Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02365/14.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/17/2015
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA; OMISSÃO DE PRONÚNCIA; CONTRADIÇÃO;
PERICULUM IN MORA; ALÍNEA B) DO N.º 1 DO ARTIGO 120º DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS; FACTO CONSUMADO; EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE PSICÓLOGO COMO ESTAGIÁRIO OU COMO MEMBRO EFECTIVO.
Sumário:1. Só se verifica nulidade por omissão de pronúncia quando a sentença ou acórdão não aprecie questões suscitadas e não quando não considere os argumentos apresentados no âmbito de cada questão.

2. O erro no enquadramento jurídico leva à revogação da sentença e não à declaração de nulidade.

3. Não constitui uma questão sobre a qual o tribunal se deva pronunciar a validade da carteira profissional de psicóloga passada à requerida por uma entidade que, à data, não teria atribuições para o fazer, a Autoridade para as Condições de Trabalho, quando tal habilitação não foi invocada como um acto gerador de efeitos jurídicos mas apenas como um facto histórico comprovativo da existência da experiência profissional como psicóloga por parte da requerente há vários anos.

4. Se os factos apontados na decisão cautelar conservatória não são suficientes para se concluir pela existência de periculum in mora - para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - não se verifica uma nulidade por contradição ou incongruência entre os fundamentos e a decisão, o que se verifica é um erro de julgamento.

5. Para a verificação deste requisito não é necessário que se prove a existência de prejuízos de difícil reparação, basta a prova da criação de uma situação de facto consumado com a imediata execução do acto.

6. Verifica-se uma situação de facto consumado se o acto que impõe à requerente a realização de um estágio de um ano para o exercício da profissão de psicóloga for de imediato executado pois esta ficará impedida, ao menos nesse período de exercer de forma autónoma e livre a sua profissão, como até à data da prática do acto o fez.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Ordem dos Psicologos
Recorrido 1:MSFD
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar de Admissão Provisória a Concurso (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:O Ministério Público emitiu parecer no sentido de os autos baixarem à 1ª instância para se pronunciar sobre a questão da nulidade do título profissional atribuída à requerente, suscitada na oposição da entidade requerida e que, não tendo sido conhecida, constitui uma nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A Ordem dos Psicólogos Portugueses veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 09.01.2015, pela qual foi julgada procedente a providência cautelar intentada por MSFD contra aquela Ordem para o decretamento provisório da inscrição da requerente na Ordem dos Psicólogos Portugueses como membro efectivo.


Invocou para tanto, em síntese que: a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia e por incongruência entre os factos e a decisão; em todo o caso, procedeu a um errado enquadramento jurídico dos factos ao dar como provados os pressupostos para o decretamento da providência requerida, mencionados na alínea c) do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, os quais, no seu entender, não se verificam.

A recorrida apresentou contra-alegações a defender a manutenção do decidido.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de os autos baixarem à 1ª instância para se pronunciar sobre a questão da nulidade do título profissional atribuída à requerente, suscitada na oposição da entidade requerida e que, não tendo sido conhecida, constitui uma nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

*
Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
*
I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

A) Ao decretar a providência cautelar de inscrição provisória da recorrida o TAF de Braga não fez um adequado julgamento, enfermando a sentença de diversos vícios: quanto ao periculum in mora, inexistem factos que suportem a conclusão e fez-se uma incorrecta avaliação sobre o facto consumado e prejuízos de difícil reparação; quanto ao fumus boni iuris, verifica-se a omissão de pronúncia sobre questão alegada pela recorrente e foi incorrectamente apreciada a alegada desconformidade constitucional do acto da Recorrente.

B) Não resulta dos factos dados como provados que “se a Requerente não se encontrar inscrita na ordem dos psicólogos como membro efectivo, continuará impossibilitada de exercer a sua actividade profissional”, mas apenas que recebeu convites.

C) Contudo, a sentença não considerou como facto apurado nada que tivesse relação com esses convites: nem que a recorrida os aceitou ou declinou, nem que essas entidades – que ficamos sem saber em rigor quais são – retiraram o convite em virtude de ela ser estagiária e não poder exercer como membro efectivo.

