Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01074/12.7BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/04/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:CORREÇÕES ARITMÉTICAS, PRESSUPOSTOS DO RECURSO;
Sumário:I. Na verdade, como é sabido, de acordo com o artigo 75º, nº 1 da LGT, as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, presumem-se verdadeiras.

II. Essa presunção cessa nomeadamente se essas declarações ou os respetivos dados de suporte apresentarem omissões, erros ou inexatidões ou forem recolhidos indícios fundados de que não refletem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (cf. artigo 75º, nº 2, da LGT).

III. Nos casos em que, por qualquer das razões previstas na lei, a presunção consagrada no art.º 75º, nº 1 da LGT deixa de funcionar, a administração tributária fica legitimada a efetuar a determinação da matéria tributável, com recurso para o efeito e preferencialmente de métodos diretos ou, quando tal não seja possível, a métodos indiretos.

IV.É pacificamente aceite quer na doutrina, quer na jurisprudência, que compete à Administração Fiscal o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), cabendo, em contrapartida, ao administrado/contribuinte apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, entendimento que corresponde à regra geral artigo 342.º do Código Civil, de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos, regra essa que foi acolhida no artigo 74.º, n.º 1 da LGT.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Massa Insolvente de (...)
Recorrido 1:Fazenda Publica
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Seção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
Os Recorrentes, Massa Insolvente de (...), contribuintes n.º (…) e (…), respetivamente, melhor identificados nos autos, inconformados, vieram interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a pretensão pelos mesmos deduzida na impugnação judicial, relacionada com a liquidação adicional de IRS de 2008, 2009, 2009 e 2010.

Os Recorrentes interpuseram o presente recurso, formulando nas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: “(…)

