Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01188/14.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/19/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL; SUBSÍDIO DE DESEMPREGO; PAGAMENTO DE UMA SÓ VEZ; CRIAÇÃO DE EMPREGO PRÓPRIO; ACUMULAÇÃO DE ACTIVIDADES; INCUMPRIMENTO; DOLO OU MERA CULPA; ORDEM DE REPOSIÇÃO;
INCONSTITUCIONALIDADE; PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA PROTECÇÃO DA CONFIANÇA; ARTIGO 2º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA; DECRETO-LEI 220/2006, DE 03.11; PORTARIA N.º 985/2009, DE 04.09; DECRETO-LEI N.º 64/2012, DE 15.03.
Sumário:1. Em traços grossos, o direito ao subsídio de desemprego pressupõe uma situação de desemprego (involuntário) e cessa quando cessa a situação de desemprego; o pagamento de uma vez das prestações vincendas de desemprego, com vista à criação de emprego próprio, nasce com a apresentação de um projecto de criação de emprego próprio e cessa quando o beneficiário cessa a actividade criada por este meio – artigo 6º, alíneas a) e b), do Decreto-Lei 220/2006, de 03.11.

2. A norma do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15.03, apenas pode ser interpretada no sentido de que as novas regras se aplicam “às relações jurídicas prestacionais constituídas ao abrigo da legislação anterior”, vedando designadamente que após a entrada em vigor deste diploma os beneficiários criem uma situação de acumulação do exercício da atividade no âmbito do emprego próprio criado “com outra atividade normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter aquela atividade”, sob pena de violação do princípio da segurança e proteção da confiança ínsito num Estado de Direito, consignado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.

3. Face ao disposto no artigo 17.º da Portaria 985/2009, de 04.09, não basta para justificar a ordem de deposição do apoio concedido que haja objectivamente incumprimento; é necessário também que o incumprimento seja subjectivamente imputável ao beneficiário, a título de dolo ou mera culpa.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Instituto da Segurança Social I.P
Recorrido 1:R. e Outra
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

Instituto da Segurança Social I.P., veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 12.06.2020, pela qual foi julgada procedente a acção intentada por R. e R. com vista à anulação dos actos administrativos que fizeram cessar os actos de deferimento dos montantes únicos das prestações de desemprego, para criação do próprio emprego e, consequentemente, criaram os débitos nos valores de 5.983,67 €, referente ao período de 13.04.2010 a 01.06.2011, para o Autor e de 4.160,93 €, referente ao período de 13.04.2010 a 01.12.2010, para a Autora.

Invocou para tanto que a sentença recorrida fez incorrecta interpretação do artigo 5º da Portaria n.º 196-A/2001 de 10.03.

Os Recorridos contra-alegaram defendendo a manutenção do decidido.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.
*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*

I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

1- A SENTENÇA RECORRIDA FAZ UMA INCORRECTA INTERPRETAÇÃO art.º 5º da Portaria n.º 196-A/2001 de 10 de Março, já que a subtracção, ainda que parcial, da situação de emprego providenciada pelo incentivo na vigência do contrato de concessão do incentivo, mediante a prestação de trabalho por contra de outrem para outra Entidade, ademais em período que abrange o das prestações de desemprego, implica inquestionavelmente o incumprimento da disposição referida, conforme acórdão citado.

2- Na verdade, durante esse período, o Autor não se limitou a ocupar um posto de trabalho por conta de outrem, pois, na verdade, subtraiu esse posto de trabalho à disponibilização no mercado de trabalho, como, em paralelo, também se manteve beneficiário de prestações que se destinam — mesmo que recebidas por uma só vez — a obviar ao desemprego e à promoção do seu próprio emprego, o que, nesse período, não acontecia.

- Deverá ser admitido o presente recurso de apelação nos termos dos art. 140 do CPTA.
- Julgando-se procedente o recurso e revogando-se o Acórdão recorrido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, nos termos já enunciados, fará o Tribunal Justiça.

