Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00322/06.7BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/03/2022
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:PROVA TESTEMUNHAL; DESPACHO INTERLOCUTÓRIO; ARTIGO 23º DO CIRC; VERACIDADE DA CONTABILIDADE
Sumário:I. Os despachos interlocutórios que julguem desnecessária a produção de prova testemunhal, são recorríveis autonomamente sob pena de se firmar caso julgado, no entanto não impede a sua apreciação em sede de erro de julgamento de facto do recurso intentado da decisão final.

II. Tendo a AT abalado fundamentadamente o enquadramento dos custos no artigo 23º do CIRC, evidenciando a constatação de elementos capazes de fazer concluir que, não obstante a existência de registos contabilísticos, a ausência de fluxos financeiros que sustentem os mesmos, abala a credibilidade da veracidade da contabilidade, cabia à impugnante o ónus de provar a subsunção de tais custos ao enquadramento previsto no referido artigo 23º.

III. Se a contabilidade do sujeito passivo revela indícios fundados que não reflectem a sua matéria tributável real e, como tal, não se verifica invocada presunção de veracidade (cfr. art.º 75.º, n.º 2, al. a) da LGT).

IV. No caso, basta atentarmos na matéria de facto não provada para concluir que a Impugnante não demonstrou a veracidade da sua contabilidade. feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da materialidade daquilo que invoca – cfr. artigo 74º da LGT.*
* Sumário elaborado pela relatora
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. A Recorrente (A., S.A.), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, em que foi julgada improcedente a impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRC e de respectivos juros compensatórios do ano de 2002, no montante global de € 53.315,65, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso é interposto da decisão do TAF de Coimbra, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios n.º 2006 831000…, de 18/1/2006, referente ao ano de 2002, no montante global de 53.315,65 €, compensada no doc. n.º 2006 0000003…, de 20/1/2006, resultando num valor a pagar de 51.144,47 €.
2. A liquidação impugnada é ilegal por violação do disposto nos arts. 74.º, e 75.º da LGT; e 23.º do CIRC.
3. A Sentença Recorrida enferma de erro de julgamento e de apreciação pelo que deverá ser anulada.
4. Os seguintes factos não foram dados por provados mas resultam claramente da prova documental carreada para os autos, nomeadamente, o Relatório de Inspecção Tributária (RIT) e os seus anexos:
a. O contrato de mediação de compra e venda do imóvel foi mediado pela empresa U. Lda. (doravante U.) (cfr. pág. 10 do RIT).
b. A U., Lda colocou o imóvel à venda no mercado e angariou o comprador.
c. Pela mediação da venda, a U. cobrou uma comissão à ora impugnante no montante de 146.908,45 € (cfr. pág. 10 do RIT).
d. A U., Lda solicitou à impugnante que o pagamento fosse feito em nome de S, , respectivamente sócio e accionista das duas empresas.
e. A impugnante acedeu no pedido e efectuou o pagamento a “S” (cfr. pág. 10 do RIT).
f. A impugnante reconheceu a operação na contabilidade, comprovando-a através da factura e do recibo emitidos pela U.,Lda e com a cópia do pagamento (cfr. pág. 10 do RIT).
5. O RIT não coloca em causa a a factualidade supra, nem tão pouco a mesma foi impugnada pela AT
6. Logo, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao não dar por provados os factos acima transcritos.
7. O Tribunal a quo ao indeferir o pedido de produção de prova incorreu em erro de julgamento.
8. O despacho de indeferimento da produção de prova padece de vício de fundamentação porquanto não demonstra porque prova requerida fosse manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária para a acção sub judice.
9. A produção de prova requerida era fundamental para esclarecer a factualidade vertida nos artigos 5 a 13 e 30 da PI, contribuindo, assim, para o apuramento da verdade material.
10. Os factos dos artigos 5 a 13 e 30 da PI reportam-se á correcção que sustenta a liquidação contestada, ou seja, o custo incorrido com o pagamento da comissão do serviço de mediação da venda do imóvel.
11. Assumia particular relevo a produção da prova testemunhal requerida pela Recorrente por forma a esclarecer o Tribunal a quo sobre a realidade do referido custo.
12. O Tribunal a quo ao indeferir a produção de prova testemunhal requerida coarctou o direito de defesa da Recorrente.
13. De acordo com a sentença recorrida o Tribunal a quo formou a sua convicção com base na alegada inexistência dos serviços de mediação na venda do imóvel.
14. Tal conduziu á desconsideração do custo contabilizado pela Recorrente por alegadamente se reportar a uma operação simulada.
15. Contudo, não tendo sido facultada a possibilidade da Recorrente demonstrar a realidade do custo incorrido, em particular com o indeferimento da produção de prova testemunhal, a decisão recorrida, em violação do disposto no n.º 4 o art. 607.º do CPC, padece de erro de julgamento.
16. A decisão recorrida deverá ser anulada e substituída por outra que, de acordo com o disposto no art. 662.º, n.º 1; n.º 2, al. c); e n.º 3, al. a), do CPC, determine a baixa dos autos ao TAF de Coimbra para ser produzida a prova testemunhal requerida.
17. O Tribunal a quo ao desconsiderar que a produção de produção testemunhal não relevava para a decisão final incorreu em erro de julgamento.
18. Porquanto, por um lado, eximiu-se de conhecer sobre a factualidade subjacente aos serviços de mediação, mas por outro deu por assente que tais serviços foram simulados.
19. Donde, também pelo exposto é notório que mal andou o Tribunal a quo, o que deverá levar à anulação da decisão recorrida.
20. A liquidação contestada deverá ser anulada por violação dos artigos 74.º e 75.º da LGT.
21. A AT não apresentou provas concretas que as operações corrigidas – mediação da venda do imóvel - não se realizou.
22. A contabilidade da Recorrente goza da presunção de veracidade e boa-fé.
23. Ora, in casu, não só não se verifica qualquer das condições descritas no n.º 2 do art. 75.º da LGT, como a AT não apresentou prova ou indícios “fortes, sólidos e consistente” que pudessem de forma alguma beliscar a realidade (e respectiva presunção) do pagamento das comissões pela Recorrente à U., Lda..
24. E muito menos, ao contrário do invocado na decisão recorrida, ficou demonstrado que a operação de mediação foi simulada.
25. Em lado algum do RIT é posta em causa a realidade do serviço (mediação na venda do imóvel) subjacente ao custo contabilizado (pagamento da comissão).
26. A AT não coloca em causa a prestação do serviço de mediação, o que questiona é a comprovação do custo respeitante a tais serviços.
27. A decisão recorrida decidido no sentido que o custo não podia ser aceite se reportar a uma prestação de serviços simulada incorreu em erro de julgamento.
28. A contabilidade da Recorrente encontra-se devidamente organizada, sem quaisquer erros, omissões ou factos que impeçam ou dificultem o conhecimento da respectiva matéria tributável.
29. O facto de não existir contrato escrito de mediação entre a Recorrente e a U., Lda. justifica-se pela proximidade entre as duas empresas.
30. A identidade de alguns dos sócios/accionistas das empresas, conforme refere o RIT, justifica plenamente que o contrato de mediação imobiliária não tenha sido reduzido a escrito: havia confiança entre as empresas, por isso bastava o contrato verbal.
31. O relatório da AT não coloca minimamente em causa os valores contratados, apenas considera, erradamente, que a operação está insuficientemente documentada.
32. A U., Lda. solicitou à Recorrente que o pagamento fosse feito em nome de um sócio/accionista comum às duas empresas.
33. A Recorrente anuiu e efectuou esse pagamento sem hesitar.
34. Para a Recorrente bastou o facto de, após o pagamento, a U.,Lda. ter-lhe entregue o respectivo recibo de quitação.
35. O pagamento foi de facto realizado e está devidamente documentado e registado na contabilidade da Recorrente.
36. Donde, não faz qualquer sentido alegar que na contabilidade da Recorrente não existe documento a comprovar que o sócio “S”. tenha depois pago à “U., Lda.”.
37. A AT ao questionar se o sócio entregou ou não o dinheiro à U., Lda. pressupõe que a Recorrente tenha previamente feito o pagamento ao sócio.
38. A recorrente desconhece as razões que possam estar na sua causa no atraso na emissão da fatura do serviço de mediação.
39. A AT limita-se a adiantar que “S” é ao mesmo tempo sócio/accionista das duas empresas sem lhe imputar qualquer efeito.
40. O facto de a U., Lda. apresentar ou deixar de apresentar prejuízos fiscais é totalmente alheio à Recorrente,
41. A AT não apresentou provas que sustentem qualquer correcção aritmética, desconsiderando a presunção de veracidade da contabilidade da impugnante e não cumprindo o ónus da prova que sobre ele impendia, como não apresentou indícios fortes que justificassem a determinação da matéria colectável da impugnante através de métodos indirectos.
42. Pelo que, a correcção que está na base liquidação contestada deverá ser anulada por violação do disposto nos arts 74.º e 75.º da LGT devendo assim ser anulada a sentença recorrida que entendeu em sentido diverso.
43. A sentença recorrida, ao invocar a existência de indícios para validar a correcção aritmética efectuada à Recorrente incorre em contrassenso.
44. Sendo o erro de julgamento da decisão recorrida que deverá conduzir à sua anulação.
45. A sentença recorrida é igualmente ilegal porquanto considerou que a liquidação contestada não violava o disposto no art. 23.º do CIRC.
46. Segundo aquela disposição legal, para apuramento do respectivo lucro tributável, os sujeitos passivos de IRC podem deduzir os custos que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos respectivos proveitos.
47. Ora, in casu, é patente a indispensabilidade do custo da mediação: a venda do imóvel dependeu dela, tendo sido a U., Lda. a angariar o comprador.
48. Contudo, a AT coarctou a dedução fiscal do custo da mediação imobiliária em violação da norma legal supra referida.
49. É jurisprudência pacífica dos nossos Tribunais superiores que em sede de gastos fiscais é necessário atender-se à indispensabilidade dos mesmos, entre outros veja-se o Acórdão do STA, de 29/03/2006, proferido no processo n.º 12336/05, disponível a em www.dgsi.pt”
50. A sentença recorrida reconhece a indispensabilidade para a Recorrente dos custos com serviços de mediação.
51. Contudo, desconsiderou o custo em causa por alegadamente não ser real.
52. Porém, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento porque em lado em lado algum do RIT a AT coloca em causa a realidade do custo.
53. A AT apenas desconsidera o custo por entender que o mesmo não se encontra devidamente comprovado.
54. Dos documentos junto aos autos, assim como da factualidade invocada no RIT é notório que falece razão à AT, e que com a correcção efectuada foi desrespeitado o preceituado no art. 23.º do CIRC, o que também deverá levar à sua anulação da liquidação contestada, bem como à sentença que manteve.
55. O Tribunal a quo ao ter sufragado a posição da AT utilizada para corrigir a Recorrente – desconsideração do custo fiscal, sem contudo ter sido possibilitado à Recorrente a hipótese de demonstrar, através da produção de prova testemunhal, a realidade do custo incorrido impediu a Recorrente de contraditar a correcção que lhe foi efectuada, sendo assim notório o erro de julgamento da decisão recorrida o que deverá conduzir à sua anulação.
TERMOS EM QUE DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, JULGANDO-SE A IMPUGNAÇÃO TOTALMENTE PROCEDENTE E ANULANDO-SE INTEGRALMENTE A LIQUIDAÇÃO IMPUGNADA, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS,»

1.2. A Recorrida (Fazenda Pública), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.

1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 179 SITAF, no sentido da improcedência do recurso.

1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.

Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes:
Da nulidade por falta de fundamentação nos termos do artigo 607º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), erro de julgamento de facto e erro de julgamento de direito, por violação do disposto nos artigos 74º e 75º da Lei Geral Tributária (LGT) e 23º do Código de Imposto sobre o Rendimento Colectivo (CIRC).

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«De Facto
Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:
1. Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI200500671, de 16.05.2005, foi a escrita da Impugnante objecto de fiscalização pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Coimbra, relativamente ao exercício dos anos de 2002 a 2004;
Cfr. Ordem de Serviço a fls. 2 do Processo Administrativo Tributário (PAT) em apenso.
2. Em resultado da qual foi elaborado relatório em que se propuseram, entre o mais, correcções técnicas em sede de IRC do exercício de 2002, no valor de €146.908,45 e que mereceu a concordância do Director de Finanças Adjunto de Coimbra, por despacho de 11.01.2006, no uso de poderes delegados pelo Director de Finanças de Coimbra;
Cfr. Relatório Final de Inspecção (RFI), a fls. 25 e ss. do PAT em apenso.
3. Sendo que em tal relatório consta, além do mais, o seguinte:
«I.3 - Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção
1.3.1 - Em sede de IRC
O sujeito passivo não tinha entregue quando do inicio da acção de inspecção, a declaração de rendimentos modelo 22 e declaração anual, do exercício de 2004.
Desta acção, resultou, proposta de alteração ao lucro tributável declarado, suportada no facto de terem sido contabilizados custos que não foram aceites fiscalmente e omitidos proveitos, de acordo com o disposto nos artigos 17º, 20º e 23º, conforme o descrito no ponto III.
Assim, a matéria colectável proposta ascende a:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

No decurso da acção o sujeito passivo entregou as declarações relativas a 2004, que se encontravam em falta.
(...)
II.3- Outras situações
II.3.1 - Constituição e Capital social
A sociedade anónima foi constituída por escritura pública realizada em 28/12/…, na Secretaria Notarial de Coimbra. O capital social é de 50 000 €, constituído por 10.000 acções, no valor nominal de 5 Euros/cada. Os titulares das acções em 31.12.2002, eram:
S. e mulher 5500
C. 1500
L. 1500
A. 1500
O objecto social consistia na Administração e Gestão de Rendimentos e de Investimentos de bens familiares e Imobiliários.
Por escritura de 05-04-.. foi alterado o pacto social alargando o âmbito do objecto da sociedade com a inclusão de construção civil e obras públicas; compra, venda e permuta de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; loteamentos e urbanizações.
O administrador é A., NIF (…).
(...)
II.3.3 - Actividade /Relações com outras empresas
II.3.3.1 - Actividade exercida
O sujeito passivo está colectado em IRC, pelo exercício da actividade de compra e venda de bens imobiliários, CAE 70120.
A actividade exercida tem vindo a desenvolver-se do seguinte modo:
- Investimentos elevados no sector imobiliário, consubstanciados, designadamente, em compra de terrenos para construção, em compra/venda de imóveis que são objecto de transformações e adaptações para venda ou arrendamento.
- Investimentos financeiros, adquirindo capital de várias empresas, em diversas áreas, designadamente: construção civil, venda de combustíveis, comércio de automóveis, vinhos, imobiliária, contabilidade e consultadoria.
II.3.3.2- Participações no capital das sociedades que a seguir se indicam:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

II.3.4 - Organização contabilística
II.3.4.1- Generalidades
Trata-se de uma sociedade anónima, embora a estrutura de gestão e forma de funcionamento se poderem considerar características de uma empresa familiar na medida em que os accionistas são S. (e esposa) e Filhos, com a Administração assumida por eles onde se concentram todos os poderes de decisão, não tendo que prestar contas a mais ninguém que tenha interesses a defender na empresa. Verificando-se assim uma acumulação de funções.
II.3.4.1 - A nível administrativo e contabilístico
A execução, contabilização e análise dos documentos e demonstrações financeiras estão a cargo da empresa “A., Lda.” sociedade na qual a sociedade detém uma participação (96%).
À data do início do procedimento inspectivo a empresa tinha mudado recentemente de técnico de contas, facto que colocou, naturalmente, alguns problemas ao nível do desenvolvimento da inspecção, que se traduziu em maior morosidade na sua conclusão.
Acresce o facto da empresa não ter implementadas medidas de controle interno, o que por vezes, colmatou, mais tarde, quando detectou a existência das anomalias e irregularidades, através de lançamentos de correcção aos movimentos efectuados, o que aconteceu com muita frequência em 2002 e 2003.
II.3.5 - Demonstrações de resultados
- Declarações entregues
No decurso da acção inspectiva foi entregue a declaração de rendimento e a declaração anual, do exercício de 2004. Foram-nos apresentadas cópias, e os valores declarados constam do quadro comparativo das demonstrações de resultados, que a seguir se apresentam:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Da análise global aos proveitos e aos custos no triénio, destacamos:
- O peso nos proveitos de 2002 de venda de imóvel;
- O efeito em 2003 e 2004 de sub empreitadas para remodelação de imóvel e para loteamento para venda, através dos movimentos na conta “obras em curso”.
- Ao nível da estrutura de custos, os encargos financeiros têm um peso relativo muito significativo, e não dizem respeito apenas aos juros dos empréstimos contraídos. Os valores contabilizados estão influenciados pelos registos relativos à avaliação das participações da empresa pelo método de equivalência patrimonial, em 2004, valores que foram acrescidos para efeitos de determinação do lucro tributável. No exercício de 2003 foi contabilizada a importância de 453.777€, sem que a mesma esteja suportada por empréstimos obtidos, situação objecto de análise detalhada no ponto III.1.
- Refere-se ainda que para o lucro tributável declarado em 2004 é determinante a mais valia fiscal acrescida, resultante da resolução de contrato de locação financeira de imóvel (ponto).
II.3.6 - Análise em detalhe da actividade
II.3.6.1- Imóveis
II.3.6.1.1- Compras/ Existências
Ano de 2002
- Edifício designado por “A.”
O sujeito passivo contabilizou, no ano de 2002, na conta “31- Compras”, a aquisição à empresa” R., Lda “ de 65/100 indivisos - do imóvel da falida “C., Lda (o restante tinha sido adquirido por escritura de 4/11/99) - do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de E….. sob o artigo 1184, sito na rua (…).
Por escritura pública de 16 de Maio de 2002 efectuou a transmissão da totalidade do referido prédio por 3.292.066 € à firma “BI - Sociedade Gestora de Fundos ……, SA”. Este prédio constituiu o objecto de contrato de ASSOCIAÇÂO EM PARTICIPAÇÂO celebrado pelo dois intervenientes em 17/06/02 do qual consta que “este prédio urbano foi adquirido para integrar o património do fundo de investimento imobiliário com o expresso e exclusivo propósito de, em associação, promover a transformação e remodelação do referido edifício e a sua posterior colocação no mercado de arrendamento e venda”.
Nos termos da cláusula terceira - participação associativa, é referido que “as partes acordam que todos os custos inerentes ao mesmo, incluindo o valor de aquisição do imóvel e obras de transformação /remodelação serão suportados na proporção de 50%para cada uma das partes “.
As obras de remodelação/reconversão do prédio foram iniciadas no último trimestre de 2003, depois obtenção da licença de construção para a realização das obras. Segundo fomos informados as obras encontram-se actualmente concluídas, estando a decorrer negociações com vista ao arrendamento comercial (ou escritórios) ou venda das fracções constituídas em propriedade horizontal.
No ano de 2002 foram contabilizados como custos do exercício na conta “31- compras” despesas efectuadas com o referido prédio, para além da data da transmissão do edifício (16 de Maio de 2002), questão que foi levantada quando da recolha de elementos, que deram origem à presente acção de inspecção.
Verificámos, no entanto, que parte do espaço continuou arrendado: à empresa BC., S A, de Fevereiro de 2002 a Janeiro de 2003; ao Instituto de Segurança Social, pelo período que decorre entre: Janeiro de 2002 e Junho de 2003. As rendas foram contabilizadas como proveito.
-”Terrenos na Figueira da Foz”
Em 2002 transitava em existências iniciais um terreno em ….. -Figueira da Foz. Em 2004 adquiriu outro terreno para construção e “arrancou”, com o loteamento da urbanização designada “caminhos (…)”- que se situa em ……”, recorrendo a sub empreitadas.
(...)
II.3.6.1.2- Imobilizado corpóreo
Ano 2002
- Imóvel designado por “Edifício R”
Trata-se do imóvel sede da empresa. Em Maio de 2002 foi adquirida a posição contratual, no contrato de locação financeira que a empresa CC., Lda, sito na quinta (…), tinha com a empresa “IL., S A”, que tinha como objecto duas parcelas, uma composta por edifício destinado a industria, comercio e escritórios e outra parcela composta por terreno (o valor contabilizado foi 617.181,22€). Relativamente à primeira parcela foi celebrado contrato resolvido, em 2004, não sendo exercido o direito de opção de compra, nem a manutenção do referido contrato de locação financeira, recebendo, como contrapartida da referida resolução, a quantia de 2.619.619,83€ acrescida de IVA, quanto à segunda foi exercido o direito de opção, e vendido.
É de referir que o imóvel foi reavaliado em 2002, tendo o sujeito passivo acrescido à matéria colectável as amortizações resultantes dessa reavaliação. Quando da resolução do contrato, foi apurada mais valia fiscal que foi acrescida ao lucro tributável de 2004 em 50%.
Para este imóvel foi celebrado, após resolução de contrato de locação financeira, contrato de arrendamento comercial.
Parte deste imóvel estava arrendado a algumas empresas (escritórios) na sua maioria associadas e a outra parte, constituída por oficinas, stand e escritórios foi utilizado pelas empresas “R.” e “E.” (ver ponto).
- Outros imóveis
Do inventário inicial constavam prédios urbanos e rústicos, que foram transferidos de existências para o imobilizado corpóreo.
(...)
II.3.6.1.3- Outros Devedores e Credores (268)/ relações entre as empresas do “grupo”
Da análise das contas de “Outros Devedores e Credores” relativas às empresas designadas como “empresas do grupo” verificámos que os saldos que transitam para 2002, são todos credores (e mantêm-se). De uma forma genérica os seus movimentos referem-se, nos anos em análise a: pagamentos de valores em conta corrente, com a indicação de pagamento de empréstimos; empréstimos; anulações de valores registados a crédito, suportadas em documentos internos, em que o mesmo valor é lançado a crédito da conta do sócio “S.”, não estando demonstrado que este tenha liquidado as importâncias registadas; lançamentos a débito da conta do sócio por contrapartida das contas de “Outros Devedores e Credores”, tratando-se de movimentos meramente de regularização contabilística; ou ainda outros, para os quais não se vê qualquer justificação.
Estas situações decorrem do quadro das relações existentes entre a empresa “A.,SA.” e as empresas do “grupo”, que têm os mesmos sócios ou administradores (trata-se de um grupo familiar).
Estas contas foram saldadas por contrapartida da conta 25, na sequência das aquisições de partes de capital.
Os saldos contabilísticos não nos merecem confiança nem garantias de conformidade, podendo apenas ser controlados no quadro das várias empresas.
II.3.6.1.4- Disponibilidades (12)
A empresa processa a totalidade dos movimentos monetários através das contas de “12 - Depósitos à Ordem”. Dos movimentos nas contas de Bancos destacam-se os levantamentos efectuados pelo sócio(s) e os movimentos que registam empréstimos a associadas (operações de tesouraria) ou o pagamento de dividas em conta corrente.
III - Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável
Pela análise efectuada à contabilidade, foram detectadas irregularidades, a saber: III. 1-Custos não dedutíveis para efeitos fiscais
(...)
- Comissões (622371)
O sujeito passivo contabilizou como custo do exercício a importância de 146.908,45€ suportado na factura nº D-1 de 31.12.02, anexo 1, emitida pela empresa U., Lda, NIPC (…), com o descritivo “comissão na venda do imóvel A.”.
O imóvel em causa foi escriturado em 16.05.02, facto que, desde logo, nos levantou algumas questões, assim:
- Foi pedido o contrato, que deveria ter sido celebrado, para a operação de intermediação, de modo a dar suporte aos valores constantes da factura, sendo informados que não havia um contrato.
- Sendo a operação em causa realizada em 16.05.02, não se compreende porque é que a empresa só factura a prestação de serviços em 31.12.02.
- Muito embora a empresa tenha emitido um recibo, anexo 2, com a mesma data e valor da factura não existe prova de pagamento evidenciada na contabilidade, verificando-se a transferência do crédito para a conta “25511 - A. (lanç. 2682034/25511). Por outro lado também não nos foi apresentado qualquer meio que comprove que a divida registada, fosse paga pelo sócio.
- Salienta-se o facto do sócio da empresa emitente ser à data accionista do sujeito passivo em análise. Os serviços debitados criam um custo contabilístico, não sendo o proveito que lhe está associado tributado, por a empresa emitente apresentar prejuízos sistemáticos.
Pelas razões expostas, considera-se que o custo contabilizado não está devidamente comprovado, logo, não é aceite como custo fiscal nos termos do artigo 23º, do Código do IRC.
(...)
III.5- Correcções propostas
Em síntese, os montantes a corrigir em sede de IRC, nos anos de 2002 e 2004, são os seguintes:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Do quadro seguinte constam os valores declarados e as correcções para 2002:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
»;
Cfr. RFI a fls. 25 e ss. do PAT em apenso.
4. Em 18.01.2006 foram realizadas as liquidações de IRC n.º 2006 8310001057, no valor de €47.598,34, de juros compensatórios n.º 2006 00000043706, no valor de €5.717,31, por referência ao exercício de 2002, no valor global de €53.315,65 com compensação realizada em 20.01.2006, de que resultou o saldo de €51.144,47, com a data limite de pagamento em 01.03.2006;
Cfr. documentos a fls. 13-15 dos autos.
5. Em 02.05.2006 deu entrada no presente Tribunal, presencialmente, a petição inicial que deu origem à presente Impugnação Judicial;
Cfr. registo SITAF a fls. 1 dos autos.
Mais se provou que:
6. A escritura de compra e venda outorgada em 16.05.2002, aludida no RFI, não possui qualquer referência à existência de mediação imobiliária;
Conforme se retira do teor da mesma, cuja cópia se encontra a fls. 79 e ss. do PAT em apenso.
7. Foram emitidos com data de 31.12.2002 a factura n.º D-1 da sociedade U., Lda., em nome da ora Impugnante, no valor total de €146.908,45, com a descrição «comissão na venda do imóvel “A.”», e o correspondente recibo;
Conforme documentos a fls. 42 e 43 do PAT em apenso, que constituem o Anexo 1 e Anexo 2 do RFI aludido em 2. dos factos provados.
8. Em 30.11.2002 a ora Impugnante lançou na conta 25511 (accionistas-empréstimos), referente ao seu sócio S., crédito no valor de €146.908,45, suportado no documento interno n.º 511013, correspondente ao recibo aludido no ponto anterior;
Conforme documento contabilístico e aludido recibo a fls. 220 e 43, respectivamente, do PAT em apenso.
9. Em 30.11.2002 a ora Impugnante lançou na conta 682034 (devedores e credores diversos), referente à sociedade U., Lda., débito no valor de €146.908,45, suportado no documento interno n.º 511012, correspondente à factura aludida em 7., e crédito no mesmo valor, suportado no documento interno n.º 511013, correspondente ao recibo aludido também no ponto 7 dos factos provados.
Conforme documento contabilístico e aludidas factura e recibo, a fls. 221, 42 e 43, respectivamente, do PAT em apenso.
*
Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como não provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:
1. A ora Impugnante procedeu ao pagamento de €146.908,45 junto do seu sócio “S”, por referência à factura e recibo aludidos em 7. dos factos provados;
Alegado no artigo 11.º da p.i.. Não existe qualquer prova do efectivo pagamento, que para se considerar idónea sempre teria de ser realizada documentalmente, porquanto, atento o valor em causa, tal pagamento não seria realizado por numerário.
2. O sócio “S”. procedeu ao pagamento de €146.908,45 junto da sociedade “U. , Lda”., por conta da ora Impugnante e por referência à factura e recibo aludidos em 7. dos factos provados.
Não existe qualquer prova quanto a tal pagamento, que para se considerar idónea sempre teria de ser realizada documentalmente, porquanto, atento o valor em causa, tal pagamento não seria realizado por numerário.
*
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base na posição assumida pelas partes e pelo exame dos documentos presentes nos autos e no PAT em apenso, tudo conforme o que se deixou plasmado a propósito de cada um dos pontos do probatório.»
2.2. De direito
2.2.1. A Recorrente (A., S.A.) insurge-se contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou improcedente a impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRC e de respectivos juros compensatórios do ano de 2002, para tanto imputa à sentença nulidade por falta de fundamentação nos termos do artigo 607º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), erro de julgamento de facto e erro de julgamento de direito, por violação do disposto nos artigos 74º e 75º da Lei Geral Tributária (LGT) e 23º do Código de Imposto sobre o Rendimento Colectivo (CIRC).
Vejamos.
A Recorrente é uma sociedade anónima enquadrada no regime geral de tributação pelo exercício da actividade de compra e venda de bens imobiliários. Foi sujeita a ação de fiscalização externa, relativamente aos exercícios de 2002 a 2004, de que resultaram correções aritméticas relativamente ao exercício de 2002.
Notificada da liquidação relativa ao IRC/2002, deduziu impugnação judicial alegando, em síntese, que (i) a sua contabilidade encontra-se devidamente organizada, sem quaisquer erros, omissões ou factos que impeçam ou dificultem o conhecimento da matéria tributável, não se verificando qualquer das situações previstas no n.º 2 do artigo 75.º da LGT que afaste a presunção de veracidade e de boa-fé dos dados aí inscritos, bastando-se a AT com meros juízos de valor pessoais, não susceptíveis de abalar tal presunção – violação do disposto nos artigos 74º e 75º da LGT; (ii) é patente a indispensabilidade do custo da mediação imobiliária que foi desconsiderado pela AT, porquanto a venda do imóvel dependeu de tal mediação, através da qual foi angariado o comprador - violação do disposto no artigo 23º do CIRC; em sede de documentos junta as liquidações e cópia do RIT (relatório da inspecção tributária) e arrola 3 testemunhas.
Perante a improcedência da impugnação, recorre da sentença, mantendo a posição assumida em sede petição e assacando erro de julgamento de facto decorrente da dispensa de produção de prova testemunhal, da errónea valoração dos documentos juntos e das próprias conclusões da AT expressas no seu RIT.
Poderemos sintetizar o inconformismo da Recorrente com a douta sentença em dois argumentos: um de nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto, e outro de erro de julgamento – erro na apreciação da prova - decorrente da não inquirição das testemunhas arroladas e do teor do próprio RIT, e subsequente erro de julgamento de direito do disposto nos artigos 74º e 75º da LGT e 23º do CIRC.
Com efeito, a Recorrente defende (Conclusões 9ª a 17ª) que o Tribunal a quo formou a sua convicção com base na alegada inexistência dos serviços de mediação na venda do imóvel, o que conduziu á desconsideração do custo contabilizado pela Recorrente por alegadamente se reportar a uma operação simulada, mas foi negado à Recorrente a possibilidade de demonstrar a realidade do custo incorrido, nomeadamente por via do indeferimento da produção de prova testemunhal, pelo que a decisão recorrida incorre em violação do disposto no n.º 4 o art. 607.º do CPC, padece de erro de julgamento, pelo que deverá ser anulada e substituída por outra que, de acordo com o disposto no art. 662.º, n.º 1; n.º 2, al. c); e n.º 3, al. a), do CPC, determine a baixa dos autos ao TAF de Coimbra para ser produzida a prova testemunhal requerida.
Vejamos.
Preceitua o artigo 125º, nº 1 do CPPT: “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer”.
Por seu turno, estabelece a alínea b) do n.º 1 do art. 615º CPC, aplicável ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT que:
“1. É nula a sentença quando:
(…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão;”
A nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto abrange tanto a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo artigo 123º, nº 2 do CPPT, como a falta do exame crítico das provas previsto no artigo 607º, nº 4 do CPC.
Desde logo, é jurisprudência pacífica e uniforme que a nulidade decorrente da falta de fundamentação só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos. Isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão (vide acórdão do STA de 06.05.2015, proferido no processo n.º 01340/14).
Em face do quadro fático e jurídico delineado na douta sentença, não podemos de modo algum concluir que a sentença seja (totalmente) omissa quanto aos fundamentos de facto em que assenta.
Poderemos questionar-nos se a fundamentação é suficiente, correcta e adequada em face das questões de facto e de direito envolvidas. Mas saber se a fundamentação da sentença reúne estes requisitos não é matéria que se insira no vício de nulidade sentença por falta de fundamentação, antes se incluindo no âmbito de eventual erro de julgamento idem.
Atenhamo-nos, então, ao erro de julgamento resultante da não inquirição das testemunhas.
De facto, a Recorrente/impugnante arrolou 3 testemunhas (com a menção expressa de quais os factos sobre os quais cumpriria recair o respectivos depoimento – p.i. a final).
Por despacho de 09.10.2008, a fls. 58-59 processo SITAF, o então Mmº juiz a quo decidiu o seguinte:
«Terminada a fase dos articulados, cabe ao juiz ordenar a realização das diligências de produção de prova necessárias – artigo 114º do C.P.P.T.
Na parte final da douta P.I., …. Testemunhas, daí decorrendo que requer a produção de prova testemunhal.
Analisado, porém, aquele douto articulado, verifico que estão em causa fundamentalmente questões de direitos e questões de facto dependentes de prova documental.
Razão porque, ao abrigo do supra citado preceito leal, indefiro a produção de prova testemunhal requerida, por a julgar desnecessária.
Notifique. (…) »
Ora, nos termos do artigo 113, 2ª parte, do CPPT, o juiz pode conhecer “logo o pedido, se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários”, devendo, caso contrário, ordenar as diligências de prova necessárias (artigo 114º do CPPT), nomeadamente a testemunhal e pericial, em conformidade com o disposto nos artigos 114º, 115º, 116º e 118º do CPPT.
Compete, portanto, ao juiz examinar o processo e aferir da admissibilidade ou não dos meios de prova oferecidos e da necessidade da mesma perante a factualidade controvertida e relevante para a decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito.
No caso dos autos, a Impugnante alegou na sua petição inicial, nomeadamente, para efeitos de prova, que o contrato de compra e venda do imóvel em questão foi mediado pela empresa U., Ld.ª, a qual colocou aquele imóvel à venda no mercado e angariou o comprador, sendo que pela mediação da venda cobrou uma comissão de 146.908,45€, que tal serviço de mediação apenas foi facturado em dezembro de 2002, que a sociedade mediadora solicitou à impugnante que o pagamento fosse feito em nome de “S” (sócio comum à impugnante e à mediadora), tendo assim procedido e efectuado o pagamento daquele valor a “S”, tendo sido emitido recibo pela U.,Lda. e reconhecida a operação pela impugnante em sede de contabilidade, que o contrato de mediação não foi reduzido a escrito.
Com vista à prova de toda a factualidade alegada, remete para o teor do RIT, que identifica como Doc. n.º 4 e arrola 3 testemunhas.
Como já se referiu e transcreveu, findos os articulados, o Meritíssimo Juiz do tribunal a quo, por despacho de fls. 58-59 do processo SITAF, foi considerado que em causa estão questões de direito pendentes de prova documental, consequentemente, dispensou a produção de prova testemunhal.
Este despacho foi, porém, notificado à Recorrente, que contra ele não reagiu.
Ao tempo, outubro de 2008, vigorava o então artigo 285º do CPPT, que sob a epígrafe “Recursos dos despachos interlocutórios na impugnação” dispunha:
1 - Os despachos do juiz no processo judicial tributário e no processo de execução fiscal podem ser impugnados no prazo de 10 dias, mediante requerimento contendo as respectivas alegações e conclusões, o qual subirá nos autos com o recurso interposto da decisão final…”
Ora, havendo uma pronúncia expressa e fundamentada do juiz sobre o requerimento de prova, a parte que se sinta prejudicada terá de recorrer dentro do prazo legal para o efeito, sob pena de se formar caso julgado formal (como se formou) em virtude do trânsito em julgado de tal decisão.
Na verdade, a decisão que indeferiu aquela diligência de prova recai sobre a relação processual e, transitada, adquire carácter definitivo e imutável restrito ao processo, ou seja, adquiriu força obrigatória dentro deste processo de impugnação, constituindo caso julgado formal (cf. artigo 672º do ACPC, na redacção aplicável, despacho de 2008).
Todavia, tal não obsta que em sede de recurso da sentença seja alegada a existência de erro de julgamento por défice instrutório ou que tal défice instrutório seja conhecido oficiosamente pelo Tribunal de recurso ou que seja interposto recurso sobre o julgamento da matéria de facto (cf. artigo 662º, nº 2 do NCPC, pois que a sentença data de 2016). Contudo, como se escreve no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, em acórdão de 06.06.2013, proferido no âmbito do processo n.º 07/98 BEBRG “(…) o recurso que tenha por fundamento o défice instrutório apenas terá viabilidade caso seja alegado a insuficiência da matéria de facto para o julgamento das questões do processo. O que será avaliado no confronto entre a matéria de facto alegada e a levada ao probatório”.
Ora, das conclusões de recurso a recorrente não se limita a invocar a não realização da diligência de prova, pois que estabelece a conexão com a matéria de facto que, na sua óptica, seria necessário apurar, sendo que invoca erro de julgamento por referência à matéria de facto que foi alegada e que considera que decorrem da prova documental carreada para os autos, nomeadamente, do RIT e seus anexos, fazendo aí expressa referência na conclusão 4ª aos itens que considera que deveriam ter sido dados como provados, a saber: “(…)
a. O contrato de mediação de compra e venda do imóvel foi mediado pela empresa U.,Lda. (doravante U.) (cfr. pág. 10 do RIT).
b. A U.,Lda. colocou o imóvel à venda no mercado e angariou o comprador.
c. Pela mediação da venda, a U.,Lda. cobrou uma comissão à ora impugnante no montante de 146.908,45 € (cfr. pág. 10 do RIT).
d. A U.,Lda. solicitou à impugnante que o pagamento fosse feito em nome de “S”, respectivamente sócio e accionista das duas empresas.
e. A impugnante acedeu no pedido e efectuou o pagamento a “S” (cfr. pág. 10 do RIT).
f. A impugnante reconheceu a operação na contabilidade, comprovando-a através da factura e do recibo emitidos pela U.,Lda. e com a cópia do pagamento (cfr. pág. 10 do RIT).”
Sendo que, sobre os mesmos não foi produzida prova testemunhal (acrescentamos nós), referindo, ainda, que tais depoimentos seriam decisivos, a contrario sensus do por si afirmado (conclusão 8ª) de que a prova testemunhal era manifestamente pertinente, útil e necessária para a acção, fundamental para esclarecer a factualidade vertida nos artigos 5 a 13 e 30 da petição inicial e decisivos para a descoberta da verdade material da causa (conclusão 9ª), que se reconduzem à matéria que pretende ver aditada ao probatório (ilação nossa).
Assim configurado o recurso interposto pela Recorrente, em suma, assenta o mesmo na tese que que a não realização de diligências com vista ao apuramento dos factos elencados eram relevantes para que a decisão da causa fosse distinta, nomeadamente a inquirição das testemunhas indicadas, pelo que cumpre aferir tão só da eventual ocorrência de “insuficiência instrutória” que se reconduz ao erro de julgamento de facto.
Como já se referiu, compete ao juiz decidir se é legalmente permitida e necessária a produção de determinado meio de prova, pois que a lei não estabelece, ao contrário do que afirma a recorrente, que tem de haver sempre a inquirição das testemunhas oferecidas, antes permitindo ao juiz aferir da necessidade desse acto. O direito à prova no procedimento e no processo tributário existe e é objecto de uma tutela muito forte, mas não constitui um direito absoluto, pois que o legislador ordinário estabeleceu limites e indicou critérios precisos de restrição do uso de meios de prova em relação a factos determinados, como acontece com o artigo 392º do Cód. Civil, onde se estabelece que “A prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada” e com o disposto no art. 393º, 394º e 395º, que prevêem as situações em que é inadmissível a prova testemunhal.
E foi o que aconteceu no caso vertente.
O Mmº Juiz a quo decidiu que em face da natureza da matéria invocada não havia necessidade de produção da prova testemunhal por as questões de facto dependerem de prova documental, expressando, assim, a sua opção pelo imediato conhecimento do pedido.
E essa decisão não merece qualquer censura, já que, por um lado, o juiz pode e deve aferir da necessidade de produzir prova em face da materialidade fáctica alegada e, por outro lado, as questões colocadas na impugnação e que acima deixámos referidas não são, efectivamente, susceptíveis de prova testemunhal, o que alias decorre da própria fundamentação e conhecimento das mesmas preconizada na sentença sob recurso.
Na verdade, a prova do pagamento da mediação ao sócio comum (da impugnante e sociedade mediadora) “S” e, posterior pagamento deste seja porque via à sociedade mediadora, só pode ser efectuada por via documental que comprove os respectivos fluxos financeiros, que pode ser efectuado através da exibição do documento comprovativo (prova de depósito, transferência bancária, etc…).
Assim, no caso vertente, a prova de documentos de suporte da operação contabilística, que não é colocada em crise na sentença como em sede de erro de julgamento de direito se aferirá, só podia ser feita pela exibição ou junção de elementos documentais que comprovassem o fluxo monetário correspondente ao valor da comissão de 146.908,45€, ou seja, o correspondente documento comprovativo da entrega a “S” daquela importância e da entrega por parte deste à sociedade mediadora, não bastando, como decorre do RIT e dado por assente, ao contrário do que conclui a Recorrente, a existência da mediação, o seu registo contabilístico e a existência de uma relação especial entre as duas sociedades.
Tal prova, exclusivamente documental, não pode, pois, ser substituída pela testemunhal, dado o disposto nos artigos 392º, 393º nº 1 e 395º do Código Civil, sabido que os encargos inscrito na contabilidade tem que estar devidamente documentados, o que equivale que a sua prova tem que ser documental, mesmo que a posteriori, suprindo as deficiências detectadas em sede de inspeção, desde que compatíveis com os factos à época, sejam apresentados elementos que comprovem os fluxos financeiros de modo a documentar as operações, o que necessita é de ser provado por via documental, não podendo a respectiva prova de fluxos financeiros de cerca de 150 mil euros ser feita por testemunhas.
Por outro lado, também a matéria que a Recorrente alegadamente pretende que seja aditada, como bem ressalva decorrente do RIT, já consta da matéria de facto assente, atente-se ao item 3., 6., 7., 8., e 9. da matéria assente que transcreve o teor do RIT, nomeadamente de fls. 10 do mesmo (em que a Recorrente se sustenta, quer em sede de p.i., quer de em sede de recurso), onde consta: “(…) - Comissões (622371)
O sujeito passivo contabilizou como custo do exercício a importância de 146.908,45€ suportado na factura nº D-1 de 31.12.02, anexo 1, emitida pela empresa U. ,Lda, NIPC (…), com a descritiva “comissão na venda do imóvel A.”. O imóvel em causa foi escriturado em 16.05.02, facto que, desde logo, nos levantou algumas questões, assim: - Foi pedido o contrato, que deveria ter sido celebrado, para a operação de intermediação, de modo a dar suporte aos valores constantes da factura, sendo informados que não havia um contrato. - Sendo a operação em causa realizada em 16.05.02, não se compreende porque é que a empresa só factura a prestação de serviços em 31.12.02. - Muito embora a empresa tenha emitido um recibo, anexo 2, com a mesma data e valor da factura não existe prova de pagamento evidenciada na contabilidade, verificando-se a transferência do crédito para a conta “25511 – “S”. (lanç. 2682034/25511). Por outro lado, também não nos foi apresentado qualquer meio que comprove que a divida registada, fosse paga pelo sócio. - Salienta-se o facto do sócio da empresa emitente ser à data accionista do sujeito passivo em análise. Os serviços debitados criam um custo contabilístico, não sendo o proveito que lhe está associado tributado, por a empresa emitente apresentar prejuízos sistemáticos. (…) A escritura de compra e venda outorgada em 16.05.2002, aludida no RFI, não possui qualquer referência à existência de mediação imobiliária; (Conforme se retira do teor da mesma, cuja cópia se encontra a fls. 79 e ss. do PAT em apenso.); Foram emitidos com data de 31.12.2002 a factura n.º D-1 da sociedade U., Lda., em nome da ora Impugnante, no valor total de €146.908,45, com a descrição «comissão na venda do imóvel “A.”», e o correspondente recibo; (Conforme documentos a fls. 42 e 43 do PAT em apenso, que constituem o Anexo 1 e Anexo 2 do RFI aludido em 2. dos factos provados.); Em 30.11.2002 a ora Impugnante lançou na conta 25511 (accionistas-empréstimos), referente ao seu sócio “S”., crédito no valor de €146.908,45, suportado no documento interno n.º 511013, correspondente ao recibo aludido no ponto anterior; (Conforme documento contabilístico e aludido recibo a fls. 220 e 43, respectivamente, do PAT em apenso.); Em 30.11.2002 a ora Impugnante lançou na conta 682034 (devedores e credores diversos), referente à sociedade U., Lda., débito no valor de €146.908,45, (suportado no documento interno n.º 511012, correspondente à factura aludida em 7., e crédito no mesmo valor, suportado no documento interno n.º 511013, correspondente ao recibo aludido também no ponto 7 dos factos provados.).”
Assim sendo, restam os factos dados como não provados, os quais estranhamente não foram colocados em crise em sede de recurso, que respeitam ao pagamento do valor em causa, pela impugnante ao seu sócio “S” e, o pagamento por este “S” à sociedade de mediação (item 1. e 2. da matéria de facto dada como não provada), os quais teriam que ser analisados e comprovados “como se procedeu o pagamento e que ele ocorreu” por via documental, à luz dos elementos extraídos do RIT e, essencialmente dos elementos fornecido pela impugnante em sede de inspecção e em sede de impugnação, sendo, como já se referiu, para o efeito inútil e inadequada a produção de qualquer prova testemunhal.
Termos em que improcedem todas as conclusões do recurso interposto que infirmassem o julgamento de facto.
2.2.2. Aqui chegados, cristalizada a matéria de facto cumpre apreciar do eventual erro de julgamento de direito na medida em que considerou que “ (…) atento tudo quando foi evidenciado no Relatório Final de Inspecção a este propósito (cfr. facto provado sob o ponto 3.), e o aqui exposto, é de concluir que a contabilidade da ora Impugnante revela indícios fundados que não reflectem a sua matéria tributável real e, como tal, não se verifica invocada presunção de veracidade (cfr. art.º 75.º, n.º 2, al. a) da LGT). (…)” e, que a impugnante “(…) se demitiu de realizar, ao considerar que o pagamento estava devidamente documentado e registado na sua contabilidade e que não tinha de comprovar qualquer pagamento.”.
Em primeiro lugar há que ter em consideração que a Fazenda não questiona que tal despesa não tenha sido levada à contabilidade da impugnante nem a sua indispensabilidade para a manutenção da fonte produtora.
O que ela questiona é a sua comprovação, para efeitos da sua aceitação como custo fiscal nos termos do artigo 23º do CIRC.
In casu, e desde já cumpre sublinhar que a sentença sob recurso estabeleceu um vasto e profícuo enquadramento dos dispositivos legais aplicáveis em sede doutrinal e jurisprudencial e cabal fundamentação e argumentação da aplicação do mesmo aos factos.
Vejamos.
A base de incidência do IRC encontra-se consagrada no artigo 3º, do CIRC, sendo, nos termos do seu nº.2, definido o lucro tributável como o resultado da operação da “diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas neste Código”.
Nos artigos 17º e seg. do mesmo diploma consagram-se as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artigo 23º quais os custos que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Atentamos ao conceito fiscal de custo decorrente do aludido artigo23º, do CIRC, o qual, depois de nos fornecer, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. A definição fiscal de custo, como conceito mais ampla do que sejam os custos de produção e de aquisição, parte de uma perspectiva alargada de actividade e de necessidades da empresa, assim estabelecendo uma conexão entre a actividade desta e as despesas que, inevitavelmente, daquela decorrerão. E fá-lo com uma finalidade claramente fiscal, a qual consiste em distinguir entre custos que podem ser aceites para fins fiscais e que, por isso, vão influenciar o cálculo do lucro tributável e os que não podem ser aceites para tal efeito (neste sentido cfr. Saldanha Sanches, in A Quantificação da Obrigação Tributária, Lex Lisboa 2000, 2ª. Edição, pág.237 e seg. e, António Moura Portugal, in A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa, Coimbra Editora, 2004, pág.101 e seg.).
Concretizando, temos que os custos ou perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, (i) estando devidamente comprovados, (ii) forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva da empresa em causa. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico (cfr. acórdão do TCA Sul, de 29.5.2014, proferido no âmbito do proc. n.º 7524/14; acórdão do TCA Sul, de 16.10.2014, proferido no âmbito do proc. n.º 6754/13 e, F. Pinto Fernandes e Nuno Pinto Fernandes, in Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, anotado e comentado, Rei dos Livros, 5ª.edição, 1996, pag.206 e seg.).
O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à Administração Fiscal actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. Não obstante, se a Administração Fiscal duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no respectivo escopo societário (cfr. acórdão do STA de 29.03.2006, proferido no âmbito do recurso n.º 1236/05).
Quanto ao enquadramento e aplicação do mencionado artigo 23º, do CIRC, com apoio na jurisprudência consolidada, podemos afirmar que:
i. Administração Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjectivista. Um custo é indispensável quando se relacione com a actividade da empresa, sendo que os custos estranhos à actividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão actual do código), aferido em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica (cfr. acórdão do STA, de 21.04.2010, proferido no âmbito do recurso n.º 774/09; acórdão do STA, de 13.02.2008, proferido no âmbito do recurso n.º 798/07).
ii. Um custo indispensável não tem de ser um custo que directamente implique a obtenção de proveitos, existem custos que só indirectamente cumprem essa função e que, nem por isso, devem ser considerados indispensáveis (cfr. entre outros o acórdão do TCA Sul, de 10.07.2015, proferido no processo n.º 8473/15);
iii. Em sede do ónus da prova da indispensabilidade do custo, este passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cfr. artigo 75º, nº 1 da LGT), pois não se questiona a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, ou seja, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artigo 23º (cfr. os acórdão do TCA Sul, de 19.02.2015, proferido no processo n.º 8137/14 e, de 10.07.2015, no processo n.º 8473/15, entre outros).
Concretizando, o que é necessário é que os custos tenham ocorrido, estejam devidamente documentados e tenham sido “comprovadamente” indispensáveis para a manutenção da fonte produtora.
De facto, a situação sub judice é enquadrável, em matéria de ónus probatório, no disposto nos artigos 74º e 75º nºs 1 e 2 da LGT.
As circunstâncias de facto e o contexto jurídico do custo de mediação são tais que geram inegavelmente fundadas suspeitas de ser verdadeira a conclusão que a AT formulou, nos termos apontados pelo tribunal a quo que aqui recuperamos:
Na verdade, ainda que, porventura, se aceitasse como credível a explicação dada pela Impugnante quanto à inexistência de um contrato de mediação, e que não fosse determinante o lapso temporal entre o serviço prestado e a emissão da factura (para efeitos de IRC), bem como relativamente à relação especial invocada (considerando que a AT não procedeu a qualquer correcção ao abrigo do então artigo 58.º do CIRC, actual artigo 63.º do mesmo Código); ainda assim, o modo como a despesa em causa se encontra contabilizada e a circunstância de inexistir qualquer comprovativo do(s) fluxo(s) financeiro em causa, são bastantes para que se considere que a Administração Tributária conseguiu ilidir a visada presunção de veracidade.
No que se refere ao modo como se encontra contabilizada a despesa em causa, é certo que a mesma foi debitada e creditada na conta 682034 (devedores e credores diversos), referente à U.,Lda., sociedade emitente da factura e correspondente recibo em causa que suportam tais lançamentos (cfr. facto provado sob o ponto 9.). Mas este mesmo recibo encontra-se também a suportar contabilisticamente um empréstimo realizado pelo seu sócio “ S” à ora Impugnante, em igual valor, como se referencia no RFI (cfr. factos provados sob os pontos 3. e 8.).
Ou seja, tal como o Representante da Fazenda Pública alega na sua contestação, o que a contabilidade da ora Impugnante evidencia, ao contrário do por esta defendido, não é um pagamento ao accionista “S”. a pedido da emitente da visada factura (a sociedade U.,Lda), mas antes um empréstimo realizado pelo próprio “S”, que teria ficado com um crédito desse mesmo montante sobre a Impugnante. E atento este lançamento contabilístico, há que concordar com a AT quando defende a necessidade da existência de um documento que comprovasse a realização de um pagamento por parte de ”S” junto da sociedade U.,Lda. por conta da ora Impugnante, em igual valor, porquanto os documentos que suportam o lançamento contabilístico em causa não suportam qualquer empréstimo realizado pelo aludido sócio, por referência ao visado custo.
Por outras palavras, os lançamentos contabilísticos realizados pela Impugnante não se coadunam com o que ela própria alega ter sucedido na realidade, já que em momento algum fala de qualquer empréstimo realizado pelo sócio “S” e que o mesmo tivesse permitido realizar o pagamento junto da U.,Lda. mas antes que procedeu, ela própria, ao pagamento daquela quantia junto do alegado sócio, a pedido daquela sociedade.
Ora, se a contabilidade não se encontra de acordo com o que se passou na realidade e esta for antes a invocada pela Impugnante, seria essencial que comprovasse o fluxo financeiro entre ela própria e o seu sócio; já se a contabilidade se encontra de acordo com o que se passou na realidade, da mesma haveria que constar os elementos suficientes que demonstrassem o fluxo financeiro entre aquele sócio e a sociedade emitente da factura em causa, pois não existindo prova do pagamento, não existe prova do efectivo custo.
De referir ainda outros dois indícios de inexistência efectiva de tal custo, não referidos pela Administração Tributária: a escritura de compra e venda do imóvel em causa, outorgada em 16.05.2002, não possui qualquer referência à existência de mediação imobiliária (cfr. facto provado sob o ponto 6.), e foram lançados no último dia do mês de Novembro, nas contas 25511 e 682034, os valores de €146.908,45, suportados em documentos que só foram emitidos em 31.12.2002, ou seja, um mês depois (cfr. factos provados sob os pontos 8. e 9.).” (fim de citação)
Na verdade, são insofismáveis as suspeitas que AT lança que “os serviços debitados de criam um custo contabilístico, não sendo o proveito que lhe está associado tributado, por a empresa emitente apresentar prejuízos sistemáticos” de ser essa a intenção subjacente a contabilização como custo do exercício a importância de 146.908,45€ suportado na factura emitida pela empresa U.,Lda., com o descritivo “comissão na venda do imóvel A.”, assente contabilisticamente na contrapartida na transferência do crédito daquele valor para a conta “25511 – “S”, não foi apresentado qualquer documento/meio que comprove que aquele crédito registado na conta do sócio, tivesse por aquele efetivamente sido pago à sociedade de mediação.