.A) Quanto à impugnação da decisão de facto:
1ª - A sentença recorrida incorreu em erro na apreciação da matéria de facto, pelo que há que analisar em primeiro lugar o erro na apreciação da matéria de facto dada como provada e não provada, cuja alteração se afigura necessária, e que influenciou decisivamente a decisão de direito proferida. A questão decidenda, fulcral nos presentes autos, é a de saber se a determinação da matéria coletável, que deu origem às liquidações de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), resultante de prévio procedimento de inspeção tributária, ocorreu por mera correção aritmética como alega a IT e a recorrida Administração Tributária e Aduaneira (ATA), com respeito pelos pressupostos de facto e de direito previstos legalmente para este método de determinação da matéria coletável. Os recorrentes entendem que não, que sob a designação de correções aritméticas a AT aplicou, isso sim, presunções, recorrendo a amostragens aleatórias e outros métodos indiretos e que, por via disso as liquidações enfermam de manifesta ilegalidade. Associada a esta questão colocam-se outras questões de direito relacionadas com os vícios formais do procedimento inspetivo e do próprio procedimento de determinação da matéria coletável e, ainda, da caducidade do direito à liquidação do IRS referente ao ano de 2008.
2ª - Não foi esse o entendimento o Tribunal a quo, o qual considerou desde logo como provado que a matéria coletável foi determinada por correção meramente aritmética (objetiva) e que as liquidações de imposto se afiguram conformes à lei. Funda-se a douta decisão recorrida na convicção do M. Juiz a quo de que a “Autoridade Tributária procedeu a correções de natureza meramente aritmética, além do mais, à matéria tributável de IRS dos anos de 2008, 2009 e 2010, no valor de €268.735,46, €277.414,25 e €276.481,64, respetivamente – matéria de facto dada como provada em E) e F), a páginas 6 da sentença recorrida.
3ª - No que respeita aos factos não provados, entendeu o M. Juiz a quo que a prova produzida pelos impugnantes, nomeadamente a testemunhal, não logrou provar que as falhas de numeração dos talões de venda são devidas a “erro humano” dos funcionários das lojas da impugnante (1), bem assim como todos os factos contidos nos itens seguintes (2 a 4 dos factos não provados) e que aqui se dão por integralmente reproduzidos. Acresce que, da matéria de facto considerada provada, faltam alguns factos de importância fundamental, para a decisão final, porquanto é a partir destes factos que o Tribunal estará, então sim, em condições de poder decidir qual o método usado pela IT/AT para chegar à determinação da matéria coletável e, em função disso, estar em condições de aferir sobre a legalidade ou ilegalidade das liquidações.
4ª - Contudo de toda a prova testemunhal produzida, apresentada pelas partes, dos depoimentos das testemunhas da própria AT, transcritos nas presentes alegações, bem assim como do teor dos documentos apresentados pelas partes nos autos, impõe diferente decisão sobre a matéria de facto. Assim, a conclusão contida na alínea E) da matéria de facto considerada provada incorpora uma conclusão de direito que deve ser excluída, pelo que deve ser alterada, propondo-se a seguinte redação: “Na sequência da inspeção acima mencionada, a Autoridade Tributária fixou matéria tributável de IRS, dos anos de 2008, 2009 e 2010, no valor de €268.735,46, €277.414,25 e €276.481,64, respetivamente.”
5ª - Não se afigura aceitável dar por reproduzido o que consta no Relatório a fls 33 a 66, e a afirmação do M. Juiz em considerar que o recurso a margens de lucro, amostragens e outros indícios serviram apenas para constituir meros indícios para a realização da inspeção (fls. 25 da sentença recorrida). Ora, resulta dos autos que assim não foi. Ou seja, o momento em que a IT se serve, utiliza e recorre à aplicação desses indícios não antecedeu a inspeção mas sim ocorreu durante a inspeção e servem de fundamento, isso sim, para a correção da matéria coletável. Isto resulta com total evidência do relatório de Inspeção, incluindo a matéria nele vertida a páginas 33 a 66 dadas como provadas na alínea F) da matéria de facto provada. A conclusão do M. Juiz quanto a este ponto é incongruente com o que ele próprio considera como provado. É que, a fls 33 a 66 do Relatório constam, precisamente, os métodos utilizados pela Sra. Inspetora para chegar à matéria coletável que veio a determinar. Não se trata de justificar a realização da Inspeção (como considerou o M. Juiz a quo), a qual foi ordenada muito antes da elaboração do Relatório, mas sim, efetivamente, de tentar justificar o percurso que conduziu à fixação da matéria coletável, donde resulta não estarmos perante meras correções aritméticas mas antes perante a aplicação de métodos indiciários, ou, de um método misto, diferente de qualquer dos dois previstos na lei (vd. artigos 81º a 85º da LGT), o que se afigura manifestamente ilegal.
6ª - Face ao disposto na lei, salvo melhor opinião, a AT não pode sobre a capa de estar a recorrer à aplicação de meras correções aritméticas aplicar métodos indiretos, apenas para violar o procedimento e as garantias que estão associadas à determinação da matéria colectável por recurso a métodos indiretos. Foi precisamente isso que sucedeu no caso em apreço, sendo certo que o M. Juiz a quo não entendeu assim. Acresce que, a prova não se pode bastar com o recurso aos elementos vertidos no Relatório de Inspeção, pois que são esses mesmos que se encontram em discussão nos presentes autos, logo é matéria controvertida. Todavia, o M. Juiz a quo ao dar como provada a matéria contida a fls. 33 a 66 do Relatório, reconhece como provado que a forma que a IT/AT escolheu para chegar à fixação da matéria colectável assentou em recurso a amostragens, indícios e extrapolações incompatíveis com o método definido na lei como “correções meramente aritméticas”, o qual pressupõe objetividade absoluta nas correções efetuadas a partir dos elementos da contabilidade do Sujeito Passivo (SP), sem necessidade de recurso a métodos indiciários, assentes em amostragens ou outros, dos quais se procede á “extrapolação global”, como reconhece a Sra. Inspetora no seu depoimento. Nesta conformidade as conclusões que o Mº Juiz a quo retira da prova produzida nos autos e que descreve, a fls. 5 a 21 e 21 a 26 da sentença recorrida, não se afiguram corretas face aos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas.
7ª - Impõe-se extrair da prova testemunhal produzida (bem assim como do que vem descrito no Relatório) quais os métodos aplicados e a partir dos quais a IT/AT chegou aos valores de IRS fixados. Resulta da sentença recorrida, que o M. Juiz a quo desvalorizou totalmente os depoimentos das testemunhas indicadas pela Requerente. A fundamentação que apresenta para tal desvalorização não é aceitável, porquanto, se é verdade que algumas das testemunhas indicadas pelos impugnantes eram e são seus funcionários, não é menos verdade que a Sra. Inspetora e Sr. Inspetor perito informático indicados pela AT também são funcionários da Requerida. Não se afigura justo, desvalorizar os depoimentos dos primeiros por essa razão e não aplicar o mesmo critério de valoração aos segundos, quando razão idêntica os caracteriza.
8ª - Acresce que, na opinião do M. Juiz a quo, mesmo o depoimento do TOC não se afigura credível porquanto se trata de uma testemunha com relações profissionais com os impugnantes. A ponderação realizada pelo M. Juiz a quo sobre a fiabilidade dos depoimentos não é justa nem isenta. Note-se que, no caso, as testemunhas da AT são seus funcionários, sujeitos a ordens de serviço impostas pela hierarquia enquanto das testemunhas indicadas pelos impugnantes duas são seus funcionários e sabem bem (só eles sabem) como funcionam as lojas e o sistema informático e quais as falhas e dificuldades que encontravam, as outras duas são totalmente alheias à atividade dos impugnantes, embora a conheçam por razões de auditorias regularmente realizadas (não se vê qual a razão de ciência para a sua não credibilidade) e por fim, o TOC é um profissional independente, sujeito a um código deontológico exigente e a responsabilidades pessoais por eventuais falhas contabilísticas, bem assim como Informático pelas falhas que lhe possam ser imputadas pelo funcionamento do sistema informático. Perante isto é inaceitável, mormente à luz do princípio da igualdade das partes processuais, o juízo de valor vertido na Sentença sobre a credibilidade das testemunhas de uma e da outra parte. Tal considerando, subjacente à análise e fundamentação da matéria de facto considerada provada e não provada configura uma clara violação dos princípios jurídico-processuais da igualdade das partes e do contraditório, justo e isento.
9ª - Não obstante as observações supra expostas, em sede de impugnação da restante matéria de facto vertida na sentença como provada e não provada vamos atender, predominantemente, aos depoimentos das testemunhas da AT (Sra. Inspetora e Sr. Informático) e ao resultante da acareação entre os informáticos da requerente e da requerida, cujos depoimentos se transcrevem nas presentes alegações, nos artigos 26º a 37º, que se dão por integralmente reproduzidos.
10ª - Assim, atendendo ao depoimento da testemunha G., identificada nos autos, Inspetora tributária responsável pela inspeção realizada, prestado em 17/06/2013, o qual consta do número 00:32:36 a 01:06:48 do CD original, resultam provados os factos a seguir enunciados e que devem ser incluídos na matéria de facto considerada provada, a qual deve ser acrescentada às alíneas constantes da matéria de facto provada:
G) A razão que determinou a inspeção foi a os baixos rendimentos declarados em 2008 pelo SP e os valores declarados no anexo H. Para apuramento da matéria coletável a Inspeção recorreu a indícios, procedeu a amostragens aleatórias quanto à determinação dos stocks, que não verificou, e das vendas determinadas oficiosamente.
H) Foi detetada a existências de erros e divergências na informação das bases de dados informáticas, o que originou a necessidade de recorrer a indícios recolhidos a partir da realização de amostragens aleatórias, para certos dias, das quais a inspeção extrapolou para a análise global que determinou a fixação da matéria coletável que deu origem às liquidações impugnadas;
I) Os mapas de Excel foram confrontados, apenas, para os dias e meses seleccionados pela inspeção (cinco dias em três meses do ano) e a partir daí a correção no final foi feita em termos globais, pela diferença entre o que estava na base de dados Fast 10 e na Fast 2.
J) A inspeção apenas analisou as divergências entre os mapas excel e as listagens tipo Z para os dias e meses selecionados para amostragem aleatória, porquanto não viu todas as listagens, nem todos os mapas excel, nem os talões existentes. A amostragem foi efetuada nos dias 2 e 29 de Janeiro, 10 de Julho, 5 e 31 de Dezembro de 2008.
K) As divergências e o cálculo dos valores globais por extrapolação das amostragens realizadas não se baseou em nenhum documento da contabilidade mas tão só na comparação entre a base de dados Fast 10 e fast 2.
L) O SP colaborou em tudo com a IT e forneceu cópias do seu sistema informático integral à IT;
M) Não foram detetadas falhas nas compras, nem nos stocks (apesar de terem sido analisados por amostragem);
N) Não foram conferidos os stocks ou outros registos existentes nas lojas do SP.
M) Segundo o depoimento do Inspetor, técnico informático da AT, apesar de ser possível a recolha de informação real sobre os stocks, mas apenas ao nível das lojas, isso não foi feito em sede de inspeção, tendo apenas recolhido uma cópia junto de uma loja (no caso foi a do N. Shoping) e depois extrapolaram dessa análise para todas as outras lojas.
11ª – Quanto aos factos não provados devem acrescentar-se os seguintes:
Atendendo ao depoimento prestado na acareação e constante do número 01:58:45 a 02:22:16 do CD original, pelo Sr. Inspetor, técnico informático da AT, devem ser excluídas as alíneas 1) a 4), na formulação atual contida na sentença e introduzida uma nova alínea com o seguinte conteúdo: “Não provado que a base de dados Fast10 corresponda à única base de dados fiável como alegado pela inspeção tributária, porquanto o programa informático, datado dos anos 90, não permitia o tratamento integrado de dados numa só Base de dados.”
12ª - O que se extrai do depoimento da Sra. Inspetora é que os métodos utilizados para chegar à matéria coletável, nada tiveram de objetivo, mas antes assentaram no recurso a indícios, amostragens aleatórias efetuadas em dias e meses determinados, na análise de documentos referenciados a dias e meses aleatoriamente escolhidos e de tudo isto, apesar de concluir pela existência de incongruências e incorreções, afirma que procedeu “a meras correções objetivas”. Os factos supra relatados pelas Testemunhas supra referidas, revelam ainda extrapolações a partir de casos isolados que aleatoriamente analisaram para tentar justificar o recurso ao que chamam de correções meramente aritméticas, mas que na verdade foram determinadas de modo aleatório, recorrendo a indícios.
13ª A conclusão sobre a base de dados Fast 10 foi apenas uma ilação extraída da análise do Informático da AT, sem qualquer suporte ou fundamento credível. Admitiram que seria possível verificar os stocks junto das bases de dados das lojas mas não o fizeram, optaram em todas as análises efetuadas por recorrer a amostragens aleatórias, como resulta dos depoimentos transcritos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos. Como se pode constatar dos depoimentos supra transcritos, resulta claro que o próprio informático da AT assume e reconhece que se serviu da base de dados Fast10, que considerou como fiável, transmitiu essa convicção à sua Colega Inspetora Glória Lameiras, mas acaba agora por reconhecer que, afinal, o programa era antigo e havia falhas por insuficiências técnicas decorrentes do facto de ser um programa dos anos 90. Mas, mais relevante ainda, reconhece que a base de dados Fast 10 não continha qualquer informação quanto a stocks e que apesar de ser possível fazer a sua avaliação por confirmação junto dos registos existentes em cada loja isso não foi feito. Afirma claramente que: “Essa informação é possível. Ao nível das lojas essa informação está disponível “ (…) e, ainda, “Eu não vi nenhuma BD que tivesse essa informação.
Normalmente nós encontramos essa informação num programa integrado, nos programas mais recentes.
Aquele programa, tenho uma ideia de que era da década de 90. O programa era antigo. Nos dias de hoje nós temos um sistema integrador, tem um servidor; todas as pessoas estão a trabalhar no mesmo servidor, na mesma BD, e dá resposta para todos. (…) Aquele não era o caso. Podia haver movimentação de dados, exportações de dados, podia haver esse tipo de trabalho mas os dados estavam em 1ª linha sempre em cada um dos locais onde eram registados.”
14ª - Ora, face aos depoimentos supra transcritos, resultantes da acareação entre os dois informáticos, é de concluir que o percurso que conduziu a IT/AT à determinação da matéria coletável não é compatível com a aplicação de correções meramente aritméticas, desde logo porque assentam em factos presumidos e numa análise parcial do sistema informático, tendo apenas considerado a informação contida na base de dados Fast 10, desprezando totalmente as informações contidas no sistema informático, nomeadamente nas lojas (que não analisaram) e na própria base de dados Fast2, que apenas consideraram não estar correta por conter correções aso dados contidos na Fast10, mas sem qualquer preocupação em saber se estas correções eram ou não necessárias. Cabia à AT fazer um apuramento correto e objetivo dos resultados de todas as lojas, proceder ao tratamento de toda a informação contida no sistema informático do SP (armazém, lojas e Bases de dados Fast2 e Fast 10) para chegar a um correto apuramento da matéria coletável.
15ª - Dos depoimentos supra transcritos, resulta que o próprio informático da AT reconhece que a base de dados Fast 10 não contém qualquer informação quanto a stocks nem sequer
pode garantir que corresponda ao tratamento adequado dos dados de todas as lojas, já que o programa era antigo e não permitia um tratamento integrado de dados. Não podemos concluir, como concluiu o M. Juiz que a base de dados Fast 10 seja a que corresponde aos dados corretos para permitir à AT proceder a correções meramente aritméticas. Tanto assim é que, resulta comprovado, pelos depoimentos supra transcritos (Inspetora Glória Lameiras e Informático da AT, Dr. P.) que para chegarem aos resultados apurados procederam a múltiplas presunções, baseadas em amostragens aleatórias e a extrapolações, métodos que se afiguram indiciários e não correções objetivas.
Verifica-se, pois, que a sentença assenta numa errónea apreciação da matéria de facto, pelo que se impugna e requer a sua alteração nos termos supra expostos.
B) Quanto à impugnação da matéria de direito:
16ª – Nesta conformidade entendem os impugnantes e ora recorrentes que a sentença recorrida aplicou mal o direito, por se deixar equivocar quanto aos pressupostos de facto subjacentes ao caso concreto, e ainda por apresentar uma deficiente leitura dos princípios plasmados na lei quanto aos métodos de determinação da matéria coletável. Como se disse já, aferir se a AT chegou à determinação da matéria coletável por aplicação de um método direto assente em “correções meramente aritméticas” ou não, é uma questão de direito e não de facto.
17ª – A sentença recorrida incorre num equívoco, nesta matéria, pois que, não se trata de invocar o direito a aplicação de métodos indiretos, o que os impugnantes nunca reclamaram.
O que está em causa, e isso sim foi invocado pelos impugnantes, é que no caso concreto, a AT alegou ter aplicado correções aritméticas quando, na verdade, os métodos que usou para lá chegar não assentam em meras correções de erros de cálculo ou de qualquer outra natureza, mas sim na aplicação de métodos indiciários, ou indiretos, tais como as amostragens aleatórias e consequentes extrapolações, embora sempre sob a designação de “correções aritméticas”. Não está, nem nunca esteve, em discussão nos presentes autos a invocação de um direito dos impugnantes senão a um tratamento justo e conforme á lei. O que se colocou à discussão e se submeteu ao conhecimento do Tribunal a quo foi, unicamente, aferir do cumprimento da lei por parte da AT na forma como chegou à matéria coletável que fixou oficiosamente por via da Inspeção realizada. Esta sim é a verdadeira questão decidenda, a vexata quaestio, que os recorrentes colocaram à apreciação do tribunal a quo e agora, à deste Tribunal superior.
18ª - Quando o M. Juiz a quo se debruça sobre a questão de saber se existe ou não um direito do SP à aplicação de métodos indiretos incorre num manifesto erro de apreciação da questão fundamental a decidir, a qual se centra, isso sim, nos deveres da AT a cumprir nesta sede, na qual se encontra estritamente vinculada à lei, e, nessa medida, obrigada a prosseguir pela determinação da matéria coletável por via direta quando a contabilidade do SP lho permita (demonstrando objetivamente quais os erros de cálculo ou na declaração ocorridos) ou pela via indireta, naqueles casos em que a contabilidade do SP apresente erros ou inexatidões que não permitam chegar à demonstração objetiva dos valores a fixar.
19ª - Recorde-se a este propósito a jurisprudência do Acórdão do TCAS, proferido no Processo Nº 08641/15, de 18 de junho, no qual se aprecia questão em tudo idêntica à dos presentes autos. Considerou este Tribunal superior que “Não obstante no relatório inspetivo constar que as correções foram efetuadas com base na avaliação direta, resulta da ação de inspeção que, do ponto de vista dos SIT, a escrita da Impugnante não permite comprovar e quantificar direta e exatamente os elementos indispensáveis à determinação da matéria coletável, tendo sido necessário fazer fiscalização cruzadas e análises comparativas. (…) Em toda esta análise perpassa uma atividade que é característica da avaliação indireta, sendo que o próprio conteúdo do relatório utiliza raciocínios que são apenas consentâneos com o plano das presunções e dos métodos indiretos de avaliação. Portanto, as correções efetuadas não traduzem, na medida em que assentam em presunções, a comprovação e quantificação direta e exata de elementos indispensáveis à determinação da matéria coletável, sendo certo que, não é o facto de a Administração se socorrer de elementos de que disponha reveladores da efetiva capacidade contributiva do sujeito passivo – no caso, entre outros, os valores fornecidos por clientes da Impugnante e pela própria Impugnante – que faz com que se possa afirmar que a avaliação é direta, que as correções são meras correções técnicas. (…) A AT, no caso em análise, sob a capa de alegadas correções técnicas, corrigiu e alterou valores declarados com recurso a métodos indiretos, sem que tal recurso tenha sido acompanhado do necessário procedimento, o qual reclamava especiais deveres à Administração (designadamente de fundamentação – artigo 77, nº4º da LGT) e consagra especiais direitos e garantias ao contribuinte (designadamente o pedido de revisão, previsto no artigo 91º e ss da LGT, sendo ainda de assinalar, em certos casos, o encurtamento do prazo de caducidade de direito à liquidação quando esta decorre da aplicação de métodos indiretos, tal como resulta do artigo 45º, nº 2 da LGT).
20ª - Em síntese, concluímos, que também no caso agora em apreço, se pode concluir que a Administração Tributária, no caso em análise, sob a capa de alegadas correções técnicas, corrigiu e alterou valores declarados com recurso a métodos indiretos, sem que tal recurso tenha sido acompanhado do necessário procedimento, o qual reclamava especiais deveres à Administração (designadamente de fundamentação – artigo 77, nº 4 da LGT) e consagra especiais direitos e garantias ao contribuinte (designadamente o pedido de revisão, previsto no artigo 91º e ss da LGT, sendo ainda de assinalar, em certos casos, o encurtamento do prazo de caducidade de direito à liquidação quando esta decorre da aplicação de métodos indiretos, tal como resulta do artigo 45º, nº 2 da LGT). Nem tais deveres foram observados, nem os direitos e garantias de defesa da Impugnante foram salvaguardados, no caso.
Aliás, basta atentarmos naquilo que vimos de dizer, em especial quanto ao procedimento especialmente previsto nos artigos 91º e ss da LGT, para imediatamente concluirmos que a Fazenda Pública não tem qualquer razão quando sustenta, neste recurso, que “mesmo que a AT tivesse presumido quaisquer valores, cabia à sociedade impugnante fazer a contraprova, cenário que a sentença sob recurso também não equacionou, nem avaliou, não permitindo decidir no sentido em que veio a decidir”.
A discussão quanto aos pressupostos do recurso aos métodos indiretos e, bem assim, à quantificação operado deve ser feita, como se disse, em procedimento especial, expressamente previsto para o efeito. (…) Ora, quando o sujeito passivo deixa de cumprir com os deveres de correta organização contabilística coloca a Administração Tributária numa situação de não poder, como alegadamente se passou no caso, comprovar a matéria tributável.
Neste caso, a lei faculta-lhe meios subsidiários, como no artigo 87º e ss da LGT, o recurso aos métodos indiretos, de forma a, se não alcançar o montante exato da matéria tributável, pelo menos a máxima verosimilhança. Compete, então, à Administração Tributária demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indiciários e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação.”
21ª - Ou, ainda a este propósito, concluímos conformar a jurisprudência do Acórdão do TCAS, proferido no processo nº07637/14, de 21 de maio de 2015, que “Na correção aritmética, a matéria coletável é identificada pelo contribuinte na declaração periódica anual, pelo que a administração não precisa de se socorrer de qualquer método de avaliação – direto ou indireto - para determinar o imposto devido:
a administração tributária limita-se a corrigir erros de cálculo das declarações-liquidações, com o objetivo de garantir a exatidão das autoliquidações. Trata-se, pois, do resultado da normal função de controlo que a administração tributária realiza quando recebe as declarações do contribuinte e verifica a existência de erros de cálculo.
22ª - Está em causa nos presentes autos a ilegalidade das liquidações adicionais de IRS, com referência aos anos / exercícios de 2008, 2009 e 2010, determinadas por alegadas correções aritméticas, o valor de matéria coletável foi determinado no âmbito do processo inspectivo desenvolvido e no qual a Autoridade Tributária (AT) determinou os seguintes valores de imposto a pagar: ano de 2008 - €99.154,93 (IRS e Juros); ano de 2009 - €119.039,69 e ano de 2010 - €110.511,91; no total de €328.706,53. As liquidações impugnadas resultam, segundo o relatório de inspeção, da aplicação de correções meramente aritméticas, por via das quais foram corrigidas as declarações de imposto dos anos em referência, como consta do Relatório Final, junto aos autos. O montante das correções de matéria coletável efetuadas à atividade de venda a retalho de calçado o impugnante marido, a saber: ano de 2008- € 261.857,84; ano de 2009 - € 306.889,27; e ano de 2010 - € 290.859,09.
23ª – A primeira questão a decidir é, fundamentalmente, a de saber se face à matéria vertida nos presentes autos, é a seguinte: podia a Inspeção Tributária, face às circunstâncias de facto e de direito que caracterizam o caso concreto proceder a correções meramente aritméticas? A resposta é negativa. O método seguido pela IT/AT na determinação da matéria coletável não foi por recurso, verdadeiramente, a correções aritméticas. A designação como tal assumida pela AT teve apenas como objetivo evitar que o SP pudesse beneficiar do recurso ao procedimento próprio previsto no artigo 91º da LGT. De registar que, contrariamente à apreciação vertida na sentença recorrida, não se trata de “exigir o direito á aplicação de métodos indiretos”. Trata-se, isso sim, de exigir que seja cumprida a lei, numa matéria em que a atuação da AT está estritamente vinculada à lei. Isto é tão importante quanto é certo que as garantias dos impugnantes são distintas quando a AT recorre a correções aritméticas ou quando recorre a métodos indiretos. A lei estabelece claramente em que consiste cada um destes métodos e quais os pressupostos de facto e de direito para que a AT possa recorrer à sua aplicação. Assim, não existe discricionariedade nesta matéria ou em qualquer outra que se refira ao núcleo essencial do imposto, tal como vem definido no artigo 103º, nº2 da CRP.
24ª - A AT não pode livremente escolher como determinar a matéria coletável, está vinculada à lei que determina os casos em que pode ou não haver recurso à aplicação de correções meramente aritméticas e os casos em que pode haver recurso a métodos indiretos, sempre de acordo com o cumprimento. Não podia haver, no presente caso, recurso a correções aritméticas, dado os pressupostos descritos pela própria Inspeção Tributária (IT) no Relatório Final que serve de fundamento às liquidações impugnadas. Mas resulta também deste documento (Relatório da inspeção), o qual contém a fundamentação dos atos tributários praticados, que o método utilizado para a determinação da matéria coletável não foi, como alega, o de correções meramente aritméticas. Mas, se dúvidas houvesse, elas dissiparam-se após a produção de prova testemunhal, mormente, dos depoimentos da Sra. Inspetora e dos dois técnicos informáticos inquiridos em Tribunal (o técnico informático responsável pelo funcionamento do programa informático do sujeito passivo), conforme transcrições contidas nas presentes alegações.”
25ª - Perante as insuficiências de funcionamento do programa informático, relatadas pelos informáticos inquiridos nos autos e cujos depoimentos em sede de acareação se transcrevem nas presentes alegações, não se percebe como pode a AT considerar a informação processada como inteiramente fidedigna, na parte que lhe interessava. Ao concluir como concluiu o M. Juiz a quo, desvalorizando toda a prova documental e testemunhal produzida pelos impugnantes, que validou erroneamente, a sentença recorrida incorreu em manifesto erro de direito, pois que considerou como correções aritméticas métodos que não se aceitam como tal. Mais do que isso, o que sucede no presente caso é que a AT diz ter aplicado correções aritméticas, quando de forma clara admite ter recorrido a amostragens aleatórias para diversos fins, nomeadamente para a determinação dos Stocks, volume de vendas, presumido pelo valor contido na base de dados Fast 10, a qual como se viu não permitia chegar a tal conclusão. O próprio informático da AT reconhece que o programa era obsoleto e não permitia um tratamento integrado de dados e embora fosse possível recorrer ás bases de dados das lojas para aferir do valor correto dos stocks, isso não foi efetuado. Serviram-se apenas de uma loja (N. shopping) e da loja outlet.
26ª - Assim, conclui-se que não estavam reunidos os pressupostos de facto e de direito que habilitam a AT a recorrer à avaliação direta, ou seja, à aplicação de correções aritméticas. Mas conclui-se ainda que o procedimento no caso concreto que levou à determinação da matéria coletável foi designada por correções aritméticas mas consistiu, verdadeiramente, na aplicação de métodos presuntivos em tudo idênticos aos aplicáveis em sede de avaliação indireta. Assim sendo, o procedimento seguido pela AT não foi o adequado e o SP foi impedido de exercer as garantias previstas no artigo 91º da LGT e de poder beneficiar da aplicação do prazo de caducidade de três anos, com referência ao IRS de 2008, previsto no artigo 46º, nº1 da LGT.
Pelo que, as liquidações impugnadas enfermam de vício de forma e de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, e devem, por isso, ser anuladas.
27ª Esta conclusão decorre ainda, da consideração dos vícios procedimentais do processo de inspeção. A prorrogação do prazo para a conclusão da inspeção é ilegal, por não ter fundamentação legalmente admissível, tendo em conta que o SP se encontrava em acompanhamento permanente (PNAIT) desde 2002. Foi ainda ilegal por ser violadora dos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da boa-fé. Tal circunstância consubstancia um vício de forma por falta de fundamentação do despacho de prorrogação e um vício de violação de lei, por violação do disposto no artigo 39º, nºs 1 e 2, do disposto no artigo 5º do RCPIT e, ainda, do disposto nos artigos 8º e 46º da LGT, e, consequentemente, tem efeito invalidante sobre todo o processado subsequente, incluindo, naturalmente, o Relatório Final que serve de suporte às liquidações ora impugnadas, devendo estas ser anuladas. Ou, se assim não se entender, terá pelo menos como consequência a suspensão do prazo de caducidade.
28ª - Assim, no que respeita ao ano de 2008, as liquidações de imposto, juros compensatórios e respetiva demonstração, foram notificadas aos contribuintes já depois dos três anos previstos na lei – artigo 45º, nº 2 da LGT. Assim, quanto às liquidações de imposto e juros referentes ao ano de 2008 verifica-se a caducidade da mesma, por ter decorrido o prazo de três anos previsto na lei.
29ª - Ora, se o sistema informático não era fiável, em caso de dúvida sobre a determinação correta e objetiva da matéria coletável, não estavam reunidos os pressupostos de facto e de direito que habilitam a AT a recorrer à avaliação direta, ou seja, à aplicação de correções aritméticas. Dir-se-á que, perante as insuficiências de funcionamento do programa, não se percebe como pode a AT considerar a informação processada como inteiramente fidedigna, na parte que lhe interessava. Ao concluir como concluiu no Relatório entrou em contradição com o que o próprio perito informático indicado pela AT afirmou no Tribunal, tendo mesmo afirmado que tudo o que analisou (entenda-se, as duas bases de dados em discussão) lhe ofereceu dúvidas e que nenhuma das informações se afigurava como “fidedigna”.
30ª - A própria Inspetora que acompanhou o processo e o Perito informático ouvidos pelo Tribunal, admitiram falhas, erros e incorreções do programa, além do que admitiu que fez análise parcial, seletiva, por dias, meses, artigos e lojas para concluir a sua análise. A ser assim, forçoso é concluir que a AT não procedeu verdadeiramente a correções meramente aritméticas, como alega no Relatório.
31ª - As liquidações aqui impugnadas devem ser anuladas por padecerem de vício de forma, decorrente da violação das regras do procedimento de inspeção, dos quais se extrai a caducidade do procedimento, com as consequências legais; Ou, se assim não se entender, conclui-se pela suspensão do prazo de caducidade, o que atendendo ao disposto no artigo 45º, nº 2, resulta na caducidade da liquidação de IRS com referência ao ano de 2008, por decurso do prazo de três anos legalmente previsto e aplicável ao caso concreto, como desenvolvidamente se expõe nos artigos 85º a 97º destas alegações, que se dão por reproduzidos.
32ª – Como se deixou supra exposto, nos artigos 98 a 132º destas alegações, a sentença recorrida incorreu, ainda, em manifesto erro de apreciação da matéria de direito em discussão nos presentes autos, por ter valorizado apenas a matéria vertida em parte do Relatório da inspeção e apreciado erroneamente a prova testemunhal produzida nos autos, concluindo que a AT determinou a matéria coletável por recurso a correções meramente aritméticas. E incorreu neste erro mesmo face aos depoimentos transcritos nas presentes alegações que revelam precisamente o contrário, ou seja, que a matéria coletável apurada assenta em amostragens aleatórias, aplicação de margens presumidas e análise parcial da informação contida no sistema informático do SP, tendo considerado apenas como válida uma das bases de dados fornecidas pelo SP, quando o próprio Inspetor, perito informático da AT, veio agora reconhecer em sede acareação que o programa era antigo, obsoleto, dos anos 90, continha diversas informações e que não permitia tratamento integrado de dados. Ora, sendo assim não pode considerar-se como válida apenas uma das bases de dados fornecida, quando o SP tinha e tem várias lojas e precisa, por isso, mesmo de controlar todos os movimentos ocorridos e operar as correções dos erros que venham a constatar-se. Os dois informáticos, em sede de acareação, reconheceram que o programa gerava erros. Logo a conclusão da AT e do M. Juiz, vertidas no relatório e na Sentença recorrida, de considerar a base de dados Fast 10 como verdadeira não tem sustentação. Cabia à AT provar que assim é e não alcançou tal demonstração.
33ª – Por fim, no próprio Relatório consta claramente que a a AT “em resultado de tais indícios, foram presumidas vendas não contabilizadas, com o consequente impacto em sede de imposto sobre o rendimento e de imposto sobre o consumo” (vd. arts. 98º a 109º destas alegações). Acresce que, a AT afirma não ter detetado falhas nas compras, nem nos stocks mas apenas nas vendas sem demonstrar de forma cabal como chega, então, aos valores brutais de vendas que determina por presunção.
34ª – Por último, as liquidações impugnadas terão ainda de ser anuladas, porquanto padecem dos vícios de forma, por fundamentação incongruente e insuficiente o que equivale a falta de fundamentação; violação de lei por erro manifesto sobre os pressupostos de facto e de direito, que determinaram a prática dos atos tributários, consubstanciados nas liquidações em crise, e ainda, violação de lei por violação do disposto nos normativos legais de referência supra enunciados, e dos princípios da legalidade, imparcialidade, da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, entre outros, como vem invocado na presente PI.
35ª - Por tudo isto, forçoso é concluir, ainda pela manifesta inconstitucionalidade subjacente à aplicação abusiva e ilegal por parte da Administração Tributária, dos preceitos jurídico-fiscais em vigor. Ora, por tudo o que se deixa vertido na presente impugnação, de todos os documentos de prova e pareceres técnicos apresentados e pelas manifestas contradições e insuficiências do Relatório Fundamentador, não resta dúvida que as liquidações de imposto, ora impugnadas, são totalmente ilegais e injustas, pelo que se impõe a sua anulação. No mínimo, face à prova produzida, numa situação de dúvida, por força do disposto no artigo 100.º do CPPT, esta tem de ser valorada a favor dos impugnantes.
36ª - Nesta conformidade, deve ser revogada sentença recorrida, por manifesto erro de julgamento quanto á matéria de facto e de direito, e as liquidações impugnadas padecem de vício de forma por violação manifesta das regras procedimentais previstas na lei para a determinação da matéria coletável, nomeadamente por violação das regras do RCPIT quanto à prorrogação do prazo de inspeção; por falta de fundamentação adequada para as alegadas “correções aritméticas” que mais não são que presunções e métodos indiretos; em consequência, padecem, ainda, de vício de forma por violação das garantias procedimentais previstas no artigo 91º da LGT, porquanto, sob a alegação de estarem a aplicar correções meramente aritméticas, na verdade o que as Técnicas da IT fizeram foi aplicar critérios e métodos subjetivos e assentes em presunções para chegarem aos valores que fixaram; nesse sentido a fundamentação contida no Relatório da IT tem de considerar-se incongruente e contraditória o que equivale a vício de forma por falta de fundamentação. As liquidações impugnadas padecem, ainda de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e de direito contidos no artigo 65º, nº4 do CIRS. As liquidações impugnadas padecem, ainda, do vício de violação de lei e de inconstitucionalidade por violação manifesta e ostensiva dos princípios da verdade material, da justiça e da proporcionalidade e da proibição dom excesso, decorrentes do disposto nos artigos 13º, 103º e 266º da CRP, artigo 55º da LGT e artigo 6º do RCPIT.
Pelo que deve ser revogada a sentença recorrida e anulados os atos tributários impugnados.
37ª - A Sentença recorrida ao confirmar os atos impugnados e aceitar como legais os procedimentos que conduziram às liquidações de imposto emitidas pela Administração Tributária, e ao sufragar as Conclusões de um Relatório Fundamentador manifestamente ilegais, com base no qual ordenou a emissão das respetivas liquidações de imposto, incorreu em manifesto erro de apreciação e aplicação do direito, pelo que deve ser revogada e em consequência devem ser anulados os atos tributários impugnados, por ilegais, como é de inteira justiça., com todas as consequências legais.
Nestes termos e nos mais de direito, com o douto suprimento deste Tribunal, se Requer a V.ªs. Exas. considerem o presente recurso procedente, seja revogada a sentença recorrida e ordenada a anulação das liquidações oficiosas de IRS ora impugnadas, referentes aos anos de 2008, 2009 e 2010, bem assim como dos respetivos juros,
Como é de inteira Justiça. (…)”