O Réu está dispensado do pagamento prévio da taxa de justiça (art. 15 do Regulamento das Custas processuais.
*

II –Matéria de facto.

A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:

1. Em 02.11.2009, os Autores apresentaram requerimento de prestação de desemprego – cfr. informações constantes do processo administrativo apenso aos presentes autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas; acordo das partes.

2. Sobre os pedidos aludidos supra, foram proferidos despachos de concessão de prestação de subsídio de desemprego, pelo período inicial de 570 dias, no montante mensal de 438,90 € (Autor) e pelo período de 390 dias, no montante mensal de 545,10 € (Autora) – cfr. informações constantes do processo administrativo apenso; acordo das partes.

3. Em 09.04.2010, os Autores constituíram a sociedade comercial com a firma M., LDA., contribuinte fiscal n.º (…), com o objeto social ¯ Agência de publicidade, design gráfico, criação, consultadoria de imagem corporativa, marketing directo, comunicação publicitária, e-commerce, websites e desenvolvimento de softwares, marketing digital, representação publicitária, produção e gestão de sessões fotográficas e serviços conexos – cfr. publicitação no portal da justiça documento 5 junto à petição inicial – apresentação n.º 2/20100409.

4. Na constituição da sociedade acabada de identificar, os Autores foram designados sócios e gerentes, cada um titular de uma participação social no valor nominal de 2.500,00 € – cfr. publicitação no portal da justiça documento 5 junto à petição inicial – apresentação n.º 2/20100409.

5. Desde 13.04.2010, os Autores passaram a constar, no Sistema de Informação da Segurança Social (SISS), como membros de órgão estatutário (MOE) da sociedade acima identificada – cfr. informações que integram o processo administrativo apenso; acordo das partes.

6. Em 13.04.2010, os Autores apresentaram, no Centro de Emprego e Formação Profissional do Porto, candidaturas para projeto de criação do próprio emprego – cfr. informações que integram o processo administrativo apenso; acordo das partes.

7. Em 17.05.2010, quanto às candidaturas aludidas supra, a Diretora do Núcleo das Prestações de Desemprego proferiu despachos de concessão dos Montantes Únicos das Prestações de Desemprego, no montante de 5.983,67 €, pelo período de 13.04.2010 a 01.06.2011, quanto ao Autor, e de 4.160,93 €, pelo período de 13.04.2010 a 01.12.2010, quanto à Autora – cfr. informações que integram o processo administrativo apenso; acordo das partes.

8. Entre 24.11.2010 e 21.12.2010, o Autor esteve inscrito como trabalhador por conta de outrem na sociedade com a firma “A., LDA.”, com o NISS: (…) – cfr. informações que integram o processo administrativo apenso, que aqui se dão por integralmente reproduzidas; acordo das partes.

9. Em 25.02.2013, os Autores subscreveram uma missiva dirigida ao Instituto de Emprego e Formação Profissional, nos termos e com os seguintes fundamentos:

“(…)
Vimos por este meio informar a desistência da candidatura ao programa de estímulo à Oferta de Emprego. Esta desistência baseia-nos no facto de não conseguirmos reunir condições para apresentar a alínea C) da cláusula 9º do contrato de concessão de incentivos financeiros, isto é, não temos fiador disponível, nem registo de hipoteca legal assim como a garantia especial.
No entanto, com o montante integral dos subsídios de desemprego, efetuamos todos os restantes pontos deste mesmo contrato: iniciamos atividade enquanto M., criamos dois postos de trabalho, e em Abril de 2013 a empresa efetua 3 anos de atividade
positiva.
(…)”
– cfr. missiva junta ao processo administrativo apenso.

10. Em 30.10.2013, foi elaborado projeto de decisão de criação de débito quanto ao Autor, nos termos e com os seguintes fundamentos:

“CPE n.º 76/CPE/09
NISS (…) – R.
(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)”
- cfr. informação junta ao processo administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais.

