Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00306/18.2BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/15/2020
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:ATA; VOTO DE VENCIDO; TRANSCRIÇÃO.
Sumário:1-As atas são documentos que contêm a narração ou descrição do que de essencial se passou numa reunião, assistindo ao membro que vote de vencido o direito a fazer constar da ata a sua declaração de voto, contendo as respetivas razões.

2- Uma ata, enquanto documento que descreve o que se passou numa reunião, não pode ser diferente em função da data em que é aprovada, pelo que o voto de vencido apresentado por um membro, em relação ao seu conteúdo, deve constar da ata a que respeita o assunto que motiva a declaração de voto. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A.
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Norte:

I – RELATÓRIO:

1.1.A., residente na Rua (…), (…), moveu ação administrativa contra o MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA, com sede na Avenida (…), (…), pedindo que o R. seja condenado a ordenar à Direção da Escola Secundária (...) que introduza na ata da reunião do Conselho de Turma do 10.º 2, realizada em 27/10/2017, a menção de que a mesma foi lida e aprovada em 05/12/2017, com quatro votos a favor e um contra, bem como a proceder ao registo, na íntegra, na referida ata, do conteúdo da declaração de voto apresentada pela A. em 05/12/2017.

Alegou, para tanto, em síntese, que na qualidade de representante dos pais e encarregados de educação da turma 2 do 10.º ano da Escola Secundária (...), em (…), participou na primeira parte da reunião do Conselho de Turma realizada em 27/10/2017;

Em exposição datada de 23/11/2017, relatou à Delegada Regional de Educação do Centro que a ata da reunião do Conselho de Turma de 27/10/2017 não reproduzia com rigor o que aí aconteceu e aparecia aprovada sem que tivesse sido lida e votada pelos participantes no Conselho;

Após tomar conhecimento da exposição, o Diretor da Escola Secundária (...) convocou uma reunião extraordinária do Conselho de Turma para o dia 05/12/2017, tendo como ponto único a leitura e aprovação da ata da reunião realizada em 27/10/2017, tendo esta sido aprovada com quatro votos a favor e um voto contra da própria A., que leu e entregou uma declaração escrita a fundamentar o seu sentido de voto e que se encontra em anexo à ata da reunião de 05/12/2017;
Porém, a Direção da Escola Secundária (...) não registou nem anexou a declaração de voto da A. na ata da reunião do Conselho de Turma de 27/10/2017, pelo que não consta desta ata que a mesma foi aprovada com o voto contra da A. e que com este voto foi apresentada uma declaração escrita a fundamentar o sentido de voto, nem a mesma foi ali transcrita ou sequer se encontra a ela anexada;

O respeito pelos valores e princípios da legalidade, justiça e imparcialidade, competência, responsabilidade, proporcionalidade, transparência e boa-fé, e, bem assim, o respeito pelo dever de assegurar a participação de todos os intervenientes no processo educativo, nomeadamente dos professores, dos alunos e das famílias, concretiza-se, além do mais, no registo fidedigno das intervenções dos representantes dos pais e encarregados de educação nas atas lavradas das reuniões em que esses participantes possam ter tido intervenção ativa relevante, o que foi violado pela conduta adotada pelo Diretor da Escola Secundária (...);

A referida conduta resulta também numa restrição à prossecução plena das competências e atribuições do Conselho de Turma, especificadas no art.º 27.º do Regulamento Interno da Escola;

Foi, ainda, violado o disposto nos n.os 1 e 2 do art.º 34.º do CPA, uma vez que é exigível, in casu, que se faça constar da própria ata lavrada da reunião de 27/10/2017 que a mesma foi aprovada em 05/12/2017, com quatro votos a favor e com o voto contra da A., pelos motivos constantes da declaração de voto datada de 05/12/2017, que também deverá fazer parte integrante daquela ata;

A omissão sindicada viola igualmente os princípios da administração aberta e da transparência, porquanto dificulta, senão mesmo impossibilita, que, em caso de consulta da ata lavrada da reunião de 27/10/2017, se conheça a discordância manifestada pela A. quanto ao que ocorreu na referida reunião.
*
1.2. Regularmente citado, o R. contestou, defendendo, em suma, que o voto de vencido da A. não foi expresso na reunião de 27/10/2017, nem tão pouco a sua declaração de sentido de voto foi entregue na reunião de 27/10/2017, mas apenas na reunião extraordinária do Conselho de Turma de 05/12/2017, tendo ficado devidamente registado na respetiva ata, a qual espelha o que, e em que momento, efetivamente aconteceu. Conclui, por isso, que não pode ser inserido na ata de uma reunião realizada em 27/10/2017 o que só veio a verificar-se em 05/12/2017, pois tal seria adulterar a ata e, consequentemente, a realidade que esta deve fielmente retratar, em violação do princípio da legalidade. Pugna, assim, pela improcedência do peticionado.
*
1.3. Em 16 de maio de 2019 o TAF de Coimbra proferiu sentença que julgou a ação parcialmente procedente, a qual consta do seguinte segmento decisório:
«Pelo exposto, julga-se a presente ação administrativa parcialmente procedente e, em consequência, condena-se o R. a ordenar à Direção da Escola Secundária (...), em (...), que introduza na ata da reunião do Conselho de Turma da turma 2 do 10.º ano, realizada em 27/10/2017, a menção de que a mesma foi lida e aprovada em reunião de 05/12/2017, com quatro votos a favor e um voto contra.
Custas pela A. e pelo R., na proporção do respetivo decaimento, o qual se fixa em 50% para cada uma das partes.
Ao abrigo das disposições conjugadas dos art.ºs 31.º, n.º 1, e 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, do art.º 6.º, n.º 4, do ETAF, e dos art.ºs 305.º, n.º 4, e 306.º, n.º 2, do CPC (aplicáveis ex vi art.ºs 1.º e 31.º, n.º 4, do CPTA), fixa-se à presente ação o valor de € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).
Registe e notifique.»

