Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00678/11.0BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/18/2019
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:SALAS DE JOGO; PROIBIÇÃO DE ACESSO.
Sumário:“As concessionárias estão legal e contratualmente obrigadas a cumprir as exigências de acesso às salas de jogos, a organizar e manter os meios necessários ao cabal cumprimento dessa obrigação, e, em particular, a desenvolver os atos necessários a impedir o acesso às salas de jogos de quem requereu e obteve do Inspetor-Geral de Jogos a proibição de acesso às mesmas” (Acórdão do TCAN de 20.05.2016, P. 00529/12.8BEAVR)*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Turismo de Portugal, I.P.
Recorrido 1:S. - S. de I. T. C. V. SA.
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Turismo de Portugal, I.P. veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 31.08.2012, que julgou procedente a acção administrativa especial intentada por S. - S. de I. T. C. V. SA contra o Recorrente, e, em consequência, anulou o acto administrativo impugnado de deliberação nº 56/2011/CJ, tomada em 17.05.2011, pela Comissão de Jogos da entidade Turismo de Portugal, IP, que acolhendo integralmente as conclusões do Parecer nº 51/2011 do Director do Serviço de Jogos, aplicou à Autora uma multa no montante de 1.246,99 €.

Invocou, para tanto, em síntese, que a sentença recorrida não interpretou correctamente o artigo 125º, 36º, 37º e 38º da Lei do Jogo.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1 - A sentença ora recorrida incorreu num erro de julgamento ao considerar que o artigo 125º da Lei do Jogo apenas é aplicável à incorreta identificação dos frequentadores das salas de jogos tradicionais, para os quais é exigida a emissão prévia de um cartão de acesso e, quanto às salas mistas ou de máquinas, apenas às situações contempladas no artigo 36º, n.º 2, alínea a) do referido diploma legal.

2 - Isto porque o artigo 125º da Lei do Jogo visa a penalização das concessionárias pelas entradas consideradas irregulares nas salas mistas dos Casinos e não apenas pelas entradas irregulares nas salas de jogos tradicionais, para as quais se exige a emissão prévia de um cartão de acesso.

3 - O artigo 125º da Lei do Jogo visa ainda a penalização das concessionárias pela entrada e permanência, nas salas de jogos dos Casinos, dos utentes que se enquadrem em qualquer uma das normas nas quais estão previstas restrições ou proibições de acesso, nomeadamente nos artigos 36º, 37.º ou 38.º da Lei do Jogo.

4 - Andou igualmente mal a sentença recorrida ao considerar que apenas nas situações previstas na alínea a) do n.º 2 do artigo 36.º se prevê que os porteiros das salas de jogos possam exigir a exibição de documento de identificação aos frequentadores das salas mistas.

5 - Pois que, a circunstância de se estabelecer expressamente que os porteiros das salas de jogo devem exigir a exibição de documento de identificação aos frequentadores que aparentem ser menores de idade, não exclui, naturalmente, que a mesma exigência de identificação seja dirigida a um frequentador sobre o qual incida uma suspeita de inibição de entrada nas salas dos casinos.

6 - Ora, no âmbito da realização do interesse público que prosseguem e do cumprimento dos dispositivos legais a que estão vinculadas, é apenas sobre as concessionárias que impende esta obrigação de assegurar o controlo dos acessos às salas de jogos de fortuna e de azar.

7 - E se é certo que a legislação poderia impor às concessionárias a instalação de um sistema de controlo efetivo, sendo esse qual fosse, de acessos às salas de jogo, tal não as desobriga de cumprir com a sua obrigação de proceder ao controlo dos acessos a qualquer uma das salas dos casinos.

8 - Isto porque, não só nada na legislação impede as concessionárias de proceder à instalação de mecanismos de controlo dos acessos como medida cautelar para assegurar o cumprimento das suas obrigações, como estas obrigações apresentam caráter finalístico, sendo àquelas a quem incumbe definir e utilizar os meios legalmente disponíveis ou adotar outros meios que repute adequados para o efetivo cumprimento dos comandos que estabelecem restrições de entrada.