11. Em 30.10.2013, sobre a informação supra referida, foi exarado o seguinte despacho:

“Concordo.
Notifique-se nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 100.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo”.
– cfr. informação junta ao processo administrativo apenso.

12. Em 03.12.2013, foi declarada a cessação da atividade da sociedade comercial com a firma “M., LDA.” a que acima se alude – cfr. comprovativo de entrega da declaração de cessação de atividade junto como documento 6 à petição inicial.

13. Em 31.12.2013, o Autor exerceu o direito de audiência prévia quanto ao projeto de decisão acima referido – cfr. exercício do direito de audiência junto ao processo administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

14. Em 06.02.2014, foi elaborada informação de declaração de nulidade do ato administrativo de deferimento do Montante Único das Prestações de Desemprego, nos termos e com os seguintes fundamentos:
“(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)”
– cfr. documento 1 junto à petição inicial e informação junta ao processo administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais.

15. Em 06.02.2014, sobre a informação aludida supra, foi exarado o seguinte despacho:

“Concordo.
Notifique-se nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 66.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo”.
– cfr. documento 1 junto à petição inicial e informação junta ao processo administrativo apenso.

16. Por ofício com a referência UP – NPDES – 2.ª equipa, datado de 10.02.2014, foi levado ao conhecimento do Autor a decisão acima aludida – cfr. documento 1 junto à petição inicial e ofício junto ao processo administrativo apenso.

17. Em 30.10.2013, foi elaborado projeto de decisão de criação de débito quanto à Autora, nos termos e com os seguintes fundamentos:

“CPE n.º 76/CPE/09

NISS (…) –R.
(…)

Após despacho favorável do Centro de Emprego e Formação Profissional do Porto, foi o Montante Único das Prestações de Desemprego vincendas deferido, a 17/05/2010, por despacho da Exma.ª Sra. Directora de Núcleo das prestações de Desemprego, no montante de 4.160,93 €, referente ao período 13/04/2010 a 01/12/2010.
(…)
Desta feita, constata-se que a beneficiária se encontra numa situação de incumprimento injustificado, por não ter cumprido com a obrigação a que estava sujeita, nomeadamente a manutenção do nível de emprego por um período mínimo de três anos, conforme estipulado na alínea b) do n.º 9 do art.º 12º, conjugado com a alínea a) do n.º 1 do art.º 15º da portaria n.º 985/2009, de 4 de setembro.
(…)”
– cfr. informação junta ao processo administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
18. Em 30.10.2013, sobre a informação acima aludida, foi exarado o seguinte despacho:

“Concordo.
Notifique-se nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 100.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo”
– cfr. informação junta ao processo administrativo apenso.

19. Em 31.12.2013, a Autora exerceu o direito de audiência prévia quanto ao projeto de decisão acima aludido – cfr. exercício do direito de audiência junto ao processo administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

20. Em 06.02.2014, foi elaborada, quanto à Autora, a informação de declaração de nulidade do ato administrativo de deferimento do Montante Único das Prestações de Desemprego, nos termos e com os seguintes fundamentos:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

– cfr. documento 2 junto à petição inicial e informação junta ao processo administrativo apenso.

21. Em 06.02.2014, sobre a informação aludida supra, foi exarado o seguinte despacho:

“Concordo.

Notifique-se nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 66.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo”.
– cfr. documento 2 junto à petição inicial e informação junta ao processo administrativo apenso.

22. Por ofício com a referência UP – NPDES – 2.ª equipa, de 10/02/2014, foi levado ao conhecimento da Autora a decisão acima aludida – cfr. documento 2 junto à petição inicial e ofício junto ao processo administrativo apenso.

23. Através de missiva, datada de 19.03.2014, foi endereçada ao Autor comunicação para restituição de prestações, no montante de 5.960,55 € – cfr. documento 3 junto à petição inicial.