Com a mera prova de registos contabilísticos existentes (custo/crédito do sócio) assente naqueles termos em que ocorreu a mediação, a emissão da factura, aqueles registos e demais circunstâncias – a não comprovação por qualquer meio do fluxo financeiro, a AT desonerou-se do ónus, que era seu, atentos os artigos 74º nº 1 e 75º nºs 1 da LGT e 23º nº 1 do CIRC, de alegar e provar factos de que resultam sérias dúvidas acerca da indispensabilidade da despesa em causa para a manutenção da fonte produtora da Impugnante, apesar de a declaração de rendimentos da Impugnante o dizer e de a sua contabilidade estar devidamente organizada.
Aqui chegados, basta atentarmos na matéria de facto não provada (e aqui, em sede de recurso jurisdicional, não alterada) para concluir que a Impugnante, ora Recorrente, não demonstrou a efectividade dos serviços de mediação e de creditação que lhe estão subjacentes. Relembre-se, com efeito, que dos factos não provados resulta não provado que “A ora Impugnante procedeu ao pagamento de €146.908,45 junto do seu sócio S., por referência à factura e recibo aludidos em 7. dos factos provados...” e, bem assim, não provado que “O sócio “S.”
procedeu ao pagamento de €146.908,45 junto da sociedade U., Lda., por conta da ora Impugnante e por referência à factura e recibo aludidos em 7. dos factos provados…”.
Dir-se-á, aliás, que o julgamento da matéria de facto não provada compromete, desde logo, qualquer intenção reformadora da decisão recorrida, nos termos em que a mesma vem sustentada.
No presente caso não é exigível à AT que prove a simulação; o que se lhe pede é que faça a prova de que existem indícios sérios de que as prestações de serviços em causa (e, como tal, os custos) não tiveram lugar; feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da materialidade daquilo que invoca – cfr. artigo 74º da LGT.
Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154
E, na verdade, em face dos indícios recolhidos (que se mostram objectivos e consistentes), há que concluir, com a 1ª instância, que os elementos apurados se apresentam, apelando a regras da experiência comum, aptos a concluir que efectivamente a contabilidade da ora Recorrente revela indícios fundados que não reflectem a sua matéria tributável real e, como tal, não se verifica invocada presunção de veracidade.
Esta conclusão pressupõe, naturalmente, o entendimento segundo o qual é à AT que cabe o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação, face à presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes, bem como dos dados que constam da sua contabilidade e escrita, nos termos do artigo 75.º, n.º 1 da LGT. Por seu turno, cessando a presunção de veracidade declarativa e da contabilidade, cabe ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito.
A Recorrente insiste no facto de que ocorreu a mediação na venda do imóvel em questão, foi emitida a respectiva factura e documento de quitação, o que não foi colocado em causa pela AT. E, de facto, assim é. Porém, cumpre salientar, que o assumir a existência da mediação (se bem que não constante da escritura publicada de compra e venda do imóvel e/ou existência de algum contrato escrito de mediação), é insuficiente para, sem mais, assegurar a comprovação, especialmente, atentas as especiais relações existentes entre accionistas da impugnante e sócios da empresa mediadora, do estrito e pontual cumprimento do seu respectivo objeto; para comprovar que tudo o que eventualmente tenha sido acordado e pedido pelos intervenientes, tenha sido concretizado por via do efectivo pagamento.
Sem prejuízo – insista-se – da matéria de facto não provada e que aqui não foi alterada, a verdade é que a tese da Recorrente, se traduz de que os pagamentos ocorreram, não convence este Tribunal, sendo dificilmente aceitável que, estando envolvidos montantes elevados entre as diferentes partes (cerca de 147 mil euros), não haja qualquer evidência material susceptível de abalar o índice-facto de que não ocorreu qualquer fluxo financeiro inerente ao serviço de mediação, mas tão só os registos evidenciados da contabilidade.
Socorremo-nos, na senda do nosso entendimento, da doutrina explanada no arresto do STA de 05.07.2012, proferido no âmbito do recurso n.º 0658/11, para enquadramento legal da dedutibilidade dos custos, nomeadamente de despesas não devidamente documentadas, transcrevendo-se o que naquele acórdão se explanou em termos doutrinais.
Para alguns autores (Cfr. SALDANHA SANCHES, “Custos mal documentados e custos não-documentados: o seu regime de dedutibilidade”, Anotação ao Acórdão do STA de 16 de Fevereiro de 2000, recurso nº 24.133, Fiscalidade, nº 3, Julho de 2000, p. 86.) estas exigências formais embora criadas para o IVA devem aplicar-se «ao conjunto das relações tributárias por corresponderem às boas práticas contabilísticas» e, além do mais, tais «requisitos das facturas são os que permitem à escrita da empresa desempenhar todas as funções como instrumento de registo e de informação verificável que é chamada a desempenhar».
No entanto, segundo outros autores, a noção de «documento justificativo» é mais ampla do que a noção de factura, podendo abranger uma qualquer forma externa de representação da operação, sem as específicas solenidades da factura, “desde que explicite, de forma clara, as principais características da operação (os sujeitos, o preço, a data e o objecto da transacção)“ (Cfr. TOMÁS CASTRO TAVARES, “Da relação de dependência parcial entre a contabilidade e o direito fiscal na determinação do rendimento tributável das pessoas colectivas: algumas reflexões ao nível dos custos”, Ciência e Técnica Fiscal, 396, pp. 123 ss.).
TOMÁS CASTRO TAVARES aponta três argumentos que militam a favor desta tese: um literal, outro lógico-sistemático e um teleológico.
Em relação ao elemento literal, “o termo «documento justificativo» (nº 3 do art. 98º do CIRC) é conceitualmente mais lato do que a noção de «factura», cujo regime legal se encontra minuciosamente explicitado (al.b) do nº 1 do art. 28º e nº 5 do art. 35º, ambos do CIVA)”.
Quanto ao elemento sistemático, sendo o CIVA temporalmente anterior ao CIRC, afigura-se óbvio que o legislador do CIRC pretendeu instituir um diferente regime densidade das exigências formais, não tendo enveredado pela equiparação às exigências do CIVA. Por fim, no que respeita ao argumento teleológico, importa salientar que “as exigências formais em sede de IVA resultam das características e dos fins acautelados por esse imposto, quais sejam de uma intervenção poligonal, por incidência financeira do imposto sobre as diversas fases da transacção do bem, conferindo-se aos contribuintes o dever de arrecadação do tributo, por forma a facilitar o respectivo trabalho da Administração Fiscal.” (Ob. cit., p. 124.)
Segundo o mesmo Autor, já no que respeita ao imposto sobre o rendimento não se justificam exigências formais tão severas, pressupondo-se, em regra, para efeitos de dedutibilidade dos custos fiscais em IRC, “a feitura de um documento justificativo (suposto externo, com a menção das características fundamentais da operação), competindo à Administração Fiscal a prova da sua inexactidão ou da inexistência (total ou parcial) da relação subjacente.
Em suma, apesar de menos exigente, o Autor conclui que a dedutibilidade fiscal dos custos pressupõe, por regra, um suporte formal com uma certa densidade.
Outra questão é a de saber se quando uma dada transacção não se suporta num documento externo, ou o mesmo for incompleto, se se deve concluir liminarmente pela preclusão da dedutibilidade do custo ou, pelo contrário, se deve ainda assim admitir prova da operação mercantil.
E aqui o mencionado Autor acaba por admitir que se por exigência do princípio da capacidade contributiva os custos ainda que não documentados contribuem para o apuramento do rendimento, desde que o contribuinte alegue e demonstre a existência e montante do gasto, “(…). Consequentemente, não se pode recusar a dedutibilidade de um gasto, quando o mesmo se encontre suficientemente demonstrado por outros oportunos meios de prova devidamente aduzidos pelo contribuinte (a quem passa a caber o respectivo ónus)”.
Assim, refere o Autor que estamos a seguir, que ao comprador compete, pois, a prova da ocorrência do custo, com a determinação do seu efectivo montante. Para tal, não basta que evidencie um documento interno (por si mesmo realizado). Ao lado desse suporte terá de demonstrar, por qualquer outro meio, a existência e principais características da transacção. Nessa tarefa poderá carrear quaisquer meios de prova (testemunhas, documentos auxiliares, explanação da sua contabilidade), competindo ao juiz aquilatar sobre o preenchimento da prova. Deste modo, um custo não documentado assume efeitos fiscais se o contribuinte provar, por quaisquer meios ao seu dispor, a efectividade da operação e o montante do gasto”.
Também RUI DUARTE MORAIS (Cfr. Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2009, pp.70-80.), sem deixar de afirmar que tem de existir sempre um documento, “ainda que “imperfeito” ou “outro” que não aquele que normalmente deveria existir (p. ex., uma “nota” de lançamento elaborada pelo próprio sujeito passivo)”, admite “que o sujeito passivo deve ser admitido a completar a prova da existência do custo através do recurso a quaisquer meios admitidos em direito”.
Por sua vez, FREITAS PEREIRA (Cfr. “Relevância, em termos de apuramento do lucro tributável, de documentos internos justificativos de compras de existências”, Ciência e Técnica Fiscal, nº 365, 1992, pp. 346 ss.) considera que a inexistência de documento externo exigido para determinada operação afecta o valor probatório da contabilidade e que tal falta não pode ser suprida pela apresentação de um documento interno. Justificando esta ilação pondera o referido Autor que “o valor probatório de uma contabilidade assenta essencialmente nos respectivos documentos justificativos e, quanto aos que o devam ser, é a origem externa que lhes confere um carácter que se pode designar por presunção de autenticidade. Um documento de origem interna só pode substituir-se um documento de origem externa quando sejam reunidas provas adicionais que confirmem a autenticidade dos movimentos nele reflectidos.(…) Dito de outro modo: a substituição de um documento externo por um documento interno pode, no plano exclusivo da determinação do lucro tributável, não ser irremediável se, contendo este último todos os elementos indispensáveis que devia conter o primeiro, a veracidade da operação subjacente puder ser demonstrada.” (fim de transcrição)

Tudo visto, e sem necessidade de maiores considerações, há que julgar improcedentes as conclusões da alegação de recurso e concluir que, ao contrário do defendido, não se verifica qualquer violação do disposto nos artigos 74º e 75º da LGT e 23º do CIRC.

Assim, a sentença que manteve a liquidação de IRC na ordem jurídica deve ser confirmada.

2.3. Conclusões

I. Os despachos interlocutórios que julguem desnecessária a produção de prova testemunhal, são recorríveis autonomamente sob pena de se firmar caso julgado, no entanto não impede a sua apreciação em sede de erro de julgamento de facto do recurso intentado da decisão final.
II. Tendo a AT abalado fundamentadamente o enquadramento dos custos no artigo 23º do CIRC, evidenciando a constatação de elementos capazes de fazer concluir que, não obstante a existência de registos contabilísticos, a ausência de fluxos financeiros que sustentem os mesmos, abala a credibilidade da veracidade da contabilidade, cabia à impugnante o ónus de provar a subsunção de tais custos ao enquadramento previsto no referido artigo 23º.
III. Se a contabilidade do sujeito passivo revela indícios fundados que não reflectem a sua matéria tributável real e, como tal, não se verifica invocada presunção de veracidade (cfr. art.º 75.º, n.º 2, al. a) da LGT).
IV. No caso, basta atentarmos na matéria de facto não provada para concluir que a Impugnante não demonstrou a veracidade da sua contabilidade. feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da materialidade daquilo que invoca – cfr. artigo 74º da LGT.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar na ordem jurídica a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 03 de fevereiro de 2022

Irene Isabel das Neves
Ana Paula Santos
Margarida Reis