9 - Ademais, no caso concreto, foi a própria Recorrida que admitiu que o frequentador em causa foi identificado pelos seus serviços, o que significa que, ao contrário do que se defende na sentença recorrida, não seria, de todo, impossível à Recorrida ter impedido o acesso do frequentador em causa às salas de jogos do Casino de E….
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II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

A) No dia 2212.2008, a ora Autora foi notificada, pelo Serviço de Inspecção de Jogos da entidade ora demandada (Notificação nº 472/2008, de 22.12.2008), do ofício com a referência 2008.E.57031, de 22.12, com o seguinte teor: “Comunico, para os devidos efeitos, que o Exmo. Director do Serviço de Inspecção de Jogos, por despacho de 19 de Dezembro corrente e a pedido do interessado, determinou, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 38.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, a proibição de acesso às salas de jogos de todos os casinos do País, pelo período de DOIS ANOS, a: H. M. S. C., filho de J. C. J. C. e de G. dos A. S. F., nascido a XX de Outubro de 19XX, na freguesia de M…, concelho do P…, divorciado, empresário, residente na (..), titular do Bilhete de Identidade n.ºXXXXXXXX, emitido em XX de Janeiro de XXXX e válido até 16 de Outubro de XXXX.” – Cfr. documentos constantes de folhas 10 e 11 do processo administrativo incorporado nos autos, a folhas 86 e seguintes.

B) Identificando assim tal comunicação o frequentador em causa através da respectiva filiação, data de nascimento, estado civil, residência, n.º do BI sendo objecto expresso de tal comunicação a indicação não apenas da sanção aplicada ao frequentador em causa, mas também a referenciação dos dados da sua identificação pessoal – cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial.

C) No canto superior esquerdo da citada notificação (verso) consta, a preto e branco, uma fotografia do frequentador em causa. (cfr. documento n.º 2).

D) No dia 18.03.2010, os serviços da entidade demandada, receberam uma reclamação, apresentada por uma frequentadora do Casino de E…, A. L. A. P., acerca do alegado acesso irregular de H. M. S. C., seu marido, ao Casino de E…, nos dias XX, XX e XX de Março de 2010, entre as 19 horas e as 3 horas, porquanto este se encontrava impedido de entrar em todos os Casinos do país – cfr. documento constante de folhas 8 do processo administrativo.

E) Por despacho datado de 26.03.2010, o Serviço de Inspecção de Jogos da entidade ora demandada instaurou o Processo de Averiguações n.º 15/2010, à Autora, tendo em vista o apuramento dos factos constantes da referida reclamação – cfr. documento constante de folhas 7 do processo administrativo.

F) O Serviço de Inspecção de Jogos da entidade demandada procedeu à audição da Autora sobre os factos constantes da reclamação, tendo esta declarado que: “O frequentador H. M. S. C. foi detectado junto da Sala Mista 3 na partida do dia XX, cerca das 2:40 horas, pelo Chefe de Sala Adjunto, Sr. D. G., que o reconheceu e o interpelou, pedindo-lhe que se retirasse do casino, em virtude de estar interdito de frequentar as salas de jogo a seu pedido” – cfr. documento constante de folhas 17 do processo administrativo.

G) No dia 18.04.2010, o Serviço de Inspecção de Jogos da entidade ora demandada inquiriu o adjunto do Chefe de Sala de Máquinas do Casino de E., que havia presenciado os factos sob averiguação, tendo o mesmo prestado as seguintes declarações:

“(…) Que na partida do dia XX de Março de 2010, estava a exercer as suas funções na sala mista, piso 3, do Casino de E…;
Que, cerca das 2h40m do dia xx de Março, quando circulava junto da mesa de jogo “Ponto e Banca Macau”, um jogador que aí estava a jogar, cumprimentou-o, dizendo-lhe “Boa Noite”;
Que ao olhar para o referido jogador reconheceu-o e suspeitou que o mesmo se encontrava interdito de ingressar nas salas de jogos do Casino de E.;
Que, de imediato, foi consultar a listagem dos frequentadores proibidos, tendo confirmado a sua suspeição, pois o referido jogador encontrava-se interdito de ingressar nas salas de jogos dos Casinos; (…)” .

– cfr. documento constante de fls. 22 do processo administrativo.

H) Tendo ficado provado, na sequência do procedimento de averiguações, a presença do frequentador interdito na sala de jogos mista do Casino de E., na partida do dia xx.xx.2010, foi a Autora notificada para se pronunciar, em sede de audiência prévia, da respectiva nota de responsabilização, nos termos da qual:

“(…) 1. Ao ter permitido o acesso à sala mista do casino de E. ao frequentador H. M. S. C., a S., S.A., concessionária do Casino de E., praticou uma infracção prevista e punível, nos termos do artigo 125.º do Decreto-Lei n.º422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, “com multa até €1.246,99 por cada entrada”.
2. A S., S.A., na qualidade de concessionária da exploração do jogo no Casino de E., tinha conhecimento, através da notificação n.º 472/08, de 22 de Dezembro de2008, que o frequentador em causa estava proibido de ingressar nas salas de jogos até 22/12/2010, pelo que agiu assim com culpa, actuando de forma livre e consciente da ilicitude da sua conduta.
3. A concessionária, nos termos do n.º 1 e seguintes do artigo 118.º do referido Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção do também referido Decreto-Lei n.º 10/95 responde, pelo incumprimento da norma violada, ainda que sem culpa.
4. Mesmo que a infracção seja cometida por empregado da concessionária, esta responde pela infracção cometida, nos termos do n.º 2 do referido artigo 118.º. (…)”
– Cfr. documentos constantes de folhas 33 a 35 do processo administrativo.

I) Dentro do prazo fixado para esse efeito, a Autora não apresentou qualquer defesa escrita, nem requereu a realização de quaisquer diligências instrutórias.

J) Em 17.06.2011, concordando com o Parecer n.º 51/2011, de 11.05, do Director do Serviço de Inspecção de Jogos, a Comissão de Jogos aprovou a Deliberação n.º 56/2011/CJ, nos termos da qual se determinou o seguinte:

“ (…) Considerando a matéria de facto relatada e a circunstância de, na partida de 17 de Março de 2010, ter permitido o acesso à sala mista do Casino de E. ao frequentador H. M. S. C., que se encontrava inibido de aceder às salas de jogos de todos os casinos do país, a pedido do próprio, por um período de dois anos a contar, quanto ao Casino de E., de xx de Dezembro de 2008, nos termos da notificação nº 472/2008, daquela data, através da qual foi notificada a empresa concessionária da proibição de acesso do identificado frequentador;
Considerando que a empresa concessionária é reincidente neste tipo de infracções;
A Comissão delibera aplicar à empresa concessionária S. - S. DE I. T. C. V. S.A, a multa no montante de € 1.246,99 (mil duzentos e quarenta e seis euros e noventa e nove cêntimos).”
– Cfr. documentos constantes de fls. 41 a 46 do processo administrativo.
K) A Autora é concessionária do Casino de E. tendo celebrado com o Estado Português um contrato de concessão da zona de jogo de E., datado do ano de 1989, mas alterado e prorrogado por contrato de 14.12.2001, cuja duração termina a 31 de Dezembro de 2023 – cfr. documento n.º 3 junto com a petição inicial.

L) A Autora no referido contrato vinculou-se expressamente a aceitar todas as obrigações impostas pela legislação em vigor (cláusula 3.º).

M) A Autora logo após a recepção da notificação n.º 427/2008 da Inspecção de Jogos verificou de imediato que o nome do frequentador H. M. S. C. se achava já introduzido na listagem informática acima referida providenciando pela inscrição de tal interdição na ficha pessoal do dito frequentador.

N) A Autora não tinha meios técnicos e humanos que permitissem proceder de imediato à identificação do frequentador de salas de jogos aqui em causa e impedir a sua entrada.

O) No que toca às salas de jogos tradicionais, o respectivo acesso é sujeito à obtenção de cartão ou documento equivalente.

P) Para as salas de máquinas automáticas e salas mistas, não prevê actualmente a legislação a existência de qualquer sistema de controlo e fiscalização no respectivo acesso.

Q) Para levar a cabo a fiscalização que lhe compete o Serviço de Inspecção de Jogos destaca para cada um dos casinos equipas de vários técnicos – inspectores de jogos – que neles dispõem de gabinetes a eles destinados e acompanham a actividade e funcionamento dos casinos e das diversas salas de jogos todos os dias, desde a sua abertura até ao seu encerramento.

R) O Estado, através do Serviço de Inspecção de Jogos, está representado nas instalações do Casino de E. por uma equipa actualmente composta de oito inspectores.

S) À data da ocorrência dos factos, como desde o início da dita concessão, já a Inspecção de Jogos estava representada nas instalações do Casino de E., e era esse também o número de inspectores que integravam a equipa respectiva.

T) Dessa equipa destacada para o Casino de E., é permanente a presença de, pelo menos, dois inspectores nas respectivas instalações desde a hora de abertura do casino e das suas salas de jogo, até à hora do seu encerramento.

U) O regime de acesso às salas de jogos tradicionais depende da obrigatória passagem, por todos os potenciais frequentadores, através de balcão próprio no qual estão sempre funcionários da Autora.

V) Nesse balcão os potenciais frequentadores deverão obrigatoriamente identificar-se, antes de lhes ser entregue um cartão que lhes permitirá aceder à dita Sala de Jogos Tradicionais.

W) Sem esse cartão não é possível a ninguém aceder à Sala de Jogos Tradicionais.

X) No balcão do serviço de identificação supra mencionado, existe equipamento informático que dispõe da listagem de clientes e frequentadores não impedidos de aceder às salas de jogos por decisão do Serviço de Inspecção de Jogos.

Y) Se a interdição for relativa a algum dos seus clientes, uma vez que os mesmos já constam dos ficheiros da Autora, é introduzida imediatamente essa menção na respectiva ficha de cliente.

Z) Os serviços de identificação acima referidos apenas entregam cartão a qualquer potencial cliente desde que o seu nome não conste da listagem existente no dito sistema informático.

AA) Ou desde que da sua ficha de cliente não conste a interdição de acesso à dita Sala de Jogos Tradicionais.

BB) Quer essa listagem, quer as fichas individuais de clientes são de livre acesso por parte dos elementos do Serviço de Inspecção de Jogos em funções no Casino de E..

CC) Em fins-de-semana, a afluência de pessoas às salas de máquinas automáticas ou salas mistas ultrapassa seguramente o milhar.

DD) Com grupos de pessoas a entrar e sair a cada momento.

EE) A Autora tem permanentemente um porteiro em todas as entradas das salas de máquinas automáticas e salas mistas.

FF) Consta da cópia da folha do Jornal expresso de 22 de Abril de 2006 junta pelo Autor que segundo o Director do Serviço de Inspecção de Jogos, Dr. António Alegria:“ há uma lacuna legislativa que torna muito difícil impedir o acesso às pessoas proibidas de entrar em salas de jogos”...”a lei é incongruente: proíbe o acesso, mas não diz como controlar o acesso” – cfr. documento n.º 2 anexo às alegações.
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III - Enquadramento jurídico.

A sentença recorrida anulou a deliberação que havia sancionado a Recorrida com uma multa no montante de 1.246,99 €, com fundamento, no essencial, em esta ter permitido o acesso às salas “mistas” de jogo do Casino de E., de um frequentador já identificado que se encontrava, a seu pedido, inibido de aceder às salas de jogos de todos os casinos do país. A sentença recorrida julgou o ato ilegal, em resumo, por ter considerado que o artigo 125.º do Decreto-Lei n.º 422/89 (Lei do Jogo) apenas é aplicável à incorreta identificação dos frequentadores das “salas de jogos tradicionais”, cujo acesso está sujeito à obtenção de cartão ou documento equivalente; mas já não ao acesso às “salas mistas” ou de máquinas, onde a exigência de exibição dos documentos referidos apenas é exigida nas situações contempladas no artigo 36.º/2-a) do referido diploma legal.

Esta questão foi tratada de forma que integralmente se sufraga no acórdão proferido por este Tribunal Central Administrativo Norte, de 17.06.2016, no processo nº 943/12.9B AVR, de 17.06.2016, que aqui se reproduz:

“O Recorrente contesta o assim decidido, em síntese, por considerar que o citado artigo 125.º da Lei do Jogo visa a penalização das concessionárias pelas entradas consideradas irregulares nas salas mistas dos casinos e não apenas pelas entradas irregulares nas salas de jogos tradicionais.
A questão em apreço não é nova e ainda recentemente foi objeto do Acórdão deste TCAN de 20.05.2016, P. 00529/12.8BEAVR, cuja fundamentação parcialmente se transcreve:
«Tal como vertido no supra citado acórdão do STJ, de 25-06-2013, processo nº 948/09.7TVPRT.P1.S1, «a evolução legislativa que se sumariou revela uma facilitação no acesso às salas de máquinas e salas mistas, criadas em 1995, justificada pelo legislador de 2005 pelo objectivo de rentabilizar a exploração do jogo concessionado, e que veio acompanhada de um acréscimo de responsabilização das concessionárias pela legalidade dessa exploração — «Como principais inovações, acentua-se a responsabilidade das concessionárias pela legalidade e regularidade da exploração e prática do jogo concessionado e melhoram-se as condições para uma exploração rentável (…)», escreveu-se no preâmbulo do Decreto-Lei nº 40/2005, acima parcialmente transcrito.
E revela, ainda, que essa facilitação não é incompatível com a fiscalização do acesso às salas de jogo, mesmo àquelas em que não é obrigatória a identificação dos frequentadores que nelas pretendem entrar.
Na verdade, não é possível sustentar que o legislador, que impede certas categorias de pessoas de frequentar as salas de jogos e que reconhece mesmo a possibilidade de, a pedido (do próprio ou da concessionária), lhes ser interdito o acesso, não permita às concessionárias o cumprimento da obrigação de fazer respeitar as correspondentes prescrições legais (…), sancionadas, por cada entrada irregular (artigo 125º), em reconhecimento de que é de interesse público a existência de restrições.».
De notar que “o concessionário está associado de forma íntima à realização do interesse público, e o concessionário do jogo, enquanto parte num contrato administrativo de colaboração subordinada, sofre as limitações decorrentes duma «cláusula de submissão explícita ou implícita – às leis, regulamentos e atos administrativos que durante a execução do contrato exprimam as exigências do interesse público servido, quanto ao objecto do contrato» – cf. SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, p.p. 365 e 419. Na raiz da relação administrativa, em lugar de estar o exercício da iniciativa privada e a plena autonomia de vontade da empresa, está o monopólio do Estado do Jogo, que reserva a si próprio esse direito – art. 9º do Dec-Lei nº 422/89” — cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno), de 12/11/2003, processo nº 044798.
As concessionárias estão legal e contratualmente obrigadas a cumprir as exigências de acesso às salas de jogos; estão, pois, obrigadas a organizar e a manter os meios necessários ao cabal cumprimento dessa obrigação, respeitando, naturalmente, as regras legais aplicáveis (cfr., por exemplo, o artigo 52º já citado); e são ainda obrigadas a determinar a quem «for encontrado numa sala de jogos em infracção às disposições legais» que se retire (artigo 37º da Lei do Jogo).
Se na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como impõe o nº 3 do artigo 9º do Código Civil, então não pode apenas concluir-se que o legislador, tendo consagrado a possibilidade de proibição de acesso a que se refere o artigo 38º da Lei do jogo, impõe necessariamente um controlo de acesso às salas de jogos, de molde a impedir a entrada a indivíduos que não reúnam os necessários requisitos para a sua frequência, incluindo naturalmente os indivíduos cujo acesso às mesmas está proibido.
Reitera-se: Em particular, as concessionárias estão obrigadas a desenvolver os atos necessários a impedir o acesso às salas de jogos a quem requereu e obteve do Inspetor-Geral de Jogos a proibição de acesso, nos termos do disposto no artigo 38º da Lei do Jogo — neste sentido, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-03-2012, processo nº 1840/05.0TBESP.
Finalmente, na vertente que nos ocupa neste caso, «as entradas irregulares nas salas de jogos fazem incorrer a concessionária em multa até 250.000$00, por cada entrada», como prevê e estatui o artigo 125º da Lei do Jogo.