1.4. Inconformada com esta decisão, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que a decisão recorrida seja revogada no segmento recorrido. Concluiu as suas alegações da seguinte forma:
«1.º Vem o presente recurso jurisdicional interposto da sentença proferida a 16.05.2019, no segmento em que julgou improcedente o pedido formulado pela Autora, de que o Ministério demandado ordenasse à Escola Secundária (...) que procedesse ao registo na íntegra, na acta da reunião realizada a 27.10.2017, do conteúdo da declaração de voto apresentada pela Autora na reunião de aprovação daquela acta, realizada a 05.12.2017, porquanto ao decidir nestes termos o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito por errada interpretação e violação das disposições e princípios legais aplicáveis – arts. 34.º n.º 1 e 35.º n.º 1 do CPA, e princípios da igualdade, da participação, da administração aberta, da transparência e da boa-fé, consagrados nos arts. 3.º e 5.º da Lei n.º 75/2008, de 22 de Abril e nos arts. 6.º, 10.º, 12.º e 17.º do CPA.

2.º A Recorrente não aceita o entendimento plasmado no aresto recorrido:
- de que face ao disposto no n.º 2 do art. 34.º do CPA, não é necessário nem exigível, sendo além do mais excessivo exigir o registo na acta da reunião de 27/10/2017, do teor da declaração de sentido de voto relativa à aprovação da acta dessa acta, por não ter a mesma sido tomada a 27/10/2017 mas apenas a 05.12.2017; e de que
- quando o art.º 35.º, n.º 1, do CPA determina que os membros do órgão colegial podem fazer constar da ata o seu voto de vencido, a referência a “ata” se reporta à a ata da reunião do Conselho de Turma Extraordinário realizada em 05/12/2017, concluindo que, constando dessa acta a referência expressa à Declaração de voto da Sra. Representante dos Pais e Encarregados de Educação, se acha cumprida a exigência legal do n.º 1 do art. 35.º do CPA.

3.º De acordo com o teor da declaração de voto apresentada pela Autora na reunião do Conselho de Turma extraordinária realizada a 05.12.2017, que teve como único propósito aprovar a acta da reunião do Conselho de Turma intercalar de 27.10.2017, esta última não espelha de forma fidedigna o que efectivamente ocorreu na reunião daquela data. Por esse motivo, a Autora não aprovou a referida acta votada na reunião de 05.12.2017, votando contra a sua aprovação.

4.º Como determina o n.º 1 do art. 35.º do CPA, os membros do órgão colegial podem fazer constar da ata o seu voto de vencido, enunciando as razões que o justifiquem, o que no caso concreto não se verificou, não constando da acta da reunião de 27.10.2017 o voto de vencido apresentado pela Autora e as razões que lhe estão subjacentes, em violação do referido preceito. (destaque nosso)

5.º Não há qualquer expressão na sobredita disposição legal da qual se possa inferir que a acta a que ali se alude é a acta de aprovação e não a acta que está em discussão e aprovação, nem a M. Juiz fundamenta legalmente o seu entendimento, bastando-se com a interpretação de que a referência a “ata” reportar-se-á, neste caso, à ata da reunião onde foi tomada a deliberação, que não é de todo suficiente para sustentar a decisão tomada. A acta a que se refere o n.º 1 do art. 35.º do CPA só pode reportar-se, neste caso, e contrariamente do decidido pelo aresto recorrido, à acta da reunião de 27.10.2017.

6.º Tendo a sentença determinado que o resultado da votação da aprovação da acta da reunião de 27.10.2017, que ocorreu a 05.12.2017, deve constar da acta da reunião de 27.10.2017, também a declaração de voto de vencido da Autora, que foi apresentada no mesmo dia e na reunião de 05.12.2017 deve ser espelhada, mediante transcrição integral, na acta daquela reunião de 27.10.2017, sob pena de se utilizarem dois critérios distintos, como fez o Tribunal a quo, sem fundamentar devidamente o seu entendimento e em errada interpretação do n.º 1 do art. 35.º do CPA.

7.º A sufragar-se o entendimento do Tribunal a quo, teríamos, no limite, que considerar e admitir, mesmo sem qualquer sustentação legal, que seria possível que, para a mesma reunião de 27.10.2017 e para a respectiva acta, pudessem existir dois documentos diferentes consoante a data da sua aprovação: se a acta tivesse sido lida e aprovada na própria reunião, teria em anexo a declaração de voto da Autora/Recorrente; no entanto, como a acta só foi lida, posta a votação e aprovada na reunião seguinte, não tem em anexo a referida declaração de voto!

8.º Uma acta, enquanto documento que descreve o que se passou numa reunião, não pode ser diferente em função da data em que é aprovada! Se assim fosse e se, por absurdo, na reunião de 05.12.2017, a acta de 27.10.2017, posta a votação, tivesse tido um voto a favor e quatro votos contra, como se procederia? Não se poderia alterar a acta lida e posta a votação, refazendo o documento? Ter-se-ia, como decorre da sentença, que registar a acta que não foi aprovada (neste caso, a de 27.10.2017), e registar as alterações na acta da reunião de 05.12.2017? Ou seja, não existiria acta da reunião de 27.10.2017 por não ter sido aprovada, e tudo o que efectivamente se passou na reunião de 27.10.2017 far-se-ia constar da acta de 05.12.2017, por ter sido nessa reunião que se fizeram as alterações com vista à aprovação da acta da reunião de 27.10.2017, como se tudo o que se passou na reunião do dia 27.10.2017 se tivesse passado no dia 05.12.2017? Uma interpretação neste sentido, como é a que decorre da sentença recorrida, não encontra qualquer arrimo legal.

9.º É do conhecimento comum que em qualquer órgão ou estrutura colegial (nas empresas, associações, escolas), as actas das reuniões são, habitualmente, aprovadas na reunião seguinte, como prevê o n.º 2 do art. 34.º do CPA, e resultam de um processo de consensualização, ou seja, o documento é alterado, espelhando os pontos de vista de todos os participantes, com vista à sua aprovação por unanimidade, sendo também essa a prática que vem sendo seguida e adoptada, por exemplo, no Conselho Geral da Escola Secundária (...), assim se assegurando o respeito pelos princípios da participação, transparência e boa-fé, que não sucedeu no caso concreto dos presentes autos.

