Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00830/22.2BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/10/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Luís Migueis Garcia
Descritores:INTERESSE EM AGIR;
ARRENDAMENTO APOIADO;
Sumário:I) – É de confirmar a falta de interesse em agir ao recorrente que não carece de tutela judiciária; como no caso, em que a lei, na disciplina do arrendamento apoiado, consagra ao exercício do poder administrativo autotutela declarativa e autotutela executiva.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

IHRU – Instituto da Habilitação e da Reabilitação Urbana (Av.ª ..., ... ...), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Braga, o qual absolveu da instância a demandada AA (Bairro ..., Rua ..., ..., ..., ... ...), por falta de interesse em agir.

Conclui:

A) Ainda que se considerasse ter existido a sustentada autotutela administrativa, a mesma deixou de ter consagração legal, por força da alteração do artigo 28º da Lei n.º 81/2014, operada pela Lei n.º 32/2016 de 24/8, cuja atual redação do nº 1 do artigo 28º determina que cabe ao aqui recorrente “levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei.”, afastando expressamente o despejo administrativo, até por falta de meios humanos e materiais para que as entidades administrativas levem a cabo tais procedimentos de despejo;
B) O nº 2 do artigo 28º, ao determinar que “são da competência exercida pelos dirigentes máximos, dos concelhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no n.º 1 do art.2º, consoante for o caso, as decisões relativas ao despejo, sem prejuízo de delegação”, apenas expressa que, qualquer despejo que seja instaurado, carece de autorização superior, no caso, do Conselho Diretivo do Autor, nada se extraindo no que respeita à propugnada autotutela declarativa e / ou executiva administrativa;
C) Também o nº 4 do citado artigo 28º que dispunha “4 - Quando o senhorio for uma entidade diversa das referidas no n.º 1 do artigo 2.º, o despejo é efetuado através da ação ou do procedimento especial de despejo previstos no NRAU, e na respetiva regulamentação.”, foi revogado pela Lei nº 32/2016 de 24 de agosto, donde, todas as entidades aí referidas podem levar a cabos os procedimentos subsequentes, nos termos da lei, artigo 28º/1 (in fine).
D) Também os números 7 e 8 do artigo 34º da Lei 81/2014 de 19 de dezembro foram revogados pela Lei nº 32/2016 de 24 de agosto. Ao serem revogadas tais comunicações, deixou o senhorio de poder obter título bastante para desocupação de habitação e proceder ao despejo administrativo.
E) A única forma que presentemente a Lei admite como despejo administrativo é a prevista no artigo 26º da citada Lei “Cessação do contrato por renúncia” e elencando aí os procedimentos que as entidades administrativas devem tomar para concretizar a posse do imóvel, sendo as demais por via judicial prevista no nº 1 do artigo 28º da citada Lei.
Mas ainda que não se concorde inteiramente com o alegado, sempre se terá como claro e inequívoco que:
F) Os Acórdãos citados pelo Tribunal assentam numa premissa que não se verifica, qual seja, a de que o recurso à autotutela/ via extrajudicial para resolução dos contratos de arrendamento apoiado é imperativa;
G) Na verdade, o diploma em causa – Lei nº 81/2014 de 19/12 – salvo melhor opinião, veio apenas criar um mecanismo para, em determinadas situações, o senhorio poder resolver o contrato por comunicação ao arrendatário após a sua audição, isto é, veio acrescentar mais um mecanismo de resolução do contrato de arrendamento e despejo e não proibir o acesso à via judicial, dentro de uma lógica de celeridade de procedimentos.
H) Assim sendo, o princípio geral estatuído na referida lei apenas poderá ser o seguinte: o senhorio pode resolver o contrato nos termos gerais de direito, lançando mão da ação judicial e pode, ainda, utilizar em alternativa a resolução extrajudicial prevista na lei se verificar que essa possibilidade é mais expedita.
I) Existindo situações em que só através da via judicial se obtém a resolução contratual (e, mais do que isso o despejo coercivo, atentas as limitações constitucionais), não é possível sustentar, com coerência, a exclusividade e imperatividade da via extrajudicial prevista no artigo 25º a 28º do citado diploma legal, sendo certo que conclusão contrária implicaria uma limitação injustificada do direito de ação do aqui Recorrente previsto no artigo 20º da CRP.
J) Ademais, como bem refere a Doutrina mais avisada, para que haja interesse em agir exige-se apenas uma necessidade de recorrer aos tribunais justificada, razoável e fundada. Não tem de se traduzir numa necessidade absoluta e/ou única para a realização da pretensão deduzida pelo senhorio (vide A. Varela in Manual de Processo Civil, pg. 179).
K) Está-se assim perante uma errada aplicação do pressuposto processual inominado do interesse em agir, e, consequentemente, preterido o princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, vertido no artigo 20º da C.R.P.

Sem contra-alegações.

*
A Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de não provimento do recurso.
*
Dispensando vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.
*
Os factos, que o tribunal “a quo” fixou como provados:
A. O Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP é proprietário do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha n.º ...02, e na matriz predial da freguesia ... sob o artigo n.º ...59 (cf. documentos juntos aos autos com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
B. A 21.02.2013, entre o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP e AA foi celebrado, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 166/93, de 07 de Maio, contrato de arrendamento para fim habitacional, em regime de renda apoiada, relativamente ao fogo que se encontra descrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo n.º ...59, com o teor que se dá aqui por integralmente reproduzido (cf. documentos juntos aos autos com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
C. Por ofício datado de 12.08.2020, o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP informou AA do seguinte (cf. documento junto aos autos com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
D. Em 29.04.2022, foi registada a entrada, via SITAF, da petição inicial que originou os presentes autos (cfr. fls. dos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidas).
*
A apelação:
O autor/recorrente veio intentar a acção administrativa peticionando o decretamento da cessação de contrato de arrendamento, por resolução, e a entrega do imóvel livre e devoluto de pessoas e bens, bem como, a condenação do Réu no pagamento das rendas vencidas no valor de € 358,87 (incluindo juros) e vincendas, acrescidas dos respetivos juros de mora calculados à taxa supletiva legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento e entrega efetiva do bem imóvel.
A ré veio a ser absolvida da instância, por falta de interesse em agir.
O quadro legal envolto é o da Lei n.º 81/2014, de 19/12, que aprovou o Regime da Renda Apoiada para Habitação.
A decisão recorrida expressamente sufraga e remete para o entendimento vertido em Ac. do TCAS, de 18-06-2020, no processo n.º 644/18.4BESNT; no que nos dispensamos de voltar a reproduzir o que na íntegra já é conhecido das partes, mas de onde destacamos por ideia determinante que «a lei consagrou o exercício do poder administrativo, quer de autotutela declarativa, quer de autotutela executiva (…) apenas sendo contestada a decisão administrativa de resolução do contrato de arrendamento e do despejo administrativo pelo inquilino, se atribui a uma entidade terceira imparcial e independente a resolução do litígio, isto é, os tribunais administrativos, mediante a instauração de uma ação administrativa ou as vias de resolução alternativa de conflitos».
Este TCAN tem comungado mesmo juízo.
Assim, de entre outros (cfr., p. ex., Ac. de 14-10-2022, proc. n.º 18/22.2BEBRG), e como por último se lembra em recente aresto em que foi recorrente a aqui também autora – Ac. de 10-02-2023, proc. n.º 1222/22.9BEPRT:
«(…)
Na verdade, esta questão foi objecto de decisões recentes de tribunais superiores da jurisdição administrativa, seja deste TCA Norte, nomeadamente o Ac. de 27/5/2022, in Proc. 654/18.1BEBRG que, submetido a Recurso de Revista – art.º 150.º do CPTA – veio o STA, em doutra apreciação preliminar, de 3/11/2022, entender que, não se verificando os requisitos legalmente previstos, não havia razões para a reapreciação pelo STA, transitando, deste modo, em julgado a decisão do TCA Norte e com as quais concordamos, pelo que, à míngua de diversa e diferente discórdia do IHRU,IP, remetemos, data vénia, para a fundamentação propendida naquele aresto, donde resulta:
Atendendo, à alegada falta de interesse agir, sendo esta uma exceção dilatória inominada insuprível, cuja verificação obsta ao prosseguimento dos autos e determina a absolvição da instância ou o indeferimento, da petição inicial, no caso de não ter ocorrido ainda a citação do Réu, estribou-se o Tribunal a quo, no entendimento que o Apelante tem mecanismos que lhe permitem assegurar a tutela requerida nos presentes autos, por força do DL 81/2014, de 19 de dezembro, alterado com a Lei 32/2016 de 24 de agosto.
Alicerçou-se, e bem, no Acórdão do TCA Sul de 18/6/2020, proferido no âmbito do processo nº 644/18.4BESNT.
Como aí se salienta, sem que seja possível extrair uma solução expressa e inequívoca da letra da lei, a mesma há de decorrer da interpretação conjugada de um conjunto de preceitos da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24/08, a saber, os artigos 17.º, n.º 3, 28.º, 28.º-A e 35.º, n.º 3.
Com relevo, transcrevem-se as citadas disposições legais pertinentes para o caso:
Artigo 17.º, n.º 3: “Compete aos tribunais administrativos conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento apoiado.”.
“Artigo 28.º Despejo
1 – Caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação a uma das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, cabe a essas entidades levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei.
2 – São da competência dos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, consoante for o caso, as decisões relativas ao despejo, sem prejuízo da possibilidade de delegação.
3 – Quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo.
4 – (Revogado.)
5 – Salvo acordo em sentido diferente, quaisquer bens móveis deixados na habitação, após qualquer forma de cessação do contrato e tomada de posse pelo senhorio, são considerados abandonados a favor deste, caso não sejam reclamados no prazo de 60 dias, podendo o senhorio deles dispor de forma onerosa ou gratuita, sem direito a qualquer compensação por parte do arrendatário.
6 – (...).
Artigo 28.º-A
Resolução alternativa de conflitos
As entidades locadoras podem recorrer à utilização de meios de resolução alternativa de conflitos para resolução de quaisquer litígios relativos à interpretação, execução, incumprimento e invalidade de procedimentos na aplicação da presente lei, sem prejuízo do recurso ao tribunal sempre que não haja acordo entre as partes.”.
A que acresce ainda o artigo 35.º, n.º 3: “Caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação nos termos do número anterior há lugar a despejo nos termos do artigo 28.º..
Do quadro legal descrito extrai-se a competência dos tribunais administrativos para conhecer das matérias relativas à invalidade ou cessação dos contratos de arrendamento apoiado, mas sem que se preveja a competência judicial em matéria de despejo.
O legislador elencou as matérias a que cabe a competência aos tribunais administrativos, especificando-as como sendo apenas a matéria da invalidade e da cessação do contrato, pois no demais, a competência é atribuída aos órgãos administrativos, nos exatos termos em que a lei o definir.
No que se respeita ao despejo, estabelece o artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, na redação conferida pela Lei n.º 32/2016, de 24/08, que caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, cabe ao Autor levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei, atribuindo a competência da decisão do despejo aos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos das entidades referidas no n.º 1 do artigo 2.º, consoante for o caso, sem prejuízo da possibilidade de delegação de competências.
O que implica que a lei consagrou o exercício do poder administrativo de autotutela declarativa, excluindo a competência jurisdicional dos tribunais administrativos.
A Administração dispõe do poder de determinar a resolução do contrato de arrendamento.
Por isso, se prevê no citado artigo 28.º, n.º 5 que quaisquer bens móveis deixados na habitação, após qualquer forma de cessação do contrato e tomada de posse pelo senhorio, são considerados abandonados a favor deste, caso não sejam reclamados, podendo o senhorio deles dispor de forma onerosa ou gratuita, sem direito a qualquer compensação por parte do arrendatário.
O senhorio tem a competência legal para decretar o despejo, assim como de fazer seus os bens móveis deixados na habitação, o que implica o reconhecimento legal não apenas da propriedade do imóvel, mas da posse do arrendado e, ainda, da propriedade dos bens móveis na mesma deixados que não sejam reclamados pelo inquilino.
Tal pressupõe que caiba à Administração o poder de determinar o despejo administrativo.
Acresce ainda em auxílio da interpretação expendida que, segundo o artigo 28.º-A do diploma em análise, o inquilino pode recorrer à utilização de meios de resolução alternativa de conflitos para resolução de quaisquer litígios relativos à interpretação, execução, incumprimento e invalidade de procedimentos na aplicação da lei, sem prejuízo do recurso ao tribunal, sempre que não haja acordo entre as partes.
Tal disposição traduz que apenas quando o inquilino se oponha à decisão administrativa de resolução do contrato e do despejo ou da sua execução e a pretenda contestar, pode recorrer à via judicial ou recorrer aos meios de resolução alternativa de conflitos.
Deste modo, apenas quando não haja o acordo entre as partes existirá um litígio carente de resolução, a qual, por isso, não se atribui a sua resolução ao próprio órgão administrativo.
Neste caso, apenas sendo contestada a decisão administrativa de resolução do contrato de arrendamento e do despejo administrativo pelo inquilino, se atribui a uma entidade terceira imparcial e independente a resolução do litígio, isto é, os tribunais administrativos, mediante a instauração de uma ação administrativa ou as vias de resolução alternativa de conflitos.
Não sendo impugnada a decisão administrativa, não existe litígio que careça de ser judicialmente dirimido.
Como sentenciado, aplicando o aresto transcrito, com as necessárias adaptações, ao caso concreto, depreende-se que nos termos do artigo 28.º da Lei 32/2016 de 24.08, caso não seja cumprida voluntariamente a obrigação de desocupação e entrega da habitação, são da competência dos dirigentes máximos, dos conselhos de administração ou dos órgãos executivos, no caso o Conselho Diretivo, as decisões relativas ao despejo. Quando a causa resolutiva seja a falta de pagamento de rendas, o n.º 3 do artigo 28.º, ainda estabelece que a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada em simultâneo com a decisão do despejo, o que não é o caso dos autos.
A única situação em que se verifica o uso à via judicial administrativa é quando o inquilino se oponha ou conteste a decisão administrativa de despejo.
Portanto, a Autora dispõe de meios de autotutela - declarativa e executiva - que lhe permitem alcançar os fins visados com a propositura da presente ação, designadamente no que respeita à determinação e execução do despejo/desocupação do fogo ocupado, nos termos da disciplina prevista no artigo 28.º da Lei n.º 32/2016 de 24.08.
À falta de necessidade de tutela jurisdicional por parte do Autor, corresponde a falta de interesse processual ou interesse em agir.
O interesse processual ou interesse em agir (...) consiste, de acordo com a maioria da doutrina, na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a ação para, dessa forma, obter um benefício direto, com repercussão positiva imediata na esfera jurídica do autor, aferindo-se, assim, tal interesse pela alegação de uma situação concreta necessitada de tutela jurisdicional.
“O interesse processual não pode ser afirmado ou negado em abstracto: apenas comparando a situação em que a parte (activa ou passiva) se encontra antes da propositura da acção com aquela que existirá se a tutela for concedida, se pode saber se isso representa um benefício para o autor e uma desvantagem para o réu. Se a situação relativa entre as partes não se alterar com a concessão dessa tutela judiciária, então falta o interesse processual.” – cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in “O Interesse Processual na Acção Declarativa”, 1989, pág. 6.
Sobre o interesse em agir pronuncia-se Vieira de Andrade como sendo um pressuposto que exige a verificação objetiva de um interesse real e atual, isto é, da utilidade na procedência do pedido - em “A Justiça Administrativa”, 2017, 16ª ed., pág. 292 e seguintes.
O interesse em agir apresenta-se como uma concretização da ideia de que a utilidade ou vantagem em causa há de ser “digna de tutela jurisdicional”.
Como se sumariou no Acórdão da RL de 19/01/2017, proc. 3583/16.0T8SNT.L1-2 ¯I - O interesse em agir é também apelidado de “interesse de agir”, “interesse processual”, “causa legítima da acção”, “motivo justificativo dela”, “necessidade de agir, ou necessidade de tutela jurídica. “Como resulta de todas estas designações, consiste na necessidade de recorrer ao processo” (...).
Com efeito, o interesse em agir é um pressuposto processual positivo para aferir da necessidade da tutela judicial efectiva consagrada no artigo 20º da CRP e bem assim da adequação do meio processual utilizado; o interesse em agir afere-se no momento da propositura da acção onde se manifesta a pretensão.
Segundo o STJ - Acórdão de 09/5/2018, proc. 673/13.4TTLSB.L1.S1 – “....II) O interesse processual, apesar de a lei não lhe fazer referência, de forma direta, porque o Código de Processo Civil não o contempla como exceção dilatória nominada, continua a constituir um pressuposto processual relativo às partes; III) Só se pode afirmar que há interesse processual quando a situação de incerteza, ou de dúvida, acerca da existência, ou não, de um direito ou de um facto, contra as quais o autor pretende reagir através da ação de simples apreciação, reunir objetividade e gravidade;
Na situação vertente, reitera-se, à falta de necessidade de tutela jurisdicional por parte do Autor, corresponde a falta de interesse processual ou interesse em agir.
Efectivamente não se evidencia qualquer meio contencioso pelo qual o inquilino haja impugnado qualquer acto, administrativo ou contratual.
A intervenção do Tribunal, em lugar do Ente Público tomar as decisões administrativas que lhe compete, no âmbito das suas atribuições e competência dos seus órgãos, e nos termos da lei, redundaria numa clara violação do princípio da separação de poderes”.
*
Por sua vez, no aresto do STA, supra referido, em apreciação preliminar de admissão (ou não) da Revista – art.º 150.º do CPTA – consta dessa pronúncia decisória definitiva:
“(..) o Recorrente reafirma a sua alegacão de que não dispõe de meios de autotutela — declarativa e executiva — para proceder ao despejo.
No entanto, o Recorrente não é convincente.
Com efeito, nada contrapõe em concreto quanto a interpretação que as instancias fizeram, de forma convergente, do mecanismo previsto no art. 28º, nºs 1 e 2 da Lei nº 81/2014 de atribuição da competência da decisão de despejo, bem como dos procedimentos subsequentes por via administrativa.
Ora, no juízo sumário que aqui cabe fazer, o acórdão recorrido mostra-se coerente e fundamentado quanto a decisão de julgar procedente a excepcão de falta de interesse em agir, face a tal mecanismo previsto na Lei nº81/2014, tendo seguido jurisprudência do TCA Sul (ac. de 18.06.2020, proc. nº 644/1 8.4BESNT em matéria em tudo semelhante à dos presentes autos) bem como do STJ (ac.de 09.05.2018, proc. nº 673/13.4TTLSB.L1.S1) e na doutrina quanto ao entendimento sobre a figura do “interesse em agir”, afigurando-se acertado quanto ao decidido, sendo que os concretos fundamentos da solução a que chegou não são postos em causa na presente revista.
Assim, não se justifica a admissão da revista, não se vendo que seja necessária para uma melhor aplicação do direito”.
(…)».
O mesmo juízo para aqui se importa.
E este entendimento persiste mesmo com a redacção dada à Lei nº 81/2014 pela Lei n.º 32/2016, de 24/8 [neste mesmo contexto: o já referido Ac. do TCAS, de 18-06-2020, no processo n.º 644/18.4BESNT, e também o Ac. do mesmo tribunal, de 19-05-2022, no proc. n.º 689/18.4BESNT].
É nosso julgamento que, tendo por fundo a referida Lei:
- o que o recorrente leva a conclusões A) e B) do recurso não lhe sustenta posição, bem pelo contrário: se lhe cabe “levar a cabo os procedimentos subsequentes, nos termos da lei”, com isso se lhe confere tutela para a incumbência; definindo “da competência”, consagra-se o que não teria sentido ter caso não fosse para cuidar do lhe é entregue em mãos; a não ser assim, não se compreende a alusão às dificuldades de meios; e, se as tem, isso não arreda do que é disciplina legal, nem alija a desnecessária demanda;
- o que o recorrente observa na conclusão C) da apelação, não oferece qualquer subsídio interpretativo ao caso;
- o que o recorrente repara na conclusão D) da apelação, não retira sentido, perante concatenada leitura do que a mesma lei disciplina nesse mesmo artigo 34º, n.ºs 4 e 6, e seu art.º 25º, n.º 2;
- o que o recorrente oferece em conclusão E) da apelação, dá demonstração da sua não razão, quando a lei concretiza que “cabe a essas entidades levar a cabo os procedimentos subsequentes”, e só a si cabe, em procedimentos (administrativos), até para outras causas distintas da “Cessação do contrato por renúncia”, como claramente resulta do art.º 28º, nºs. 1 e 3 (expressamente incluindo a falta de pagamento de rendas), da citada lei.
Toda a subsequente ideia base que preside à apelação, reconduz-se ao seguinte: o recurso à autotutela/ via extrajudicial não é imperativo, configura-se apenas como uma das vias para exercitar o direito, que convive em disponibilidade de recurso à via judicial.
Mas, nela imbuída, se contém outra a que repugna a lei: a da disponibilidade quanto ao pressuposto processual em questão.
E, especificamente quanto a este, e no caso, ela não existe.
Indo de encontro ao que o recorrente afirma, se, efectivamente, “relativamente ao autor, tem-se entendido que a necessidade de recorrer às vias judiciais, como substractum do interesse processual, não tem que ser uma necessidade absoluta, a única ou a última via aberta para a realização da pretensão formulada”, também certo é que a ideia só fica completa quando se acrescenta que se exige “uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção” (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., págs. 180/1).
O interesse em agir assume-se como uma relação entre necessidade e adequação; «De necessidade porque, para a solução do conflito é imprescindível a atuação jurisdicional, e adequação porquanto o caminho a seguir deve corrigir a lesão perpetrada ao autor tal como ele a configura.» (Ac. do STJ, de 15-09-2022, proc. n.º 358/20.5YHLSB.L1.S1).
O próprio recorrente, nada negando, nesta abstracta colocação de tese, outro caminho que lhe foi apontado, desdiz da necessidade.
E vendo já em concreto, como visto, ele existe.
Portanto, devendo o “acesso ao direito e à justiça, vertido no artigo 20º da C.R.P.” realizar-se por instância regular - o que não é o caso, pela assinalada falta, não sanável -, a consequência que se impõe é a da decretada absolvição do réu da instância.
*
Acordam, em conferência, os juízes que constituem este Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas: pelo recorrente.
Porto, 10 de Março de 2023.

Luís Migueis Garcia
Conceição Silvestre
Isabel Costa