade – entre o objecto das decisões transitadas em julgado” – Ac. TRC, de 17-04-2012, proc. n.º 116/11.8T2VGS.C1.
Certamente que o decidido em 6/3/2015 (também) adquiriu força de caso julgado formal, com força obrigatória dentro do processo e efeitos jurídicos estabilizados e vinculativos, mas nos precisos limites e termos em que se julgou.
Decorrendo do disposto no art. 621º do n.C.P.Civil que os limites do caso julgado são definidos pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença (os sujeitos, o objecto e a fonte ou título constitutivo), devendo ainda atender-se aos termos dessa definição estatuída na sentença, esta tem a autoridade do caso julgado – valendo como lei – para qualquer processo futuro, mas só em exacta correspondência com o seu conteúdoAc. TRC, de 13-05-2014, proc. n.º 1734/10.7TBFIG-G.C1.
Ora, de pretérito (Ac. de 6/3/2015) confirmou-se tão só, para o que agora importa, “a convolação objectiva do processo por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 45º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”.
Nada se estatuiu, em termos de definição substantiva, quanto ao pudesse advir (em) fruto dessa convolação; não foi res judicata.
Essa só depois ocorreu; após uma primeira pronúncia do TAF (fixando em € 15.000,00 o valor da indemnização devida) acabou por a final pertencer ao referido Ac. deste TCAN de 12/6/2019, prevalecendo seu diferente dictum.
Entre o antes decidido em 6/3/2015 e o que veio a ser decidido em 12/6/2019 não há vislumbre de qualquer contrariedade (seja por constituírem duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, como o recorrente aduz, seja por se poder assinalar contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual, fosse assim que merecessem ambas “pretensões” qualificação adjectiva).
A oportunidade ao recorrente para, na desenvoltura da instância, dar contributo (e foi dado) ao direito alcançado pela decisão de 12/6/2019, esgotou-se, atingido seu trânsito.
“A decisão judicial não tem por objecto discutir argumentos ou posições jurídicas mas definir o direito na concreta questão que lhe é submetida” (Ac. RC, de 09-09-2015, proc. n.º 175/07.8TASRT-B.C1); a sentença que agora se executa, ao invés do que entende o executado, não surge contraditória com anterior julgado, caso em que seria ineficaz; e tendo já por ela ficado definido o direito, sem tal contradição, não procede agora arvorar a infidelidade da execução ao que primeiro foi julgado, em triunfo do que supostamente se oporia.
*
Acordam, pelo exposto, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas: pelo recorrente.

Porto, 28 de Janeiro de 2022.

Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre
Isabel Costa