Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00038/06.4BEMDL
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/30/2014
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Pedro Nuno Pinto Vergueiro
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL. JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO. SISA.
INCIDÊNCIA REAL. BENFEITORIAS. ÓNUS DE ALEGAÇÃO.
Sumário:I) Ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal “a quo” desde que ocorram os pressupostos vertidos no art. 712.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
II) A sisa incide sobre o valor das benfeitorias implantadas nos prédios transmitidos e que não esteja incluído no respectivo valor patrimonial – artigo 19.º, § 2.º, parte final, do Código do Imposto Municipal de Sisa e dos Imposto Sobre as Sucessões e Doações.
III) Verificando a administração tributária que o valor declarado para efeitos de sisa não inclui o valor dessas benfeitorias indicado nas facturas emitidas pelo transmitente e registadas na contabilidade de ambos os contraentes, e pretendendo o adquirente dos referidos prédios que esse valor não diz respeito a tais benfeitorias, mas a outros bens ou direitos de natureza pessoal que não estão sujeitos a sisa, é sobre este que recai o ónus de demonstrar os exactos contornos do negócio titulado nas referidas facturas, através de elementos objectivos e externamente confirmáveis.
IV) A Recorrente não apresentou, em termos de alegação, como lhe competia, dados objectivos e susceptíveis de verificação externa que permitissem concluir com a necessária segurança que o negócio titulado nas referidas facturas não correspondeu ao que neles se descreveu, situação que condenou ab initio ao insucesso a pretensão formulada pela Recorrente no âmbito do presente recurso.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:A..., Lda.
Recorrido 1:Fazenda Pública
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
“A...- Investimento Imobiliário, S.A.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 10-11-2008, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida na presente instância de IMPUGNAÇÃO, absolvendo a Fazenda Pública da instância relativamente ao pedido formulado sob a alínea b) - anulação de cobrança de coima -, relacionada a liquidação de imposto de selo no montante de € 151.996,24 e respectivos juros compensatórios no valor de € 16.486,39 e coima aplicada no quantum de € 22.500,00.

Formulou nas respectivas alegações (cfr. fls. 589-612), as seguintes conclusões que se reproduzem:
“ (…)
1. A coima paga voluntariamente, sem que seja, sequer, instaurado o processo de contra-ordenação respectivo, não é alvo de uma decisão que possa ser recorrível pelo mecanismo previsto no artigo 80º do RGIT, pelo que não pode aplicar-se o recurso de decisão de aplicação de coima aí previsto a situações, como a dos autos, em que a coima é paga voluntariamente;
2. Não pode, porém, deixar de entender-se que a anulação da liquidação de imposto, por se entender não ser este devido, acarreta, por si própria e como consequência necessária, a anulação da liquidação de coima, seja porque assim o determina a alínea i) do nº 2 do artigo 133º do CPA, seja porque o entendimento contrário consubstanciaria uma situação em existiria uma pena sem ilícito, constitucionalmente impossível, nos termos do seu artigo 29º;
3. A Sentença posta em crise fixa como matéria de facto com relevância para a decisão dos autos uma série de factos verdadeiros e que não se contestam, mas não mais do que aqueles que constavam já do próprio Relatório de Inspecção, desconsiderando para estes efeitos todos os factos trazidos a juízo pela Impugnação, razão pela qual terá reavaliar-se a prova produzida em juízo, por forma a ampliar-se a matéria de facto provada com relevância para os autos, de acordo com o invocado na P.I. e com aquela prova, feita nos autos por documento ou por depoimento testemunhal, com os seguintes:
4. Foram encomendados e obtidos pela I... diversos estudos e pareceres, relativos à instalação de um Centro Comercial de dimensão regional em Vila Real, em data prévia à venda dos imóveis;
5. Destes estudos resultava que o mercado de Vila Real só comportaria um Centro Comercial de dimensão regional;
6. A I... detinha, à data da transmissão dos imóveis, um projecto de arquitectura para neles construir um Centro Comercial, o qual tinha o apoio da Câmara e dispunha já do devido licenciamento;
7. A existência de um projecto de arquitectura devidamente licenciado para construção de um Centro Comercial foi o factor decisivo e fundamental para a celebração do negócio entre a A...e a I..., sendo a sua transmissão para aquela condição essencial do negócio;
8. No mesmo dia da escritura de compra e venda dos Imóveis, foi celebrado, entre a I... e a A..., um contrato de compra e venda sob condição suspensiva, nos termos do qual a primeira se obrigava a entregar à segunda todos os direitos relativos aos imóveis, incluindo as licenças e autorizações obtidas e em processo de obtenção, bem como os respeitantes ao projecto de arquitectura existente;
9. O valor do negócio para a A...estava no facto de, por se encontrar em fase avançada do processo, este consubstanciar uma oportunidade única para se instalar em Vila Real com o primeiro e, até hoje, único Centro Comercial de dimensão regional;
10. Grande parte da obra construída pela I... antes do negócio foi demolida pela A..., seja por ser duvidosa a qualidade e segurança dos materiais e da construção, seja por, uns e outros, serem desadequados à construção de um Centro Comercial;
11. A demolição efectuada acarretou custos e transtorno para a A...;
12. A existência de construção edificada nos terrenos adquiridos constituíram um factor negativo para o negócio tal como era pretendido pela A..., para quem seria melhor encontrar os terrenos sem obra edificada;
13. O valor de mercado dos imóveis, excluindo a obra neles edificada, bem como os projectos e licenças para eles obtidos, fixava-se, à data da transmissão, em cerca de € 1.650.000;
14. O valor atribuído pelas partes ao negócio como um todo foi de € 17.700.000;
15. As facturas emitidas pela I... pelo valor pago pela A...excedente ao da transmissão dos imóveis (€ 16.218.217,00) não correspondem no seu descritivo à substância da transacção tal como foi acordada e contratada pelas partes;
16. O preço pago pela A...que exorbitou do valor pago na escritura pelos imóveis respeitou à aquisição do projecto, dos estudos feitos e da licença obtida, à aquisição de um direito subjectivo público de construção do primeiro e eventualmente único Centro Comercial em Vila Real.
17. Todos estes factos têm decisiva relevância para a decisão da acção, pois que consubstanciam o cerne da própria causa de pedir da Impugnante, pelo que necessariamente terá de ampliar-se a matéria de facto provada para nela os incluir.
18. O direito subjectivo público de construir um edifício não corresponde ao direito de propriedade, nem se traduz numa figura parcelar deste direito, nem se encontra previsto no §1 do artigo 2º do Código da Sisa, onde se elencam taxativamente os direitos - para além do de propriedade e dos seus direitos parcelares - todos os direitos cuja transmissão está sujeita a Sisa, pelo que a sua transmissão não pode legalmente estar sujeita a este imposto;
19. Entendendo a própria administração tributária que “a transmissão dos projectos e licenças operada conjuntamente com a dos terrenos para construção a que respeitam não cai na alçada ou no campo da Sisa”, devendo ser tributada em sede de IVA, nenhuma razão aparece para que esta transmissão perca a sua autonomia e possa requalificar-se para efeitos fiscais, pelo mero início da construção a que respeita;
20. Depois de iniciada a construção do imóvel, o adquirente dos projectos e licenças respectivos pode exercê-los, continuando a construção, pode alterá-los, como fez a ora Recorrente ou pode não lhes dar qualquer utilidade, suspendendo os trabalhos, pelo que a autonomia destes direitos face aos imóveis respeitante é então idêntica à que tinham antes de iniciar-se a dita construção;
21. Em face do exposto, no que toca à transacção em apreço não haverá que fazer incidir Sisa sobre a parte do negócio que correspondeu ao pagamento dos direitos existentes relativos aos imóveis - projectos, estudos e licenças - e que se consubstanciam na aquisição da oportunidade, do direito subjectivo de construir o primeiro Centro Comercial de dimensão regional em Vila Real;
22. Razão pela qual deverá ser anulada a Sentença aqui posta em crise, julgando-se procedente o presente Recurso e a final ordenando-se a anulação da liquidação de Imposto do Selo impugnada, por errónea qualificação da matéria colectável e a consequente anulação da liquidação de coima, bem como o reembolso das quantias assim pagas acrescidas dos devidos juros indemnizatórios.
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente, reapreciando-se a prova produzida, ampliando-se a matéria de facto provada e procedendo-se à correcta aplicação do Direito aos factos, com a consequente revogação da Sentença Recorrida, pelos motivos acima expostos, e ordenando-se, a final, a anulação da liquidação impugnada e consequente anulação da liquidação de coima respectiva, bem como o reembolso das quantias pagas acrescidas dos devidos juros indemnizatórios, com o que se fará, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!”