Não tendo o legislador distinguido, excluído ou restringido, o tipo de salas de jogos a que se refere este artigo 125º, salas de jogos, para aquele efeito, são as previstas no artigo 32º do mesmo diploma legal — ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemos —, designadamente, salas reservadas a determinados jogos e jogadores, salas mistas, com jogos tradicionais e máquinas, salas de jogos tradicionais, salas de máquinas de jogo de fortuna ou azar e Keno, salas mistas, de máquinas e de bingo, salas de jogo do Keno.
Quanto à entrada irregular nas salas de jogos, esta considera-se irregular sempre que, designadamente, o frequentador não tenha previamente obtido ou não seja portador do cartão ou documento equivalente a que se refere o artigo 35º da Lei do Jogo, ou quando incorra em situação susceptível de alguma restrição de acesso (artigos 36º e 37º) ou sofra uma proibição de acesso (artigo 38º).”
No citado Acórdão do TCAN de 20.05.2016, P. 00529/12.8BEAVR extraíram-se ainda as seguintes conclusões, assim sumariadas:
I — A par da facilitação no acesso às salas de jogos – salas de máquinas e salas mistas – criadas em 1995, e justificadas pelo legislador de 2005, com o objectivo de rentabilizar a exploração do jogo concessionado, assistiu-se a um acréscimo de responsabilização das concessionárias pela legalidade dessa exploração — “Como principais inovações, acentua-se a responsabilidade das concessionárias pela legalidade e regularidade da exploração e prática do jogo concessionado e melhoram-se as condições para uma exploração rentável …” (Preâmbulo do Decreto-Lei nº 40/2005, de 17 de Fevereiro).
II — As concessionárias estão legal e contratualmente obrigadas a cumprir as exigências de acesso às salas de jogos, a organizar e manter os meios necessários ao cabal cumprimento dessa obrigação, a determinar a quem “for encontrado numa sala de jogos em infracção às disposições legais” que se retire (artigo 37º da Lei do Jogo), e em particular a desenvolver os atos necessários a impedir o acesso às salas de jogos de quem requereu e obteve do Inspetor-Geral de Jogos a proibição de acesso às mesmas, nos termos do artigo 38º da supra referida lei.
III — A Lei do Jogo, ao deixar de impor a identificação prévia, não pode ser interpretada no sentido de inviabilizar um controlo por parte da concessionária, que a própria lei exige, e a dificuldade de executar esse controlo não justifica o incumprimento do dever de vigilância.
IV — Deve considerar-se irregular a entrada nas salas de jogos sempre que, designadamente, o frequentador não tenha previamente obtido ou não seja portador do cartão ou documento equivalente, a que se refere o artigo 35º da Lei do Jogo, ou quando incorra em situação susceptível de alguma restrição de acesso (artigos 36º e 37º) ou sofra uma proibição de acesso (artigo 38º).
V — Ordenada a proibição de acesso a pedido do jogador, nasce para este uma expectativa jurídica de que, independentemente da sua vontade (compulsiva ou não), será impedido de aceder às salas de jogos; por seu turno, sobre as empresas concessionárias recai a obrigação de impedir e obstar a esse acesso, nos termos em que ele é determinado pela Inspeção-Geral de Jogos.
VI —Salas de jogos, para efeito do disposto no artigo 125º da Lei do Jogo, são as previstas no artigo 32º do mesmo diploma legal.
Esta fundamentação, que subscrevemos, é inteiramente aplicável ao caso em apreço, em que o identificado frequentador estava proibido, a seu pedido, de aceder às salas de jogos dos casinos do país. Ordenada a proibição a pedido do jogador, nasce para este uma expectativa jurídica de que, independentemente da sua vontade, será impedido de aceder às salas de jogos (Januário Pinheiro, Lei do Jogo – Anotada e Comentada, 2006, 202). Por seu turno, sobre a empresa concessionária, aqui Recorrida, recai a obrigação de impedir e obstar a esse acesso, nos termos em que ele é determinado pela Inspeção-Geral de Jogos.
Acontece que a Recorrida não observou a obrigação que lhe foi imposta pela Inspeção-Geral de Jogos, ao abrigo do artigo 38.º da Lei do Jogo, antes adoptou uma atitude omissiva e permissiva da entrada irregular daquele frequentador nas salas de jogos, assim incorrendo na previsão normativa do artigo 125.º, cuja estatuição comina com multa cada entrada irregular nas mesmas.”

Assim, procede o recurso, devendo a sentença recorrida ser revogada julgando-se improcedente a ação.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida e julgando a acção improcedente.

Sem custas, por a Recorrida não ter apresentado contra-alegações.


Porto, 18.10.2019

Rogério Martins
Luís Garcia
Conceição Silvestre