24. Através de missiva, datada de 19.03.2014, foi endereçada à Autora comunicação para restituição de prestações, no montante de 4.160,93 € – cfr. documento 4 junto à petição inicial.

25. Em 22.05.2014, os Autores intentaram a presente ação administrativa especial – cfr. data do comprovativo de entrega de petição inicial.

*
III - Enquadramento jurídico.

Cabe referir antes demais que a decisão recorrida não violou o disposto artigo 5º da Portaria n.º 196-A/2001, de 10.03, referido nas conclusões das alegações, nem poderia ter violado porque não é norma aplicável ao caso.

Aplicável ao caso é a norma invocada na decisão recorrida e no corpo das alegações, de idêntico teor, o artigo 12º, n.º 9, alínea b), da Portaria n.º 985/2009, de 04.09.

E mostra-se acertada a decisão recorrida e correcto o enquadramento jurídico que efectuou.

Dispõe o artigo 3º do Decreto-Lei 220/2006, de 03.11, que aprovou o Regime Jurídico de Proteção no Desemprego, sob a epígrafe “Medidas passivas”:

“Constituem medidas passivas:
a) A atribuição de subsídio de desemprego;
b) A atribuição de subsídio social de desemprego inicial ou subsequente ao subsídio de desemprego.

E o artigo 4º, sob a epígrafe “Medidas activas”:

“Constituem medidas activas:
a) O pagamento, por uma só vez, do montante global das prestações de desemprego com vista à criação do próprio emprego;
b) A possibilidade de acumular subsídio de desemprego parcial com trabalho a tempo parcial;
c) A suspensão total ou parcial das prestações de desemprego durante a frequência de curso de formação profissional com atribuição de compensação remuneratória;
d) A manutenção das prestações de desemprego durante o período de exercício de actividade ocupacional;
e) Outras medidas de política activa de emprego não mencionadas nas alíneas anteriores desde que promovam a melhoria dos níveis de empregabilidade e a reinserção no mercado de trabalho de beneficiários das prestações de desemprego em termos a definir por legislação própria.

Em consonância com esta distinção entre “medidas passivas” e “medidas activas”, dispõe o artigo 6º do mesmo diploma, sob a epígrafe “Objectivos das prestações”:

“As prestações de desemprego têm como objectivo:
a) Compensar os beneficiários da falta de retribuição resultante da situação de desemprego ou de redução determinada pela aceitação de trabalho a tempo parcial;

b) Promover a criação de emprego, através, designadamente, do pagamento por uma só vez do montante global das prestações de desemprego com vista à criação do próprio emprego”.

O próprio legislador distingue as duas situações que, na verdade, são substancialmente distintas: numa pressupõe-se a situação de desemprego e só essa justifica a atribuição de uma prestação e noutra pressupõe-se precisamente o contrário, a criação de emprego próprio.

Se a origem do direito é oposta, a cessação do direito também terá de ter, a não ser que o legislador diga o contrário, uma causa oposta.

Em traços grossos, o direito ao subsídio de desemprego pressupõe uma situação de desemprego (involuntário) e cessa quando cessa a situação de desemprego; o pagamento de uma vez das prestações vincendas de desemprego, com vista à criação de emprego próprio, nasce com a apresentação de um projecto de criação de emprego próprio e cessa quando o beneficiário cessa a actividade criada por este meio.

Dever, para a hipótese de subsidiação à criação de emprego próprio, que vem consignado no artigo 12º, n.º 9, alínea b) da Portaria n.º 985/2009, de 04.09:

“Devem manter a actividade da empresa e os postos de trabalho preenchidos por beneficiários das prestações de desemprego durante, pelo menos, três anos”.

Obrigação que foi cumprida no caso concreto.

Há, de resto, obrigações previstas em geral no âmbito da protecção do desemprego que não se aplicam, parece bom de ver, pela própria natureza das coisas, ao apoio para a criação de emprego próprio, como é o dever de apresentação periódica, prevista no artigo 17º do Decreto-Lei 220/2006, de 03.11.

