Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00253/23.6BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/03/2023
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA; INTIMAÇÃO; ARTIGO 104.º DO CPTA;
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA; ACÇÃO DE PERDA DE MANDATO;
LEI N.º 27/96, DE 01 DE AGOSTO; LEGITIMIDADE PROCESSUAL ACTIVA.
Sumário:

1 - A legitimidade processual é um pressuposto processual, um elemento necessário para que o Tribunal possa e deva pronunciar-se sobre a procedência ou não do pedido formulado, não sendo já um pressuposto da acção, em termos de constituir um requisito indispensável para que o pedido formulado na Petição inicial possa ser conhecido no seu mérito e ser julgado procedente.

2 - O princípio da tutela jurisdicional efectiva [Cfr. artigos 20.º e 268.º n.º 4, da CRP] compreende o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo - o que constitui a sua dimensão declarativa -, assim como a possibilidade de a fazer executar – o que constitui a sua dimensão executiva -, bem como, o de obter as providências cautelares adequadas a assegurar o efeito útil da decisão – na sua dimensão cautelar.

3 - Na decorrência do que dispõe o artigo 205.º, n.ºs 1 e 2 da CRP, veio o legislador ordinário a consagrar no artigo 158.º do CPTA, que “As decisões dos tribunais administrativos são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas.” [Cfr. n.º 1], e bem assim, que essa prevalência se dá sobre as decisões “... das autoridades administrativas implica a nulidade de qualquer acto administrativo que desrespeite uma decisão judicial e faz incorrer os seus autores em responsabilidade civil, criminal e disciplinar, nos termos previstos no artigo seguinte.” [Cfr. n.º 2].

4 - Com a previsão normativa enunciada na parte final do n.º 2 do artigo 11.º da Lei n.º 27/96, de 01 de agosto, o legislador não quis consagrar um regime legal de ampla “acção pública” conferido e disseminado a qualquer pessoa para efeitos de instauração da acção judicial de perda de mandato, pois que entraria em conflito com as outras duas situações previstas também na 1.ª parte do n.º 2 do mesmo normativo, e depois ainda, porque nada tem a ver com a exigência dum “interesse directo em demandar” ali exigido como condicionante da legitimidade activa.

5 - Nos processos de intimação, a condenação em sanção pecuniária compulsória corresponde a uma liquidação que será efectuada ao abrigo do disposto no artigo 169.º, n.ºs 5 a 7 do CPTA [ex vi artigo 108.º, n.º 2 do mesmo Código], sendo que nesse conspecto, pode o titular do órgão deduzir oposição com fundamento na existência de causas de justificação ou de desculpação da sua conduta, o que constituirá fundamento para que, face ao disposto no artigo 10.º, n.º 1 da Lei n.º 27/97, de 01 de agosto, não haja lugar à perda de mandato ou à dissolução do órgão autárquico.

6 - Assim tem de ser entendida a teleologia das normas, face ao quanto vem a prescrever o legislador sob o artigo 9.º, alínea a) da Lei n.º 27/96, de 01 de agosto, quando vem a dispor que a dissolução de órgão autárquico ou equiparado pode ocorrer quando, sem causa legitima de inexecução, o mesmo não dê execução às decisões judiciais transitadas em julgado.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


«AA», Autor na acção administrativa urgente para declaração de perda de mandato que intentou contra «BB», Presidente da Câmara Municipal ... [ambos devidamente identificados nos autos], inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, pela qual foi julgada verificada a excepção dilatória atinente à sua ilegitimidade processual activa, e consequentemente, foi o Réu absolvido da instância, veio deduzir recurso de Apelação.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