A recorrida Fazenda Pública não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, em analisar o invocado erro de julgamento em termos de decisão de facto por ter desconsiderado os factos trazidos a juízo pela impugnante nos termos descritos nas suas alegações de recurso bem como apreciar se a decisão recorrido incorreu em erro de direito ao confirmar a incidência do liquidado imposto de selo sobre a parte do negócio que correspondeu ao pagamento dos direitos existentes relativos aos imóveis - projectos, estudos e licenças - e que a recorrente consubstancia «na aquisição da oportunidade, do direito subjectivo de construir o primeiro Centro Comercial de dimensão regional em Vila Real», sem olvidar a questão de saber se a presente impugnação é o meio processual adequado para pôr em causa a coima aplicada.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
1. Durante o ano de 2005 a Impugnante foi objecto de uma Inspecção Tributária, de acordo com a ordem de serviço n.º OI200500779, PNAIT 221.32 da Direcção de Finanças de Aveiro, que se alargou posteriormente ao IRC e Imposto do Selo e Sisa;
2. A Inspecção culminou com a emissão de um Relatório Final de Inspecção, datado de 9/12/2005, cuja cópia de fls. 18 a 54 do PA se dá por reproduzida, com o seguinte destaque, para o que é aqui de relevante:
a. (…) a actividade da empresa tem-se concentrado na conclusão de um empreendimento que pretende explorar e gerir como Centro Comercial, Tal empreendimento, localizado em Vila Real, foi adquirido em fase de construção à Imobiliária Q...…, S.A, e o negócio foi formalizado em 24 de Outubro de 2002 através de escritura de compra e venda de prédios (rústicos e urbanos) pelo valor de 1.497.890,00 € e duas facturas de “materiais de obras” no valor de 18.999.529,53 €, totalizando 20.497.419,53 €.// Independentemente da forma dada ao negócio (...) tratou-se efectivamente da compra de um imóvel, ainda que em fase de construção, e o seu valor global foi determinado atendendo ao valor dos terrenos e das benfeitorias/obra já edificada (...). Nunca houve qualquer contrato de empreitada entre a I... e a A...que justificasse a refacturação de custos suportados à primeira., conforme resulta bem claro de todos os elementos disponíveis (…). // A (...) (I...) de dedicou-se desde o seu inicio de actividade em Março de 1998, à construção do empreendimento referido, nos terrenos que possuía na freguesia de S. Pedro, concelho de Vila Real, para futura exploração e gestão como Centro Comercial. // Na prossecução dessa actividade, celebrou em 2 de Outubro de 2000 um contrato de empreitada com a ECOP - Empresa de Construções e Obras Públicas Arnaldo Oliveira, S.A, no âmbito do qual foram realizados vários trabalhos. Entretanto as partes contraentes entraram em litígio, facto que determinou a interrupção da execução do referido contrato no 1.º trimestre de 2002, e a paralisação da obra tendo em conta o abandono da ECOP (...) //. As adversidades ocorridas ao longo do processo de promoção do empreendimento conduziram a este desfecho, no entanto, a intenção inicial da I... era a sua exploração e gestão como centro comercial. (...) // Assim, a intervenção da A...apenas ocorreu perante a iminente inviabilidade do empreendimento após e em consequência da paragem da obra, facto que pôs em causa os objectivos traçados inicialmente para o mesmo. Nunca existiu qualquer relação de parceria entre as duas empresas que justificasse a eventual refacturação de custos pela I... à A....//Resulta claramente exposto, que a A...adquiriu um imóvel, ainda que apenas em fase de construção, composto por terrenos sobre os quais estavam em curso a construção de um edifício destinado a Centro Comercial. Assim sendo, é desprovida de sentido a separação feita entre PRÉDIOS (objecto de escritura pública de compra e venda), e “obras e materiais aplicados no Hipermercado e Shopping” (tituladas por duas facturas), uma vez que, as benfeitorias, como coisas acessórias, estão incluídas na venda do imóvel e, por isso, o seu preço é parte do preço do imóvel (…)// Tratou-se efectivamente da aquisição de um imóvel como um todo (terreno e obra), ainda que a edificação existente sobre os terrenos fosse à posteriori concluída, alterada ou até demolida (…)
3. Em 13/12/2005 a Impugnante foi notificada das “correcções meramente aritméticas em IRC/IVA - 2004”, assim como do “Relatório Final elaborado pelo Serviço de Inspecção Tributária com data de 09/12/2005, composto de 38 fls” supra aludido - Fls. 43 a 47, que se dão aqui por reproduzidas.
4. Em 25/3/2003, a Impugnante procedeu ao pagamento de Imposto Municipal de Sisa, procedente do Termo de Declaração de Imposto Municipal de Sisa n.º 304/2003, no valor de € 134.795,14, “(...) devida com referência à compra que pelo preço global de €1.497.890,00 fez a IMOBILIÁRIA Q...…, S.A” - Fls. 89 do PA;
5. Em 14/11/2005 a Impugnante procedeu ao pagamento de Imposto Municipal de Sisa no valor de € 1.914.964,81 acrescido de juros compensatórios no valor de € 207.706,15, “(…) com referência ao valor de € 18.999.529,53, diferença verificada entre o valor declarado de € 1.497,890,00, na sisa n.º 304, de 2003/03/25 e o valor de € 20.497.419,53, apurado em visita de fiscalização”, procedentes do Termo de
Declaração de Imposto Municipal de Sisa n.º 2496/7/2005, lavrado pelo SF de Vila Real e de coima, titulada pela guia de depósito de Coima 15304, no montante de € 22.500 - Fls. 41 e 53 do PA;

6. Em 14/11/2005, a Impugnante procedeu ao pagamento do Imposto de selo no montante de 151.996,24€, constante da guia de Depósito n.º 15316, acrescido de juros compensatórios no valor de € 16.486,39, constantes de documento de receita eventual n.º 15306/2005, ambas emitidas pelo SF de Vila Real, e de coima pela Guia de Depósito de Coima 15305, no montante de € 22.500 “proveniente de Falta de pagamento de imposto de Selo, no montante de 151.999,24 € (…)” - Cfr. docs. N.ºs 1, 2 e 3 juntos com a PI;
7. Por escritura pública de 24/10/02 a Imobiliária Q...…, S.A (I...) vendeu à aqui Impugnante pelo preço global de 1.497.890,00 € os seguintes bens imóveis sitos na Guia, freguesia de S. Pedro, Vila Real - (Fls. 23 e 57 a 60 do PA que se dão aqui por reproduzidas):
a. Um prédio rústico inscrito na matriz sob o art.º 29.º, com o valor patrimonial de 1.632,35 €, pelo preço de 749,693,15 €;
b. Uma parcela de terreno para construção inscrita na matriz sob o art.º 2349, com o valor patrimonial de 113.725,92 €, pelo preço de 598.557,48;
c. Um prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º 1631 com o valor patrimonial de 5.438,54 €, pelo preço de 149.639,37 € - Fls. 23 do PA;
8. Na mesma data da escritura pública de compra e venda referida, a sociedade I... emitiu duas facturas à aqui Impugnante, cujas cópias constam de fls. 63 e 64 e se dão aqui por reproduzidas, assim discriminadas para o que interessa para os autos:
a. N.º 1, de cuja descrição consta “Materiais e obras aplicados no Shopping D...”; valor ilíquido - 14,638.487,00 €; IVA - 2.781.312,53; Valor total - 17.419.799,53 €;
b. N.º 2, de cuja descrição consta “Materiais e obras aplicados no Hipermercado”; valor ilíquido - 1.579.730,00 €; IVA (isenção); Valor total - 1.579.730,00 €;
9. Em 24/10/2002 o empreendimento em causa que a Impugnante comprou à I... (Centro Comercial e Hipermercado), implantado nos prédios descritos em 6, já estava em construção adiantada - Cfr. Relatório e art.º 117.º, 1ª parte, da PI;
10. Pelo menos até 9/12/2005 (data da conclusão do Relatório), esta obra foi concluída com alterações (tendo sido, em parte, demolida) - cfr, Relatório (Facto provado 2) e fls. 256 e ss, e depoimento das testemunhas C…, N… e N….
«»
3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, agora, entrar na análise do recurso jurisdicional “sub judice”, tendo presente que a decisão recorrida julgou improcedente a presente impugação na medida em que “considerando apenas o teor da escritura pública de compra e venda verifica-se que apenas os prédios identificados em 6 dos factos provados foram transmitidos. Em princípio, e se mais nada houvesse, o imposto de selo apenas poderia incidir sobre a transmissão do direito de propriedade sobre esses imóveis.

Contudo, constata-se que, à data da escritura, as obras referentes ao empreendimento estavam já em fase adiantada. Neste particular as partes estão de acordo. Ora, se assim é, o imposto de sisa/ selo não poderia deixar de incidir sobre estas benfeitorias porque, traduzindo-se estas em construções inacabadas que naqueles prédios se integravam, transmitiram-se construções existentes que não tinham autonomia económica, no caso da transmissão do prédio rústico, e edifícios incorporados no solo, com os terrenos que lhe serviam de logradouro, no caso da transmissão dos prédios urbanos - Art.º 204.° do CC.

Consequentemente, a aquisição onerosa do direito de propriedade sobre estes prédios também estão sujeitos a imposto de selo à taxa de 0,8% - cfr. art.º 1.º e tabela geral do imposto de selo, ponto 1.1. art.º o imposto de selo”.

Como é sabido, a presente impugnação contende com uma liquidação de imposto de selo que foi efectuada em virtude de a AT ter considerado que a ora Recorrente adquiriu à sociedade comercial Imobiliária Q...…, S.A. não apenas três prédios, tal como declarado, mas também as obras ou os edifícios ainda em construção, mas não concluídos, neles implantados.


Nas suas alegações, a Recorrente começa por referir que a Sentença posta em crise fixa como matéria de facto com relevância para a decisão dos autos uma série de factos verdadeiros e que não se contestam, mas não mais do que aqueles que constavam já do próprio Relatório de Inspecção, desconsiderando para estes efeitos todos os factos trazidos a juízo pela Impugnação, razão pela qual terá reavaliar-se a prova produzida em juízo, por forma a ampliar-se a matéria de facto provada com relevância para os autos, de acordo com o invocado na P.I. e com aquela prova, feita nos autos por documento ou por depoimento testemunhal, com os seguintes:
- Foram encomendados e obtidos pela I... diversos estudos e pareceres, relativos à instalação de um Centro Comercial de dimensão regional em Vila Real, em data prévia à venda dos imóveis;
- Destes estudos resultava que o mercado de Vila Real só comportaria um Centro Comercial de dimensão regional;
- A I... detinha, à data da transmissão dos imóveis, um projecto de arquitectura para neles construir um Centro Comercial, o qual tinha o apoio da Câmara e dispunha já do devido licenciamento;
- A existência de um projecto de arquitectura devidamente licenciado para construção de um Centro Comercial foi o factor decisivo e fundamental para a celebração do negócio entre a A...e a I..., sendo a sua transmissão para aquela condição essencial do negócio;
- No mesmo dia da escritura de compra e venda dos Imóveis, foi celebrado, entre a I... e a A..., um contrato de compra e venda sob condição suspensiva, nos termos do qual a primeira se obrigava a entregar à segunda todos os direitos relativos aos imóveis, incluindo as licenças e autorizações obtidas e em processo de obtenção, bem como os respeitantes ao projecto de arquitectura existente;
- O valor do negócio para a A...estava no facto de, por se encontrar em fase avançada do processo, este consubstanciar uma oportunidade única para se instalar em Vila Real com o primeiro e, até hoje, único Centro Comercial de dimensão regional;
- Grande parte da obra construída pela I... antes do negócio foi demolida pela A..., seja por ser duvidosa a qualidade e segurança dos materiais e da construção, seja por, uns e outros, serem desadequados à construção de um Centro Comercial;
- A demolição efectuada acarretou custos e transtorno para a A...;
- A existência de construção edificada nos terrenos adquiridos constituíram um factor negativo para o negócio tal como era pretendido pela A..., para quem seria melhor encontrar os terrenos sem obra edificada;
- O valor de mercado dos imóveis, excluindo a obra neles edificada, bem como os projectos e licenças para eles obtidos, fixava-se, à data da transmissão, em cerca de € 1.650.000;
- O valor atribuído pelas partes ao negócio como um todo foi de € 17.700.000;
- As facturas emitidas pela I... pelo valor pago pela A...excedente ao da transmissão dos imóveis (€ 16.218.217,00) não correspondem no seu descritivo à substância da transacção tal como foi acordada e contratada pelas partes;
- O preço pago pela A...que exorbitou do valor pago na escritura pelos imóveis respeitou à aquisição do projecto, dos estudos feitos e da licença obtida, à aquisição de um direito subjectivo público de construção do primeiro e eventualmente único Centro Comercial em Vila Real.
Todos estes factos têm decisiva relevância para a decisão da acção, pois que consubstanciam o cerne da própria causa de pedir da Impugnante, pelo que necessariamente terá de ampliar-se a matéria de facto provada para nela os incluir.

Que dizer?

Neste domínio, lida a petição inicial, verifica-se que a ora Recorrente procurou alegar matéria susceptível de demonstrar a ilegalidade da aludida liquidação de imposto de selo, colhendo-se da análise daquele articulado que a Impugnante apontou que, ao contrário daquilo que entendeu a AT, o preço que pagou e que exorbitou do declarado na escritura pública através da qual adquiriu os três prédios referidos não foi a contrapartida da aquisição das obras ou dos edifícios em construção nele incorporados mas antes e essencialmente, da oportunidade de negócio que o projecto desenvolvido pela sociedade comercial Imobiliária Q…, S.A. de instalação de um centro comercial em Vila Real representava e da transmissão dos direitos emergentes das licenças e autorizações necessárias a promoção do empreendimento aqui em causa e de todos os direitos que a transmitente detinha sobre o projecto de arquitectura relativo ao referido empreendimento.

Por outro lado, decorre da petição inicial que a ora Recorrente reconheceu que, com a aquisição dos três prédios que referimos, a sociedade comercial Imobiliária Q..., S.A., igualmente adquiriu as obras que nele estavam implantadas (cf. artigo 105º da petição inicial) aceitando que esta última transmissão que teve por objecto as obras não foi sujeita a imposto de selo, sendo que a Recorrente não aceita que o valor dessa transmissão seja aquele que foi considerado pela administração tributária (cfr. artigo 117º da petição inicial) e justifica isso mesmo apontando que não iria pagar mais de 16 milhões de euros por uma obra que logo após a sua aquisição foi demolida na sua quase totalidade tendo da mesma restado apenas as escavações e as áreas destinadas ao estacionamento interior (cf. artigos 118º e 119º da petição inicial).

Diga-se ainda que a Impugnante também questionou que o alinhamento do valor da obra possa ser feito em função do valor do crédito hipotecário concedido à transmitente e que ascendia a €9.661.611,83, nos termos resultantes da regra 3ª do artigo 31º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações, ao alegar quo o quantitativo do crédito estava empolado face ao valor da obra em virtude da Imobiliária Q... , S.A. ter procedido a uma sobrefacturação de custos imputáveis a obra (cf. artigos 128º e 129º da petição inicial).

Antes de avançar nesta análise, cumpre ter presente que este Tribunal já tomou sobre a matéria essencial em análise nos autos, em função do exposto no Ac. deste Tribunal de 28-06-2012, Proc. nº 00042/06.2BEMDL, www.dgsi.pt, onde se ponderou, a propósito da liquidação de Sisa, que:

“…

É sabido que o nosso sistema fiscal é hoje, tendencialmente, um sistema de gestão privada, que remete para o sujeito passivo da relação tributária a tarefa de revelar à Administração Tributária os elementos fiscalmente relevantes, em vez de aguardar que esta os indague. A observância dos deveres declarativos e informativos que a lei lhe impõe genericamente no artigo 59.º, nºs 1 e 4, da L.G.T. funciona como uma garantia do contribuinte, na medida em que confere aos elementos declarados e registados a presunção de verdade e faz recair sobre a administração tributária o ónus de demonstrar a desconformidade com a sua verdade fiscal – artigo 75.º, n.º 1, da L.G.T. E a preferência legal assim conferida ao conteúdo dessas declarações e informações funciona como uma moeda de troca para o escrupuloso cumprimento desses deveres acessórios por parte do sujeito passivo.

Do que se trata, no fundo, é de relevar o cumprimento formal dos deveres de declaração e organização contabilística como um indicador de que o contribuinte está mesmo a colaborar com a Administração Tributária, a enviar-lhe os dados fiscalmente relevantes e a transmitir-lhe a sua verdade fiscal. A aparência de colaboração é relevada pelo legislador como indicador suficiente de que há uma colaboração efectiva do sujeito passivo com as entidades administrativas.

O cumprimento dos deveres declarativos por parte do contribuinte não limita não modifica e, sobretudo, não dispensa o dever de indagação oficiosa, por parte da Administração Tributária, genericamente consignado no artigo 58.º da mesma Lei. Mas acentua o dever de demonstrar a legalidade das correcções a que se propõe, acrescentando-lhe o ónus de demonstrar que a colaboração do contribuinte era meramente aparente e insubsistente. Atacando directamente a força presuntiva dos elementos declarados ou registados, ou reunindo outros indicadores de que o resultado fiscal do contribuinte não poderia ser o declarado.

No entanto, e assim que tais indicadores forem recolhidos, o sujeito passivo deixa de beneficiar da presunção e passa a recair sobre ele o ónus de confirmar os dados declarados e que pela Administração Tributária foram infirmados. Já não lhe basta clamar pelo cumprimento escrupuloso dos seus deveres fiscais, que a Administração já revelou ser meramente aparente. Já não lhe basta apelar à presunção de verdade dos dados declarados, de que já não beneficia. É-lhe exigido que se chegue à frente e explique pontualmente a razão porque declarou o que declarou, fornecendo dados adicionais que confirmem os valores lançados e as operações correspondentes. Ou que, pelo menos, abalem a convicção firmada sobre a existência ou quantificação do facto tributário, arrastando o juízo probatório para um plano em que não seja possível formar qualquer convicção, a que a doutrina designa por situação de “non linquet” – artigo 100.º do C.P.P.T.

As regras e os princípios acima enunciados também são aplicáveis quando esteja em causa a verificação dos pressupostos de facto relevantes para efeitos de sisa, designadamente os que determinam a respetiva incidência real ou aqueles em que assenta a determinação da matéria coletável correspondente – artigos 2.º e 19.º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto Sobre as Sucessões e Doações.
Resulta do relatório de fiscalização que a administração tributária nunca chegou a pôr em causa os elementos da escrita da ora Recorrente. As faturas que relevou para a correção em sede de sisa foram extraídas da sua contabilidade e, apesar de ressalvar que a descrição dos serviços a que se reportam ser demasiado genérica (por não esclarecer nem permitir quantificar o tipo de materiais e obras que estão em causa), não o fez para pôr em causa a conformidade entre o que delas consta e a verdade fiscal do contribuinte, mas para sublinhar que o teor dessas faturas não confirma que o valor da transação para efeitos de sisa fosse o declarado inicialmente.

Ou seja, fê-lo para pôr em evidência a desconformidade entre a escrita da ora Recorrente e a declaração que ela própria apresentou para efeitos de sisa em 25 de Março de 2003 (sisa n.º 304/2003).

Porque dessas faturas resulta que na transmissão dos bens em causa não envolveu apenas os prédios mencionados na escritura e nessa declaração, mas também diversas benfeitorias neles implantadas e que, por se encontrarem fisicamente ligadas a esses prédios, devem ser consideradas suas partes componentes. E porque dessas faturas resulta também que os intervenientes na transação atribuíram a essas benfeitorias o valor total de € 18.999.529,53.

Sendo que o valor das benfeitorias que não esteja compreendido no valor patrimonial dos respetivos prédios deve ser declarado para acrescer a esse valor patrimonial – cfr. artigo 19.º, § 2.º, parte final, do mesmo Código.

Do seu lado, a ora Recorrente também nunca chegou a pôr em causa que a declaração que apresentou para efeitos de sisa não está conforme com o teor das referidas faturas. No artigo 147.º da douta petição inicial já reconhecia, a bem da verdade, a falta de correspondência entre o teor desses documentos e a realidade jurídica substancial que ali descrevera.

Aliás, a Recorrente nem sequer pôs em causa o acerto da correção, a ter por base o teor das ditas faturas e como boa a informação nelas contida. No artigo 141.º do mesmo douto articulado, concede expressamente que as benfeitorias ou obras implantadas nos imóveis transmitidos são parte do preço dos mesmos.

O que, no entanto, a Recorrente também veio dizer foi que as faturas não espelhavam a verdade fiscal. Como refere no artigo 114.º daquela peça, são as faturas que «não representam de forma adequada a substância do negócio que lhes subjaz e, bem assim, a vontade dos contraentes». Porque o valor nelas mencionado não se destinou a pagar o que nelas se descreve, mas a transmissão de diversos direitos (que já analisamos detalhadamente no ponto 2.4. supra).

Mas, a ser assim, já não era sobre a administração tributária que recaía o ónus de demonstrar a legalidade da correção efetuada (apoiada que estava em elementos da escrita do próprio sujeito passivo); e a Recorrente também já não se poderia valer da presunção de verdade dessa declaração (que esses elementos da escrita não confirmavam), estando obrigada a demonstrar, através de outros elementos, externamente confirmáveis, que as faturas não espelhavam os verdadeiros contornos da transação nelas titulada e que o valor nelas mencionado não serviu para pagamento dos materiais aplicados e obras realizadas no centro comercial e no hipermercado.

O que a Recorrente pretendeu fazer remetendo para o teor do «contrato de compra e venda sujeito a condição suspensiva» firmado em 21 de Outubro de 2002, que junta, de onde decorre – em seu entender – a essencialidade desses direitos para a realização do negócio. E invocando, no mais, circunstâncias anómalas, como a necessidade de sobrevalorizar as obras para desbloquear tranches do empréstimo contraído pela alienante, ou regras do senso comum, anotando que não seria razoável o pagamento de tão avultada quantia por obras que, na sua maior parte, foram logo de seguida demolidas.

Mas, uma vez que a Recorrente já não beneficiava da referida presunção de verdade da sua declaração, também não lhe bastava juntar indicadores de que os direitos (estudos e projetos, licenças e posição contratual) existiam e que, na intenção das partes, estavam englobados no preço da obra. Seria necessário também que alegasse e demonstrasse, através de elementos externamente verificáveis, que esses direitos foram autonomamente valorados na vontade das partes e que o valor que lhes foi atribuído corresponde ao mencionado nessas faturas.

Ora, entende este tribunal que a Recorrente não fez essa demonstração. Aliás, nem sequer o alegou convenientemente.

Nunca especificou qual foi o valor atribuído aos estudos prévios encomendados e obtidos pela “I...”. Nunca especificou os gastos incorridos com o projeto de arquitetura, tendo-se limitado a consignar vagamente que representaram «parte substancial do preço do empreendimento» (artigo 101.º da douta petição), ou qual o valor atribuído a outros direitos autorais ou similares, bem como à prestação de facere consubstanciada na obrigação da transmitir as licenças de que a “I...” já fosse titular (a que alude no artigo 150.º). Nunca quantificou, sequer por estimativa, «os custos e formalidades associados a um novo contrato de empréstimo» (a que alude no artigo 155.º) e muito menos o valor de posição do mercado atribuído ao direito de construir em Vila Real um centro comercial de dimensão regional. E, sobretudo, nunca quantificou o valor que, afinal, pagou pela obra (pelas benfeitorias implantadas no terreno), tendo-se limitado a afirmar que «foi insignificante» (artigo 130.º).

Não o fez sequer por remissão para o tal «contrato de compra e venda sujeito a condição suspensiva» (de que junta cópia a fls. 96 e seguintes dos autos), que também se limita a englobar o valor da obra e dos direitos descritos na cláusula primeira numa verba unitária, sem discriminar minimamente as respetivas componentes.

Os únicos direitos verdadeiramente valorizados são os correspondentes ao custo do licenciamento, que discrimina no documento n.º 16 junto com a douta p.i. (fls. 169 dos autos). Mas mesmo estes não são aqueles que a “I...” suportou ou teria que suportar, mas o que derivariam para a Recorrente em procedimento de licenciamento que devesse efetuar-se a coberto de lei que entrou em vigor dois anos mais tarde (e que nunca poderia ter mensurado na data da realização do negócio).

Finalmente, o facto de o edifício já erigido em obra ter sido parcialmente demolido (de acordo com a segunda testemunha, foram aproveitados os «eixos 1 a 10, que correspondiam a metade do que lá estava mais ou menos» e, de acordo com a terceira testemunha, «dos dois terços da estrutura que estavam construídos, cerca de metade foi demolido (de 70 mil m2 ficaram cerca de 28 mil m2)») também não revela, por si só, que os fatores de fixação do preço fossem ao tempo diversos dos que são descritos nas faturas. Para além de não constarem dos autos elementos relativos ao valor da obra que revelem desconformidade com o que resulta da escrita da “I...” e da própria Recorrente, também não obstaria a que o preço fosse atribuído à obra feita e que tivesse sido posteriormente decidida a demolição parcial.

De todo o exposto decorre que a Recorrente não apresentou, como lhe competia, dados objetivos e suscetíveis de verificação externa que permitissem concluir com a necessária segurança que o negócio titulado nas referidas faturas não correspondeu ao que neles se descreveu. E a sentença que assim conclui também não merece censura e deve ser confirmada. …”.

Tendo presente a matéria apontada no aresto descrito, sendo que não se vislumbra na posição assumida pela Recorrente qualquer argumento susceptível de determinar uma percepção diferente da realidade em apreço, entende-se que, analisada a sentença recorrida, apesar de a decisão sobre a matéria de facto poder e dever ser mais abrangente, considerando a factualidade alegada pela ora Recorrente nos termos acima apontados, considerando-a provada ou não provada, resulta claro que a reclamada ampliação da decisão sobre a matéria de facto não tem a virtualidade de permitir uma ponderação diferente da matéria substancial em análise.

Com efeito, e como se referiu, já não era sobre a administração tributária que recaía o ónus de demonstrar a legalidade da correcção efectuada (apoiada que estava em elementos da escrita do próprio sujeito passivo); e a Recorrente também já não se poderia valer da presunção de verdade dessa declaração (que esses elementos da escrita não confirmavam), estando obrigada a demonstrar, através de outros elementos, externamente confirmáveis, que as facturas não espelhavam os verdadeiros contornos da transacção nelas titulada e que o valor nelas mencionado não serviu para pagamento dos materiais aplicados e obras realizadas no centro comercial e no hipermercado, o que a Recorrente pretendeu fazer remetendo para o teor do «contrato de compra e venda sujeito a condição suspensiva» firmado em 21 de Outubro de 2002, que junta, de onde decorre – em seu entender – a essencialidade desses direitos para a realização do negócio. E invocando, no mais, circunstâncias anómalas, como a necessidade de sobrevalorizar as obras para desbloquear tranches do empréstimo contraído pela alienante, ou regras do senso comum, anotando que não seria razoável o pagamento de tão avultada quantia por obras que, na sua maior parte, foram logo de seguida demolidas.

Mas, uma vez que a Recorrente já não beneficiava da referida presunção de verdade da sua declaração, também não lhe bastava juntar indicadores de que os direitos (estudos e projectos, licenças e posição contratual) existiam e que, na intenção das partes, estavam englobados no preço da obra. Seria necessário também que alegasse e demonstrasse, através de elementos externamente verificáveis, que esses direitos foram autonomamente valorados na vontade das partes e que o valor que lhes foi atribuído corresponde ao mencionado nessas facturas, sendo que, e este é o elemento decisivo, entende este tribunal que a Recorrente nem sequer o alegou convenientemente.

Efectivamente, como se assinala no aresto descrito, situação que também se aplica no âmbito dos presentes autos, nunca especificou qual foi o valor atribuído aos estudos prévios encomendados e obtidos pela “I...”. Nunca especificou os gastos incorridos com o projecto de arquitectura, tendo-se limitado a consignar vagamente que representaram «parte substancial do preço do empreendimento» (artigo 101.º da douta petição), ou qual o valor atribuído a outros direitos autorais ou similares, bem como à prestação de facere consubstanciada na obrigação da transmitir as licenças de que a “I...” já fosse titular (a que alude no artigo 150.º). Nunca quantificou, sequer por estimativa, «os custos e formalidades associados a um novo contrato de empréstimo» (a que alude no artigo 155.º) e muito menos o valor de posição do mercado atribuído ao direito de construir em Vila Real um centro comercial de dimensão regional. E, sobretudo, nunca quantificou o valor que, afinal, pagou pela obra (pelas benfeitorias implantadas no terreno), tendo-se limitado a afirmar que «foi insignificante» (artigo 130.º).

Não o fez sequer por remissão para o tal «contrato de compra e venda sujeito a condição suspensiva» (de que junta cópia a fls. 96 e seguintes dos autos), que também se limita a englobar o valor da obra e dos direitos descritos na cláusula primeira numa verba unitária, sem discriminar minimamente as respectivas componentes.

Os únicos direitos verdadeiramente valorizados são os correspondentes ao custo do licenciamento, que discrimina no documento n.º 16 junto com a douta p.i. (fls. 169 dos autos). Mas mesmo estes não são aqueles que a “I...” suportou ou teria que suportar, mas o que derivariam para a Recorrente em procedimento de licenciamento que devesse efectuar-se a coberto de lei que entrou em vigor dois anos mais tarde (e que nunca poderia ter mensurado na data da realização do negócio).

Finalmente, o facto de o edifício já erigido em obra ter sido parcialmente demolido (de acordo com a segunda testemunha, foram aproveitados os «eixos 1 a 10, que correspondiam a metade do que lá estava mais ou menos» e, de acordo com a terceira testemunha, «dos dois terços da estrutura que estavam construídos, cerca de metade foi demolido (de 70 mil m2 ficaram cerca de 28 mil m2)») também não revela, por si só, que os factores de fixação do preço fossem ao tempo diversos dos que são descritos nas facturas. Para além de não constarem dos autos elementos relativos ao valor da obra que revelem desconformidade com o que resulta da escrita da “I...” e da própria Recorrente, também não obstaria a que o preço fosse atribuído à obra feita e que tivesse sido posteriormente decidida a demolição parcial.

Assim, e como se concluiu no aresto posto em evidência, de todo o exposto decorre que a Recorrente não apresentou, em termos de alegação, como lhe competia, dados objectivos e susceptíveis de verificação externa que permitissem concluir com a necessária segurança que o negócio titulado nas referidas facturas não correspondeu ao que neles se descreveu, situação que condenou ab initio ao insucesso a pretensão formulada pela Recorrente no âmbito do presente recurso, o que significa que a sentença recorrida não merece censura e deve ser confirmada.

Ficando prejudicado o conhecimento da outra questão colocada em via de recurso - relativa à legalidade da liquidação da coima - cuja anulação a própria Recorrente configurava como um ato consequente da pretendida anulação da liquidação da sisa.

4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 30 de Abril de 2014
Ass. Pedro Vergueiro

Ass. Nuno Bastos

Ass. Irene Neves