Daí que o legislador tenha - na sua liberdade de escolha de regras na atribuição do apoio em causa, e eventualmente para prevenir fraudes neste domínio -, inovatoriamente, introduzido esta regra, pela alteração do n.º 3 do artigo 34º Decreto-Lei 220/2006, de 03.11, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15.03:

“Nas situações de criação do próprio emprego com recurso ao montante global das prestações de desemprego, os beneficiários não podem acumular o exercício dessa atividade com outra atividade normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter aquela atividade”.

É certo que o artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15.03, sob a epígrafe “Produção de efeitos” determina que este preceito, entre outros, se aplica “às relações jurídicas prestacionais constituídas ao abrigo da legislação anterior”.

Mas não se pode atribuir a esta norma o sentido de se aplicar aos casos, como o dos autos, em que já existia uma actividade remunerada para além da actividade do emprego próprio criado (e sem prejuízo deste) à data da entrada em vigor deste último diploma.

Sob pena de violação do princípio da segurança e proteção da confiança ínsito num Estado de Direito, consignado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.

Tal como decidido no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 16.03.2018, no processo 1418/15 BRG, com o mesmo Colectivo, mas diferente Relator, e que aqui se dá por reproduzido.

A única interpretação deste preceito consentânea com o referido princípio, da segurança e proteção da confiança, é a seguinte:

As novas regras aplicam-se “às relações jurídicas prestacionais constituídas ao abrigo da legislação anterior”, vedando designadamente que após a entrada em vigor deste diploma os beneficiários criem uma situação de acumulação do exercício da atividade no âmbito do emprego próprio criado “com outra atividade normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter aquela atividade”.

Não se pode exigir ao beneficiário que cumpra uma obrigação – a de não acumular actividades remuneradas – que não existia à data em que se verificou a acumulação.

De resto o artigo 17.º da Portaria 985/2009, de 04.09, refere-se ao incumprimento nestes termos (sublinhado nosso):

“Sem prejuízo das situações de vencimento antecipado do crédito estabelecidas nos protocolos referidos no n.º 2 do artigo 9.º e sem prejuízo de participação criminal por crime de fraude na obtenção de subsídio de natureza pública, o incumprimento de qualquer das condições ou obrigações previstas na lei, regulamentação, protocolos e contratos aplicáveis tem como consequência, em caso de incumprimento imputável à entidade, a revogação dos benefícios já obtidos, assim como dos supervenientes, que implica:

a) A devolução dos benefícios já obtidos, nomeadamente as bonificações de juros e da comissão de garantia, aplicando -se aos valores devidos uma cláusula penal nos termos definidos nos protocolos, e os apoios referidos nas alíneas c) e d) do artigo 2.º”.

Não basta, portanto, que se verifique objectivamente o incumprimento para se poder ordenar a restituição do recebido.

É necessário que o incumprimento seja imputável à entidade beneficiária.

Como a obrigação, de non facere (não acumular actividades) e de facere (criar emprego próprio) é, neste caso, pessoal ou infungível, o incumprimento só pode ser objectivamente imputável ao beneficiário da prestação.

O sentido útil do termo “imputável” nesta norma, só pode ser, portanto, o de imputabilidade subjectiva, ou seja, de culpa, por mera negligência ou dolo.

Ora não resulta do procedimento administrativo, pelo contrário, que os beneficiários, ora Recorridos, estivessem conscientes de estarem a incumprir as obrigações inerentes ao apoio recebido.

Nem lhes era exigível que tivessem consciência de não poderem acumular actividades pois essa exigência não existia, à data, no ordenamento jurídico.

Termos em que se impõe manter a decisão recorrida, embora por fundamentos não coincidentes.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantém a decisão recorrida.
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Custas pelo Recorrente.
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Porto, 19.02.2021


Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco