Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02043/16.3BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/07/2018
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:FGS; PRAZO DE CADUCIDADE; ARTº 319º Nº 3 LEI Nº 35/2004
Sumário:
1 – Tendo a Autora intentado ação declarativa na qual reclamou os seus créditos laborais, a citação da Ré nessa ação interrompeu o prazo de prescrição, o que determinou que a mesma só viesse a ocorrer passados vinte anos conforme determinado no artigo 311º nº 1, conjugado com o artigo 309º, ambos do Código Civil.
2 - Perante um prazo longo de caducidade ao abrigo da lei antiga e um prazo mais curto de caducidade ao abrigo da nova lei, impõe-se o recurso ao artigo 297º do Código Civil para determinar a contagem desse prazo.
3 - Sendo de 20 anos – prazo ordinário de prescrição dos direitos – o prazo para reclamar créditos salariais junto do Fundo de Garantia Salarial que foram reconhecidos por sentença judicial, face ao disposto nos artigos 309º e 311º, n.º1, do Código Civil e no artigo 319º nº 3 da Lei nº 35/2004, de 29.07, e faltando assim anos para a caducidade do direito de reclamar o pagamento dos referidos créditos, o prazo de caducidade de um ano a contar da cessação do contrato de trabalho que resulta da aplicação do artigo 2º, nº 8, do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21.04, só começa a contar-se a partir da entrada em vigor deste último diploma legal, 4 de Maio de 2015, face ao disposto no 297º do Código Civil. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Fundo de Garantia Salarial
Recorrido 1:PARG
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer, no qual, a final, se pronuncia no sentido de dever "manter-se a sentença recorrida, negando-se provimento ao recurso".
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
O Fundo de Garantia Salarial, no âmbito da Ação Administrativa intentada por PARG, tendente a impugnar o despacho do Presidente do Conselho de Gestão do FGS, de 09/05/2016, que indeferiu o requerimento apresentado pela Autora, tendente ao pagamento de créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, inconformado com a Sentença proferida em 5 de fevereiro de 2018, através da qual a Ação foi julgada procedente, mais condenando a Entidade Demandada “a deferir o requerimento apresentado pela autora”, veio interpor recurso jurisdicional da mesma, proferida em primeira instância no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.
Formulou o aqui Recorrente/FGS nas suas alegações de recurso, apresentadas em 26 de fevereiro de 2018, as seguintes conclusões:
A. O requerimento da A. foi apresentado ao FGS em 15.07.2015, altura em que se encontrava em vigor o novo diploma legal regulador do FGS, DL 59/2015, de 21.04 que entrou em vigor no dia 04.05.2015.
B. Assim, o referido requerimento da A. foi apreciado à luz deste diploma legal.
C. Este diploma previa um prazo de 1 ano a contar da cessação do contrato de trabalho para que seja apresentado junto dos serviços da Segurança Social o requerimento para pagamento de créditos emergentes pela cessação do contrato de trabalho.
D. De resto, já o anterior regime legal, previsto na Lei 35/2004, de 29/07, estabelecia no seu art.º 319.º 3, um prazo para a apresentação do requerimento para pagamento de créditos emergentes pela cessação do contrato de trabalho, que era de 3 meses antes do termo do prazo de prescrição, ou seja 1 ano a contar da cessação do contrato de trabalho.
E. Deste modo se verifica que sempre existiu um prazo para apresentação dos requerimentos ao FGS, sendo que o atual regime prevê um prazo de caducidade findo O qual cessa o direito de os ex-trabalhadores das EE insolventes requererem o pagamento dos créditos ao FGS.
F. Prazo este que, na situação concreta, também está ultrapassado à luz do anterior diploma legal Lei 35/2004, de 29/07.
G. Não tendo aqui aplicação o art.2 297.2 do CC, uma vez que à luz dos dois diplomas já se encontra terminado o prazo para apresentação do requerimento ao FGS, pois só cabe chamar à colação o disposto neste artigo quando estamos perante situações em que os prazos se iniciem ou já se encontrem em curso à data da entrada em vigor da lei nova.
H. Sendo aplicável o novo regime, de acordo com o art.2 3.2 do DL 59/2015, de 21.04, e consequentemente o prazo de caducidade nele previsto, temos de considerar como estando legalmente esgotado o prazo para a apresentação dos requerimentos ao FGS, à luz do diploma DL 59/2015, de 21.04 que entrou em vigor no dia 04.05.2015,
I. É nosso entendimento que a douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel não andou bem ao ordenar a anulação do indeferimento visado nos autos e ao condenar o Fundo de Garantia Salarial a receber o requerimento apresentado como tempestivo e apreciá-lo.
Termos em que, e com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que mantenha a decisão de indeferimento proferida pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial.”
*
Não foram apresentadas Contra-alegações de Recurso pela Recorrida.
*
Em 17 de maio de 2018 foi proferido Despacho de admissão do Recurso Jurisdicional.
*
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 28 de maio de 2018, veio a emitir Parecer no mesmo dia, no qual, a final, se pronuncia no sentido de dever “manter-se a sentença recorrida, negando-se provimento ao recurso”.
*
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, mormente no que concerne à invocada caducidade do direito, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade:
1) A 17.08.2012 a autora foi admitida como funcionária da sociedade CII, S.A., mediante assinatura de contrato de trabalho a termo certo, pelo período de 6 meses, renovando-se por igual período, não podendo exceder 3 anos nem ser objeto de mais de 3 renovações;
Doc. 1 junto com a p.i.
2) Como contrapartida do trabalho prestado, a autora e a referida sociedade acordaram que aquela tinha direito a receber a remuneração mensal ilíquida de € 600,00, € 4,27 a título de subsídio de refeição por cada dia de exercício efetivo da prestação laboral, € 600,00 de subsídio de férias e o mesmo valor a título seja de retribuição no período de férias seja de subsídio de Natal, e a título de prémio de produtividade o montante equivalente a 0,5% do total da faturação do Pólo de Vizela;
Doc. 1 junto com a p.i.
3) Correu termo no Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia processo especial de revitalização, que correu termos sob o n.º 119/14.0TYVNG, contra a referida sociedade, tendo sido proferido despacho de nomeação de administrador provisório a 12.02.2014;
Doc. 2 junto com a p.i.
4) Foi aprovado e homologado plano de recuperação que previa saldar o crédito da autora;
Doc. 3 junto com a p.i.
5) A autora solicitou, a 24.04.2015, a declaração de insolvência da referida sociedade;
Doc. 4 junto com a p.i.
6) A referida sociedade apresentou novo processo especial de revitalização que correu termos no Tribunal referido em 3) sob o n.º 4391/15.0T8VNG, tendo sido nomeado administrador judicial provisório a 16.06.2015;
Doc. 5 junto com a p.i.
7) A autora apresentou junto da Comarca do Porto, 2.ª Secção Trabalho da Maia ação declarativa que correu termos sob o n.º 57/14.7T8MAI, tendo sido obtido acordo a 11.05.2015, homologado por sentença na mesma data, no âmbito do qual a referida sociedade e a autora acordam fixar a quantia de € 6000,00 a título de compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato de trabalho, declarando ainda que com o pagamento da referida quantia não eram detentoras entre si de quaisquer outros créditos ou direitos emergentes do contrato de trabalho ou da sua cessação;
Doc. 6 junto com a p.i.
8) A 15.07.2015 a autora apresentou requerimento junto da entidade demandada solicitando o pagamento de € 6000,00 a título de créditos emergentes da violação do contrato de trabalho, tendo aí assinalado como data da cessação do contrato de trabalho 24.03.2014 e indicado que o montante requerido se reportava a sentença, apontando como data 21.05.2015;
P.A., fls. 8
9) O requerimento apresentado foi indeferido por despacho de 09.05.2016 com fundamento no facto de o requerimento não ter sido entregue no prazo de 1 ano a contar da data em que cessou o contrato de trabalho.
P.A., fls. 179 e ant., doc. 2 junto com a contestação”
*
IV – Do Direito
No que ao direito concerne, e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“(...) A primeira questão que importa verificar é em que data cessou o contrato de trabalho celebrado entre a autora e a sociedade CII, S.A..
Como resulta dos autos, a autora celebrou, a 17.08.2012, com a referida sociedade um contrato de trabalho a termo, pelo período de 6 meses, renovando-se por igual período, não podendo exceder 3 anos nem ser objeto de mais de 3 renovações.
No requerimento apresentado junto da entidade demandada, a autora indicou como data da cessação do contrato de trabalho referido o dia 24.03.2014.
Resulta também dos factos provados que o montante cujo pagamento foi solicitado à entidade demandada resulta do acordo alcançado a 11.05.2015 no âmbito da ação n.º 57/14.7T8MAI que correu termos na Comarca do Porto, 2.ª Secção Trabalho da Maia. O referido montante constitui uma compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato de trabalho.
É evidente que a seguir-se a tese da autora sufragada na p.i. no sentido de que o contrato só cessou com aquele acordo, então o requerimento, porque apresentado a 15.07.2015, teria respeitado o prazo de 1 ano em causa.
No entanto, afigura-se que, como de seguida se explicará, se se considerar como referência o dia 24.03.2014, ainda assim se deve considerar como tempestiva a apresentação do requerimento.
A 24.03.2014, estava em vigor a Lei n.º 35/2004, de 29 de julho que previa no artigo 317.º que “o Fundo de Garantia Salarial assegura, em caso de incumprimento pelo empregador, ao trabalhador o pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação”. E de acordo com o artigo 318.º, n.º 1 do mesmo diploma “o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos a que se refere o artigo anterior, nos casos em que o empregador seja judicialmente declarado insolvente.” Previa-se no número 1 do artigo 319.º que “o Fundo de Garantia Salarial assegura o pagamento dos créditos previstos no artigo 317.º que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da ação ou apresentação do requerimento referido no artigo anterior.” E no número 1 do artigo 323.º que “o Fundo de Garantia Salarial efetua o pagamento dos créditos garantidos mediante requerimento do trabalhador, do qual consta, designadamente, a identificação do requerente e do respetivo empregador, bem como a discriminação dos créditos objeto do pedido.”
Estes normativos davam corpo ao disposto nos artigos 380.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, e 336.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, com vista a garantir o pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, que não pudessem ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou situação económica difícil. E apenas previam que a garantia de pagamento pela entidade demandada pudesse ser ativada em caso de insolvência do empregador.
É de frisar que os processos de revitalização no âmbito da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho não constituíam fundamento para que o trabalhador pudesse ativar a garantia de pagamento oferecida pela entidade demandada, já que só se previa a possibilidade de apresentação do respetivo requerimento em caso de insolvência.
Na data em que foi apresentado o requerimento a solicitar o pagamento do montante de € 6000,00, já se encontravam revogados os normativos da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho mencionados supra.
Na verdade, o Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril revoga expressamente os artigos 316.º a 326.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho (artigo 4.º, al. a) do diploma preambular), aprovando um novo regime do Fundo de Garantia Salarial, o qual entrou em vigor a 04.05.2015 (artigo 5.º do mesmo diploma).
O referido Decreto-Lei aprovou expressamente normas relativas à aplicação da lei no tempo, determinando que se aplique o novo regime aos requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor (artigo 4.º, n.º 1).
O novo regime do Fundo de Garantia Salarial (FGS), aprovado em anexo ao diploma legal referido prevê no artigo 2.º, n.º 8 que “o Fundo só assegura o pagamento dos créditos quando o pagamento lhe seja requerido até um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”
Ora, no caso em apreço, e ao contrário do sustentado pela entidade demandada na contestação, não pode exigir-se à autora a apresentação de requerimento no prazo referido, porquanto o Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril entrou em vigor muito para além do prazo de um ano após a cessação do contrato de trabalho da autora, se tomarmos por referência a data indicada no requerimento, e aceite pela entidade demandada, 27.03.2014.
Apesar de o artigo 4.º do mencionado Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril regular a aplicação da lei no tempo, nenhuma norma prevê expressamente a situação em apreço, não podendo exigir-se que a autora apresente, retroativamente, um requerimento, nem pretende o legislador eliminar da ordem jurídica a proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, mas dar-lhe uma nova regulamentação, ampliando a proteção dos trabalhadores também na situações de revitalização da empresa.
A aplicar-se a interpretação que a entidade demandada pretende fazer valer, então o legislador teria, através da alteração em causa, revogado, com efeitos retroativos, a proteção atribuída aos créditos que, ao abrigo do regime anterior, ainda pudessem beneficiar da garantia do seu pagamento junto do Fundo de Garantia Salarial.
Repare-se que no regime previsto pela Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, a apresentação de requerimento não estava sujeita a prazo (artigo 323.º), no entanto, previa-se que apenas ficava assegurado o pagamento dos créditos reclamados até 3 meses antes da respetiva prescrição (artigo 319.º, n.º 3).
Ora, tal interpretação conduziria a uma situação de desproteção jurídica e que redundaria quer na inconstitucionalidade da norma quer na violação do direito da União Europeia. Inconstitucionalidade, porque os trabalhadores, em situação idêntica à do autor, inicialmente protegidos pelo regime legal da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho, ficariam legalmente desprotegidos quando o que o legislador pretendeu com o novo regime foi aumentar a proteção dos mesmos, o que ofenderia os princípios da igualdade – artigo 13.º da CRP (face a outros trabalhadores que, em circunstâncias idênticas, puderam reclamar ou reclamaram os seus créditos antes do dia 04.05.2015) –, da proteção salarial – artigos 53.º, 58.º, 59.º e 63.º da CRP – me da confiança – artigo 2.º da CRP. Violação do direito da União Europeia, porque o regime aprovado visa a transposição de diretivas da União Europeia, in casu, a Diretiva n.º 2008/94/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22.10.2008, relativa à proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, pelo que o legislador, embora lhe seja permitido garantir apenas créditos vencidos no período de 6 meses a contar da insolvência, já que a garantia não tem que ser integral (acórdãos do TJUE de 25.01.2007, Proc. C-278/05 e de 28.11.2013, Proc. C-309/12), não pode criar uma situação de desproteção total, já que deve ser sempre assegurado um nível de proteção mínimo (cfr. acórdão do TJUE de 25.01.2007, Proc. C-278/05).
Repare-se que na situação da autora, esta não podia prever, nem lhe era exigível, que reclamasse junto do Fundo de Garantia Salarial, e no prazo de 1 ano, o pagamento dos créditos laborais em causa, desde logo porque a sua quantificação é muito posterior, como referido já, e, por outro lado, é importante sublinhar que o regime anterior possibilitava que o fizesse no caso de insolvência da entidade empregadora, o que veio a ocorrer muito tempo depois de decorrido o prazo de 1 ano que na data da cessão não existia – como resulta dos factos provados a entidade empregadora da autora não foi declarada insolvente, em resultado de um segundo plano especial de recuperação cujo administrador provisório foi nomeado a 16.06.2015. O requerimento foi apresentado na sequência da nomeação de administrador provisório no âmbito do plano especial de recuperação da sua anterior entidade patronal e face à existência de créditos emergentes potencialmente garantidos pela sua natureza laboral, reconhecidos no âmbito de um acordo alcançado pela autora e pela entidade patronal.
Em qualquer caso, afigura-se que a interpretação que a entidade demandada pretende fazer valer não se apoia nos princípios interpretativos aplicáveis no caso de aplicação da lei no tempo, constantes dos artigos 12.º e 297.º do CC, e cuja aplicação, porque não especificamente prevista, não é afastada pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.
De acordo com o artigo 12.º do CC, em princípio a lei só dispõe para o futuro e mesmo que lhe seja atribuída eficácia retroativa deve presumir-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos (número 1). E refere-se no número 2 do mesmo artigo que quando a lei nova regula as condições de validade de qualquer factos ou sobre os seus efeitos, em caso de dúvida, só visa os factos novos.
É certo que o artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril estabelece que os novos requerimentos, apresentados a partir de 04.05.2015, ficam sujeitos ao novo regime. No entanto, daí não decorre que a situação do autor fique prejudicada pelo facto de a cessação do contrato ter ocorrido há mais de 1 ano a contar da data da apresentação do requerimento de proteção solicitada.
É que o que o artigo 2.º, n.º 8 do Regime do FGS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, introduz é um prazo de caducidade, terminado o qual, sem que seja solicitada a intervenção do Fundo de Garantia Salarial, este deixa de poder responder pelo pagamento de créditos laborais cujo pagamento seja solicitado pelo trabalhador de sociedade insolvente. Trata-se um prazo que não existia anteriormente.
Ora, o artigo 297.º, n.º 1 do CC impõe que apenas se considere o novo prazo imposto pela lei nova como iniciando a partir da entrada em vigor da nova lei.
Deste modo, relativamente aos factos ocorridos em momento anterior a 04.05.2015, o prazo de um ano fixado no artigo 2.º, n.º 8 do Regime do FGS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, deve contar-se desde a data de entrada em vigor desse diploma legal, ou seja, 04.05.2015.
Conforme resulta dos autos, a autora apresentou o requerimento em causa a 15.07.2015, pelo que não tinha ainda decorrido o prazo de 1 ano referido no artigo 2.º, n.º 8 do Regime do FGS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, a contar da data referida supra.
Consequentemente não assiste razão à entidade demandada quando sustenta que o requerimento apresentado não respeita o prazo legalmente estabelecido.
Passemos, portanto, agora à verificação do direito invocado pela autora, ou seja, saber se tem direito a receber o pagamento dos créditos em causa.
O Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril aprovou o novo regime do Fundo de Garantia Salarial, instituindo normas visando a proteção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador ou de apresentação a plano especial de recuperação.
O Fundo de Garantia Salarial, preenchidos os pressupostos legais, “assegura o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação” (artigo 1.º, n.º 1 do referido diploma legal).
Por força do disposto nos artigos 1.º, n.º 1 e 2.º, n.º 1 do mesmo diploma legal, estão abrangidos por esta proteção os créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação. E de acordo com o artigo 2.º, n.º 4 “O Fundo assegura o pagamento dos créditos previstos no n.º 1 que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência ou à apresentação do requerimento no processo especial de revitalização ou do requerimento de utilização do procedimento extrajudicial de recuperação de empresas.”
E o artigo 3.º refere o seguinte:
Artigo 3.º
Limites das importâncias pagas
1 - O Fundo assegura o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, referidos no n.º 1 do artigo anterior, com o limite máximo global equivalente a seis meses de retribuição, e com o limite máximo mensal correspondente ao triplo da retribuição mínima mensal garantida.
2 - Quando o trabalhador seja titular de créditos correspondentes a prestações diversas, o pagamento é prioritariamente imputado à retribuição base e diuturnidades.
Conforme resulta dos autos, a entidade patronal da autora entrou em processo especial de revitalização, tendo sido o despacho a designar administrador judicial provisório proferido a 16.06.2015.
A autora apresentou o seu requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho a 15.07.2015.
E os créditos solicitados resultam do acordo obtido entre a autora e a empregadora a 11.05.2015 no âmbito de um processo judicial.
Portanto, o montante de € 6000,00 encontra-se abrangido pelo limite temporal referido supra e respeita ainda o limite quantitativo, já que o montante de € 6000,00, já que, embora o limite faça referência a 6 meses de retribuição, afigura-se que o valor em causa não está limitado pelo artigo 3.º, n.º 1.
O artigo mencionado embora remeta para o artigo 2.º, n.º 1 apenas faz referência aos “créditos emergentes do contrato de trabalho”, não mencionando os créditos “a sua violação ou cessação”. Repare-se que ao longo do diploma o legislador em determinadas situações optou por incluir também estes últimos créditos, fazendo sempre referência expressa aos mesmos (cfr. artigos 17.º e 29.º - neste último caso também com indicação do artigo 2.º, n.º 1), o que indicia que quando refere apenas os “créditos emergentes do contrato de trabalho” não está a incluir os créditos relativos à “sua violação ou cessação”. E nos autos é pacífico, por resultar de acordo, homologado por sentença judicial, que o montante de € 6000,00 tem natureza compensatório, ou seja, visa indemnizar a autora.
Assim, afigura-se que a autora tem direito a que lhe seja deferido o requerimento apresentado.
A tal montante deve, nos termos do artigo 2.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril serem deduzidas as quotizações para a segurança social e correspondente retenção na fonte do imposto sobre o rendimento.”
Analisemos o suscitado, em função da factualidade dada como provada, seguindo-se, mutatis mutandis, o entendimento adotado no Acórdão deste TCAN nº 00840/16.9BEPRT 28-04-2017 e nº 868/16.9BEPRT de 02-02-2018.
A Recorrida apresentou em 15.07.2015, junto do Fundo de Garantia Salarial, requerimento para pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, ao abrigo do seu regime jurídico.
Por despacho do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial de 09.05.2016, o requerimento da Recorrida foi indeferido, com o fundamento de que a mesma não preenchia o requisito imposto pelo n.º 8 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, uma vez que o requerimento não havia sido apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
A decisão recorrida considerou “procedente a presente ação e, em consequência,” anulou “o despacho impugnado, condenando-se a entidade demandada a deferir o requerimento apresentado pela autora”.
Com efeito, o Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04 - lei reguladora do Fundo de Garantia Salarial - fixa no artigo 2.º, nº 8, do seu anexo um prazo de caducidade de um ano contado a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Determina, por outro lado, o artigo 3º do Decreto-Lei n.º nº 59/2015, de 21.04 que ficam sujeitos ao novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado em anexo ao diploma, os requerimentos apresentados após a sua entrada em vigor.
O requerimento da Autora foi apresentado em 15.07.2015, ou seja, depois de 4 de Maio de 2015, data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º nº 59/2015, de 21.04 – artigo 5º do mesmo diploma legal, pelo que, por força do artigo 3º do mesmo, é-lhe aplicável o prazo de caducidade do novo diploma legal.
No entanto, já a anterior legislação regulamentadora do Fundo de Garantia Salarial estabelecia requisitos temporais para apresentação do requerimento junto do Fundo de Garantia Salarial, dispondo o artigo 319.º da Lei 35/2004, de 29.07, no seu n.º 3, que o Fundo de Garantia Salarial só assegurava o pagamento dos créditos que lhe fossem reclamados até 3 meses da respetiva prescrição.
A prescrição está prevista no artigo 337º nº 1 do anexo da Lei nº 7/2009, de 12.02, que aprovou a revisão do Código do Trabalho que dispõe:
“O crédito do empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”
O contrato de trabalho da Autora cessou a 24.03.2014, pelo que prescreveria, se não se verificasse interrupção, seguida de alteração do prazo, em 25/03/2015.
Mas a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito – artigo 323º, nº 1, do Código Civil.
A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte – artigo 326º nº 1 do Código Civil.
A nova prescrição está sujeita ao prazo de prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311º, nos termos do disposto no artigo 326º, nº 2, ambos do Código Civil.
Estabelece o artigo 311º, nº 1, do Código Civil que o direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.
Provou-se que a Autora intentou, junto da Comarca do Porto, 2.ª Secção Trabalho da Maia, ação declarativa que correu termos sob o n.º 57/14.7T8MAI, na qual reclamou os seus créditos, pelo que a citação da Ré nessa ação interrompeu o prazo de prescrição, o que determinou que o prazo de prescrição só viesse a ocorrer passados vinte anos conforme determinado no artigo 311º nº 1, conjugado com o artigo 309º, ambos do Código Civil.
É assim notório que à face da lei antiga faltava muito tempo para ocorrer a prescrição dos créditos cujo pagamento é requerido ao Réu e, consequentemente, sendo o prazo de caducidade de reclamação desses direitos ao Fundo de Garantia Salarial, de três meses antes da respetiva prescrição, faltariam muitos anos para ocorrer essa caducidade.
Em qualquer caso, a nova lei estabelece um prazo mais curto de caducidade – um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho - artigo 2.º nº 8 do Decreto-Lei n.º nº 59/2015, de 21.04.
Perante um prazo mais longo de caducidade ao abrigo da lei antiga e um prazo mais curto de caducidade ao abrigo da nova lei, impõe-se o recurso ao artigo 297º do Código Civil para determinar a contagem desse prazo.
Determina este artigo que a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
Já vimos que segundo o artigo 319º nº 3 da Lei nº 35/2004, de 29.07, faltavam anos para a caducidade do direito de reclamar o pagamento dos créditos dos Autores e que segundo o artigo 2º, nº 8, do Decreto-Lei nº 59/2015, de 21.04, o prazo de um ano de caducidade só começou a contar a partir da entrada em vigor desse diploma legal – 4 de Maio de 2015, caducando em 4 de Maio de 2016.
Tendo o controvertido requerimento dado entrada em 15.07.2015, é patente que não se verificou a caducidade do direito da Autora invocada pelo Réu, não merecendo assim censura a decisão recorrida.
Não vindo questionado, quer em sede de contestação, quer em sede de Recurso, o quantitativo peticionado (6.000€) a título de pagamento de créditos emergentes da cessação de contrato de trabalho por parte do FGS, valor que veio, aliás, a ser confirmado pela Sentença Recorrida, não poderá o mesmo ser objeto de apreciação por este Tribunal.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, negar provimento ao Recurso, confirmando a Sentença objeto de Recurso.
Custas pelo Recorrente, sem prejuízo da isenção de que goza.
Porto, 7 de dezembro de 2018
Ass. Frederico de Frias Macedo Branco
Ass. João Beato
Ass. Hélder Vieira