D) Em suma, não temos nenhum facto que suporte a conclusão de que a recorrida continua impossibilitada de exercer a sua actividade profissional caso mantenha a inscrição na OPP como membro estagiário.

E) Pelo que a apreciação jurídica retirada pelo Tribunal em sede de periculum in mora não assenta nos factos apurados, o que a torna nula de acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, ex vi artigo 140.º do CPTA.

F) Ainda que se defenda que resulta dos factos que a circunstância de a recorrida ser membro estagiário da OPP impossibilitar a sua prática profissional ainda assim o Tribunal deveria ter concluído de modo diferente.

G) Foi apurado que a recorrida “vive com o seu companheiro em casa arrendada” (facto 16) e que “tem sobrevivido com a ajuda do seu pai e do seu namorado” (facto 22), mas nada se diz sobre a impossibilidade de a recorrida ver os seus gastos do dia-a-dia continuarem a ser assegurados por aqueles familiares.

H) Acresce que o estágio profissional da recorrida terá no máximo uma duração de 1 ano e que, atendendo à situação de vida descrita pelas testemunhas, não se apurou que a recorrida não pudesse realizar estágio não remunerado.

I) De resto, a recorrida também não especifica que rendimentos profissionais auferiria para se poder perceber o que deixaria de ganhar caso a providência não fosse adoptada.

J) O Regulamento de Estágios da Ordem dos Psicólogos Portugueses dispõe que “a entidade receptora do estágio profissional deve proporcionar uma remuneração ao Psicólogo Estagiário (…)”; no mesmo sentido, o Decreto-Lei n.º 66/2011, de 1 de Junho, impõe que os estágios profissionais, incluindo os que dão acesso ao exercício de uma profissão regulada, devem ser remunerados.

K) Assim, de maneira nenhuma ficou demonstrado que a circunstância de a recorrida ser membro estagiário lhe retira, automaticamente, quaisquer rendimentos.

L) O certo é que a recorrente não está a impedir a recorrida de exercer a profissão: nos termos do Regulamento de Estágios, os estagiários exercem a profissão em termos análogos aos dos membros efectivos, não havendo nenhum impedimento específico.

M) Não é verdade que a recorrida tenha uma experiência profissional que date de 2007, pois não era nem membro efectivo nem membro estagiário da OPP e perdeu três processos cautelares nos quais pedia a inscrição, pelo que não pode julgar-se essa experiência como legal quando se sabe que a mesma foi reunida em desrespeito do quadro legal vigente.

N) De resto, não é verdade que a realização de estágio seja “um retrocesso profissional”, pois a verdade é que a realização de estágio profissional é uma fase normal do exercício de qualquer profissão, sobretudo das que são reguladas.

O) Pelo que há que concluir que não se verifica o periculum in mora; e concluindo que não se verifica o primeiro dos requisitos exigidos por lei para o decretamento da presente providência cautelar, deveria o tribunal ter decidido pelo não decretamento da mesma, em virtude de se tratar de requisitos.

P) Não o tendo feito, o TAF de Braga aplicou erradamente a alínea c) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.

Q) A Recorrente afirmou expressamente na sua oposição que o título profissional passado à recorrida em 4 de Novembro de 2008 era nulo por, naquela data, a IGT não ter qualquer competência legalmente reconhecida para emitir tal documento.

R) No entanto, a sentença omite qualquer apreciação deste argumento, que constitui uma excepção peremptória do pedido formulado pela recorrida.

S) Ora, a apreciação deste argumento era essencial para o bom julgamento da causa. Com efeito, o tribunal parte do pressuposto, para fundamentar o seu julgamento quanto ao fumus boni iuris, que a Recorrida exercia “válida e legalmente esta actividade profissional”.

T) Ao não ter apreciado este argumento fundamental, o TAF de Braga proferiu sentença nula, nos termos e para os efeitos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;

U) Entendeu a sentença recorrida, em sede de apreciação do fumus boni iuris que “tal quadro normativo [Estatuto da OPP] poderá vir a ser reputado de inconstitucional por se traduzir para a Requerente numa limitação ao exercício da sua profissão com quebra intolerável da segurança jurídica e da confiança que as pessoas e a comunidade depositam na ordem jurídica que as rege”.

V) Este raciocínio enferma, com o devido respeito, de três vícios essenciais: (i) parte do pressuposto que o exercício profissional da recorrida era titulado por documento legalmente emitido, o que já se demonstrou não ser verdade; (ii) admite que o quadro normativo pode vir a ser reputado inconstitucional, mas não refere que tal é provável e (iii) não leva em conta argumentos que sustentam a respectiva constitucionalidade.

W) A carteira profissional da recorrida foi passada ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 358/84, de 13 de Novembro; nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 8.º “os regulamentos de carteiras profissionais aprovados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 29 931, de 15 de Setembro de 1939 mantêm-se em vigor até que sejam revogados ou substituídos, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º” e “as carteiras profissionais emitidas ao abrigo do regime anterior mantêm a validade, sem prejuízo do que vier a ser disposto nas portarias a que se refere o número 1 do artigo” – tais disposições só podem querer dizer que tais regulamentos estavam prestes a ser revistos e/ou revogados;

X) Importa também dizer que não se está perante uma ofensa a direitos adquiridos ou uma projecção de efeitos retroactivos, pois estamos perante um caso de retroactividade inautêntica ou retrospectividade, casos em que a proibição só se verifica se “as medidas legislativas se revelarem arbitrárias, inesperadas, desproporcionadas ou afectarem direitos de forma excessivamente gravosa e impróprias as posições jus fundamentais dos particulares”;

Y) Ao não ter julgado assim, o TAF de Braga aplicou erradamente a alínea c) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA;
*

II – Matéria de facto.

Com interesse para a decisão da presente providência cautelar foram fixados na decisão recorrida os seguintes factos indiciados:

1) A requerente é licenciada em Psicopedagogia Curativa pela Universidade M... (Porto) desde 5 de Fevereiro de 2003, com a classificação final de 15 valores (cf. documento 1 junto com a petição inicial).

2) A licenciatura acabada de referir foi reconhecida oficialmente pela Portaria nº 171/98, de 16.03 (cf. documento 1 junto com a petição inicial).

3) No decurso desta licenciatura a requerente frequentou estágios curriculares em três instituições (cf. documento 1 junto com a petição inicial).

4) De 1 de Abril de 2004 a 31 de Dezembro de 2004 a requerente realizou estágio profissional na Casa de Saúde S. JD, em Barcelos (cf. documento 1 junto com a petição inicial).

5) Em 2005 a requerente iniciou um curso de doutoramento na Universidade de Santiago de Compostela, Espanha, em Psicologia Clínica e Psicobiologia, o qual terminou em 2008, com a obtenção de um Diploma de Estudos Avançados e classificação final de 20 valores (cf. documentos 3, 4 e 5 juntos com a petição inicial).

6) Em Março de 2007 a requerente iniciou a actividade profissional de psicóloga clinica, como prestadora de serviços a tempo parcial, na C... (cf. documento 6 junto com a petição inicial).

7) Em 2 de Julho de 2010 a requerente concluiu a licenciatura em Psicologia pela Universidade L... (Porto), com a classificação final de 14 valores (cf. documentos 7 e 8 juntos com a petição inicial).

8) No ano de 2010, entre Março e Agosto, a requerente frequentou um estágio curricular, na área da psicologia clinica, na Cruz Vermelha Portuguesa (cf. documento 9 junto com a petição inicial).

9) Desde 5 de Novembro de 2008, a requerente possui a carteira profissional de Psicóloga emitida pela Autoridade para as Condições de Trabalho (cf. documento 10 junto com a petição inicial).

10) Em 8 de Julho de 2014, a requerente concluiu o mestrado em Psicologia Clinica e da Saúde, com a classificação final de 14 valores (cf. documento 11 junto com a petição inicial).

11) O Mestrado acabado de mencionar incluiu um estágio (cf. documento 1 junto com a petição inicial).

12) Em 23 de Agosto de 2014 a requerente solicitou junto da requerida a sua inscrição como Psicóloga.

13) Em 29 de Setembro de 2014, via e-mail, a requerente foi informada “ (…) que o seu registo na Ordem se encontra concluído. (…) Para concluir a sua inscrição como Candidato a Estágio Profissional deve (…) apresentar o seu projecto de estágio (…)” (cf. documento 12 junto com a petição inicial).

14) Em 2 de Outubro de 2014, a requerente solicitou explicação de lhe ser atribuída cédula de membro estagiário e referiu a circunstância de possuir experiência profissional há seis anos (cf. documento 1 junto com a petição inicial).

15) Em 2 de Outubro de 2014, a requerida, via e-mail, informou a requerente que “(…) Com base na análise do seu processo e na informação acima referida, não é possível, do ponto de vista legal, considerar 12 meses de experiência profissional, até 12 de Abril de 2010, (…), uma vez que terminou o seu percurso académico em Psicologia a 8 de Julho de 2014 (…)”(cf. documento 12 junto com a petição inicial).

16) A requerente vive, desde 1 de Dezembro de 2013, com o seu companheiro, em casa arrendada, pagando €350,00 mensais (cf. documento 13 junto com a petição inicial).

17) Em Outubro de 2014, a requerente pagou uma factura de gás e electricidade no valor de €42, 16 (cf. documento 14 junto com a petição inicial).

18) A requerente auferiu subsídio de doença entre Janeiro de 2013 e Fevereiro de 2014 (cf. documento 16 junto com a petição inicial).

19) A requerente tem de suportar despesas com alimentação, vestuário.

20) A requerente pagou uma factura de água no valor de € 18,56 (cf. documento 15 junto com a petição inicial).

21) A requerente não exerce outra actividade profissional;

22) A requerente tem sobrevivido da ajuda do seu pai e do seu namorado;

23) A requerente recebeu duas propostas de duas entidades de saúde, uma sediada em Vila Verde e do Grupo T… Saúde, para prestar serviços como psicóloga.

24) A requerente esteve de baixa médica por doença desde 03.01.2013 a 28.02.2014.

25) A requerente detém bom nome profissional, estatuto profissional e credibilidade na área da psicologia.

26) A requerente recebe telefonemas de pacientes que acompanhou para continuar o acompanhamento;

27) Neste momento a requerente não exerce actividade profissional como psicóloga.

28) A requerente viu os seus serviços dispensados da clínica denominada C... no mês de Dezembro de 2012.


*

III - Enquadramento jurídico.

1. A nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Determina a alínea d) do n.º1, do artigo 615º, do Código de Processo Civil actual (alínea d) do n.º1, do artigo 668º, do anterior Código de Processo Civil), aplicável por força do disposto no artigo 1º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Este preceito deve ser compaginado com a primeira parte do n.º2, do artigo 608º, do mesmo diploma (anterior artigo 660º, com sublinhado nosso): “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.

Conforme é entendimento pacífico na nossa jurisprudência e na doutrina, só se verifica nulidade da sentença por omissão de pronúncia, a que aludem os citados preceitos, quando o juiz se absteve de conhecer de questão suscitada pelas partes e de que devesse conhecer (cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984 (reimpressão), p.140; e acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09).

O erro de direito não se integra no conceito de falta de fundamentação ou omissão de pronúncia.

O erro no enquadramento jurídico leva à revogação da sentença e não à declaração de nulidade, nos termos da invocada norma da alínea b), do n.º1 do artigo 615º do actual Código de Processo Civil.

A nulidade só ocorre quando a sentença ou acórdão não aprecie questões suscitadas e não argumentos apresentados no âmbito de cada questão, face ao disposto nos artigos 697º e 608º do actual Código de Processo Civil (artigos 659º e 660º do anterior Código de Processo Civil).

Efectivamente, o tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, mas apenas fundamentar suficientemente em termos de facto e de direito a solução do litígio.

Questões para este efeito são todas as pretensões processuais formuladas pelas partes, que requerem a decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer acto especial, quando realmente debatidos entre as partes (Antunes Varela, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 122º, página 112), não podendo confundir-se as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões, argumentos e pressupostos em que fundam a respectiva posição na questão (Alberto dos Reis, obra citada, 143, e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, volume III, 1972, página 228).

No mesmo sentido se orientou a jurisprudência conhecida, em particular os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09.10.2003, processo n.º 03B1816, e de 12.05.2005, processo n.º 05B840; os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.02.2002, processo n.º 034852 (Pleno), de 02.06.2004, processo n.º 046570, e de 10.03.2005, processo n.º 046862.


Refere a recorrente que a decisão impugnada padece de nulidade por não se ter pronunciado sobre a validade do acto que concedeu a carteira profissional à recorrida, sendo certo que a requerida suscitou a nulidade deste acto por ter sido praticado por quem já não tinha, à data, atribuições para o efeito.

No que foi acompanhada pelo Ministério Público neste Tribunal, a sustentar que a “requerente não exerceu validamente a actividade profissional de psicóloga. Circunstância que altera completamente os pressupostos em que se estribou a sentença.

Mas não existe esta nulidade.

Desde logo, como a própria recorrente acaba por reconhecer nas suas conclusões R), S) e T), não se trata aqui propriamente de uma questão que a sentença devesse conhecer, mas de um argumento.

Como argumento, a sua desconsideração pode diminuir o valor teórico da decisão mas não a afecta de nulidade por omissão de pronúncia.

E nunca poderia ser considerada como questão em si mesma a validade desse acto, dado não estar em juízo a entidade a quem interessa a manutenção do acto, o seu autor, a Autoridade para as Condições de Trabalho.

Isto sob pena de violação do princípio do contraditório, pilar essencial do processo quer civil quer contencioso administrativo.

Em todo o caso, trata-se de um tema (seja questão ou argumento) irrelevante.

Na verdade a requerente não invocou a emissão da carteira profissional pela Autoridade para as Condições de Trabalho como acto administrativo do qual faça derivar efeitos jurídicos mas como um facto.

Facto que - independentemente dos seus efeitos jurídicos - ocorreu.

E do qual a requerente faz decorrer outro facto: o exercício da actividade de psicóloga há mais de um ano contado até 12 de Abril de 2010, ao contrário do pressuposto no acto suspendendo.

Importa aqui reter, a propósito, que o acto impugnado não veda à requerente a inscrição na Ordem dos Psicólogos Portugueses.

Está apenas em causa a sua inscrição a título de membro efectivo ou como estagiária.

E a dispensa de estágio pretendida pela requerente funda-se, neste caso, no disposto no artigo 84º do Estatuto da Ordem dos Psicólogos Portugueses, aprovado pela Lei 57/2008, de 04.09:

Dispensa de estágio profissional

Consideram -se dispensados da realização de estágio profissional os licenciados que, tendo realizado uma licenciatura de quatro ou cinco anos com estágio curricular incluído, comprovem o exercício profissional da psicologia durante um período mínimo de 18 meses até à data da nomeação da comissão instaladora da Ordem nos termos a definir por esta.”

Como é evidente, o “exercício profissional da psicologia durante um período mínimo de 18 meses” a que alude este preceito não pode ser, ou não pode ser apenas, o exercício ao abrigo de título conferido pela Ordem dos Psicólogos Portugueses porque a lei não exige o exercício ininterrupto “até à data da nomeação da comissão instaladora da Ordem” nem fala do exercício da profissão exclusivamente autorizado por título emitido pela Ordem.

Significa que o exercício válido, leia-se, relevante, para efeitos de dispensa do estágio – o que está aqui em causa – não tem de ser titulado por acto da Ordem ou outro acto válido pois a lei não faz essa exigência.

Apenas exige que o exercício da psicologia seja um exercício profissional, o que nos remete para uma situação de facto e não jurídica.

Daí que não se impusesse conhecer da validade carteira profissional emitida pela Autoridade para as Condições de Trabalho.

Não se verifica, em suma, esta nulidade.

2. A nulidade da sentença por incongruência entre os factos e a decisão.


Quanto à contradição a que alude a alínea c) do n.º 1, do art.º 668º do Código de Processo Civil é uma incongruência lógica ou jurídica.

Esta incongruência lógica ou jurídica pode traduzir-se numa oposição entre os fundamentos e a decisão ou nos fundamentos entre si (os necessários para a decisão) ou no próprio conteúdo decisório em si mesmo. A razão de ser da nulidade é, em qualquer dos casos, a mesma: não se pode aproveitar, de todo, uma sentença cujo sentido lógico ou jurídico não se pode alcançar.

Ver neste sentido o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10.11.2005, no processo n.º 01051/05.

A nulidade aqui prevista pressupõe um vício lógico de raciocínio; “a construção é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto” - Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, volume V, Coimbra 1984, reimpressão, p. 141: “nos casos abrangidos pelo artigo 668.º, n.º 1, c), há um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente” - Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, p. 690; “se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença” - Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, p.670).

Como diz Alberto dos Reis, obra citada, nas páginas 130 e 141, convirá notar que a contradição entre os fundamentos e a decisão nada tem a ver, seja com o erro material – contradição aparente, resultante de uma divergência entre a vontade declarada e a vontade real: escreveu-se uma coisa, quando se queria escrever outra –, seja com o erro de julgamento – decisão errada, mas voluntária, quanto ao enquadramento legal ou quanto à interpretação da lei; o erro material e o erro de julgamento não geram a nulidade da sentença, como sucede com a oposição entre os fundamentos e a decisão, mas, tão-só, e apenas, a sua rectificação ou a eventual revogação em via de recurso.

“Não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável…” - Antunes Varela, obra citada, página 686.

No caso concreto a recorrente defende que os factos apurados (leia-se indiciados) – que não questiona – não permitem a conclusão de que a existe periculum in mora.

Em bom rigor, no entanto, a recorrente não afirma que os factos indiciados conduzem logicamente a uma conclusão diferente ou seja, que a afirmação de existir periculum in mora, contida na sentença é logicamente incompatível com essa conclusão (única ilação que permitiria concluir pela nulidade da sentença) mas apenas que são insuficientes para permitir tal conclusão.

Esta insuficiência da matéria de facto para dar como verificado este requisito da providência cautelar, a verificar-se, traduziria um erro de julgamento, por se dar como verificado um pressuposto não existente, e não uma nulidade por incoerência ou incongruência entre os factos (uma das premissas do silogismo lógico da decisão, a par dos fundamentos de direito) e o conteúdo decisório (conclusão).

Mas mesmo esse erro não se verifica, como veremos.

Termos em que se conclui também pela não verificação desta (ou de qualquer outra) nulidade da sentença impugnada.

3. O periculum in mora; insuficiência dos factos para esta conclusão.

No caso concreto estamos, indiscutivelmente, perante uma providência cautelar antecipatória, pelo que importa transcrever aqui o enunciado da alínea c), do n.º 1, do art.º 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sobre os requisitos desta providência:

“Quando, estando em causa a adopção de uma providência antecipatória, haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente pretende ver reconhecidos no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.”

Desde logo, não é necessário para a procedência da providência que se demonstre o fundado receio de produção de prejuízos de difícil reparação. Basta que haja perigo, fundado, de constituição de um facto consumado, como resulta da partícula “ou” utilizada, de forma inequívoca.

Quanto ao periculum in mora, refere Mário Aroso de Almeida em O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, 4ª edição revista e actualizada, na obra acabada de citar, pág. 260 “se não falharem os demais pressupostos, a providência deve ser concedida se dos factos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade”.

Continua este autor a referir que a providência deve também ser concedida, “sempre pressupondo que não falhem os demais pressupostos (...) quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que se a providência for recusada, essa reintegração no plano os factos será difícil (…), ou seja, nesta segunda hipótese, trata-se de aferir da possibilidade de se produzirem “prejuízos de difícil reparação”.

Por seu lado quanto a esta questão, refere Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa, 4º ed. p. 298, que:

“O juiz deve, pois, fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por entretanto se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica”.

Analisando a nossa situação concreta verificamos que estamos perante a possibilidade de criação de uma situação de facto consumado.

No caso concreto esta alternativa que o legislador introduziu e que favorece o requerente mostra-se, por isso, importante.

Na verdade, independentemente, das consequências patrimoniais do impedimento da requerente de se inscrever como membro efectivo da Ordem, a verdade é que se verificará uma situação de facto consumado com a não suspensão do acto de recusa de inscrição com membro efectivo.

Ao contrário do que defende a recorrente, o exercício da actividade de psicólogo depende agora da qualidade de membro efectivo da Ordem nos termos do disposto no artigo 61º, alínea a), do Estatuto da Ordem dos Psicólogos, e do artigo 19º do Regulamento do Estágio da Ordem dos Psicólogos Portugueses, aprovado por despacho 15866/2010, publicado no Diário da República, 2º Série, n.º 204, de 20.10.2010.

Nestes preceitos prevê-se apenas o direito ao exercício da profissão de psicólogo aos membros efectivos e não aos estagiários.

Em todo o caso, ainda que se possa entender a actividade do estagiário como “exercício da profissão”, em termos de situação de facto não é a mesma coisa exercer a profissão livremente ou sob a orientação de um formador e os estritos deveres e condições impostos ao estagiário pelo artigo 19º do mencionado Regulamento, incluindo a obrigação de observar as regras e condições impostas pela entidade que recebe o estagiário, participar na definição do funcionamento e orientação do estágio, proceder a um registo de horas, elaborar e apresentar um relatório de actividades, participar em actividades, trabalhos e cursos de formação que são impostos no âmbito do estágio.

A não ser deferida a providência, a requerente estaria sem poder exercer a profissão de psicóloga, ao menos de forma livre e autónoma, antes sujeita a orientação e deveres impostos pelo regulamento.

O que constitui um efectivo retrocesso face à situação de facto verificada até aqui, do exercício da profissão de forma livre e autónoma.

Situação esta que no plano dos factos é irreversível.

E no caso concreto entendemos também, passando agora para o outro requisito exigido pelo preceito acima transcrito, ser provável do êxito da acção principal.

Para além de ser plausível a procedência do apontado erro nos pressupostos de facto e de direito do acto de recusa da inscrição da requente como membro efectivo da Ordem dos Psicólogos por desconsideração da experiência profissional dada aqui como indiciada, também o argumento da inconstitucionalidade do Estatuto da Ordem dos Psicólogos se mostra com muita probabilidade procedente.

Isto porque o Tribunal Constitucional emitiu a seguinte pronúncia no recente acórdão n.º 851/2014 de 10.12.2014, no processo n.º 1326/13:

“a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da proteção da confiança legítima, extraído do artigo 2.º da Constituição, a norma constante do artigo 51.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto da Ordem dos Psicólogos (EOP), aprovado pela Lei n.º 57/2008, de 4 de setembro, na parte em que subordina a inscrição na Ordem dos Psicólogos, e correspondente exercício da profissão de psicólogo, ao facto de se ser titular de uma licenciatura em psicologia, na medida em que não tutela a posição jurídica daqueles que já exerciam a profissão de psicólogo de acordo com as regras anteriormente vigentes.”

É portanto provável (embora não evidente, indiscutível) o êxito do requerente na acção principal.

Pelo que, tal como decidido pelo Tribunal a quo, se concluiu pela verificação do requisitos para a procedência do pedido cautelar, mencionados na alínea c) do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Daí que se imponha manter a decisão recorrida.

Isto sendo certo que não foi posta em causa a ponderação de interesses a que alude o n.º 2 do mesmo preceito.


*

IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em JULGAR IMPROCEDENTE O PRESENTE RECURSO JURISDICIONAL, pelo que mantém a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.


*
Porto, 17 de Abril de 2015

Ass: Rogério Martins
Ass.: Helena Ribeiro
Ass.: Esperança Mealha