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso mantendo a sentença recorrida.

Atento à natureza prioritária do processo, à existência do mesmo em suporte informático, e à conjuntura atual de pandemia, dispensa-se de vistos, nos termos do art.º 657.º, n. º4, do Código de Processo Civil, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
As questões suscitadas pelos Recorrentes, são delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões (nos termos dos artigos 660º, nº 2, 684º, nº s 3 e 4, actuais 608, nº 2, 635º, nº 4 e 5 todos do CPC “ex vi” artigo 2º, alínea e) e artigo 281º do CPPT), sendo as de saber se a sentença recorrida incorreu erro de julgamento da matéria de facto e de direito ao considerar que estavam reunidos os pressupostos de facto e de direito que habilitam a Administração Tributária a recorrer à avaliação direta, ou seja, à aplicação de correções aritmética; caducidade da liquidação de IVA de 2008; violação de lei por erro manifesto sobre os pressupostos de facto e de direito, que determinaram a prática dos atos tributários, consubstanciados nas liquidações em crise, e ainda, violação de lei, e dos princípios jurídico constitucionais verdade material, da justiça e da proporcionalidade e da proibição dom excesso, decorrentes do disposto nos artigos 13º, 103º e 266º da CRP, artigo 55º da LGT e artigo 6º do RCPIT.

3. JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
A) O Impugnante encontra-se registado, desde 15/01/1987, para o exercício da atividade de comércio a retalho de calçado (CAE 47721), apurando a sua matéria tributável em sede de IRS segundo o regime da contabilidade organizada – cfr. fls. 39 do processo administrativo (PA) apenso aos autos.
B) A coberto das ordens de serviço n.os OI201004491 e OI201103701, foram os ora Impugnantes objeto de uma ação inspetiva externa levada a cabo pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças (...), de âmbito geral (IRS e IVA) e com incidência sobre os anos de 2008, 2009 e 2010 – cfr. fls. 38 e 39 do PA apenso aos autos.
C) A ação inspetiva credenciada pela ordem de serviço n.º OI201004491 (2008) iniciou-se com a assinatura da ordem de serviço em 15/03/2011 e em 01/09/2011 o sujeito passivo foi notificado da ampliação do prazo do procedimento de inspeção por mais 3 meses – cfr. fls. 38 do PA apenso aos autos e fls. 73 do processo físico, cujo teor se dá por reproduzido.
D) A ação inspetiva credenciada pela ordem de serviço n.º OI201103701 (2009 e 2010) iniciou-se com a assinatura da ordem de serviço em 01/09/2011 – cfr. fls. 38 do PA apenso aos autos.
E) Na sequência da inspeção acima mencionada, a Autoridade Tributária procedeu a correções de natureza meramente aritmética, além do mais, à matéria tributável de IRS dos anos de 2008, 2009 e 2010, no valor de € 268 735,46, € 277 414,25 e € 276 481,64, respetivamente – cfr. relatório de inspeção inserto a fls. 33 a 66 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
F) As correções mencionadas na alínea antecedente apresentam a seguinte fundamentação (cfr. fls. 33 a 66 do PA apenso aos autos):
“(…)
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
III-1. ANÁLISE PRELIMINAR
III-1.1. SITUAÇÃO CADASTRAL E DECLARATIVA
(…)
Do descrito, verifica-se que os rendimentos declarados pelo agregado familiar, os quais derivam quase exclusivamente da actividade exercida pelo sujeito passivo A, não se mostram coerentes com as despesas e aplicações efectuadas pelo mesmo (conhecidas através do Anexo H) ainda mais tendo em conta que, prioritariamente, o agregado familiar terá incorrido em despesas correntes de alimentação, vestuário, transportes, etc.
III-1.2. DESCRIÇÃO DA ACTIVIDADE EXERCIDA PELO SUJEITO PASSIVO A
(…)
Os registos da actividade exercida são efectuados da seguinte forma, conforme informação dada pelo próprio sujeito passivo e pelo técnico de contas, J., NIF (...):
• As compras são entregues no Armazém, a partir do qual se distribui os artigos pelas várias lojas;
• As entradas de stocks (Compras) são efectuadas no computador de cada loja, não havendo informação conjunta dos stocks de artigos, isto é, não existe Inventário Permanente. O Controlo de stocks (inventário) é efectuado com recurso à inventariação física;
• Os registos das compras na contabilidade (em valor) são efectuados com base nas facturas emitidas pelos fornecedores;
• As vendas são registadas no computador de cada loja, sendo emitido o respectivo talão a entregar ao cliente. Não se encontram arquivados os duplicados dos talões emitidos devido alegadamente, a dificuldades de armazenamento, uma vez que são numerosos;
• Diariamente, é impresso e arquivado um “Resumo tipo Z” relativo a cada loja, com a informação das vendas diárias. Este documento tem por função para além de controlo dos valores em Caixa, servir de suporte ao preenchimento do Mapa Mensal (Resumo) das Vendas, efectuado manualmente por agregação dos “Z” de todas as lojas;
• Este Mapa-resumo mensal das Vendas efectuadas serve de documento de suporte ao registo contabilístico das vendas e do IVA liquidado;
• O cliente paga através de cartão (de crédito ou Multibanco) ou através de cheque ou em dinheiro, sendo nestes casos efectuado o depósito dos valores.
• Quanto à política de preços aplicada, o sujeito passivo declara que para a marcação de preços é aplicado o coeficiente de 1,2 sobre o preço de custo (a que corresponde uma margem bruta de 54,5% sobre a venda).
Verifica-se, assim, que os procedimentos adoptados para o registo contabilístico das operações de venda são susceptíveis de originar erros porquanto sendo os documentos de suporte aos registos de vendas constituídos por mapas elaborados manualmente em Excel, em detrimento de outros emitidos directamente do programa informático, não se encontram disponíveis os elementos necessários ao controlo e validação das tarefas executadas, nomeadamente:
• Os duplicados dos talões de venda emitidos não se encontram arquivados, não permitindo verificar a sua conformidade com as listagens “Tipo Z”;
• Face ao volume de movimentos de artigos assim como à multiplicidade de referências, a inexistência de um controlo informático de artigos para comparação com as contagens físicas realizadas não permite um controlo efectivo dos movimentos de artigos.

III-1.3. ANÁLISE ECONÓMICO-FINANCEIRA
Da análise aos valores registados na contabilidade do sujeito passivo (os quais estão em conformidade com os valores inscritos nas declarações fiscais entregues, verifica - se que:
• O volume de negócios declarado pela empresa tem vindo a aumentar, sendo esse aumento de 4,7% em 2008, 7,19% em 2009 e 4,5% em 2010;

• O custo das mercadorias vendidas também tem aumentado, 9,45% de 2007 para 2008 (mais do dobro do Volume de Negócios), 7,17% em 2009 e 3,3% em 2010;
• A margem bruta sobre as vendas de mercadorias é de 36,94%, em 2008, 36,51% em 2009 e 37% em 2010;
• Os Fornecimentos e Serviços Externos mantiveram-se estáveis de 2006 para 2007 e 2008, aumentaram 6% em 2009 e 3% em 2010;
• Os custos com pessoal aumentaram 9% de 2007 para 2008, mantiveram-se estáveis em 2009 e aumentaram novamente 15% em 2010;
• As existências finais de mercadorias têm aumentado continuamente: em 2008 passaram de 580.300,00 € para 720.038,11 €, um aumento de 24%; em 2009 aumentaram 2,49% e em 2010, 7,2%.
• A duração média de existências de mercadorias (em meses) é de 6,82 em 2008, 7,09 em 2009 e 7,18 em 2010;
• Os Resultados Líquidos do Exercício que já haviam sido negativos em 2004 e 2006, voltam a ser negativos em 2008. Em 2009 e 2010, os Resultados Líquidos foram positivos, embora de pequeno montante.
Conforme se verifica pelo quadro seguinte, nos últimos 8 anos, os resultados positivos são apenas suficientes para absorver os prejuízos apurados, não havendo criação de valor nem tributação efectiva em sede de Imposto sobre o Rendimento:

• A Rentabilidade Fiscal das Vendas do sujeito passivo é de -0,39% (negativa), em 2008, 1,49% em 2009 e 0,69% em 2010.
Em resumo, verifica-se que o aumento do volume de negócios não é coerente com o aumento dos custos registados na contabilidade:
• No ano de 2008, o custo das vendas aumenta mais do dobro do volume de negócios;
• Os Custos com pessoal não variam na mesma proporção do Volume de Negócios;
• As existências finais de mercadorias têm aumentado, em especial, no ano de 2008, concretizando-se, assim, numa duração média de existências de 7 meses (período correspondente a duas colecções).

III-2. ANÁLISE DE CONFORMIDADE
III-2.1. MARGEM
O sujeito passivo tem vindo a fazer parte do leque de entidades que são alvo de controlo das obrigações declarativas no âmbito do Acompanhamento Permanente. Neste âmbito e com base no Despacho n.º DI200809626, no dia 17 de Junho de 2009, os serviços de inspecção tributária deslocaram-se a duas das lojas do sujeito passivo (N. shopping e Outlet de (...)) e recolheram os preços de venda ao público dos artigos relacionados em Anexo 1 que se encontravam expostos.
Através do Ofício n.º 44503/0505 de 23 de Junho de 2009, foram solicitadas cópias das facturas de aquisição dos referidos artigos. Com base nestas informações, calculou-se uma margem sobre o preço de venda, por loja de:
• Loja do N. shopping - 48,2%;
• Loja do Outlet - 15,8%.
A loja do N. shopping contribui em 30% para as vendas totais e a loja do Outlet em 10%. Se calcularmos uma média ponderada das lojas, obtém-se uma margem de 40% sobre a venda, o que é superior à margem declarada pelo sujeito passivo em 2009 (36,51%). 48,2% * 0,75 + 15,8% * 0,25 = 40,1%

III-2.2. INVENTÁRIOS
(…) Da análise efectuada não se detectou a existência de divergências/irregularidades que possam constituir indícios válidos de que tenha sido efectuada uma errónea valorização dos inventários.

III-2.3. COMPRAS
(…) não se detectaram indícios da existência de omissões ou inexactidões relevantes ao nível das compras registadas na contabilidade.

III-2.4. VENDAS
III-2.4.1. REGISTOS CONTABILÍSTICOS VERSUS DOCUMENTOS DE SUPORTE
Dado que os duplicados dos talões referentes às vendas realizadas não se encontram arquivados, o sujeito passivo disponibilizou listagens de vendas, elaboradas pelo seu técnico informático, relativas aos dias 2 e 29 de Janeiro, 10 de Julho e 5 e 31 de Dezembro de 2008, de acordo com a nossa solicitação.
(…)
Considerando que a listagem informática agora fornecida não contém mais do que as informações constantes dos Resumos “Tipo Z” emitidos e arquivados que serviram de suporte aos Mapas-Resumos Mensais, alargamos o período de análise aos restantes dias dos meses de Janeiro, Julho e Dezembro de 2008 e comparamos os Resumos tipo “Z” arquivados com o próprio Mapa-Resumo Mensal a que os mesmos deram origem (o qual serve de suporte aos registos contabilísticos), detectando-se as seguintes incoerências:
(…)
Do descrito, conclui-se que a contabilidade do sujeito passivo evidencia irregularidades:
• Não se encontram arquivados os duplicados dos talões de venda, o que não permite a validação dos Resumos “Tipo Z”;
• Foram emitidos (informaticamente) e arquivados na contabilidade Resumos “Tipo Z” referentes ao mesmo dia mas com indicação de vendas diferentes. São exemplos os “Z” referentes aos dias 7 de Janeiro e 5 de Dezembro de 2008;
Foram emitidos (informaticamente) e arquivados na contabilidade Resumos de Vendas (tipo “Z”) que foram consideradas na contabilidade por um valor divergente.
Tendo-se confrontado o sujeito passivo com as divergências detectadas, este declarou que as mesmas são consequência de erros cometidos pelo pessoal encarregue das tarefas de emissão e organização dos documentos. Não forneceu, contudo, quaisquer elementos ou informações acerca da duplicidade de documentos, isto é, a existência de dois “Z” da mesma loja para o mesmo dia.
III-2.4.2. MOVIMENTOS FINANCEIROS
Para analisar os registos financeiros do sujeito passivo, relativamente aos meses selecionados compararam-se as vendas registadas com os movimentos expressos nos extractos bancários (TPA e depósitos), elaborando-se o seguinte quadro:

Para uma análise mais aprofundada dos movimentos financeiros, solicitaram-se os talões comprovativos dos pagamentos por cartão (talões multibanco) dos dias 2 e 29 de Janeiro, 10 de Julho e 5 e 31 de Dezembro de 2008 da Loja do N. shopping e compararam-se os mesmos com as listagens informáticas das vendas diárias fornecidas pelo sujeito passivo.
Da análise efectuada, detectou-se a existência de talões de Multibanco arquivados sem que nesse mesmo dia se identifique um talão de venda de igual montante que lhe possa ser associado. Estes montantes, recebidos a título de vendas (e que se relacionam, por dia, no quadro seguinte), constituem um indício efectivo de que foram realizadas vendas, cujo registo foi omitido na contabilidade:
(…)
III-3. ANÁLISE DO SISTEMA INFORMÁTICO DO SUJEITO PASSIVO
III-3.1. ELEMENTOS RECOLHIDOS
Face às incoerências detectadas nos procedimentos efectuados, foi solicitada a intervenção da DAPIT para recolha do sistema informático do sujeito passivo. Esta intervenção veio a realizar-se no âmbito dos Despachos n.ºs OI201101765/6 tendo-se efectuado cópias dos ficheiros considerados fiscalmente relevantes contidos no computador servidor (identificado na rede como servidor.A..pt) presente no Armazém da empresa, bem como os presentes no computador utilizado para emissão da facturação da loja do N. shopping.
Analisados os ficheiros recolhidos verificámos que a empresa utilizava para facturação o software FAST-II (produzido pela softwarehouse Microdigital). Constatamos ainda que o denominado software utilizava como repositório de dados, ficheiros de dados do tipo dBase (extensão dbf).
Uma análise à globalidade dos ficheiros copiados revelou que eram relevantes para a nossa análise os contidos nos seguintes directórios:
• Localizados no computador “servidor.A..pt” do Armazém:
D:\FAST2\
D:\fast10\
• Localizados no computador da loja do N. shopping:
C:\FAST2\
No seguimento de instruções dadas pelo técnico informático no momento da cópia e posteriormente pela confrontação como os elementos declarados pelo sujeito passivo confirmamos que os ficheiros localizados na pasta FAST2 do computador servidor (Armazém) constituem a base de dados que agrupa a informação de todas as lojas.
Os ficheiros contidos nessa pasta revelaram possuir os dados de facturação mais recentes e mostraram-se consistentes com os elementos contabilísticos. Podemos então considerar que os ficheiros contidos na pasta FAST2 constituem a base de dados activa e aquela que serve de suporte aos registos contabilísticos de venda.
Contudo uma análise pormenorizada das principais tabelas da facturação, designadamente as linhas de detalhe (FTDLN) e cabeçalhos dos documentos (FTDOC), revelou fortes indícios de que os registos se encontram manipulados.
Os indícios mais relevantes são:
• Falhas na numeração dos documentos
A análise à sequência numérica de cada uma das lojas revelou falhas na numeração. A título meramente exemplificativo podemos referir que não se encontram presentes os talões de venda do dia 2008.04.24 com a numeração 14468 a 14470 da série A (loja Antas).
• Falhas na numeração das linhas das facturas
Analisando o campo SEQ da tabela FTDLN, cujo conteúdo consiste na numeração das linhas de cada documento, constatou-se que diversos documentos apresentavam falhas na numeração. Um exemplo da situação descrita pode ser observado no documento 70345 da série N (loja N. shopping). Associado a esse documento, na tabela FTDLN, apenas existe uma linha que apresenta o número 6, o que indicia que o documento originalmente possuía no mínimo 6 linhas e posteriormente as 5 primeiras foram eliminadas.
• Linhas marcadas como eliminadas
Neste tipo de ficheiros de dados (dBase) quando é dada uma instrução de eliminação de registos ela não é executada em termos físicos, ou seja, o registo não desaparece, é antes marcado como se tratando de um registo eliminado. Só quando é dada a instrução PACK ao ficheiro é que esses registos desaparecem fisicamente.
Com recurso a aplicações de auditoria informática (neste caso foi utilizado o ACL) é possível verificar se existem registos marcados como eliminados, mas que ainda não o foram fisicamente. Constatou-se então que o ficheiro de linhas dos documentos (FTDLN) possui um número muito elevado de registos que se encontram na situação descrita. A titulo exemplificativo apresentamos a forma como está armazenado o documento 82885 da série N, datado de 2009.07.11.

Os registos que possuem um * (asterisco) no campo RECORD_DELETED (criado pelo ACL) são registos que se encontram marcados como eliminados. Constata-se que o documento possuía duas linhas e que posteriormente ambas foram eliminadas, embora em termos físicos não tenham desaparecido do ficheiro. Posteriormente o documento apenas ficou com a linha da posição 2 (ver campo SEQ). Através deste exemplo conseguimos constatar que o documento em causa, por via da eliminação efectuada, apresenta uma falha na sequência numérica.
• Número muito elevado de anulações de artigos vendidos
É ainda indiciador de manipulação de registos o número bastante elevado de anulações de artigos vendidos, que num número significativo de documentos, coloca o total da venda a zero.
Em face dos indícios detectados não nos restam dúvidas que os registos foram objecto de manipulação de forma a diminuir os valores de vendas contabilizados e inerentemente os valores declarados à Administração Fiscal.
E caso alguma dúvida persistisse, ela fica completamente dissipada pela comparação entre a base de dados activa (presente no directório D: \FAST2) e a base de dados presente no directório D:fast10\ do servidor. Constatamos que se trata de uma base de dados com a mesma estrutura que a presente em FAST2, sem contudo ter os dados mais recentes. O que nos leva a crer que se trata de uma cópia de segurança da base de dados activa.
Uma análise pormenorizada dos ficheiros presentes em fast10 revelou que os
documentos apresentavam os mesmos valores e detalhes que os contidos em FAST2, no que respeita aos documentos que não apresentam indícios de manipulação. Este dado conjugado com o facto de os documentos que em FAST2 apresentam as situações indiciadoras de manipulação atrás enunciadas, em fast10 se encontrarem plenamente consistentes, sem qualquer falha, demonstra de forma inequívoca que se trata de uma cópia de segurança dos documentos de venda antes da realização de qualquer manipulação.
A fiabilidade da base de dados armazenada em fast10 torna-se inquestionável através da comparação dos dados nela presentes com os que foram objecto de cópia na loja do N. shopping (armazenada na pasta C:\FAST2\ do computador presente na loja).
Na realidade os dados aí copiados demonstraram ser iguais aos presentes em fast10 (relativos à série N), e portanto bastante superiores aos contidos em D: \FAST2\ do computador servidor.
(…)
III-3.2. COMPARAÇÃO DAS BASES DE DADOS
Face ao apurado no ponto anterior, efectua-se uma comparação entre o valor das vendas em ambas as bases de dados, verificando-se que o valor das mesmas na base de dados de segurança (Fast10) é superior ao valor constante na base de dados activa, o que corrobora o indício já anteriormente referido, ao longo do Capítulo III-2, de que foram realizadas vendas cujo registo na contabilidade foi omitido.

(…) para analisar de forma pormenorizada as divergências apuradas entre ambas as bases de dados, restringimos a informação à loja do N. shopping e aos dias já mencionados, verificando-se a existência de divergências nos talões relacionados no quadro seguinte:


Da confrontação entre os valores constantes em ambas as bases de dados com o meio de pagamento utilizado, verifica-se que os talões modificados correspondem na sua maioria a pagamentos em dinheiro.
No entanto, sempre que correspondem a pagamentos com cartão é possível verificar que o valor pago está em conformidade com os registos da base de dados de segurança (Fast10) o que, por um lado, valida a informação constante desta base de dados e por outro demonstra que os registos constantes da base de dados activa (Fast2) foram manipulados.
Esta informação é ainda validada através dos recebimentos de clientes consubstanciados através dos Talões Multibanco arquivados na contabilidade (relacionados no ponto III.2.4.2) cujo registo das vendas não foi efectuado na contabilidade.
(…)
III-3.3. RESUMO
Na análise efectuada ao sistema informático do sujeito passivo e na sequência do descrito nos pontos anteriores, verificou-se que o sujeito passivo manipulou os registos da Base de Dados de suporte aos registos contabilísticos (Fast2), isto é:
• Foram eliminados documentos de venda (talões);
• Foram eliminadas e alteradas linhas de documentos de venda (Talões) quer ao nível da quantidade e do próprio artigo quer ao nível do valor da venda.
Da comparação entre os talões originais constantes da Base de Dados de Segurança (Fast10) e os talões manipulados constantes da Base de Dados Activa (Fast2) apuram-se as seguintes divergências ao nível do valor das vendas (IVA incluído):


III-4. CONCLUSÃO
Nos procedimentos inspectivos realizados e conforme se infere pelo descrito nos capítulos anteriores, verificou-se falta de condições para validar as vendas declaradas, traduzidas por:
• Falta de arquivo das cópias dos talões relativos às vendas realizadas;
• Irregularidades nos documentos de suporte aos registos contabilísticos (Resumos tipo “Z”):
◦ Foram emitidos (informaticamente) e arquivados na contabilidade Resumos de
Vendas “Tipo Z” referentes ao mesmo dia mas com indicação de vendas diferentes;
◦ Foram emitidos (informaticamente) e arquivados na contabilidade Resumos de
Vendas (tipo “Z”) com indicação de vendas que foram consideradas na contabilidade por um valor divergente;
• Recebimentos de Clientes (comprovados através de talões multibanco) cuja venda correspondente não foi registada na contabilidade;
• A Base de dados do sujeito passivo que dá suporte aos registos contabilísticos (B. D. Activa-Fast2) foi manipulada, isto é:
◦ Foram eliminados documentos de venda (Talões);
◦ Foram eliminadas e alteradas linhas de documentos de venda quer ao nível da quantidade e referência do artigo quer ao nível do valor da venda;
◦ Possui conjuntos de dados (linhas) marcados como “eliminados”, cuja informação é possível aceder informaticamente e verificar que está de acordo com a que consta da Base de Dados de Segurança (Fast10).
Considerando que o sujeito Passivo possui uma outra Base de Dados (B. D. de Segurança - Fast 10), cujos registos são passíveis de validar pelos testes efectuados:
◦ A informação é consistente e credível, nomeadamente, não evidencia falhas na numeração de documentos ou nas próprias linhas dos documentos;
◦ Os dados constantes desta base de dados estão em conformidade com os dados constantes da base de dados situada na loja do N. shopping;
◦ Os dados constantes desta Base de Dados estão em conformidade com os pagamentos efectuados pelos clientes através de cartão.
Assim, da análise das duas Bases de Dados, é possível apurar que:
• Os dados constantes da Base de Dados Activa (Fast2) foram manipulados o que tem como consequência a manipulação dos próprios registos contabilísticos das vendas;
O valor das vendas omisso à contabilidade em consequência da manipulação de registos efectuada é dado pela comparação dos registos entre ambas as bases de dados:
registos eliminados e alterados.
Face à omissão de vendas detectada, em 27 de Setembro de 2011, notificou-se o sujeito passivo para identificar eventuais omissões/inexactidões ao nível das componentes do Custo das Vendas (…)
(…)
Da análise da resposta do sujeito passivo, verifica-se a existência de algumas incongruências, isto é:
O sujeito passivo afirma que as devoluções são aceites nas lojas, onde não é emitido qualquer talão (ou Nota de Crédito) referente às mesmas.
No entanto, da análise dos talões “não modificados”, verifica-se a existência de talões com quantidade negativa que se deduz tratar-se de efectivas devoluções. A ser assim, a alegada norma estabelecida pelo sujeito passivo, não está a ser aplicada;
• O sujeito passivo afirma que os artigos devolvidos são enviados para o armazém, não entrando em stock, uma vez que a sua grande parte é artigo com defeito, no entanto, não indica o destino dado aos mesmos, isto é, não apresentou documentos comprovativos de que os mesmos foram destruídos, foram devolvidos a fornecedores, etc.
Acresce o facto da contabilidade do sujeito passivo não reflectir as afirmações do sujeito passivo;
• O sujeito passivo afirma que o artigo restante (sem defeito) é enviado mais tarde para as lojas, no entanto, a ser assim e não tendo sido registada a devolução, o mesmo artigo é vendido duas vezes.
Por outro lado, o alegado pelo sujeito passivo não explica porque uma simples devolução suscita a alteração da Base de Dados de forma diversificada, isto é:
• Em alguns casos, são eliminados Talões na sua totalidade;
• Em outros casos, são simplesmente eliminadas linhas de Talões;
• Em outros casos, são eliminadas linhas de Talões acrescentando -se outras com referências e valores diferentes;
• Ainda em outros casos, são acrescentadas linhas de quantidade negativa.
E principalmente não explica porque não se encontra arquivado na contabilidade qualquer documento que evidencie as alegadas devoluções (nem que fosse manual e meramente descritivo da operação) e, em vez disso, uma simples devolução, constitui motivo para alterar a base de dados informática (o que exige o recurso a um técnico especializado), para modificar o documento anteriormente emitido (Talão de Venda entregue ao cliente) e as consequentes listagens (listagens tipo “Z”), arquivando-as na contabilidade como sendo verdadeiras. Isto conduz à elaboração de uma contabilidade com inexactidões e omissões (diferente da que seria elaborada com base nos documentos efectivamente emitidos e entregues aos clientes).
Consequentemente, a resposta do sujeito passivo carece de consistência e de comprovação, não trazendo novos elementos que permitam alterar os factos apurados nos procedimentos inspectivos realizados, no que respeita à omissão de vendas e não apresentou, apesar de para isso ter sido notificado, qualquer elemento indicativo de que foram praticadas outras omissões ou inexactidões ao nível das componentes do Custo das Mercadorias Vendidas.
Assim, conclui-se que:
• O sujeito passivo regista as vendas, no computador de cada loja, emitindo o respectivo Talão de venda ao cliente;
• As vendas registadas são transferidas para o computador situado na sede, onde constam de duas Bases de Dados: Base de dados de Segurança (Fast10) e Base de Dados
Activa (Fast2);
• Os registos da Base de Dados Activa (Fast2) foram alvo de manipulação, através da eliminação e alteração de registos, vindo posteriormente a servir de suporte aos registos contabilísticos do sujeito passivo;
• Não tendo sido apuradas outras omissões ou inexactidões, foram omitidas à contabilidade (e consequentemente não foram declaradas) as vendas correspondentes às diferenças apuradas através da comparação dos talões de venda em ambas as Bases de Dados.
(…).”
G) Os Impugnantes foram notificados do relatório final de inspeção tributária em 27/12/2011 – cfr. fls. 77 a 82 do PA apenso aos autos.
H) Na sequência das correções efetuadas, a Autoridade Tributária emitiu em nome dos ora Impugnantes, com referência aos anos de 2008, 2009 e 2010, as liquidações adicionais de IRS n. os 2012 5000000485, 2012 5000000709 e 2012 5000001708, nos montantes de € 100 634,98, € 120 401,29 e € 111 956,40, respetivamente, com data limite de pagamento em 15/02/2012 – cfr. fls. 64 a 72 do processo físico.
I) As liquidações mencionadas na alínea antecedente foram recepcionadas pelos aqui Impugnantes em 11/01/2012 – facto admitido por confissão (cfr. art.º 55º da petição inicial).
J) A presente impugnação deu entrada no Serviço de Finanças (...) 2 em 16/04/2012 – cfr. fls. 5 do processo físico.
L) Dá-se por integralmente reproduzido o teor de fls. 74 e 75 processo físico, que correspondem aos esclarecimentos prestados à inspeção tributária pelo Impugnante.
M) Dá-se por integralmente reproduzido o teor de fls. 285 a 296, 298 a 307 e 309 a 336 do processo físico, que correspondem a cópias de guias de transporte e notas de devolução emitidas pelo Impugnante.
N) Dá-se por integralmente reproduzido o teor de fls. 343 a 346 do processo físico, que correspondem aos valores de vendas recolhidos pela “S. S.” em algumas lojas do aqui Impugnante.
Mais se provou que,
O) A atividade do Impugnante foi objeto de acompanhamento permanente pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças (...), designadamente nos anos de 2004, 2007 e 2008 – cfr. fls. 139 e 154 a 156 do processo físico.

2. FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevância para a decisão da causa, não se consideram provados os seguintes factos:
1) As falhas de numeração dos talões de venda são devidas a “erro humano” dos funcionários das lojas do Impugnante.
2) As falhas de numeração das linhas dos talões, a eliminação de linhas e as anulações de artigos vendidos, são devidas: a devoluções de artigos e trocas; ao facto de certos funcionários não conseguirem corrigir/eliminar os seus erros no registo das vendas e ser necessário aguardar pelo momento da conferência do caixa para corrigir a situação; ao próprio modo de funcionamento do programa informático, que assume e regista como venda uma pesquisa efetuada a um “par único”.
3) As diferenças apuradas entre pagamentos efetuados e operações registadas, advêm do registo de vales e sinais aceites pela “empresa” a certos clientes.
4) Os valores corretos são os que se encontram registados na base de dados que serve de suporte à contabilidade (“fast 2”), já que na outra base de dados (“fast 10”) encontram-se todos os registos, muitos dos quais têm de ser posteriormente anulados ou corrigidos, funcionando como um registo de tudo o que sucede nas lojas, de todos os registos, mas não necessariamente vendas.
Para além dos supra referidos, inexistem outros factos não provados, com interesse para a decisão da causa.

Motivação:
A convicção do tribunal quanto aos factos dados como provados, resultou da análise dos documentos juntos aos autos e ao PA apenso, os quais não foram impugnados e, bem assim, da confissão resultante da petição inicial.
Relativamente aos factos não provados, a prova produzida, designadamente a testemunhal, não logrou convencer o tribunal da verificação dos mesmos.
Foram inquiridas como testemunhas J. (técnico oficial de contas do Impugnante), A. (técnico informático do Impugnante), A. (gestor na sociedade “S. S. Portugal”), J. (funcionário do Impugnante), S. (funcionária do Impugnante), C. (economista que presta serviços pontuais ao Impugnante de apoio à gestão e que é o autor do documento n.º 29 junto com a petição inicial [análise ao relatório de inspeção]), G. (inspetora tributária responsável pela elaboração do relatório de inspeção que está na génese das liquidações impugnadas) e P. (inspetor tributário responsável pela auditoria informática efetuada ao Impugnante).
O depoimento de J., técnico oficial de contas do Impugnante, mostrou-se pouco isento, prejudicando a sua credibilidade, pelo que não logrou convencer o tribunal quanto aos factos sob que depôs. Deste depoimento transpareceu, claramente, uma preocupação em defender o Impugnante, seu “patrão”, conforme se infere, por exemplo, da afirmação de que a inspetora tributária vinha com o objetivo de demonstrar que o Sr. A. não podia viver com os rendimentos declarados, tendo orientado a inspeção nesse sentido, ou seja, para defender essa tese. Ficou ainda patente no depoimento um desconforto com as conclusões extraídas pela inspeção tributária, que, segundo a própria testemunha afirmou, o punham em causa enquanto profissional (técnico oficial de contas).
Refira-se, ainda, que não se alcança a razão de ciência desta testemunha para afirmar, como fez, que a base de dados (“fast 2”) possuía o registo de todas as vendas efetuadas, uma vez que o depoente, conforme asseverou, não tinha acesso ao programa de faturação das vendas, sendo-lhe apenas entregues os elementos para efeitos do respetivo registo contabilístico. Sendo certo que, atenta a qualidade profissional em que atuava, seria de exigir a concretização de factos dos quais pudesse retirar tal conclusão, o que não logrou fazer.
Assim sendo, este depoimento mostrou-se pouco credível, razão pela qual não foi valorado positivamente por este tribunal.
O depoimento de A., responsável pelo apoio técnico ao sistema informático do Impugnante, também se mostrou pouco esclarecedor, uma vez que apesar de afirmar que da base de dados “fast 2” constavam os registos corretos das vendas das lojas, referiu desconhecer como foram efetuadas as correções aos supostos erros nos registos informáticos, presumindo, segundo referiu, que foram efetuados com rigor. Assim, ficou patente que esta testemunha desconhecia a forma como foram efetuadas as correções na base de dados “fast 2”, tendo apenas uma convicção de que as mesmas teriam sido efetuadas de forma rigorosa.
Quanto ao mais, este depoimento revelou-se demasiado vago e genérico, perpassando, todavia, a ideia de que o programa informático do Impugnante, instalado em meados da década de 80 do século passado, padecia de inúmeros problemas técnicos, sendo, por isso, pouco fiável e muito permeável a erros.
Por outro lado, o depoimento de A., que conheceu o Impugnante em 1994, altura em que desempenhava as funções de promotor comercial na sociedade “S. S. Portugal”, também se revelou demasiado vago e genérico, uma vez que do negócio em concreto do Impugnante esta testemunha nada sabia. Com efeito, o depoente limitou-se a esclarecer a forma como era apurada a remuneração mensal (montante fixo ou percentagem das vendas) a pagar à “S. S. Portugal” pela utilização de lojas nos centros comerciais e, bem assim, a forma como esta controlava as vendas declaradas pelos seus lojistas, ou seja, através de auditorias efetuadas às lojas, auditorias essas que passavam, apenas, pela observação “in loco” das vendas efetuadas em determinado período temporal. Esta testemunha referiu, ainda, desconhecer a margem de lucro da atividade do Impugnante (uma vez que esta não tinha qualquer relevo para o cálculo da remuneração mensal pela utilização da loja) e os valores de vendas registados na sua contabilidade.
Relativamente ao depoimento de J., funcionário do Impugnante desde 1993 e que, nos períodos em causa, exercia funções no armazém e, pontualmente, nas lojas (para suprir falhas esporádicas de outros funcionários), também este se mostrou pouco preciso e consistente, uma vez que esta testemunha, apesar de trabalhar nas lojas (ainda que esporadicamente), referiu não se recordar do procedimento informático seguido para efetuar trocas de sapatos, sabendo apenas que quando era uma “troca por troca” (v.g. de um número por outro) se fazia “diretamente no computador” e que se fosse “troca por defeito” tinha de ir ao armazém para ser avaliada. Referiu, também, que era a colega de armazém (que, refira-se, não foi arrolada como testemunha) que fazia as correções devidas no programa de faturação. Afirmou, ainda, que as trocas e devoluções mensais eram frequentes, sem, contudo, conseguir precisar um número médio.
O depoimento de S., empregada de balcão na loja do Impugnante no “N. shopping”, também não logrou esclarecer o tribunal quanto à correção dos supostos erros no registo das vendas, uma vez que esta testemunha desconhecia os procedimentos efetuados para esse efeito no armazém, apenas referindo que no computador da loja se faziam devoluções de artigos e que era possível anular linhas de faturas e documentos em caso de erro no registo, resultante de “erro humano” ou do próprio sistema informático, que, por exemplo, assumia como venda uma pesquisa efetuada a um “par único”. Referiu, ainda, que eram frequentes as devoluções de sapatos no “N. shopping”, apontando para 4 a 5 devoluções semanais, sem contar com as devoluções por defeito, que, segundo afirmou, eram menos frequentes.
No que concerne ao depoimento de C., embora se tenha afigurado isento, limitou-se a reproduzir o que consta da análise que efectuou ao relatório de inspeção (documento n.º 29 junto com a petição inicial), nada mais de relevante tendo acrescentado. Grosso modo, discorreu sobre a crise económica de 2008 e sobre as consequências negativas que dela advieram para a atividade do Impugnante, bem como, sobre a margem de lucro apurada, por amostragem, pela inspeção tributária e a sua indevida extrapolação para o ano inteiro.
O mesmo sucedeu com o depoimento da inspetora tributária G., que também se limitou a reproduzir o que consta do seu relatório de inspeção, esclarecendo, porém, que as correções efetuadas não decorreram da margem de lucro sobre as vendas apurada por amostragem, mas sim da análise efetuada ao sistema informático do Impugnante, sendo que a referida margem, assim como a análise económico-financeira da atividade do Impugnante, constituíram meros indícios para a realização da inspeção.
Finalmente, o inspetor tributário P., responsável pela recolha e análise da informação contida no sistema informático do Impugnante, explicou, de uma forma credível, as conclusões que retirou dessa análise, referindo, além do mais, o seguinte:
- na base de dados “fast 2” foram identificados diversos registos marcados como eliminados (que correspondiam a cerca de 15% do total dos talões), registos esses em que o “caixa” (que corresponde ao computador/terminal onde foi efetuada a operação) era diferente (assumindo as designações de “MSDOS01, “MSDOS02” ou “Fátima02”), sendo que nos registos ativos o “caixa” era sempre o mesmo;
- os registos marcados como eliminados na base de dados “fast 2” estavam presentes na base de dados “fast 10”, sendo que esta traduz efetivamente as vendas do Impugnante antes da “manipulação” dos dados;
- a base de dados local do “N. shopping”, em que o utilizador é sempre o mesmo e em que não existem linhas eliminadas, apresenta valores exatamente iguais aos da base de dados “fast 10” para o “N. shopping”;
- 85% dos talões estavam corretos (15% foram considerados “manipulados”), sendo que naqueles foram encontradas milhares de devoluções de artigos (mais de 3000) e também anulações (v.g., por erro humano);
- nas anulações que não apresentavam indícios de manipulação e que foram aceites pela inspeção, na “linha 1” do talão era registada a venda do artigo e na “linha 2” a anulação dessa venda (talão negativo), ao passo que nas situações consideradas como “manipulação” havia uma linha com o registo da venda do artigo e depois uma eliminação dessa linha;
- a quase totalidade das “manipulações” ocorreu nas situações em que o tipo de pagamento era dinheiro (“tipo 1”);
- detetaram-se falhas de numeração em documentos na base de dados “fast 2” (em vários dias e lojas), documentos esses que foram encontrados na base de dados “fast 10”, o que significa que esses documentos existiam nas bases de dados locais das lojas e foram comunicados para o armazém/sede (onde estava a base de dados “fast 10”), ou seja, as transações subjacentes aos documentos cuja numeração não consta da “fast 2” foram finalizadas pelos funcionários das lojas, pois só assim essa informação podia ter sido transferida para a “fast 10”;
- todos os talões na base de dados “fast 10” e na base de dados do “N. shopping” têm um campo designado “impress”, o que quer dizer que foram impressos, indiciando que foram entregues ao respetivo cliente.
Ora, este depoimento, com uma descrição pormenorizada e verosímil dos factos encontrados na auditoria efetuada ao sistema informático do aqui Impugnante, mostrou-se bastante preciso e coerente, mesmo no confronto (resultante de acareação) com o depoimento do técnico informático do Impugnante, pelo que se afigurou muito credível, infirmando os factos alegados pelos Impugnantes, que, assim, foram considerados como não provados..(…)”

3.2. Em síntese, os Recorrentes nas conclusões 1.ª a 15.ª, impugnam a matéria de facto defendendo a alteração dos factos constantes das alíneas E) e F) o aditamento das alíneas G) a M) e ainda quanto aos factos não provados a exclusão das alíneas 1) a 4) e a introdução de uma nova alínea.
Vejamos:
Pese embora nas conclusões não se dê cumprimento pleno ao artigo 640.º do CPC, no entanto, a indicação dos meios de prova e respetiva localização nas gravações encontra-se identificadas nas motivações das alegações, pelo que se considera cumprido minimamente, o ónus que sobre os Recorrentes recaia face aquele normativo.
Os Recorrentes insurgem-se contra a sentença que julgou improcedente a impugnação judicial, alegando erro na apreciação da prova, pelo tribunal recorrido, desde logo, por ter sido considerado como provados e não provados factos que, segundo aqueles, resultam provados por prova produzida nos autos.
Prevê o art.º 607.º, n.º 5 do CPC que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”
Destarte, o juiz em primeira instância, na decisão sobre a matéria de facto, aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
A apreciação e valoração da prova, está sujeita ao princípio da livre apreciação da prova a qual se sustenta em critérios racionais e objetivos, em juízos de deduções e conclusões razoáveis, mas sempre de mera probabilidade conduzindo a um juízo positivo da prova quando, se afigure aceitável à luz de um cidadão medianamente informado e esclarecido, que a realidade por eles indiciada se possa ter como efetivamente ter acontecido.
E pelo princípio da sua imediação, que consiste no contacto direto entre o juiz que decide a ação e as testemunhas que fornecem os elementos de prova que interessam à decisão.
O contacto direto, entre o juiz e a testemunha, permite àquele captar uma série relevante de elementos, quer através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento e das reações do inquirido sobre a realidade dos factos.
É jurisprudência pacífica que mesmo com o registo magnético não se conseguem apreender determinadas realidades que só a imediação entre o juiz e a testemunha permite, quando o juiz profere a decisão de acordo com a sua livre convicção, essa convicção foi formada não só com o que lhe foi dito, mas também como foi dito. (Cfr. Acórdãos do STA n.ºs 01188/02 de 18.06.2006 e 109/10 de 12.05.2011).
É, pois, pela fundamentação da sentença que se afere a correção do juízo crítico sobre as provas produzidas.
Assentando a decisão da matéria de facto, no presente caso, na convicção criada no espírito do juiz e baseada na livre apreciação da prova (documental e testemunhal) que foi produzida, a sindicância de tal decisão não pode deixar de respeitar a liberdade da 1ª instância, na respetiva apreciação.
A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas.
Sobre este entendimento do duplo grau de jurisdição, o Tribunal Constitucional de 13.10.2011, pronunciou-se referindo que (...): “A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e factores que não são racionalmente demonstráveis”, de tal modo que a função do Tribunal da 2.ª instância deverá circunscrever-se a “apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1.° grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos(destacado nosso) in Acórdãos do T. C. Vol. 51°, Pag 206 e ss..
Em suma, apenas haverá erro de julgamento de facto quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto.

Baixando ao caso dos autos pretendem os Recorrentes que se dê nova formulação à alínea E) a qual consta o seguinte:
“E) Na sequência da inspeção acima mencionada, a Autoridade Tributária procedeu a correções de natureza meramente aritmética, além do mais, à matéria tributável de IRS dos anos de 2008, 2009 e 2010, no valor de € 268 735,46, € 277 414,25 e € 276 481,64, respetivamente – cfr. relatório de inspeção inserto a fls. 33 a 66 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.”
Pretendem os Recorrentes que se proceda à seguinte redação: Na sequência da inspeção acima mencionada, a Autoridade Tributária fixou matéria tributável de IRS, dos anos de 2008, 2009 e 2010, no valor de €268.735,46, €277.414,25 e €276.481,64, respetivamente.
No entanto, não se pode aderir a alteração pretendida, na medida em que é relevante esclarecer qual a metodologia utilizada pela Administração Fiscal na correção da matéria coletável, bem ou mal aqui não está em questão, sendo essa uma questão que se prende, como melhor infra se verá com a verificação dos pressupostos.
Pretendem ainda os Recorrentes que não seja dado como provada a alínea F), uma vez que se trata da reprodução do relatório de inspeção, e nele consta os métodos utilizados pela inspeção para chegar à matéria coletável que veio a determinar e tal é matéria controversa.
Como se pode ver o ponto da matéria de facto, extrata parte essenciais do relatório de inspeção que fundamentaram e conduziram às correções da matéria coletável e consequente liquidação do IVA. Logo demonstram o percurso cognitivo e valorativo, prosseguido pela Administração Tributária para a prática do ato tributário.
Embora a matéria controversa, seja a metodologia utilizada pela inspeção, estamos no âmbito do processo judicial tributário, onde se apura a legalidade da liquidação do imposto efetuada pela Administração Fiscal.
O Tribunal é confrontado com o ato tributário de liquidação, nomeadamente, com metodologia usada e os seus pressupostos, que no caso estão espelhados no referido relatório de inspeção e que conduziram as liquidações adicionais e ainda com aplicação das leis e sua interpretação.
Se a metodologia é ou não errada, não se prende com o erro de julgamento de facto, mas sim com erro de julgamento de direito, por erro nos pressupostos de facto o que melhor infra se analisará.
Assim, o facto provado na alínea F) é essencial para a decisão, nomeadamente, para a questão de saber se a Administração Fiscal, sobre a capa de correções aritméticas aplicou métodos indiretos ou outro método.
Nesta conformidade, improcede a alteração do referido ponto mantendo-se na sua íntegra.

Os Recorrentes pretendem o aditamento das alíneas G) a M) aos factos provados. Pretendem que se dê por provado que: “G) A razão que determinou a inspeção foi os baixos rendimentos declarados em 2008 pelo SP e os valores declarados no anexo H. Para apuramento da matéria coletável a Inspeção recorreu a indícios, procedeu a amostragens aleatórias quanto à determinação dos stocks, que não verificou, e das vendas determinadas oficiosamente.”
Pese embora a testemunha, G., inspetora que procedeu à inspeção, tenha no seu depoimento referido os baixos rendimentos declarados em 2008 pelos Recorrentes e os valores declarados no anexo H também referiu que esses não foram os motivos relevantes da inspeção.
Antes de mais, importa alertar que estamos perante a inspeção a um sujeito passivo singular, Recorrente marido, que é tributado em sede de IRS, pelo exercício de atividade comercial, a retalho de calçado, e que possui várias lojas no país (essencialmente no Porto e Lisboa) com a designação “A.”.
Como resulta do ponto III do Relatório, na análise cadastral e declarativa, aí consta com efeito que os rendimentos que o agregado familiar tinha vindo a declarar, desde 2003 a 2010, eram baixos e que as despesas incorridas pelos mesmos e constantes do anexo H, não se mostravam coerentes.
E também aí se refere no ponto III da análise de rácios efetuados no Acompanhamento Permanente que detetaram inconsistências/incoerências dos valores declarados, bem como o referiu a testemunha no seu depoimento.
Acresce que a primeira, parte da asserção que os Recorrentes pretendem aditar é conclusiva e parcial e não tem qualquer relevância para a questões a decidir.
Por sua vez, a segunda parte “Para apuramento da matéria coletável a Inspeção recorreu a indícios, procedeu a amostragens aleatórias quanto à determinação dos stocks, que não verificou, e das vendas determinadas oficiosamente. - é um juízo conclusivo, pois esta eivado de opiniões e conclusões e não de factos reais, não suportado em prova documental ou testemunhal.
Pelo que não se procede ao seu aditamento.
Relativamente à alínea H) é, também, uma asserção conclusiva na medida em que, um juízo de facto é um julgamento baseado em análise isenta de valores ou interpretações subjetivas identificando somente aquilo que é visível comprovado ou objetivo.
Tratando-se de um juízo conclusivo não podendo ser aditado aos factos provados.

Relativamente às alíneas I), J) e K) para além de estarem, formuladas em termos conclusivos, não se monstra necessário o seu aditamento, pois a metodologia consta do teor do relatório – ponto III.3.2- do facto F) da matéria provada.
No que concerne às alíneas L), M), N) e M) para além de constar tais asserções no Relatório de Inspeção mostram-se irrelevantes para a decisão da questão de direito, nem mesmo o Recorrente daí retira qualquer conclusão.