CONCLUSÕES:
I. Por muito respeito que mereça o vertido na decisão a quo, com a mesma não se pode de modo algum concordar e resultado deste processo é profundamente iníquo, porquanto estamos a falar de um incumprimento de 137 dias no cumprimento de uma sentença por parte do R. Dr. «CC».
II. Devendo ser revogada a decisão do Despacho Saneador proferido em 08 de Setembro de 2023, à luz do Proc. n.º 253/23.6BEMDL, reconhecendo-se a legitimidade processual ativa do autor, ora recorrente.
III. O Tribunal a quo violou e fez errada interpretação do preceituado da Lei, porquanto o Recorrente tem legitimidade processual ativa, nos termos do n.º 2 do artigo 11.º do Regime Jurídico da Tutela Administrativa aprovada pela Lei n.º 27/96 de 1 de agosto, na redação aplicável, e também porque foi parte vencida nos termos do n.º 1 do artigo 141.º do CPTA.
IV. O Tribunal também é competente em função da alçada, admitindo a decisão recurso por ter sido fixado o valor da causa em 30.000,01€ (trinta mil euros e um cêntimo), aplicando-se o n.º 1 do artigo 142.º do CPTA.
V. A ação está em tempo ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 144.º do CPTA.
VI. A ação de perda de mandato funda-se no incumprimento ilegítimo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, no âmbito do Proc. 388/22.3BEMDL, no dia 17/02/2023, onde se intimou o Presidente da Câmara Municipal ..., Dr. «CC», a fornecer ao autor, ora recorrente, cópia simples do processo de mobilidade interna na categoria, no prazo de 10 dias.
VII. O prazo máximo para o cumprimento da sentença, a contar a partir do 3.º dia seguinte ao daquela data, quando deve se dar por presumivelmente notificados os destinatários, teve o seu dies ad quem a 02/03/2023.
VIII. No artigo 69.º da contestação apresentada pelo Réu, na ação de perda de mandato autárquico, declara-se o seguinte “[Importa comunicar que] As cópias do processo de mobilidade interna foram remetidas ao Dr. «DD», para o correio eletrónico ... no dia 18 de Julho de 2023, pelas 15:36 horas [...]”. [negrito nosso]
IX. A declaração do R./Recorrido, constante do art.69.º citado, traduz-se numa patente confissão – que se aceita e não pode ser retirada – do incumprimento da decisão deste douto tribunal, tendo ultrapassado em 137 dies ad quem da sentença.
X. o Réu não queria cumprir com a sentença porque o despacho sobre a mobilidade interna do A./Recorrente e a entrega das cópias do processo de mobilidade interna, destinavam-se a fazer prova noutro processo judicial de assédio moral ou mobbing no trabalho, processo n.º 393/16.8BEMDL, 1.ª espécie – ação administrativa, que corre termos no mesmo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.
XI. O R./recorrido atuou dolosamente, livre e consciente, por forma a não dar ao Recorrente provas na outra ação por este intentada, sendo que o mesmo R./Recorrido tem pendente contra si queixas-crime por abuso de poder, difamação, entre outras.
XII. Sendo facto público e notório que o R. exerce assédio sobre os trabalhadores da Câmara Municipal ... o que até motivou reportagem da revista Sábado de 14 de setembro de 2023 com o título “Não é dos nossos? Emprateleire-se!”, onde uma dúzia de funcionários apresentam queixas de serem assediados.
XIII. No que diz respeito à sentença recorrida, impera na nossa Constituição os Princípios da Subsidiariedade e da Descentralização administrativa, que transparecem nos artigos 235º a 237º da CRP.
XIV. O Presidente da Câmara é um órgão de soberania da Administração Pública Direta, com competências executivas locais, de natureza singular, eleito por escrutínio direito, secreto e periódico, conforme o n.º 1 do artigo 113.º, da Constituição da República Portuguesa.
XV. As competências do Presidente da Câmara, estão dispostas no artigo 35.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais, Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro.
XIV. Ocorre neste ponto da decisão ora recorrida, com a devida vénia, uma confusão conceituai, uma vez que o senhor Dr. «CC», mandatário eleito para o exercício de funções como Presidente da Câmara Municipal ..., não é o intimado no processo, mas, sim “O Presidente da Câmara” do dito Município.
XV. O dever jurídico incumprido de forma direta e intencional por parte do mandatário público eleito, é um dever que recai sobre o próprio meramente em virtude do cargo que ocupa, pois é este o representante em exercício do órgão legalmente obrigado a prática do ato em questão e, por conseguinte, é contra este órgão que o autor deveria agir, como demonstra os artigos 104.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
XVI. Há que discernir, portanto, a personalidade jurídica do órgão de soberania do executivo ..., do mandatário eleito que o ocupa.
XVII. Tal confusão entre Órgão de Soberania e Mandatário, atenta grosseiramente contra o modelo de governo Republicano e o Princípio do Estado de Direito Democrático, que existem no nosso Ordenamento Jurídico, sustentando-o como pedra mestre, tanto assim o é, que se expressam não apenas no preâmbulo da nossa Constituição, como também se traduzem logo nos dois primeiros artigos da nossa Magna Carta.
XVIII. O Princípio da Separação de Poderes foi frontalmente violado, a partir do momento em que, o excelentíssimo mandatário, fez tábua rasa da decisão, optando-a por ignorar de maneira grave, sem qualquer receio das consequências que daí poderiam advir, em desrespeito não apenas ao seu dever legal, e a liturgia do cargo que ocupa, mas também em afronta direta à soberania dos Tribunais, que administram o Poder Judiciário no nosso Ordenamento, cfr. 110.º da CRP.
XXI. Todos estes Princípios foram colocados em causa, não só pela conduta do excelentíssimo mandatário do poder executivo ..., mas também pela sentença que cria uma união artificial entre o mandatário e o órgão de soberania que ocupa.
XXII. É imensurável a gravidade desta violação, uma vez que tais princípios são os Princípios Estruturantes do nosso Ordenamento Jurídico, de tal modo que se traduzem em limites materiais explícitos ao Poder de Revisão do nosso legislador ordinário por excelência, conforme dispõe o artigo 288.º da CRP.
XXIII. À parte do que já foi dito, a conduta ilícita do Dr. «CC», também vai de encontro a todos os Princípios norteadores da atuação da Administração Pública, atentando grosseiramente contra o Princípio da Legalidade, disposto no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, que estabelece o pressuposto de atuação e aos limites de ação da administração.
XXIV. A situação é ainda mais grave pelo facto de o Dr. «CC» ser licenciado em Direito e ter perfeito conhecimento da ilegalidade da sua conduta incumpridora.
XXV. Além disso, a recusa ilícita do cumprimento da sentença, afronta os Princípios da Boa-Fé da Administração e da Colaboração com os Particulares, constantes nos artigos 10.º e 11.º do CPA, sendo escusado explicar a falta de boa-fé do mandatário Dr. «CC» e a sua completa indisponibilidade em colaborar, não apenas com os particulares, mas surpreendente, também para com os demais Órgãos de Soberania, desrespeitando o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.
XXVI. Tribunal que na sentença recorrida desconsidera a atitude do Dr. «CC», mas que os Venerandos Desembargadores terão de sancionar, por se tratar de uma conduta grave e ilícita que não pode passar impune, nos termos da lei. A perda de mandato surge, precisamente, como a consequência prevista na lei para o cargo desempenhado por eleito local –consistindo aquela no afastamento definitivo do exercício do cargo, resultante da violação de deveres inerentes a esse exercício ou de facto ou situação a que a lei atribui esse efeito, como aconteceu com o aqui R./Recorrido.
XXVII. Sendo que o dever de cumprimento da sentença recaía não no mandatário do cargo eletivo, mas no ..., pelo que não procede o argumento da sentença recorrida de que apenas o mandatário estaria obrigado para o ato.
XXVIII. Por conseguinte, não colhe a conclusão que daí se retira que o seu afastamento traria mais prejuízos ao autor, do que benefícios, na medida em que esta avaliação é feita sobre pressupostos incongruentes.
XXIX. Ainda que o dever de cumprimento da decisão recaísse sobre o órgão e não sobre o seu mandatário, este último, pode e deve, ser responsabilizado diante da administração pública pelo inadequado cumprimento das suas funções, devendo o Estado exercer sobre este Direito de Regresso pela práticas de atos ilícitos e em incumprimento de sentenças judiciais, nos termos da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, que rege a responsabilidade civil extracontratual do estado e pessoas coletivas de direito público, [cfr: artigos 3.º e 6.º deste diploma].
XXX. Como se viu, não pode a conduta do Mandatário, em posse do Cargo de Presidente da Câmara Municipal ..., ter a sua gravidade ignorada ou diminuída, como se fez na sentença que agora se recorre, onde nada se disse sobre o grotesco comportamento de indiferença para com o cumprimento de uma sentença por parte de um mandatário de um cargo público em relação a uma sentença exarada por aquele mesmo tribunal.
XXXI. É ainda de se notar que o excelentíssimo mandatário, cometeu crime de responsabilidade nos termos da Lei n.º 34/87 de 16 de Julho, cf. artigo 13.º ao recusar-se ao cumprimento de uma decisão do Tribunal; e ainda por ter tido uma conduta altamente violadora dos Princípios Estruturantes da Ordem Constitucional Portuguesa, como já se demonstrou, atentando contra ela nos termos do artigo 9.º da mesma lei.
XXXII. Tal prática incumpridora de uma sentença resulta na inelegibilidade do mandatário nos termos do artigo 13.º do Regime Jurídico da Tutela Administrativa.
XXXIII. Com o devido respeito, contrariamente ao que deixa entender a decisão recorrida, caso tivesse sido atendida a pretensão do autor, que culminaria com a perda do mandato autárquico do Dr. «CC», por omissão ilegal grave, nos termos da alínea d) do número 1 do artigo 8.º por remissão a alínea a) do artigo 9.º, ambos do Regime Jurídico da Tutela Administrativa, as responsabilidades daquele órgão não desapareceriam com a perda do mandato do seu titular eleito.
XXXIV. O próprio Regime Jurídico da Tutela Administrativa oferece um remédio para estes casos, nos termos do número 1 e 4 do artigo 14.º, dispondo que compete ao Governo, mediante decreto, nomear uma comissão administrativa, com funções executivas, a qual é constituída por cinco membros, cuja composição deve refletir a do órgão dissolvido.
XXXV. A Comissão Administrativa nomeada está sujeita, por força da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, Lei do Estatuto dos Eleitos Locais, cf. artigo 25.º às mesmas obrigações dos eleitos locais, em causa, o Presidente da Câmara Municipal, nos termos da alínea a), do número 1, do artigo 1.º deste diploma.
XXXVI. Logo, deverá a Comissão Administrativa praticar o ato que estava o Presidente da Câmara obrigado a praticar sub judice, pois uma vez que fosse declarada a perda de mandato e o seu afastamento, tal Comissão passaria a assumir as suas competências.
XXXVII. Não colhe, portanto que este era o único intimado para praticar o ato, e que por isso, o seu afastamento traria mais prejuízos ao autor do que benefícios.
XXXVIII. É de frisar ainda que, segundo as regras da experiência, caso tivesse sido declarada a perda de mandato, conforme a Lei assim o prevê, não é demais de se conjeturar que a Comissão Administrativa daria prioridade no cumprimento da decisão que colocou ela em exercício em primeiro lugar, uma vez que a sua composição se teria verificado justamente em função disto.
XXXIX. Sendo de considerar que o incumprimento de sentença judicial é também um crime e que, como já exposto, e que o autor também é ofendido, para efeitos da alínea a) do artigo 41.º da Lei n.º 34/87, basta realizarmos uma interpretação sistemática destes diplomas e só podemos concluir que este tem legitimidade processual ativa, por isso, não é, de todo, procedente a decisão proferida no Despacho Saneado que ora se recorre.
XL. Nestes termos, deve ser julgado procedente o presente recurso e revogada a sentença recorrida e substituída por outra que atente no incumprimento ilícito de uma obrigação legal, devendo em consequência ser o réu, Dr. «CC», ser condenado à perda de mandato, pela sua vergonhosa atuação, livre e consciente, que merece um forte juízo de censura.
XLI. Concluindo, a sentença traduziu-se num resultado ética e juridicamente injusto, pelo que se pede aos Venerandos Desembargadores que, apreciem a matéria de direito e de facto do aresto em crise, elegendo, interpretando e aplicando a lei e julgando procedente a presente apelação.
Nos termos expostos, e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso de apelação ser julgado provado e procedente e, por via dele, ser revogada a douta sentença recorrida, devendo em consequência ser o réu, Dr. «CC», ser condenado à perda de mandato, por incumprir, livre e conscientemente, com o cumprimento de uma sentença durante 137 dias (mesmo com ameaça de sanção pecuniária compulsória) não atuando com a diligência e aptidão que seria de esperar, de acordo com as circunstâncias do caso, de alguém medianamente diligente que exercesse as mesmas funções.
Assim se fará JUSTIÇA!”

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O Recorrido apresentou Contra Alegações, no âmbito das quais elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

Conclusões
1. A Sentença não enferma de qualquer vício, decidindo correctamente os factos e tendo interpretado e aplicado devidamente o direito;
2. O A. não possui qualquer interesse directo em demandar, exprimido pela utilidade da procedência da acção.
3. O alegado interesse legítimo do A. é o direito à obtenção de uma cópia de um procedimento, objecto do processo n.º 388/22.3BEMDL;
4. Não é com a presente acção que o A. consegue a obtenção coerciva desse documento (cumprimento coercivo de uma obrigação).
5. Aliás, documento que confessa já lhe ter sido, entretanto, entregue.
6. Confunde o A. o objecto da acção destinada à Perda de Mandato, com o objecto de uma acção executiva para prestação de facto.
7. A tutela Administrativa é definida por Freitas do Amaral como “o conjunto de poderes de intervenção de uma pessoa colectiva pública na gestão de outra pessoa colectiva, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua actuação”.
8. A Constituição da República Portuguesa sobre a Tutela Administrativa dispõe o seguinte:
Artigo 242.º - (Tutela administrativa)
1. A tutela administrativa sobre as autarquias locais consiste na verificação do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos e é exercida nos casos e segundo as formas previstas na lei.
2. As medidas tutelares restritivas da autonomia local são precedidas de parecer de um órgão autárquico, nos termos a definir por lei.
3. A dissolução de órgãos autárquicos só pode ter por causa acções ou omissões ilegais graves.
9. A Carta Europeia de Autonomia Local dispõe, com interesse para o assunto em análise, o seguinte:
Artigo 8.º – Tutela administrativa dos actos das autarquias locais
1 Só pode ser exercida qualquer tutela administrativa sobre as autarquias locais segundo as formas e nos casos previstos pela Constituição ou pela lei.
2 A tutela administrativa dos actos das autarquias locais só deve normalmente visar que seja assegurado o respeito pela legalidade e pelos princípios constitucionais. Pode, contudo, compreender um juízo de oportunidade exercido por autoridades de grau superior relativamente a atribuições cuja execução seja delegada nas autarquias locais.
3 A tutela administrativa das autarquias locais deve ser exercida de acordo com um princípio de proporcionalidade entre o âmbito da intervenção da autoridade tutelar e a importância dos interesses que pretende prosseguir.
10. Nos termos do preceituado no n.º 4 do artigo 18.º do DL 32/2022 de 9 de Maio, que aprova o regime de organização e funcionamento do XXIII Governo Constitucional, a tutela Inspectiva das autarquias locais cabe ao Ministro das Finanças e à Ministra da Coesão Territorial.
Daí que,
11. A lei tenha restringido o direito a interpor as acções fundamentadas na Lei da Tutela Administrativa, limitando-o ao MP, ao titular do órgão de que faz parte aquele contra quem for formulado o pedido e a quem tenha interesse directo em demandar, o qual se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção, nos termos do preceituado no n.º 2 do artigo 11.º citada Lei da Tutela Administrativa.
12. O A. como se disse não possui esse interesse directo, uma vez que a procedência da acção nunca lhe satisfaria o seu interesse legítimo à obtenção doas cópias.
13. O A. é pois parte ilegítima, tendo decidido bem o M.º Juiz do Tribunal “aquo”.
Importa ainda salientar que:
14. Bem sabe o A. que o R. logo que recebeu a sentença proferida no âmbito do Processo n.º 388/22.3BEMDL, despachou para a DAG para que fosse a mesma cumprida, tal como consta expressamente no doc. n.º ... junto com a contestação:
15. Após esse despacho, o R. ficou convicto que havia sido cumprida a sua ordem.
16. Percebeu que o não tinha sido com a citação no âmbito da Presente acção e logo de imediato ordenou, novamente aos serviços competentes, o cumprimento da sentença, o que desta vez veio a ocorrer.
17. Perceber-se-á que os documentos peticionados não estavam na posse do Presidente da Câmara, mas sim no competente processo administrativo a correr nos respectivos serviços municipais, os quais, após a ordem do presidente, teriam o dever de cumprir remetendo as cópias ao A.
18. Não o fizeram, naquela primeira fase, contra a ordem emitida pelo R. e obviamente, contra a sua vontade.
19. Tanto mais que a sentença prevê sanção pecuniária compulsória, tendo o R. todo o interesse no cumprimento tempestivo da sentença.
Posto isto, salienta-se ainda que
20. a perda de mandato de alguém que foi democraticamente eleito só deve ser decretada quando houver uma relação de adequação e proporcionalidade entre a falta cometida e a sanção visto que, se assim não for, será de questionar a constitucionalidade das normas que permitam declarações de perda de mandato fundadas em lapsos mínimos e, portanto, destituídas de razoabilidade” (Acórdão do STA de 20/12/2007 (rec. 908/07).
21. Semelhante doutrina vem plasmada no acórdão do STA de 22/04/2004 (Proc. nº 0248/04 in «www.dgsi.pt/jsta»), que reitera jurisprudência anterior de outras decisões deste Tribunal (cfr. Acs. de 18/05/1995 - Proc. n.º 37472, de 12/05/1995 - Proc. nº 36434, de 18/03/2003 - Proc. nº 0369/03) “... a perda de mandato tem carácter sancionatório o que implica a necessidade de ter em conta os princípios do direito Disciplinar e Penal (cfr. art. 10º da Lei 27/96). Ou, como se entendeu ... “dada a gravidade da sanção de perda de mandato que a lei comina para determinados comportamentos, importa não só determinar se esses comportamentos estão objectivamente tipificados na lei, mas ainda se se verifica o elemento subjetivo que justifique um juízo de censura proporcional à medida sancionatória que só será de aplicar quando, ponderados os factores objectivos e subjetivos relevantes, se conclua pela indignidade do requerido para a permanência no exercício das suas funções (...)”.
Assim,
22. Tendo em conta as circunstâncias em que decorreu a não entrega atempada ao A. das cópias solicitadas, sempre a culpa do R. se mostra excluída (ou pelo menos diminuída), encontrando-se o incumprimento da decisão judicial justificado não pela vontade directa do R. nesse sentido, mas sim devido a lapso dos serviços, em violação de ordem directa deste, tudo nos termos do preceituado no n.º 4 do artigo 6.º da LTA,
23. Atendendo às circunstâncias em que este incumprimento ocorreu, a culpa do R. nunca seria Grave, uma vez que foi sempre vontade do R. que a sentença fosse cumprida, tendo ordenado expressamente o seu cumprimento.
Por outro lado,
24. Atendendo à natureza da própria falta cometida, temos que o desvalor do incumprimento involuntário da sentença que ordenava o envio de cópias de um procedimento ao A., não assume a gravidade necessária para justificar, segundo juízos de proporcionalidade e adequação, a sanção da Perda de Mandato do R..
25. Muito menos quando essa falta foi cometida contra a vontade do R. e por mero lapso dos serviços municipais, tendo mínimas consequências.
Por fim,
26. Resta lamentar que o A. continue a usar da mentira, alegando factos que sabe bem serem falsos e sem qualquer fundamento, que nem sequer constam dos presentes autos, com vista a procurar a sua vitimização e com ela obter uma qualquer vantagem ilegítima, o que só demonstra a sua perigosidade intelectual.
Na verdade,
27. Dos vários processos e queixas que o A. intentou contra o R. ou contra o Município (cerca de uma dezena) as sentenças que vêm sendo proferidas (cerca de metades dos processos), nenhuma lhe concedeu ganho de causa, com excepção da intimação para a passagem das cópias (processo n.º 388/22.3 BEMDL), o que sucedeu apenas por incúria dos serviços municipais.
Contudo,
28. Ainda assim, insiste na mentira e no aguçado instinto litigioso, procurando impor no Tribunal e na praça pública uma realidade fantasiada pelo próprio, mas que nenhuma correspondência tem com a verdadeira sucessão dos factos.
29. Atitude, esta sim, que merece toda a censura.
Como tal,
30. Num juízo de adequação e proporcionalidade, sempre a presente acção careceria de fundamento, sendo, manifestamente infundada, como manifestamente infundado é o presente recurso.
31. Nenhuma norma jurídica foi violada com a sentença em análise.
Nestes termos,
Mantendo inalterada a decisão proferida será efectuada a já costumada Justiça.”


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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.

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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, no sentido da sua improcedência.

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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.



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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], e que se resumem a saber, se o Tribunal a quo violou e fez errada interpretação do disposto no artigo 11.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Tutela Administrativa aprovada pela Lei n.º 27/96, de 01 de agosto, ao ter julgado pela ocorrência da sua ilegitimidade processual activa para efeitos da formulação do pedido enunciado a final da Petição inicial.

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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“Com interesse para a decisão que se segue, julgo provados os seguintes factos:
1. A 19.12.2022, «AA» requereu ao TAF de Mirandela a intimação do Presidente da Câmara Municipal ... para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, requerimento, esse, que foi autuado sob o Processo n.º 388/22.2BEMDL e no qual foi formulado o pedido que se transcreve:
(...)
TERMOS EM QUE, em face do exposto, deverá a presente ação de intimação ser julgada procedente, por provada e em consequência, ser o Requerido intimado a apresentar as informações e a emissão das cópias requeridas.
(...)
- cf., no SITAF e por referência ao Processo n.º 388/22.2BEMDL, os registos ...90 - Petição Inicial (Comprovativo Entrega) - e ...85 - Petição Inicial -, de 19.12.2022, que dou aqui por integralmente reproduzidos;
2. A 17.02.2023, no âmbito do Processo n.º 388/22.2BEMDL, foi proferida sentença, cujo dispositivo transcrevo:
(...)
Nos termos expostos e com base nos argumentos neles vertidos, julgo pedido intimação da Entidade Requerida para a passagem de certidão provido e procedente.
Consequentemente:
1.º. Intimo o Presidente da Câmara Municipal ... a fornecer a «AA» uma cópia simples do processo deste, de mobilidade interna na categoria, que culminou com a prolação do despacho de 16.05.2022 do Vice-Presidente da Câmara Municipal ...;
2.º. Determino que a cópia do processo de mobilidade interna na categoria seja remetida, no prazo de 10 dias, para o seguinte endereço de correio electrónico: ...;
3.º. Por cada dia de atraso no cumprimento da intimação, condeno o Presidente da Câmara Municipal ... em sanção pecuniária compulsória, relegando a fixação do montante da mesma para despacho posterior.
4.º. Condeno o Município ... pelas custas processuais.
(...)
- cf., no SITAF e por referência ao Processo n.º 388/22.2BEMDL, o registo ...66 - Sentença -, de 17.02.2023, que dou aqui por integralmente reproduzido;
3. Na mesma data (17.02.2023), no âmbito do Processo n.º 388/22.2BEMDL, foram submetidas, no SITAF, as notificações electrónicas do teor da sentença - cf., no SITAF e por referência ao Processo n.º 388/22.2BEMDL, os registos ...90 - Petição Inicial (Comprovativo Entrega) - e ...85 - Petição Inicial -, de 19.12.2022, que dou aqui por integralmente reproduzidos;
4. A 05.07.2023, data em que foi submetida, no SITAF, a petição inicial que motivou os presentes autos, o Presidente da Câmara Municipal ... ou, por si, os serviços do Município ... ainda não tinham entregue a «AA» uma (...) cópia simples do processo deste, de mobilidade interna na categoria, que culminou com a prolação do despacho de 16.05.2022 do Vice-Presidente da Câmara Municipal ... (...) - cf., no SITAF, o registo ...95 - Petição Inicial (Comprovativo Entrega) -, de 05.07.2023, e artigos 32.º, 47.º, 48.º, 49.º, 54.º e 63.º a 67.º da contestação, que dou aqui por integralmente reproduzidos.
Com interesse para a decisão, inexistem factos não provados.
O Tribunal formou a sua convicção a partir da análise crítica das alegações das partes e dos documentos por estas juntos aos autos, que não foram impugnados, estão especificadamente identificados em cada uma das alíneas do probatório e dou aqui, uma vez mais, por integralmente reproduzidos.“

***

IIIii - DE DIREITO

Está em causa a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que em face do pedido formulado a final da Petição inicial pelo Autor, em que era peticionada a declaração de perda de mandato de «BB», Presidente da Câmara Municipal ..., veio a julgar pela ocorrência da sua [do Autor] ilegitimidade processual activa, tendo absolvido o Réu da instância.

Quanto ao assim apreciado e decidido não concorda o Autor, ora Recorrente, que a final das conclusões das suas Alegações de recurso requereu que o mesmo deve ser julgado procedente e revogada a Sentença recorrida, a qual deve ser substituída por outra que atente no incumprimento ilícito de uma obrigação legal, devendo em consequência o Réu ser condenado à perda de mandato, pelo que considera ser uma actuação vergonhosa, livre e consciente, que merece um forte juízo de censura, e que a Sentença recorrida se traduziu num resultado ética e juridicamente injusto, pedindo a apreciação em matéria de direito e de facto do aresto em crise, devendo em consequência o Réu ser condenado à perda de mandato, por incumprir, livre e conscientemente uma sentença, por não ter actuado com a diligência e aptidão que seria de esperar, de acordo com as circunstâncias do caso, de alguém medianamente diligente que exercesse as mesmas funções.

Para tanto, referiu o Recorrente, em suma, que a ação de perda de mandato por si intentada se funda no incumprimento ilegítimo por parte do Réu ora Recorrido, da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, no âmbito do Processo n.º 388/22.3BEMDL, por via da qual foi decidido pela intimação do Presidente da Câmara Municipal ..., «CC», a fornecer-lhe [ao ora Recorrente], cópia simples do processo de mobilidade interna na categoria, no prazo de 10 dias, e que esse prazo decorreu sem que o mesmo lhe tenha dado cumprimento, pois que só o veio a fazer no dia 18 de Julho de 2023, como assim refere [o Recorrente] ter sido confessado pelo Réu na Contestação por si apresentada nos autos, prazo que foi por isso ultrapassado em 137 dias.

Mais referiu que a Sentença recorrida encerra uma confusão conceitual, porque tendo o Réu sido mandatário eleito para o exercício de funções como Presidente da Câmara Municipal ..., não é ele o intimado no processo, mas, sim “O Presidente da Câmara” do dito Município, e que o dever jurídico foi incumprido de forma direta e intencional por parte dele enquanto mandatário público eleito, dever que recai sobre o próprio meramente em virtude do cargo que ocupa, por ser o representante em exercício do órgão legalmente obrigado a prática do ato em questão e, por conseguinte, que é contra este órgão que ele ]o Autor ora Recorrente] deveria agir, como demonstra os artigos 104.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e que por conseguinte, não discerniu o Tribunal a quo entre a personalidade jurídica do órgão de soberania do executivo ..., do mandatário eleito que o ocupa, o que em seu entender atenta grosseiramente contra o modelo de governo Republicano e o Princípio do Estado de Direito Democrático, que existem no nosso Ordenamento Jurídico, sustentando-o como pedra mestre, tanto assim o é, que se expressam não apenas no preâmbulo da nossa Constituição, como também se traduzem logo nos dois primeiros artigos da nossa Magna Carta, tendo assim, no seu entendimento, sido frontalmente violado o princípio da separação de poderes quando o Réu fez tábua rasa da decisão, optando-a por ignorar de maneira grave, sem qualquer receio das consequências que daí poderiam advir, em desrespeito não apenas ao seu dever legal, e a liturgia do cargo que ocupa, mas também em afronta direta à soberania dos Tribunais, que administram o Poder Judiciário no nosso Ordenamento, cfr. 110.º da CRP.

Referiu ainda que tendo sido violados princípios estruturantes do nosso ordenamento jurídico, que a conduta ilícita do Réu, também vai contra todos os princípios norteadores da atuação da Administração Pública, atentando grosseiramente contra o Princípio da Legalidade, e que na Sentença recorrida o Tribunal a quo desconsidera a atitude do Réu, que se trata de uma conduta grave e ilícita, e que a perda de mandato surge como a consequência prevista na lei para o cargo desempenhado por eleito local, consistindo aquela no afastamento definitivo do exercício do cargo, resultante da violação de deveres inerentes a esse exercício a que a lei atribui esse efeito, pois que o dever de cumprimento da sentença recaía não no mandatário do cargo eletivo, mas no ..., pelo que não procede o argumento da sentença recorrida de que apenas o mandatário estaria obrigado para o ato.

Finalmente, referiu que não pode a conduta do Réu, em posse do Cargo de Presidente da Câmara Municipal ..., ter a sua gravidade ignorada ou diminuída, como se fez na Sentença recorrida, onde nada se disse sobre o grotesco comportamento de indiferença para com o cumprimento de uma sentença por parte de um mandatário de um cargo público em relação a uma sentença exarada por aquele mesmo tribunal, e que ao recusar-se ao cumprimento de uma decisão do Tribunal, tal prática incumpridora de uma sentença resulta na sua inelegibilidade do mandatário nos termos do artigo 13.º do Regime Jurídico da Tutela Administrativa.

Nas conclusões das suas Contra alegações, o Recorrido pugnou pela manutenção da Sentença recorrida, por sustentar não padecer a mesma, em suma, dos erros que lhe vêm apontados pelo Recorrente.

A Senhora Procuradora Geral Adjunta junto deste TCA Norte emitiu o parecer a que se reporta o artigo 146.º do CPTA, que o foi no sentido de ser negado provimento ao recurso, que dele para aqui ora extraímos parte, como segue:

Início da transcrição
[…]
É inegável que o legislador, no artigo 11.º, n.º 2 do RJLTA, restringe a legitimidade ativa processual na ação urgente de perda de mandato, pois exige ao autor a alegação e comprovação de benefício, vantagem ou utilidade direta e imediata derivada da procedência da ação.
Com o devido respeito, a argumentação recursiva do Recorrente não tem qualquer cabimento na letra e espírito da lei e “dissolve” o artigo 11.º, n.º 2, parte final, sendo que a argumentação de que existiu o incumprimento de uma concreta decisão judicial para fundamentar o direito de tutela administrativa é, no mínimo, estranho e carecido fundamento legal, porque as consequências da perda de mandato do presidente da CM, enquanto sanção aplicável individualmente a membro de órgão, não significa e implica o imediato cumprimento da decisão judicial proferida no processo n.º 388/22.3BEMDL, como de resto é referido nas doutas contra-alegações.
Em tese extrema, a posição do Recorrente, nos casos de incumprimento de decisão judicial, pode questionar inutilidade das ações executivas para a prestação de facto (cf. artigo 162.º e seguintes do CPTA) e anulação de atos administrativos (cf. artigo 173.º e seguintes do CPTA)
[…]
Fim da transcrição

Neste conspecto, cumpre para aqui extrair a essencialidade da fundamentação aportada pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Das citadas normas do RJTA resulta que um presidente de câmara municipal que, sem causa legítima de inexecução, não cumpra uma decisão proferida por um tribunal incorre em perda de mandato, logo que a decisão do tribunal se mostre transitada em julgado (cf. os artigos 8.º, n.º 1, alínea d), e 9.º, n.º 1, alínea a), do RJTA).
Mais resulta que, sendo a decisão de perda de mandato da competência dos tribunais administrativos de círculo (cf. o artigo 11.º, n.º 1, do RJTA), a legitimidade processual activa para intentar a acção administrativa urgente para perda de mandato (cf. os artigos 15.º, n.º 1, 97.º, n.º 1, alínea a), e 98.º do CPTA) está legalmente deferida no Ministério Público, nos membros do mesmo órgão autárquico a que pertença a pessoa cuja perda de mandato se pretenda ou, ainda, em qualquer pessoa que tenha um interesse directo na perda de mandato, entendido, o interesse directo, como a utilidade que, para essa qualquer pessoa, derive da procedência da acção.
Neste último particular, diz-se directo do interesse em que o benefício, a vantagem ou a utilidade que deriva da procedência da acção administrativa urgente para perda de mandato tem imediata repercussão na esfera jurídica do interessado, ou seja, do autor, seja na vertente patrimonial ou não patrimonial, pelo que, de contrário, quando, da procedência daquela acção, apenas resulte um benefício, uma vantagem ou uma utilidade mediata, possível, eventual ou hipotética, o interessado não tem legitimidade processual activa para propor a acção administrativa urgente para declaração de perda de mandato.
É cristalino que, com fórmula que empregou ((...) interesse directo em demandar, o qual se exprime pela utilidade derivada da procedência da acção (...)), o Legislador pretendeu restringir fortemente a legitimidade processual activa para o recurso à acção administrativa urgente para a declaração de perda de mandato, condicionando a sua extensão a outras pessoas, que não o Ministério Público ou membros do órgão a que pertença a pessoa cuja perda de mandato se pretende, à alegação e demonstração ou prova do benefício, da vantagem ou da utilidade directa e imediata que, para elas, derive da procedência da acção, com isso não permitindo a disseminação ou vulgarização do recurso a esta via de acção.
Não sendo proposta pelo Ministério Público ou por membros do órgão a que pertença a pessoa cuja perda de mandato se pretende e não sendo alegado e demonstrado ou provado esse benefício, vantagem ou utilidade directa e imediata derivada da procedência da acção, o proponente da acção administrativa urgente para declaração de perda de mandato carece, em absoluto, de legitimidade processual activa.
Como resulta do artigo 89.º, n.ºs. 1, 2 e 4, alínea e), do CPTA, aqui aplicável por via sucessiva dos artigos 15.º, n.º 1, do RJTA e 97.º, n.º 1, alínea a), do CPTA, a ilegitimidade processual activa do autor substancia uma excepção dilatória, que, como tal, obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e tem como consequência a absolvição do Réu da instância.
[...]
Efectivamente, a 19.12.2022, o Autor requereu ao TAF de Mirandela a intimação do Presidente da Câmara Municipal ... para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, requerimento, esse, que foi autuado sob o Processo n.º 388/22.2BEMDL (cf. o facto provado 1.) e sobre o qual, a 17.02.2023, recaiu uma sentença […]
[...]
Na mesma data da prolação da sentença, isto é, a 17.02.2023, foram submetidas, no SITAF, as notificações electrónicas do teor da sobredita sentença (cf. o facto provado 3.), pelo que, contados 10 dias a partir do 3.º dia seguinte ao daquela data, ou seja, a partir de 20.02.2023, data em que os destinatários se devem ter por notificados, verifico que o prazo de que o Presidente da Câmara Municipal dispunha para dar cumprimento ao julgado teve o seu dies ad quem a 02.03.2023.
Todavia, na data em que a presente acção foi proposta, isto é, a 05.07.2023, o julgado ainda não se mostrava cumprido, porquanto o Presidente da Câmara Municipal ... ou, por si, os serviços do Município ... não tinham ainda entregue ao Autor uma (...) cópia simples do processo deste, de mobilidade interna na categoria, que culminou com a prolação do despacho de 16.05.2022 do Vice-Presidente da Câmara Municipal ... (...) (cf. o facto provado 4.).
Aqui chegados, não se vislumbra qual o benefício, a vantagem ou a utilidade directa e imediata que derivaria para o Autor da eventual procedência da presente acção, ou seja, da perda de mandato do actual titular do Cargo de Presidente da Câmara Municipal ....
[...]
É, pois, notório que, da eventual procedência da presente acção não adviria, para o Autor, qualquer benefício, vantagem ou utilidade directa e imediata. Pelo contrário, em face daquilo que alega como fundamento da sua legitimidade processual activa, a eventual procedência da presente acção redundaria, para o Autor, em claro prejuízo ou desvantagem, espelhados na consequente falta de sujeito para uma possível execução do julgado que obteve no Processo n.º 388/22.2BEMDL.
[...]“
Fim da transcrição

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Neste patamar.

Sob a conclusão XLI, o Recorrente sustenta que este Tribunal de recurso deve apreciar a matéria de facto e de direito da Sentença recorrida.

Ora, dispõe o artigo 627.º, n.º 1 do CPC que “As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos”, ou seja, que o recurso é o meio processual por via do qual são impugnadas as decisões judiciais, e nessa medida, o tribunal superior é chamado a reexaminar a decisão proferida e os seus fundamentos.

Assim, o recurso como meio de impugnação de uma decisão judicial, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e por outro lado, da conjugação do artigo 640.º, n.º 1 e do artigo 662.º, n.º 1, ambos do CPC, resulta afastada a possibilidade de o Tribunal de recurso com competência em matéria de facto efectuar um novo julgamento, pois faz recair sobre o recorrente o ónus de, em primeiro lugar, indicar os concretos pontos de facto que pretende ver modificados, e em segundo lugar, indicar os concretos meios probatórios constantes do processo, do registo ou da gravação que imponham decisão diversa sobre esses pontos de facto.

Dispõe o n.º 1 do artigo 640.º do CPC, que “1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Conforme assim tem sido sistematicamente entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, no que respeita à modificação da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, o Tribunal de recurso só deve intervir quando for prosseguido o julgamento de que a convicção formada pelo Tribunal recorrido não seja razoável, isto é, quando se apresente como manifesta a desconformidade dos factos [dados por provados e/ou não provados] com os meios de prova patenteados nos autos, dessa forma se dando prevalência aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova, bem como à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto – neste sentido, Cfr. o Acórdão do STA, de 19 de outubro de 2005, proferido no Processo n.º 0394/05.

Ora, em torno da impugnação da matéria de facto que o Tribunal a quo julgou provada para efeitos da apreciação e decisão da matéria de excepção invocada pelo Réu na sua Contestação, o Recorrente nada concretizou nas suas Alegações de recurso [na decorrência do ónus que sobre si impendia, em face do disposto no artigo 640.º, n.º 1 do CPC], nos termos e para efeitos de este Tribunal de recurso poder apreciar, poder formar convicção, de que o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento em matéria de facto.

Efectivamente, tendo o Tribunal a quo prosseguido termos nos autos em ordem a apreciar da ocorrência da ilegitimidade processual activa do Autor, que a ter-se por verificada seria determinante da absolvição do Réu da instância, a matéria de facto constante do probatório mostra-se manifesta e absolutamente consentânea com o proposto decisório, não enfermando assim a Sentença recorrida de qualquer erro de julgamento em matéria de facto.

Prosseguindo.

Em torno do que se centra, a final, a pretensão recursiva do Recorrente, está em saber se o mesmo, enquanto cidadão, e com a concreta causa de pedir que está patenteada na Petição inicial por si apresentada e na qual está formulado o pedido de declaração de perda de mandato do Réu, se o mesmo congregou em si o necessário pressuposto processual que tem na sua base essencial a necessidade de fazer uso deste concreto meio processual, por forma a fazer o concreto pedido visando o Presidente da Câmara Municipal ....

Sob o ponto 2.º da Petição inicial, o Autor ora Recorrente deixou enunciados os termos e os pressupostos do seu interesse processual na demanda.

Aí referiu que “ … tem legitimidade porque é titular de direitos e interesses legalmente protegidos afetados pela inexecução ilegítima da Sentença proferida no Proc.388/22.3BEMDL [sublinhado da autoria deste TCA Norte], nos termos do n.º 2 do artigo 11.º da Lei da Tutela Administrativa (LTA), aprovada pela Lei n.º 27/96 de 1 de agosto, na redação aplicável.

Como assim decorre da Sentença recorrida, foi julgado pelo Tribunal a quo que o Autor carece de legitimidade processual activa para intentar a acção administrativa urgente para declaração de perda de mandato, por não ter “… qualquer interesse directo em demandar, substanciado numa utilidade derivada da eventual procedência da acção …”.

E para efeitos desse seu julgamento, o Tribunal a quo tomou de amparo o Acórdão deste TCA Norte, proferido no Processo n.º 461/05.1BEPNF, em 08 de agosto de 2006, sendo que em torno da fundamentação aqui colhida, o Recorrente nada alegou ou sustentou no sentido de contrariar o bem fundado daquele segmento jurisprudencial.

Por concordarmos com o julgamento tirado naquele Processo, que de resto se trata de situação em que a questão a decidir era similar à que ora é trazida sob este recurso, cuja doutrina sufragamos e a cujo julgamento aderimos sem reservas face à proficiente fundamentação [com as adaptações que se mostrem devidas, designadamente em termos de matéria de facto], a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito [cfr. artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil], para aqui extraímos o segmento que segue:

Início da transcrição
“[…]
Não cremos que o legislador vise com esta situação enunciada na parte final do n.º 2 do art. 11.º da Lei n.º 27/96 consagrar um regime legal de ampla “acção pública” conferido e disseminado a qualquer pessoa para a instauração deste tipo de acção judicial, porquanto isso, por um lado, entraria em conflito com as outras duas situações previstas também na 1.ª parte do n.º 2 do mesmo normativo e, por outro, nada tinha que ver com a exigência dum “interesse directo em demandar” ali exigido como condicionante da legitimidade activa.
Note-se ainda que alegados interesses quanto a tutela do bom nome e imagem não legitimam o lançar mão deste tipo de acção, não constituindo a sua procedência meio útil que permita satisfazer o interesse directo na demanda.
Nessa medida, não enferma a decisão judicial recorrida das violações que lhe são assacadas, mormente, da infracção ao art. 11.º, n.º 2 da Lei n.º 27/96 ou da errada aplicação do comando decorrente do art. 88.º do CPTA.
[…]”
Fim da transcrição

Em face do que resulta da Petição inicial, assim como das conclusões das Alegações de recurso apresentadas, e fazendo a desconstrução do que foi sustentado pelo Autor ora Recorrente, a sua pretensão visando o Réu tem justaposto o pressuposto de que o mesmo não cumpriu uma Sentença judicial proferida num Processo judicial [processo n.º 388/22.2BEMDL] em que o mesmo [Autor ora Recorrente] foi interveniente com o Réu, enquanto Presidente da Câmara Municipal ....

Ou seja, é com base no pressuposto assente no facto de que o Presidente da Câmara Municipal, Réu ora Recorrido, não ter dado satisfação ao decidido pelo TAF de Mirandela pela sua sentença datada de 17 de fevereiro de 2023 [Cfr. ponto 2 do probatório], e de assim ter violado entre outros princípios estruturantes enformadores do nosso sistema jurídico, o princípio da separação de poderes [entre o poder executivo e o poder judicial] que o Autor ora Recorrente funda a sua legitimidade para, ao abrigo do disposto no artigo 11.º , n.º 2 da Lei n.º 27/96, de 01 de agosto, peticionar a perda do mandato para que o Réu foi eleito enquanto Presidente da Câmara Municipal ..., ou seja, no fundo e a final, sustenta que tem interesse directo em demandar, interesse esse que radica numa posição justicialista assente no alegado incumprimento do concretamente julgado pela Sentença proferida no Processo n.º 388/22.1BEMDL.

O interesse directo do Autor em demandar o Réu, mercê de uma utilidade derivada decorrente da procedência da acção, está espelhado/enunciado sob o ponto 2.º da Petição inicial.

Como assim julgamos, o interesse directo exprime-se pela utilidde que seja adveniente para o demandante na decorência da procedência da acção, se essa utilidade se repercutir na sua esfera jurídica.

Para efeitos de obtenção de tutela jurisdional efectiva da sua posição jurídica subjectiva, em face do que é o pressuposto da sua legitimidade activa prevista no artigo 11.º, n.º 2 da Lei n.º 27/96, de 01 de agosto, o Autor ora Recorrente nada de relevante obtém, antes porém e eventualmente, contenderá apenas com um interesse meramente formal.

O princípio da tutela jurisdicional efectiva [Cfr. artigos 20.º e 268.º n.º 4, da CRP] compreende o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo - o que constitui a sua dimensão declarativa -, assim como a possibilidade de a fazer executar – o que constitui a sua dimensão executiva -, bem como, o de obter as providências cautelares adequadas a assegurar o efeito útil da decisão – na sua dimensão cautelar.

Na decorrência do que dispõe o artigo 205.º, n.ºs 1 e 2 da CRP, veio o legislador ordinário a consagrar no artigo 158.º do CPTA, que “As decisões dos tribunais administrativos são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas.” [Cfr. n.º 1], e bem assim, que essa prevalência se dá sobre as decisões “... das autoridades administrativas implica a nulidade de qualquer acto administrativo que desrespeite uma decisão judicial e faz incorrer os seus autores em responsabilidade civil, criminal e disciplinar, nos termos previstos no artigo seguinte.” [Cfr. n.º 2]

Acontece porém que não podemos julgar nestes autos de perda de mandato, que o Réu não deu cumprimento ao decidido naquele Processo judicial, assim como, que mesmo vindo a ser julgado que tal assim sucedeu, que tal é fundamento para que o Autor, na qualidade de cidadão, possa vir requerer a perda de mandato do Réu com fundamento em que um Tribunal o intimou a emitir e a remeter cópia de um processo, dentro de um concreto prazo, e de o visado não ter dado satisfação ao julgado.

Desde logo, importa atentar [Cfr. ponto 2 do probatório], que o TAF de Mirandela julgou pela intimação do Presidente da Câmara Municipal ... a fornecer ao aqui ora Recorrente uma cópia simples do seu processo de mobilidade interna na categoria, e que a cópia seja remetida no prazo de 10 dias, para um concreto endereço de correio electrónico, e que por cada dia que sendo decorrido sem que seja dado cabal cumprimento ao decidido, que o Presidente da Câmara Municipal ... seria condenado em sanção pecuniária compulsória, sendo a fixação do seu montante relegado para despacho posterior.

A concreta pretensão do Autor ora Recorrente é a de que o Réu dê efectivo cumprimento ao julgado pela Sentença proferida no Processo n.º 388/22.2 BEMDL, e sustentando que assim não o fez [e de resto, referindo que o Réu ora Recorrido o confessou sob o ponto 69.º da sua Contestação], que só o veio a fazer no dia 18 de julho de 2023, e que em face dos transcorridos 137 dias de incumprimento, que por essa razão deve ser declarada a perda do mandato para que foi eleito, ao abrigo do disposto no artigo 8.º, n.º 1 alínea d) da Lei n.º 27/96, de 01 de agosto [ex vi artigo 9.º, n.º 1 alínea a)], em suma, por ter cometido um ilícito criminal.

Mas não assiste razão alguma ao Recorrente.

Por um lado, porque a titularidade da acção penal está a cargo do Ministério Público, para efeitos de que um Tribunal venha depois a apreciar e decidir ter sido praticado pelo Réu um facto ilícito tipificado na lei como crime e que seja passível de punição, e depois, porque a utilidade que deriva para o Autor, da procedência da acção por si intentada, em termos de vir a ver declarada a perda de mandato do Réu não pode ser absolutamente nenhuma outra, para além de querer ver cabalmente cumprido, executado, o julgado do TAF de Mirandela naquele Processo n.º 388/22.2BEMDL.

O Autor tem legitimidade para a dedução de recurso jurisdicional da Sentença proferida nestes autos, por ter ficado directa e efectivamente prejudicado por ela, como assim dispõe o artigo 141.º, n.º 4 do CPTA. Mas essa legitimidade não pode confundir-se com a que se mostra necessária, enquanto pressuposto processual para efeitos de formular o pedido a que se reporta o Autor na Petição inicial, pois que tinha de ser alegado e provado em que se concretizava a final para si o interesse na procedência da acção, e tendo-o sido nos termos em que o foi, o Tribunal a quo, e sem reparo deste TCA Norte, veio a julgar pela sua ilegitimidade processual.

A legitimidade processual é um pressuposto processual, um elemento necessário para que o Tribunal possa e deva pronunciar-se sobre a procedência ou não do pedido formulado, não sendo já um pressuposto da acção, em termos de constituir um requisito indispensável para que o pedido formulado na Petição inicial possa ser conhecido no seu mérito e ser julgado procedente.

Quando seja usada a via judicial, para efeitos de obtenção de tutela jurisdicional efectiva, com base nos termos e pressupostos por que é perspectivada, esse uso tem de ser justificado, fundado e razoável, não podendo diluir-se na prossecução de um mero interesse subjectivo – neste sentido, Cfr. Antunes Varela, e outros, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª edição, página 181.

Neste patamar.

Como assim julgamos, o processo judicial a que se reporta o artigo 104.º e seguintes do CPTA, de que o Autor ora Recorrente deitou mão por via do Processo n.º 388/22.1BEMDL, tem uma finalidade própria, respeitando a um processo declarativo autónomo, sendo um meio de jurisdição plena dos Tribunais administrativos.

Em conformidade com o que assim foi julgado pelo STA, pelo seu Acórdão datado de 12 de julho de 2017, proferido no Processo n.º 1190/16, saber se o Réu no Processo n.º 388/22.2BEMDL deu ou não cumprimento à decisão judicial aí proferida, passa pela execução desse julgado, no qual foi definido o objecto e o âmbito da intimação, sendo que, nesse domínio, o que releva é saber se a Sentença proferida foi cumprida, situação em que o Tribunal deve “... examinar e determinar se a intimação foi ou não devidamente cumprida, através da prestação de informações rigorosas, coerentes e completas, sob pena de violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, que se prende com a necessidade básica de, num Estado de direito, se conceder aos cidadãos todas as condições necessárias para que possam obter uma tutela judicial efectiva dos seus direitos.“, pois que se trata o processo judicial de intimação o meio processual adequado para obter a satisfação de todas as pretensões de que um Requerente alegue carecer, “E por ser um meio de jurisdição plena e de objecto amplo, este processo é caracterizado por conceder ao juiz poderes que lhe permitem não só formular, com carácter definitivo, injunções à administração, como poderes para aferir se a informação prestada pela administração constitui a devida resposta à pretensão formulada pelo interessado, e, como tal, se representa uma resposta coerente, completa e exacta, ou se, pelo contrário, ela constitui, no todo ou em parte, uma resposta contraditória, incoerente, vaga, incompleta ou inexacta, devendo essa análise ser efectuada neste processo sob pena de se esvaziar o conteúdo útil deste meio processual.

Como assim resulta do ponto 2 do probatório [do 3.º ponto do segmento decisório], por assim ter sido decidido pelo Mm.º Juiz que proferiu a Sentença proferida no Processo n.º 388/22.2BEMDL, é nesse processo que se afere, quer o cumprimento do julgado e quando o foi, quer a fixação do montante da sanção pecuniária compulsória, em despacho a proferir posteriormente.

Com efeito, em conformidade com o que assim dispõem os artigos 3.º, n.º 2, 127.º, n.º 2, 159.º e 169.º, todos do CPTA, o legislador conferiu aos Tribunais administrativos o poder de fixar prazo para cumprimento das suas decisões, assim como o de aplicar, quando tal se justifique, sanções pecuniárias compulsórias para compelir a Administração [por via dos titulares dos seus órgãos administrativos] a cumprir as decisões judiciais proferidas, sendo que essas sanções compulsórias incidem sobre os titulares dos órgãos administrativos e respectivos patrimónios pessoais e não sobre o património do Estado ou demais entes públicos.

A condenação em sanção pecuniária compulsória corresponderá assim, nos processos de intimação, a uma liquidação que será efectuada ao abrigo do disposto no artigo 169.º, n.ºs 5 a 7 do CPTA [ex vi artigo 108.º, n.º 2 do mesmo Código], sendo que nesse conspecto, pode o titular do órgão deduzir oposição com fundamento na existência de causas de justificação ou de desculpação da sua conduta, o que constituirá fundamento para que, face ao disposto no artigo 10.º, n.º 1 da Lei n.º 27/97, de 01 de agosto, não haja lugar à perda de mandato ou à dissolução do órgão autárquico.

De resto, assim tem de ser entendida a teleologia das normas, face ao quanto vem a prescrever o legislador sob o artigo 9.º, alínea a) da Lei n.º 27/96, de 01 de agosto, quando vem a dispor que a dissolução de órgão autárquico ou equiparado pode ocorrer quando, sem causa legitima de inexecução, o mesmo não dê execução às decisões judiciais transitadas em julgado.

Termos em que, tem de falecer assim, na sua totalidade, a pretensão recursiva do Recorrente, face à não ocorrência de qualquer dos apontados erros de julgamento à Sentença recorrida, a qual se confirma.


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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Tutela jurisdicional efectiva; Intimação; Artigo 104.º do CPTA; Sanção pecuniária compulsória; Acção de perda de mandato; Lei n.º 27/96, de 01 de agosto; Legitimidade processual activa.

1 - A legitimidade processual é um pressuposto processual, um elemento necessário para que o Tribunal possa e deva pronunciar-se sobre a procedência ou não do pedido formulado, não sendo já um pressuposto da acção, em termos de constituir um requisito indispensável para que o pedido formulado na Petição inicial possa ser conhecido no seu mérito e ser julgado procedente.

2 - O princípio da tutela jurisdicional efectiva [Cfr. artigos 20.º e 268.º n.º 4, da CRP] compreende o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo - o que constitui a sua dimensão declarativa -, assim como a possibilidade de a fazer executar – o que constitui a sua dimensão executiva -, bem como, o de obter as providências cautelares adequadas a assegurar o efeito útil da decisão – na sua dimensão cautelar.

3 - Na decorrência do que dispõe o artigo 205.º, n.ºs 1 e 2 da CRP, veio o legislador ordinário a consagrar no artigo 158.º do CPTA, que “As decisões dos tribunais administrativos são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas.” [Cfr. n.º 1], e bem assim, que essa prevalência se dá sobre as decisões “... das autoridades administrativas implica a nulidade de qualquer acto administrativo que desrespeite uma decisão judicial e faz incorrer os seus autores em responsabilidade civil, criminal e disciplinar, nos termos previstos no artigo seguinte.” [Cfr. n.º 2].

4 - Com a previsão normativa enunciada na parte final do n.º 2 do artigo 11.º da Lei n.º 27/96, de 01 de agosto, o legislador não quis consagrar um regime legal de ampla “acção pública” conferido e disseminado a qualquer pessoa para efeitos de instauração da acção judicial de perda de mandato, pois que entraria em conflito com as outras duas situações previstas também na 1.ª parte do n.º 2 do mesmo normativo, e depois ainda, porque nada tem a ver com a exigência dum “interesse directo em demandar” ali exigido como condicionante da legitimidade activa.

5 - Nos processos de intimação, a condenação em sanção pecuniária compulsória corresponde a uma liquidação que será efectuada ao abrigo do disposto no artigo 169.º, n.ºs 5 a 7 do CPTA [ex vi artigo 108.º, n.º 2 do mesmo Código], sendo que nesse conspecto, pode o titular do órgão deduzir oposição com fundamento na existência de causas de justificação ou de desculpação da sua conduta, o que constituirá fundamento para que, face ao disposto no artigo 10.º, n.º 1 da Lei n.º 27/97, de 01 de agosto, não haja lugar à perda de mandato ou à dissolução do órgão autárquico.

6 - Assim tem de ser entendida a teleologia das normas, face ao quanto vem a prescrever o legislador sob o artigo 9.º, alínea a) da Lei n.º 27/96, de 01 de agosto, quando vem a dispor que a dissolução de órgão autárquico ou equiparado pode ocorrer quando, sem causa legitima de inexecução, o mesmo não dê execução às decisões judiciais transitadas em julgado.

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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Comum da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Recorrente «AA», confirmando assim a Sentença recorrida.

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Custas a cargo do Recorrente – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.
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Porto, 03 de novembro de 2023.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Celestina Maria Castanheira
Maria Alexandra Ribeiro