10.º Não se compreende e não se aceita em que medida a transcrição da declaração de voto de vencido na acta da reunião de 27.10.2017 é excessiva, pois não obstante se tratar de um documento que foi apresentado em reunião realizada em dia diferente, não pode ignorar-se que, não ficando sequer registado na acta de 27.10.2017 que foi apresentada uma declaração de voto de vencido contra a aprovação dessa acta, a mera referência, nessa mesma acta, ao resultado da votação, e à existência de um voto contra, não é suficiente para que qualquer destinatário tenha conhecimento de que o voto contra está sustentado numa declaração de voto de vencido, e de que essa declaração de voto existe em anexo a uma acta de uma reunião posterior.

11.º. Estipulando expressamente o n.º 1 do art. 34.º do CPA que a acta de uma reunião deve conter a forma e o resultado das respectivas votações, a mera referência, na acta da reunião de 27.10.2017, de que existe um voto contra a sua aprovação, não é suficiente para que se considere respeitada aquela exigência.

12.º Ao contrário do que ajuizou a sentença, o que não faz sentido não é a transcrição da declaração de voto de vencido na acta da reunião de 27.10.2017, mas sim considerar que é suficiente a mera referência à aprovação da mesma com um voto contra e a sua anexação a uma acta de uma reunião realizada em data posterior, sem que sequer lhe seja feita qualquer referência, potenciando o seu desconhecimento por qualquer destinatário interessado, pois o que é facto é que ninguém, em particular um Avaliador Externo ou um Auditor, terá interesse ou procurará um documento que não sabe que existe!

13.º E mesmo que na acta da reunião de 27.10.2017 fosse feita referência à existência de uma declaração de voto de vencido - que não é – uma conduta conforme aos princípios da boa-fé, da administração aberta e da transparência exige que todos os assuntos discutidos e deliberações tomadas numa determinada reunião sejam feitos constar da acta dessa mesma reunião, pelo que só fazendo constar o teor integral da declaração de voto de vencido da Autora na acta da reunião de 27.10.2017 se assegura, a qualquer destinatário interessado, a plena possibilidade de tomar conhecimento de tudo quanto ali se passou.

14.º A pretensão da Autora/Recorrente assume especial relevo no que concerne ao funcionamento e à dinâmica do órgão colegial em questão no seio da Escola, porquanto o teor da declaração de voto de vencido apresentada relata uma versão dos acontecimentos diferente da que se acha espelhada na acta da reunião de 27.10.2017, na medida em que descreve e dá uma visão/interpretação diferente de alguns factos. E foi precisamente pelo facto de a declaração de voto da Autora suscitar a falsidade de alguns factos relatados na acta da reunião de 27.10.2017, que a Direcção da Escola Secundária (...) não registou nem anexou a declaração de voto da Autora na acta da reunião do Conselho de Turma realizada em 27.10.2017.

15.º Com efeito, só a conjugação da acta da reunião de 27.10.2017 com o registo do teor da declaração de voto apresentada pela Autora a 05.12.2017 pode ser considerado como um documento completo, porquanto só com o registo do seu sentido de voto na acta correspondente, a mesma ficará conforme à realidade dos factos e só assim se possibilita que, em caso de consulta da acta lavrada da reunião de 27.10.2017, se conheça a discordância manifestada pela Autora quanto ao que substantivamente ocorreu na reunião de 27.10.2017, respeitando de forma plena a sua posição e a sua participação no processo educativo, bem como os princípios da igualdade, da administração aberta, da transparência e da boa-fé.

16.º Na prática, e ao contrário do que também entendeu a sentença, a omissão do registo integral da declaração de voto da Autora na acta da reunião de 27.10.2017 consubstancia, pelos fundamentos supra expostos, uma ocultação do que efectivamente sucedeu na reunião de 27.10.2017, independentemente de a acta dessa reunião ter sido lida e aprovada apenas a 05.12.2017.

17.º A sentença recorrida ao julgar improcedente o pedido de condenação do Ministério demandado a ordenar à Direcção da Escola Secundária (...) que proceda ao registo, na íntegra, na acta da reunião realizada a 27.10.2017, do conteúdo da declaração de voto apresentada pela Autora na reunião de aprovação daquela acta, realizada a 05.12.2017, incorreu em erro de julgamento por errada interpretação do n.º 1 do art. 35.º do CPA e por violação do disposto no n.º 1 do art. 34.º e dos princípios da igualdade, da participação, da administração aberta, da transparência e da boa-fé consagrados nos arts. 3.º e 5.º da Lei n.º 75/2008, de 22 de Abril e nos arts. 6.º, 10.º, 12.º e 17.º do CPA, os quais devem ser interpretados e aplicados no sentido que consta da motivação do presente recurso.

18.º Por todo o exposto, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência:
a) ser revogada a sentença no segmento recorrido, por se verificarem os vícios que lhe são imputados; e
b) ser proferido acórdão que julgue procedente a pretensão da Autora/Recorrente e condene o Ministério da Educação e Ciência a ordenar a Direcção da Escola Secundária (...) a proceder ao registo, na íntegra, na acta da reunião realizada a 27.10.2017, do conteúdo da declaração de voto apresentada pela Autora na reunião de aprovação daquela acta, realizada a 05.12.2017, assim se fazendo Justiça!»

1.4. O Réu não contra-alegou.
1.5. Prescindindo-se dos vistos legais mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II.DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado em função do teor das conclusões do Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso –cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e artigos 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do NCPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA – e, por força do regime do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem no âmbito dos recursos de apelação não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Nos presentes autos, a única questão a decidir resume-se em saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento quanto ao mérito por ter indeferido o pedido de condenação do Ministério da Educação e Ciência a ordenar à Direção da Escola Secundária (...) para proceder ao registo, na íntegra, na ata da reunião realizada a 27.10.2017, nela incluindo o conteúdo da declaração de voto apresentada pela autora na reunião de aprovação daquela ata, realizada a 05.12.2017.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO

3.1. O Tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:

«1) A A. é representante dos pais e encarregados de educação da turma 2 do 10.º ano da Escola Secundária (...), em (...), no ano letivo de 2017/2018, tendo estado presente, nessa qualidade, na primeira parte da reunião do Conselho de Turma realizada no dia 27/10/2017, pelas 16 horas, sob a presidência de M. (cfr. doc. de fls. 1 do processo administrativo).
2) Da reunião do Conselho de Turma que antecede foi lavrada uma ata, da qual consta, a final, a seguinte menção: “E nada mais havendo a tratar, foi lida e aprovada a presente ata, tendo-se dado por terminada a reunião” (cfr. doc. de fls. 1 a 5 do processo administrativo).
3). Da mesma ata consta, ainda, a final, a menção de “Visto em 20/11/2017” (cfr. doc. de fls. 1 a 5 do processo administrativo).
4) Através de e-mails enviados à presidente da reunião em 30/10/2017 e em 02/11/2017, a A. solicitou o envio da “proposta de ata”, alegando que a mesma não foi lida nem aprovada na reunião (cfr. doc. de fls. 6 do processo administrativo).
5) Através de requerimento apresentado, via e-mail, em 16/11/2017, a A. solicitou ao Diretor da Escola Secundária (...), ao abrigo do art.º 82.º do CPA, o envio de “cópia da proposta de ata, da 1.ª parte da reunião do Conselho de Turma da turma do 10.º-2, (…) realizada no dia 27 de outubro de 2017”, reiterando que “a ata desta reunião não foi lida aos participantes nem posta à votação com vista à sua aprovação” (cfr. doc. de fls. 12 e 13 do processo administrativo).
6) Através de e-mails enviados em 21/11/2017 e 24/11/2017 pela Direção da Escola Secundária (...), foram remetidos à A. um extrato da ata da reunião do Conselho de Turma do dia 27/10/2017, correspondente ao momento em que a mesma esteve presente na referida reunião e com as menções referidas supra nos pontos 2) e 3), bem como a respetiva folha de presenças (cfr. docs. de fls. 14 a 20 do processo administrativo).
7) Através de e-mail enviado à Delegada Regional de Educação do Centro em 23/11/2017, a A. expôs e alegou que a ata da reunião do Conselho de Turma do dia 27/10/2017 “não relata com rigor o que aí se passou, ocultando, distorcendo e falseando os factos”, e que “foi escondida, não foi lida, não foi votada e consequentemente não foi formalmente aprovada”, requerendo, a final, a adoção das diligências necessárias ao cumprimento da lei (cfr. doc. de fls. 48 e 49 do processo administrativo).
8) Do envio da exposição que antecede foi dado conhecimento à Direção da Escola Secundária (...), por e-mail remetido pela A. em 26/11/2017 (cfr. doc. De fls. 21 e 22 do processo administrativo).
9) A Direção da Escola Secundária (...) convocou uma reunião de Conselho de Turma Extraordinário para o dia 05/12/2017, tendo em vista a aprovação da ata da reunião do Conselho de Turma intercalar realizada em 27/10/2017 (cfr. docs. de fls. 24 a 26 do processo administrativo).
10) Da reunião do Conselho de Turma Extraordinário que antecede, na qual a A. esteve presente enquanto representante dos pais e encarregados de educação, foi lavrada uma ata, da qual consta o seguinte:
“1. Assuntos tratados e/ou deliberações
Ordem de Trabalhos:
Ponto Único – Aprovação da ata do Conselho de Turma Intercalar.
A reunião iniciou-se com uma declaração de voto do professor de Geometria Descritiva, J., que ‘declara não entender por que motivos foi convocado para esta reunião de conselho de turma, dado que o ponto único da ordem de trabalhos é «Aprovação da Ata do Conselho de Turma Intercalar», reunião em que o mesmo não esteve presente’.
De seguida, procedeu-se à leitura integral da ata do conselho de turma intercalar do dia vinte e sete de outubro que, seguidamente, foi aprovada com quatro votos a favor e um contra.
2. Documentos em anexo
Declaração de voto da Sra. Representante dos Pais e Encarregados de Educação.
E nada mais havendo a tratar, foi lida e aprovada a presente ata, tendo-se dado por terminada a reunião.
Visto em 12/12/2017”
(cfr. doc. de fls. 28 e 29 do processo administrativo).
11) Foi anexada à ata referida no ponto anterior a declaração de voto da A. no sentido da não aprovação da ata da reunião do Conselho de Turma de 27/10/2017 (cfr. doc. de fls. 30 e 31 do processo administrativo).
12) Através de e-mail enviado à Delegada Regional de Educação do Centro em 09/12/2017, a A. solicitou a intervenção desta entidade no sentido de garantir, junto da Escola Secundária (...), que a sua declaração de voto fosse “devidamente incluída na ata de 27-10-2017” (cfr. doc. de fls. 57 do processo administrativo).
13) Pelo ofício n.º DSRC-S/14640/2017, de 28/12/2017, subscrito pela Delegada Regional de Educação do Centro, foi a A. informada de que, “relativamente à questão da ata da reunião do Conselho de Turma do 10.º-2 de 27.10.2017 e em particular a uma alegada e eventual ‘falsidade’ da mesma resulta dos esclarecimentos prestados pelo Senhor Diretor que nada de irregular se verificou atento quer a declaração de voto de V.ª Ex.ª junta à reunião do CT de 05 de dezembro quer os esclarecimentos prestados pela Representante do Grupo da disciplina de Físico-química A” (cfr. doc. de fls. 70 do processo administrativo).
14) A A. dirigiu novo requerimento à Delegada Regional de Educação do Centro através de e-mail enviado em 01/01/2018, ao qual esta respondeu, pelo ofício n.º DSRC-S/25/2018, de 05/01/2018, informando que “sobre o assunto já foi dada resposta a coberto do nosso ofício n.º S/14640/2017, de 28.12.2017”, bem como que “a metodologia relativa à aprovação das atas e bem assim às regras de funcionamento dos Conselhos de Turma se inserem no âmbito da autonomia das Escolas e dos seus órgãos próprios, pelo que quaisquer questões a elas relativas deverão ser colocadas junto da Direção da Escola Secundária (...)” (cfr. docs. de fls. 76 a 78 do processo administrativo).
15) A presente ação deu entrada em juízo no dia 22/05/2018 (cfr. doc. de fls. 2 do suporte físico do processo).
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Factos não provados:
Não há factos que cumpra julgar não provados com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito.
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Os factos que foram considerados provados resultaram do exame dos documentos supra identificados, constantes dos autos e do processo administrativo apenso, nos termos expressamente referidos no final de cada facto.»
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III.DE DIREITO
3.2. Dos Erros de Julgamento
3.2.1. Na ação que a Autora moveu contra o Ministério da Educação a mesma pretendia obter a condenação do Réu a que fizesse constar da ata da reunião do Conselho de Turma realizada em 27/10/2017, lida, discutida e aprovada em reunião de 05.12.2017, a data em que a mesma foi aprovada, o resultado da respetiva votação, que a mesma foi aprovada com o voto contra da A. e que com este voto foi apresentada uma declaração escrita a fundamentar o sentido de voto, declaração essa que não foi transcrita naquela ata ou sequer se encontra à mesma anexada e que dela devia constar.
3.2.2. O TAF de Coimbra julgou a ação apenas parcialmente procedente, tendo unicamente condenado o Réu a ordenar à Direção da Escola Secundária (...), em (...), que introduzisse na ata da reunião do Conselho de Turma, da turma 2 do 10.º ano, realizada em 27/10/2017, a menção de que a mesma foi lida e aprovada em reunião de 05/12/2017, com quatro votos a favor e um voto contra, absolvendo o Réu do demais peticionado.
3.2.3.A Apelante pretende a reapreciação desta decisão e a sua revogação na parte em que julgou improcedente o pedido de condenação do Réu a que na referida ata da reunião de 27/10/2017 fosse integralmente registado o conteúdo da declaração de voto apresentada pela A. na reunião extraordinária de 05/12/2017.
3.2.4. A fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo para indeferir o pedido de transcrição do conteúdo da declaração de voto na respetiva ata, foi a seguinte:
« (…)
Resposta diferente merece, contudo, a segunda questão colocada, isto é, a de saber se deve ser registada, na íntegra, na referida ata da reunião de 27/10/2017 – lida e aprovada em 05/12/2017 – o conteúdo da declaração de voto apresentada pela A. na reunião extraordinária de 05/12/2017.
Afigura-se-nos, com efeito, que, considerando que a declaração de voto em crise só foi apresentada pela A. na reunião de 05/12/2017 – na qual, relembrando, se procedeu à leitura da ata do Conselho de Turma do dia 27/10/2017 e se submeteu a mesma a aprovação, tendo sido aprovada com quatro votos a favor e com o voto contra da A. –, não faz sentido, por excessivo, exigir o registo ou a transcrição, na ata da reunião de 27/10/2017, do teor de uma declaração de sentido de voto relativa a uma deliberação (de aprovação dessa ata) que não foi tomada na reunião de 27/10/2017, mas numa reunião posterior.
Veja-se que o cumprimento da exigência imposta pelo art.º 34.º, n.º 2, do CPA, quando aí se prevê a necessidade de aprovação das atas, se basta com a menção, na ata que foi aprovada, da data da reunião seguinte em que essa aprovação foi obtida, como acima deixámos explicitado. Não se nos revela, porém, necessário nem sequer exigível, neste âmbito e nos termos legais, ir ao ponto de impor a inclusão, na ata que foi aprovada, do teor das declarações de voto apresentadas na reunião convocada com o objetivo dessa aprovação, pois que tal seria exigir que a ata de uma reunião realizada num determinado dia descrevesse, além de tudo quanto se passou nessa reunião, tudo aquilo que também se passou numa outra reunião, realizada em dia diferente.
Aliás, quando o art.º 35.º, n.º 1, do CPA determina que os membros do órgão colegial podem fazer constar da ata o seu voto de vencido, a referência a “ata” reportar-se-á, neste caso, à ata da reunião onde foi tomada a deliberação que mereceu de um (ou mais) dos seus membros um voto de vencido – ou seja, no caso concreto, a ata da reunião do Conselho de Turma Extraordinário realizada em 05/12/2017.
E, como vimos, da ata da reunião do referido Conselho de Turma Extraordinário consta expressamente a referência à “Declaração de voto da Sra. Representante dos Pais e Encarregados de Educação”, a qual foi anexada à aludida ata (cfr. pontos 10 e 11 dos factos provados), com o que se cumpriu a exigência legal prevista no art.º 35.º, n.º 1, do CPA.
Por outro lado, o facto de não se proceder ao registo, na ata da reunião de 27/10/2017, do conteúdo da declaração de voto apresentada pela A. na reunião extraordinária de 05/12/2017 em nada contende, a nosso ver, com os valores e princípios da legalidade, justiça e imparcialidade, competência, responsabilidade, proporcionalidade, transparência e boa-fé, e, bem assim, com o dever da Direção da Escola Secundária (...) de assegurar a participação de todos os intervenientes no processo educativo, nomeadamente dos professores, dos alunos e das famílias. Esses mesmos valores, princípios e deveres ficam devidamente acautelados com a menção, na ata da reunião de 27/10/2017, de que a mesma foi lida e aprovada em reunião de 05/12/2017, de cuja ata, por sua vez, acessível a todos, sempre constará, em conformidade com o que é legalmente exigido, o teor da deliberação aí tomada e as declarações de voto aí apresentadas.
Nem vislumbra o Tribunal, em face do que se deixou dito, em que medida foi ocultado o que efetivamente sucedeu na reunião de 27/10/2017 – pois que a leitura e aprovação da respetiva ata não foram efetuadas em 27/10/2017, mas em 05/12/2017 –, nem de que forma foi restringida a prossecução plena das competências e atribuições do Conselho de Turma – pois que de modo algum foram tais competências e atribuições afetadas.
Por fim, também não colhe o argumento de que a não anexação da declaração de voto da A. à ata da reunião de 27/10/2017, mas apenas à ata da reunião de 05/12/2017, viola os princípios da administração aberta e da transparência, porquanto assim se dificulta, senão mesmo impossibilita, que, em caso de consulta da ata lavrada da reunião de 27/10/2017, se conheça a discordância manifestada pela A. quanto ao que ocorreu na referida reunião. Pelo contrário, constando da ata da reunião de 27/10/2017, como infra se determinará, a menção de que a mesma foi lida e aprovada em reunião extraordinária de 05/12/2017, com quatro votos a favor e um voto contra, é facilmente percetível para quem lê a referida ata que, querendo tomar conhecimento do que ocorreu na reunião de 05/12/2017 e dos sentidos de voto dos participantes, terá somente de consultar a respetiva ata (da reunião de 05/12/2017), com o que fica plenamente assegurada a posição da A. e o registo do seu sentido de voto na ata da reunião correspondente.
Ante todo o exposto, conclui-se que o R. deve ser condenado, conforme em parte peticionado pela A., a ordenar à Direção da Escola Secundária (...) que introduza na ata da reunião do Conselho de Turma da turma 2 do 10.º ano, realizada em 27/10/2017, a menção de que a mesma foi lida e aprovada em reunião de 05/12/2017, com quatro votos a favor e um voto contra, em substituição da menção que aí consta “E nada mais havendo a tratar, foi lida e aprovada a presente ata, tendo-se dado por terminada a reunião”, adotando-se os procedimentos que para tanto se revelem necessários.»
3.3. Da Violação dos Artigos 34.º n.º 1 e 35.º n.º 1 do CPA, e dos Princípios da Igualdade, da Participação, da Administração Aberta, da Transparência e da Boa-fé, consagrados nos arts. 3.º e 5.º da Lei n.º 75/2008, de 22 de Abril e nos arts. 6.º, 10.º, 12.º e 17.º do CPA.
3.3.1. A Apelante sustenta que ao decidir nos termos sobreditos o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito por errada interpretação e violação das disposições e princípios legais aplicáveis, assacando á decisão recorrida erro de julgamento decorrente da violação dos artigos 34.º n.º 1 e 35.º n.º 1 do CPA, e dos princípios da igualdade, da participação, da administração aberta, da transparência e da boa-fé, consagrados nos arts. 3.º e 5.º da Lei n.º 75/2008, de 22 de Abril e nos arts. 6.º, 10.º, 12.º e 17.º do CPA.
E com razão, como desde já antecipamos.
3.3.2. Consagra o n.º 1 do artigo 34.º do CPA, aprovado pelo DL nº 4/2015, de 7 de janeiro, que «De cada reunião é lavrada uma ata, que contém um resumo de tudo o que nela tenha ocorrido e seja relevante para o conhecimento e a apreciação da legalidade das deliberações tomadas, designadamente a data e o local da reunião, a ordem do dia, os membros presentes, os assuntos apreciados, as deliberações tomadas, a forma e o resultado das respetivas votações e as decisões do presidente.»
E no n.º 2 do mesmo normativo estipula-se que «As atas são lavradas pelo secretário e submetidas à aprovação dos membros no final da respetiva reunião ou no início da reunião seguinte, sendo assinadas, após a aprovação, pelo presidente e pelo secretário.»
Por seu turno, o nº 4 do art.º 34º do CPA estatui que «Nos casos em que o órgão assim o delibere, a ata é aprovada, logo na reunião a que diga respeito, em minuta sintética, devendo ser depois transcrita com maior concretização e novamente submetida a aprovação.», possibilidade que bem se compreende atenta a natureza urgente de muitas das deliberações tomadas que não poderiam ficar a aguardar pela elaboração da respetiva ata, e sua consequente aprovação, frequentes que são as situações em que a elaboração das atas não é viável no dia da respetiva reunião, atenta, desde logo, a vastidão dos assuntos discutidos e o número de intervenções registadas em cada um dos pontos das respetivas ordens de trabalho.
3.3.3. Quanto aos votos de vencido, o artigo 35.º do CPA, sob a epígrafe “Registo na ata do voto de vencido”, prescreve que:
«1 - Os membros do órgão colegial podem fazer constar da ata o seu voto de vencido, enunciando as razões que o justifiquem.
2 - Aqueles que ficarem vencidos na deliberação tomada e fizerem registo da respetiva declaração de voto na ata ficam isentos da responsabilidade que daquela eventualmente resulte.
3 - Quando se trate de pareceres a dar a outros órgãos administrativos, as deliberações são sempre acompanhadas das declarações de voto apresentadas.».
3.3.4. Resulta das citadas disposições legais que (i) uma ata é uma narração ou descrição do que de essencial se passou numa reunião; (ii) que as atas podem ser aprovadas na reunião seguinte; (iii) que o órgão pode deliberar que a ata seja aprovada em minuta sintética, logo na reunião a que diz respeito, mas impõe que seja “depois transcrita com maior concretização” e sujeita-a a nova aprovação e assinatura, determinando que a eficácia de que já está munida a minuta cessa se a ata da mesma reunião não a reproduzir; (iv) e que assiste ao membro que votou de vencido o direito a fazer constar da ata a sua declaração de voto, contendo as respetivas razões.

Com interesse para o caso em juízo, veja-se o que, em anotação ao artigo 35.º do CPA, Luiz S. Cabral de Moncada In “Código do Procedimento Administrativo” anotado, Coimbra Editora; refere: «1.1.O voto de vencido é a expressão na ata do sentido de voto de um membro que ficou derrotado na posição que defendeu. Em princípio, nos órgãos colegiais os votos são contabilizados por número sem atender aos membros votantes. O voto de vencido é uma exceção. Quem votou vencido pode fazer constar da ata a sua declaração de voto. É um direito procedimental que lhe assiste. Apenas está vinculado a enunciar as razões que o justificam, constando estas também da ata. Esta enunciação fica ao critério do vencido mas tem de ser aprovada e assinada porque consta da ata. Naturalmente que o membro que votou vencido fica vinculado pela deliberação tomada pelo colégio. O colégio não pode opor-se à introdução na ata do voto de vencido contrariamente ao que sucede com declarações prolixas ou ininteligíveis atendendo precisamente às adiante referidas consequências jurídicas do voto de vencido exarado em ata. 2. O seu registo na ata e a isenção de responsabilidade 2.1. O voto de vencido fica registado em ata, como se disse este registo tem um efeito jurídico que consiste na isenção da responsabilidade civil ou outra do vencido pelas consequências geradas pela deliberação contra a qual votou. Resta saber se esta exoneração pressupõe não apenas o voto de vencido mas também a enunciação das razões que o motivaram. A letra da lei indica que sim. Mas a exoneração funciona sempre a favor do vencido independentemente das razões de legalidade ou outras que expôs.»

Por sua vez, e também com interesse para o caso, permitimo-nos invocar Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco de Amorim, que em anotação ao art.º 28º do CPA Cfr. In Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª edição, Almedina, pág. 189; acrescentam que “a faculdade de registar na ata uma declaração de voto vencido corresponde a um direito potestativo…dos membros do órgão colegial.”

Em face das considerações enunciadas, é inquestionável que assiste ao membro do órgão colegial que vote de vencido o direito de registar em ata as razões pelas quais assim votou.

3.3.5. O artigo 35.º do CPA nada refere quanto ao prazo dentro do qual devem ser entregues as declarações de voto de vencido mas da consideração do seu n. º1 resulta que a ata a que aí se alude é a ata a que se reporta o voto de vencido, ou seja, a ata que narra a reunião onde foi discutido o assunto que merece o voto de vencido por parte de um dos seus membros.

Quanto ao momento em que a declaração de voto deve ser apresentada, no caso de aprovação da ata em minuta, afigura-se-nos que as declarações de voto não podem ser rejeitadas se não forem entregues no dia da aprovação da minuta da ata da reunião, a menos que tal exigência conste ou venha a constar de regulamento devidamente aprovado.

Para o que releva à situação em juízo, estando em causa uma declaração de voto discordante do modo como a ata referente a uma reunião se apresenta redigida/elaborada, por alegadamente conter incorreções/imprecisões, carecendo da fidedignidade que o membro entende face ao que efetivamente se passou na reunião a que se reporta, obviamente que a mesma só poderá ser apresentada no momento/reunião em que esteja em discussão a aprovação e votação da mesma, como ocorreu na situação vertente, pois só nesse momento é que o membro discordante toma conhecimento do respetivo teor da ata posta a votação.

A aprovação duma ata, traduz sempre o acordo dado pelos participantes na reunião ao teor da ata que lhes for presente, significando tal que os mesmos consideram que o que vem relatado na ata traduz fielmente o que ali se passou.
Já votar contra, significa que há discordância relativamente ao teor da mesma. E o exercício do direito de aprovar ou votar contra o teor de uma ata está dependente do conhecimento do teor da ata, pelo que, reafirma-se, só depois de lido o conteúdo respetivo é que os membros poderão decidir-se pela aprovação ou pela apresentação de voto vencido.

3.3.6. Na situação em juízo a Apelante, na reunião de 05.12.2017, agendada unicamente para se proceder à leitura, discussão e aprovação da ata da reunião do Conselho de Turma realizada em 27.10.2017, votou contra o teor dessa ata e apresentou uma declaração de voto, na qual invocou as seguintes razões/fundamentos de discordância:
- a ata não reproduz com rigor o que se passou na reunião, omitindo, deturpando e falseando partes da reunião;
- a ata não tem as páginas numeradas;
- é falso que a Autora tenha apresentado um documento resultante dos contactos com outros encarregados de educação;
- a ata deturpa a intervenção da Autora quanto à disciplina de Física e Química A;
- a ata deturpa e falseia o pedido de reunião apresentado pela Autora, que fora aceite;
- a ata falseia as declarações atribuídas à professora de Filosofia; e
- a ata inclui considerações que não foram tecidas na reunião.

Perante os considerandos que efetuamos, é apodítico que a declaração de voto apresentada pela Recorrente foi temporalmente oportuna, pelo que, tal como sucedeu, tinha de ser aceite.

3.3.6.O pomo da discórdia é que da ata da reunião de 27.10.2017 não consta a transcrição das razões pelas quais a autora votou vencido nem sequer está anexada a declaração de voto de vencido apresentada pela Autora.
Dir-se-á que embora seja verdade que essa declaração de voto foi produzida na reunião de 05.12.2017 e não na reunião de 27.10.2017, é irrefutável que a declaração de voto apresentada pela autora se reporta à ata relativa à reunião de 27.10.2017.

E, se como entendeu o tribunal a quo, e bem, devem constar da ata relativa à reunião de 27.10.2017, o sentido de voto dos membros presentes, apurado na reunião de 05.12.2017, cujo único ponto da ordem de trabalhos era a discussão e aprovação da ata da reunião de 27.10.2017, não se compreende que tendo um dos membros apresentado uma declaração de voto justificativa do seu sentido de voto, a mesma não tenha respaldo nesse documento.

Não é compreensível que tendo a decisão recorrida ordenado que o resultado da votação da aprovação da ata da reunião de 27.10.2017, que ocorreu a 05.12.2017, devia constar da ata da reunião de 27.10.2017, essa mesma decisão considere que a declaração de voto de vencido da Autora, que foi apresentada no mesmo dia e na reunião de 05.12.2017 não tenha de constar da ata daquela reunião de 27.10.2017, a que se refere.

Assim, das duas uma: ou a decisão recorrida errou ao determinar que passe a constar da ata da reunião de 27.10.2017 o sentido de voto dos respetivos membros (número de votos a favor e contra) e como tal, também não deve constar daquela ata a declaração de voto de vencido apresentada pela Autora, ou não errou e então impõe-se considerar que também a declaração de voto de vencido deve constar daquela ata.

3.3.7. Ora, em face do que já tivemos ensejo de enunciar, não temos dúvidas em como assiste razão à Recorrente. Relembrando o disposto no n. º1 do artigo 35.º do CPA, a ata a que aí se faz referência, como já se explicou, quer por razões de coerência lógica, quer por razões de ordem substancial, só pode reportar-se, neste caso, e contrariamente ao que foi decidido pelo aresto recorrido, à ata da reunião de 27.10.2017.
Considerando que o voto de vencido da autora foi exercido em relação à ata da reunião de 27.10.2017, o mesmo tem forçosamente que fazer parte dessa ata para que a mesma se mostre fidedigna.

A sufragar-se o entendimento do Tribunal a quo, teríamos, no limite, que considerar e admitir, mesmo sem qualquer sustentação legal, que seria possível que, para a mesma reunião de 27.10.2017 e para a respetiva ata, pudessem existir dois documentos diferentes consoante a data da sua aprovação: se a ata tivesse sido lida e aprovada na própria reunião, teria em anexo a declaração de voto da Autora/Recorrente e transcritas as razões que motivaram a sua apresentação; no entanto, como a ata só foi lida, posta a votação e aprovada na reunião seguinte, não tem transcritas as razões do voto de vencido nem sequer a mesma consta em anexo.
Como aduz a Apelante «Se assim fosse e se, por absurdo, na reunião de 05.12.2017, a acta de 27.10.2017, posta a votação, tivesse tido um voto a favor e quatro votos contra, como se procederia? Não se poderia alterar a acta lida e posta a votação, refazendo o documento? Ter-se-ia, como decorre da sentença, que registar a acta que não foi aprovada (neste caso, a de 27.10.2017), e registar as alterações na acta da reunião de 05.12.2017? Ou seja, não existiria acta da reunião de 27.10.2017 por não ter sido aprovada, e tudo o que efectivamente se passou na reunião de 27.10.2017 far-se-ia constar da acta de 05.12.2017, por ter sido nessa reunião que se fizeram as alterações com vista à aprovação da acta da reunião de 27.10.2017, como se tudo o que se passou na reunião do dia 27.10.2017 se tivesse passado no dia 05.12.2017?»

Uma ata, enquanto documento que descreve o que se passou numa reunião, não pode ser diferente em função da data em que é aprovada.

3.3.8.O Tribunal a quo entendeu ainda que a transcrição da declaração de voto de vencido na ata da reunião de 27.10.2017 pode reputar-se de excessivo.
Discordamos em absoluto.
Na verdade, pese embora a declaração de voto de vencido tenha sido apresentada pela autora numa reunião que foi realizada em dia diferente, não pode ignorar-se que, não ficando sequer registado na ata de 27.10.2017 que foi apresentada uma declaração de voto de vencido contra a aprovação dessa ata, a mera referência, nessa mesma ata, ao resultado da votação, e à existência de um voto contra, não é suficiente para que qualquer destinatário tenha conhecimento de que o voto contra está sustentado numa declaração de voto de vencido, e de que essa declaração de voto existe em anexo a uma ata de uma reunião posterior.

Além do mais, estipulando expressamente o n.º 1 do art. 34.º do CPA que a ata de uma reunião deve conter a forma e o resultado das respetivas votações, é inequívoco que a mera referência, na ata da reunião de 27.10.2017, de que existe um voto contra a sua aprovação, não é bastante para que se considere respeitada aquela exigência.
Com efeito, e ao contrário do que ajuizou a sentença, o que não faz sentido não é a transcrição da declaração de voto de vencido na ata da reunião de 27.10.2017, mas sim considerar que é suficiente a mera referência à aprovação da mesma com um voto contra e a sua anexação a uma ata de uma reunião realizada em data posterior, sem que sequer lhe seja feita qualquer referência, potenciando o seu desconhecimento por qualquer destinatário interessado.

Só com o registo do seu sentido de voto na ata correspondente a mesma ficará conforme à realidade dos factos e só assim se possibilita que, em caso de consulta da ata lavrada da reunião de 27.10.2017, se conheça a discordância manifestada pela Autora quanto ao que substantivamente ocorreu na reunião de 27.10.2017, assim se respeitando de forma plena a sua posição e a sua participação no processo educativo, bem como os princípios da igualdade, da administração aberta, da transparência e da boa-fé.

O respeito pelos sobreditos valores, princípios e deveres concretiza-se, entre outros aspetos igualmente importantes, no registo fidedigno das intervenções dos representantes dos pais e encarregados de educação, enquanto intervenientes no processo educativo, nas atas lavradas das reuniões em que esses participantes possam ter tido intervenção ativa relevante.

Não tendo tal registo sido respeitado no caso concreto, afigura-se dificultado, senão mesmo impossível que, em caso de consulta da ata lavrada da reunião de 27.10.2017, se conheça a discordância manifestada pela Autora quanto ao que substantivamente ocorreu na reunião de 27.10.2017.

Termos em que se impõe julgar procedentes os invocados fundamentos de recurso, com as inerentes consequências.
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IV-DECISÃO
Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Norte, acordam em julgar procedente a presente apelação e, em consequência, revogam a decisão recorrida na parte em julgou improcedente o pedido de transcrição da declaração de voto de vencido apresentado pela autora na ata relativa à reunião de 27.10.2017 e, em substituição, condenam o Ministério da Educação e Ciência a ordenar à Direção da Escola Secundária (...) que faça constar da ata lavrada da reunião de 27.10.2017 o teor integral da declaração de voto apresentada pela Autora na reunião de 05.12.2017.
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Custas pelo Apelado, que contra-alegou, propugnando pela improcedência da apelação, no que decaiu (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Registe e notifique.
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Porto, 15 de maio de 2020.


Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Alexandra Alendouro