Por fim, pretendem os Recorrentes, que se eliminem os factos não provados nas alíneas 1) a 4) e introduzida uma nova alínea com o seguinte conteúdo “Não provado que a base de dados Fast10 corresponde à única base de dados fiável como alegado pela inspeção tributária, porquanto o programa informático, datado dos anos 90, não permitia o tratamento integrado dos dados numa só Base de dados.”
Ora face ao que supra se disse e relativamente, apenas haverá erro de julgamento de facto quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto.
Ouvidos e reapreciados os depoimentos das testemunhas, nada se pode apontar à apreciação e valorização da prova efetuada, pois sustentou-se em critérios racionais e objetivos, em juízos de deduções e conclusões razoáveis, aceitável à luz do princípio da livre apreciação da prova.
Nesta conformidade, e de tudo o que vem dito o julgamento da matéria de facto efetuado pelo tribunal a quo é legítimo face aos parâmetros que supra se disse, pelo que não incorreu em erro de julgamento de facto.
4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. Nas conclusões 17.ª a 26.ª, 29.ª e 30.ª e 32.ª alegam, os Recorrentes, que a sentença recorrida incorreu em erro de apreciação da questão fundamental a decidir, não se tratando de invocar o direito a aplicação de métodos indiretos, o que os impugnantes nunca reclamaram.
O que está em causa, é que no caso concreto, a Administração Tributária alegou ter aplicado correções aritméticas quando, na verdade, os métodos que usou para lá chegar não assentam em meras correções de erros de cálculo ou de qualquer outra natureza, mas sim na aplicação de métodos indiciários, ou indiretos, tais como as amostragens aleatórias e consequentes extrapolações, embora sempre sob a designação de “correções aritméticas”.
Não está, nem nunca esteve, em discussão nos presentes autos a invocação de um direito dos impugnantes senão a um tratamento justo e conforme à lei. O que se colocou à discussão e se submeteu ao conhecimento do Tribunal a quo foi, unicamente, aferir do cumprimento da lei por parte da Administração Tributária na forma como chegou à matéria coletável que fixou oficiosamente por via da Inspeção realizada, sendo essa questão decidenda, a vexata quaestio, que os Recorrentes colocaram à apreciação do tribunal a quo e agora, à deste Tribunal superior.
Alegam que quando o M. Juiz a quo se debruça sobre a questão de saber se existe ou não um direito do SP à aplicação de métodos indiretos incorre num manifesto erro de apreciação da questão fundamental a decidir, a qual se centra, isso sim, nos deveres da Administração Tributária a cumprir nesta sede, na qual se encontra estritamente vinculada à lei, e, nessa medida, obrigada a prosseguir pela determinação da matéria coletável por via direta quando a contabilidade do SP lho permita (demonstrando objetivamente quais os erros de cálculo ou na declaração ocorridos) ou pela via indireta, naqueles casos em que a contabilidade do SP apresente erros ou inexatidões que não permitam chegar à demonstração objetiva dos valores a fixar.
Vejamos:
A questão fulcral nos presentes autos, é a de saber se a determinação da matéria coletável, que deu origem às liquidações de IRS, resultante de prévio procedimento de inspeção tributária, ocorreu por mera correção aritmética, com respeito pelos pressupostos de facto e de direito previstos legalmente para este método de determinação da matéria coletável.
Da leitura e da interpretação atenta do item da sentença denominado “Da aplicação de métodos indiretos em substituição das correções aritméticas” dele decorre que o apuramento da matéria tributável deve ser feito sempre que possível com recurso a métodos diretos através dos elementos da própria contabilidade do sujeito passivo, só podendo recorrer a métodos indiretos quando aquele método direto se mostre de todo inviável, não gozando a Administração Tributária de qualquer margem de discricionariedade relativamente à opção do método.
Tendo a sentença recorrida concluído que estavam preenchidos os pressupostos para a Administração Tributária lançar mão, como lançou, da avaliação direta da matéria tributável, método a que, o legislador fiscal deu clara prevalência no nosso sistema tributário.
E, assim, não se verificando os pressupostos para a avaliação indireta (de impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável), não existia fundamento para o pedido de revisão da matéria tributável, uma vez que, esta faculdade depende da existência de uma avaliação indireta.
Antes de mais, e em abono da verdade, refira-se que a sentença recorrida não incorreu em equívoco, na interpretação da pretensão dos Recorrentes, - ao invocar o direito à aplicação a métodos indiretos, - uma vez, que se focou na metodologia usada pela Administração Tributária (avaliação direta) se respeitava os pressupostos e estava conforme com a lei e como não poderia deixar de ser por oposição à avaliação indireta.
E desde já se diga que a sentença recorrida não nos merece qualquer reparo.
O n.º 1 do art.º 75.º do Lei Geral Tributária (LGT) determina que “Presumem-se verdadeiras de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando este tiverem organizada de acordo com a lei comercial e fiscal.”
Assim, o artigo 75.º da LGT consagra o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, presumindo-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes caso o contribuinte disponha de contabilidade organizada segundo a lei fiscal e comercial.
Esta presunção vincula a Administração Fiscal à realização da liquidação com base nas declarações dos contribuintes, (art.º 59.º do CPPT) sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, ao controlo dos factos declarados.
Essa presunção cessa nomeadamente se essas declarações ou os respetivos dados de suporte apresentarem omissões, erros ou inexatidões ou forem recolhidos indícios fundados de que não refletem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (cf. artigo 75º, nº 2, da LGT).
Nos casos em que, por qualquer das razões previstas na lei, a presunção consagrada no art.º 75º, nº 1 da LGT deixa de funcionar, a Administração Tributária fica legitimada a efetuar a determinação da matéria tributável, com recurso para o efeito e preferencialmente de métodos diretos ou, quando tal não seja possível, a métodos indiretos.
No entanto, a Administração Tributária tem o ónus de demonstrar que o juízo que esteve subjacente à sua atuação corretiva é bem fundado, provando os indícios que o sustentam, demonstrando a factualidade suscetível de abalar a presunção da veracidade das operações registadas na contabilidade do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte.
E como a doutrina e a jurisprudência têm afirmado,actuando a Administração Tributária no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabe-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram a efectuar as correcções técnicas que suportam essa liquidação”. – cf., por todos, acórdão do STA de 28/9/2011, Processo 0494/11.
Refira-se ainda que, como resulta do artigo 81.º, n.º 1 da LGT, regra geral, a matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente, segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a Administração Fiscal proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei.
A preferência pela avaliação direta é, ainda, um imperativo constitucional por ser o método que melhor acautela a tributação pelo lucro real, previsto no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
Por sua vez, o artigo 85.º da LGT prevê que a avaliação indireta é subsidiária da avaliação direta sendo-lhe aplicáveis, sempre que possível e a lei não prescreva em sentido diverso, as regras da tributação direta.
Em consonância, o artigo 32.º do Código do IRS e art.º 57.º, n.º 1 do Código do IRC, a liquidação do imposto com base em presunções ou métodos indiretos efetua-se nos casos e condições previstos nos artigos 87.º a 89.º da LGT.
Daqui resulta que o apuramento da matéria tributável de qualquer imposto deve ser feito, sempre que possível, com recurso a métodos diretos ou correções aritméticas, isto é, pela determinação da matéria coletável através dos elementos da própria contabilidade do sujeito passivo e só pode haver recurso a métodos indiretos quando aquele apuramento direto se mostre de todo inviável, não gozando a Fazenda Pública de qualquer margem de discricionariedade relativamente à opção do método (direto ou indireto) de avaliação da matéria tributável, pois que a fixação da matéria tributável por tais métodos deve revestir a natureza de “ultima ratio fisci” e exigir uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização (cfr., neste sentido, o Acórdão do TCA Sul proferido em 13/03/2014, proc. n.º 07215/13).
Da matéria de facto provada e do relatório de inspeção tributária resulta que os serviços de inspeção tributária concluíram pela omissão de vendas nos anos de 2008, 2009 e 2010 que conduziram a liquidações adicionais de IRS e juros.
As liquidações em causa, nos presentes autos, decorrem de correções que apelidaram de aritméticas efetuadas pela Administração Tributária na sequência de uma ação de inspeção aos dados contidos no programa de faturação do Recorrente, marido, denominado FAST-II (produzido pela Softwarehouse Microdigital) utilizando ficheiros de dados tipo dBase (extensão dbf) utilizado por este para o registo das operações atinentes à sua atividade comercial (comércio de calçado a retalho), que incluía armazém e 9 lojas de venda ao público, no Porto, Coimbra e Lisboa, com a marca “A.”.
Resulta do relatório da inspeção [factos provados na alínea F)], no ponto III.1 foi feita uma análise preliminar abrangendo a situação cadastral e declarativa dos sujeitos passivos, a descrição da atividade exercida pelo Impugnante/Recorrente e a análise económico-financeira dos valores registados na contabilidade. No ponto III.2. procedeu-se a uma análise de conformidade da margem (com base no confronto entre os preços de venda ao público praticados, em 2009, em duas lojas do sujeito passivo e as correspondentes faturas de aquisição), dos inventários (com base no inventário final de 2008 e as vendas realizadas em 02.01.2009, foram selecionadas algumas referências e foi analisada a fatura de aquisição), das compras (compreendendo a análise dos registos contabilísticos e o cruzamento com informação declarada por fornecedores) e, por fim, das vendas, tendo sido detetadas incoerências e irregularidades contabilísticas e financeiras o que conduziu à análise ao sistema informático do sujeito passivo (ponto III.3.), do qual resultaram indícios de manipulação dos registos contidos na base de dados ativa que servia de base à contabilidade (“fast 2”), de forma a diminuir os valores das vendas, tendo, sido considerada credível a informação constante da base de dados de segurança (“fast 10”), apurando o valor das vendas omisso à contabilidade obtido pela comparação entre os registos de ambas as bases de dados. Concluíram que os ficheiros contidos nessa pasta revelam possuir os dados de facturação mais recentes e montante consistentes com a elementos contabilísticos.
Assim, do ficheiro FAST2 contido no disco, copiados desse programa de faturação pelos serviços de inspeção, constataram que os registos das operações de venda inscritos na tabela FAST2 (que suporta os registos contabilísticos) constituem a base de dados ativa não coincide com a FAST 10.
Que os ficheiros da FAST2 apresentam indícios de manipulação e falhas o que não acontece com a FAST10 que se mostra consistente sem qualquer falha.
Perante estes indícios e pela comparação entre a base de dados ativa (D:\Fast 2) e a base de dados no diretório D: \Fast10 do servidor concluíram que está corresponde uma cópia de segurança dos documentos de venda antes da realização qualquer manipulação.
Face a este paradigma, a inspeção comparou o valor das vendas em ambas as bases de dados, tendo concluído que FAST10 é superior ao valor constante na base de dados ativa (FAST2) concluindo que foram realizadas vendas cujo registo na contabilidade foi omitido.
Com efeito, com vista ao enquadramento do sujeito passivo, a Inspeção no relatório procedeu análises económica–financeira, de conformidade e a cálculos de margens, porém estas não foram as razões que levaram às correções aritméticas.
Assim, sendo não nos merece reparo a sentença ao ter decidido que não lhes assistia razão quando invocam a utilização de presunções e de extrapolações, pois a matéria tributável do Impugnante/Recorrentes não foi determinada com base em margens médias. O que esteve na base de todo o percurso conclusivo do relatório, e nas correções à matéria coletável foram determinadas pelas diferenças detetadas entre os valores constantes da base de dados ativa (“fast 2”) e os registos contabilísticos e que foi a alegada manipulação informática da base de dados ativa (“fast 2”), como bem perceberam os Recorrentes e admitiram expressamente na sua petição inicial.
Aqui chegados, importa saber, se a Administração Fiscal logrou provar os pressupostos da sua atuação, ou seja, se os fundamentos vertidos no relatório de inspeção são de molde a suportar a correção que está na origem das liquidações adicionais de IRS sendo que, para tal concluiu no sentido da omissão de vendas.
É pacificamente aceite quer na doutrina, quer na jurisprudência, que compete à Administração Fiscal o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), cabendo, em contrapartida, ao administrado/contribuinte apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, entendimento que corresponde à regra geral artigo 342.º do Código Civil, de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos, regra essa que foi acolhida no artigo 74.º, n.º 1 da LGT.
Importa analisar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar verificados que a Administração Fiscal logrou provar os pressupostos da sua atuação, ou seja, se os fundamentos vertidos no relatório de inspeção são de forma a suportar a correção que está na origem das liquidações adicionais de IRS.
Como bem refere a sentença recorrida, a Administração Fiscal para concluir no sentido da omissão de vendas, ponderou o seguinte:
- Indícios de que os registos efetuados na pasta “fast 2” (localizada no computador do armazém do Impugnante e que constituía a base de dados ativa que servia de suporte ao registo contabilístico das vendas) se encontravam manipulados, em virtude de terem sido encontradas:
· falhas na numeração (na sequência numérica) dos talões de venda, detetadas em diversas lojas;
· falhas na numeração das linhas dos documentos de venda, indiciando que possuíam outras linhas, entretanto eliminadas;
· linhas marcadas como eliminadas (detetadas com recurso a uma aplicação de auditoria informática);
· número elevado de anulações de artigos vendidos (número significativo de documentos em que o total da venda é colocado a zero);
· a base de dados “fast 10” apresenta uma estrutura idêntica à “fast 2”, sem, contudo, ter os dados mais recentes, o que levava a crer que se trata de uma cópia de segurança da base de dados ativa;
· a análise dos ficheiros presentes em “fast 10” revelou que os documentos apresentavam os mesmos valores e detalhes que os contidos em “fast 2”, no que respeita aos documentos que não apresentam indícios de manipulação;
· os documentos que em “fast 2” apresentam situações indiciadoras de manipulação (atrás referidas), encontram-se plenamente consistentes em “fast 10”, sem qualquer falha, o que demonstra que esta se trata de uma cópia de segurança dos documentos de venda antes da realização da manipulação;
· a fiabilidade dos dados armazenados em “fast 10” (do computador do armazém) torna-se inquestionável através da comparação com os dados que foram objeto de cópia na loja do “N. shopping” (armazenados na pasta “fast 2” localizada no computador da loja do “N. shopping”), onde se apurou que os dados (relativos à série N) eram iguais;
· da comparação entre o valor das vendas em ambas as bases de dados (“fast 10” e “fast 2” localizadas no computador do armazém), verifica-se que o valor é superior em “fast 10”;
· da confrontação dos valores constantes de ambas as bases de dados (“fast 10” e “fast 2”) com o meio de pagamento utilizado, verifica-se que os talões modificados correspondem na sua maioria a pagamentos em dinheiro, sendo que sempre que correspondem a pagamentos com cartão é possível verificar que o valor pago está em conformidade com os registos da base de dados “fast 10”, o que valida a informação constante desta base de dados e demonstra que os registos constantes da base de dados “fast 2” foram manipulados.
- a falta de arquivo dos duplicados dos talões de venda, que impossibilita a validação das vendas registadas nos resumos “tipo Z” (resumos das vendas diárias de cada loja, que serviam de suporte ao preenchimento manual dos mapas mensais, que, por sua vez, serviam de suporte ao registo contabilístico das vendas e do IVA liquidado);
- a existência de resumos de vendas “tipo Z” arquivados na contabilidade, referentes ao mesmo dia e com indicação de vendas diferentes;
- a existência de resumos de vendas “tipo Z” arquivados na contabilidade, com indicação de vendas que foram consideradas na contabilidade por um valor divergente;
- recebimentos de clientes, comprovados através de talões “multibanco”, cuja venda correspondente não foi registada na contabilidade.
A sentença recorrida entendeu que (...) as situações vindas de referir, descritas no relatório de inspeção, constituem, no nosso entendimento, indícios fundados de que as vendas declaradas pelo ora Impugnante não correspondem às vendas reais, ficando assim abalada a presunção de verdade das declarações e dos dados inscritos na sua contabilidade.
Com efeito, a análise dos dados informáticos recolhidos nos computadores do Impugnante revelou a existência de modificações efetuadas no registo das vendas, tendo sido possível à inspeção tributária aceder às suas vendas reais, espelhadas na base de dados “fast 10”, que, face aos testes realizados (e descritos no relatório de inspeção), revelou conter uma informação real das vendas do sujeito passivo. De facto, a informação vertida nesta base de dados revelou-se consistente e credível, quer através da comparação efetuada com a base de dados local do “N. shopping”, quer face à conformidade que apresentava com os pagamentos efetuados pelos clientes através de cartão “multibanco” (sendo certo que foram detetados pagamentos por “multibanco, sem que a respetiva venda fosse registada na contabilidade). Ora, tais factos são claramente demonstrativos da validade da informação contida na base de dados “fast 10”, em detrimento da incluída na “fast 2”.
Além disso, também ficou provado que nos talões de venda que não apresentavam indícios de “manipulação” (cerca de 85% do total), foram encontradas (e aceites pela inspeção) milhares de devoluções de artigos e também anulações de vendas efetuadas, pelo que fica demonstrado que, no período em causa, as devoluções e anulações não foram todas desconsideradas, mas apenas aquelas que apresentavam indícios de “manipulação”.. (…)”.
Com efeito o julgamento efetuado pela sentença recorrida não nos merece qualquer reparo uma vez que resulta claro que as correções não resultaram do desfasamento apurado entre os rendimentos e as despesas declaradas pelos Impugnantes, nem da discrepância detetada ao nível da margem de lucro sobre as vendas, mas sim, do cálculo da diferença entre os dados das vendas recolhidos do sistema informático do Impugnante/Recorrente (base de dados “fast 10”) e os declarados para efeitos fiscais.
Nesta conformidade, tendo a sentença recorrida firmado a convicção que a Administração Fiscal demonstrou de forma abundante os pressupostos da sua atuação, satisfazendo o ónus da prova que lhe competia, não nos merece qualquer censura.
Acresce ainda, referir que pelo facto da Administração Tributária ter efetuado deduções (lógicas) a partir da análise económica financeira, análise de conformidade (apuramento de margem e inventários e compras e vendas efetuadas em dias determinados e movimentos financeiros) para concluir que houve omissão vendas, não impeditivo de recurso a métodos diretos na determinação da matéria tributável.
Não é o recurso a presunções no processo lógico do apuramento da verdade fiscal do contribuinte que define a avaliação direta, mas a possibilidade de aceder ao valor exato objetivo da matéria tributável depois de se confirmar que o declarado não corresponde à verdade.
E, no caso dos autos, essa possibilidade verificou-se.
Face ao que vimos de dizer é de concluir que, in casu, os indicadores recolhidos pela Administração Tributária são suficientes para suportar a conclusão a que chegou e, assim ilidir a presunção de verdade da declaração de rendimentos da Recorrente, pelo que terá de manter a sentença recorrida que assim entendeu.
Improcede, pois, este fundamento do recurso.
4.2. Nas conclusões 27.ª e 28.ª 35.º, os Recorrente alegam vícios procedimentais do processo de inspeção. A prorrogação do prazo para a conclusão da inspeção é ilegal, por não ter fundamentação legalmente admissível, tendo em conta que o SP se encontrava em acompanhamento permanente (PNAIT) desde 2002.
E que foi ainda ilegal por ser violadora dos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da boa-fé. Tal circunstância consubstancia um vício de forma por falta de fundamentação do despacho de prorrogação e um vício de violação de lei, por violação do disposto no artigo 39º, nºs 1 e 2, do disposto no artigo 5º do RCPIT e, ainda, do disposto nos artigos 8º e 46º da LGT, e, consequentemente, tem efeito invalidante sobre todo o processado subsequente, incluindo, naturalmente, o Relatório Final que serve de suporte às liquidações ora impugnadas, devendo estas ser anuladas. Ou, se assim não se entender, terá pelo menos como consequência a suspensão do prazo de caducidade.
No que respeita ao ano de 2008, as liquidações de imposto, juros compensatórios e respetiva demonstração, foram notificadas aos contribuintes já depois dos três anos previstos na lei – artigo 45º, nº 2 da LGT. Assim, quanto às liquidações de imposto e juros referentes ao ano de 2008 verifica-se a caducidade da mesma, por ter decorrido o prazo de três anos previsto na lei.
Nas conclusões 34.ª a 36.ª, os Recorrente alegam a violação dos princípios da legalidade, imparcialidade, da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, entre outros, como vem invocado no presente recurso.
Vejamos:
A sentença recorrida debruçou-se sobre as questões nos itens designados “Da invalidade do relatório de inspeção, por ilegal prorrogação do prazo do procedimento inspetivo”, “Da caducidade de direito à liquidação do IRS do ano de 2008” e “Da alegada violação dos princípios da verdade material, justiça e proporcionalidade”.
A sentença recorrida sustentando-se na lei, analisou cada uma das questões considerando que não se verificavam os vícios imputados pelos Impugnantes/Recorrentes.
Em sede de alegações os Recorrentes limitam-se a trazer à colação a questão, desta vez em termos sintéticos, no entanto, não curaram de apontar à sentença recorrida erro de julgamento.
Os Recorrente não contrariam os fundamentos e a posição sustentado pelo MMª juiz na sentença, sustentando-se na generalidade no foi dito na petição inicial, como se a questão não tivesse sido objeto de apreciação judicial.
Importa referir que o objeto do recurso, nos termos do n. º 1 do art627. º do CPC são as decisões judiciais e não os atos administrativos e tributários praticados pela Administração Fiscal.
O recurso terá de demonstrar a sua discordância com a decisão proferida, ou melhor, os fundamentos por que os Recorrente acham que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o tribunal tome conhecimento delas e as aprecie.
Os Recorrentes terão de convocar argumentos contra os vários fundamentos desfavoráveis sob pena de o decidido não poder ser alterado, na parte não impugnada.
Como se referiu no acórdão do STA de 11.05.2011, Processo 04/11, constituindo o recurso jurisdicional “um meio de impugnação da decisão judicial com vista à sua alteração ou anulação pelo tribunal superior após reexame da matéria de facto e/ou de direito nela apreciada, correspondendo, assim, a um pedido de revisão da legalidade da decisão com fundamento nos erros e vícios de que padeça”, estará votado ao “insucesso o recurso que se alheia totalmente da fundamentação factual e/ou jurídica que determinou a decisão de improcedência da impugnação.
Destarte, se em sede de recurso jurisdicional, o Recorrente se alheou em absoluto das razões que fundamentaram a sentença recorrida, limitando-se a repetir o que já havia dito em sede de petição inicial, não ataca o julgado, não pode o tribunal de recurso alterar o decidido pelo tribunal a quo, já que a tal se opõe o preceituado no nº 4 do artigo 635.º do CPC (Cf. TCAN n.º 01806/09.0BEBRG de 15.02.2012 e ac. do STA n.º 0508/13 de 15-05-2013).
Nesta conformidade, não vindo questionado o julgamento em que assentou, não pode este Tribunal conhecer agora essa questão, pelo que o recurso nesta parte não poderia obter provimento.
Por fim, a Recorrente na conclusão 35.º, alega que por tudo isto, é forçoso concluir, ainda pela manifesta inconstitucionalidade subjacente à aplicação abusiva e ilegal por parte da Administração Tributária, dos preceitos jurídico-fiscais em vigor.
Limitam-se os Recorrentes a invocar a inconstitucionalidade, sem invocar normas e factos concretos demonstrativos da violação. Tendo-se entendido neste acórdão, confirmando a sentença recorrida, pela legalidade das correções não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade, referindo-se ainda que a sua apreciação tem por base o confronto de leis com a lei constitucional e não aplicação das normas.

4.3. E assim formulamos as seguintes conclusões/sumário:
I. Na verdade, como é sabido, de acordo com o artigo 75º, nº 1 da LGT, as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, presumem-se verdadeiras.
II. Essa presunção cessa nomeadamente se essas declarações ou os respetivos dados de suporte apresentarem omissões, erros ou inexatidões ou forem recolhidos indícios fundados de que não refletem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo (cf. artigo 75º, nº 2, da LGT).
III. Nos casos em que, por qualquer das razões previstas na lei, a presunção consagrada no art.º 75º, nº 1 da LGT deixa de funcionar, a administração tributária fica legitimada a efetuar a determinação da matéria tributável, com recurso para o efeito e preferencialmente de métodos diretos ou, quando tal não seja possível, a métodos indiretos.
IV.É pacificamente aceite quer na doutrina, quer na jurisprudência, que compete à Administração Fiscal o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), cabendo, em contrapartida, ao administrado/contribuinte apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, entendimento que corresponde à regra geral artigo 342.º do Código Civil, de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos, regra essa que foi acolhida no artigo 74.º, n.º 1 da LGT.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso, manter a sentença recorrida.

Após trânsito em julgado do presente acórdão remeta-se cópia aos Serviços do Ministério Público, melhor identificado nos autos.

Custas pelos Recorrentes, nos termos do art.º 527.º do CPC.

Porto, 04 de junho de 2020

Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Maria da Conceição Soares
Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes