Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00303/15.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/10/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:ACIDENTE ESCOLAR-DANOS NÃO PATRIMONAIS
Sumário:I- Na fixação da compensação por danos não patrimoniais deverá privilegiar-se a gravidade dos mesmos e o recurso à equidade, ponderando-se ainda o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso, sem esquecer os critérios jurisprudenciais vigentes, bem como a nossa inserção no espaço da União Europeia.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO

1.1.M..., em representação da sua filha menor B...s, moveu a presente ação administrativa comum de responsabilidade extracontratual emergente de acidente escolar, contra o ESTADO PORTUGUÊS, peticionando o pagamento da quantia de €45.000,00, a título de danos não patrimoniais, para além das quantias que se vierem a liquidar no decurso do processo, ou em execução de sentença, correspondente ao montante dos danos emergentes, para além dos danos morais, ainda não conhecidos.
Para tanto, alega, em síntese, que considerando o respetivo horário escolar e o local do acidente sofrido pela sua filha menor, a mesma se encontrava a coberto pelo seguro escolar, nos termos da Portaria n.º 413/99;
Entende que dos artigos 23.º e 24.º da Portaria n.º 413/99, não resulta a enunciação ou constituição de um qualquer procedimento administrativo prévio obrigatório que condicione ou limite a possibilidade de instauração dos meios contenciosos adequados e competentes para a efetivação de responsabilidade no âmbito do seguro escolar;
O acidente com a sua filha menor, que à data tinha 10 anos, deu-se na “Escola EB 2/3 de (...)”, na tarde do dia 22 de setembro de 2014, cerca das 14 horas, quando após um intervalo entre as aulas, a sua filha se dirigia para as aulas, com os seus amigos, tendo tropeçado num primeiro ferro que se encontrava no meio do recreio da Escola, vindo a cair com o peito sobre um segundo ferro que se encontrava a cerca de 1, 5 m de distância do primeiro;
Os referidos ferros com cerca de 7 cm de altura estavam colocados paralelamente e chumbados ao chão, tinham como função segurar as portadas de alumínio de uns arrumos da escola e não se encontravam protegidos nem vedados por qualquer meio, apresentando sinais de ferrugem;
Esses ferros constituíam um perigo potenciador de graves consequências para a integridade dos alunos que fazem parte daquela comunidade escolar;
Em resultado dessa queda, a sua filha menor apresenta um diagnóstico de traumatismo pancreático, e devido ao agravamento do seu estado de saúde teve de permanecer no hospital até ao dia 10.12.2014;
Mais refere que o Estado, na sua função sócio educativa, avocou para si mesmo o dever de indemnizar o aluno por qualquer evento danoso ocorrido no local e tempo de atividade escolar.
A sua filha B... era à data do acidente, uma jovem saudável e tida por responsável, que gostava de praticar desporto e andar de bicicleta, atividades que agora se prevê impedida de realizar;
Atualmente a B... é uma jovem triste, encontra-se impedida de fazer esforços e de ir à escola, para além de necessitar de comer várias ao dia e em pequenas quantidades;
Necessita também de um acompanhamento muito próximo da Autora para lhe fazer as refeições 6 vezes ao dia, com intervalos curtos entre elas;
Por causa das lesões sofridas com o acidente, quer em virtude dos subsequentes tratamentos e intervenções cirúrgicas a que se submeteu, sofreu e continua a sofre fortes dores;
Tem problemas de ingestão de alimentos pesados e em grande quantidade;
A irmã da B..., porque necessita de lhe prestar assistência abandonou o curso de técnica de auxiliar de saúde;
Verificam-se todos os pressupostos para que o Estado seja condenado a pagar uma compensação pelos gravíssimos danos sofridos pela B..., para que o que a Autora reputa adequada uma indemnização a título de danos não patrimoniais de 45.000,00€;
Conclui pugnando pela procedência da ação.
1.2. Citado, o Réu representado pelo Ministério Público, contestou a presente ação, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Por exceção invocou que caso se considere estar-se perante um caso típico de acidente escolar, a Autora devia ter lançado mão do mecanismo previsto no artigo 11.º do Regulamento de Seguro Escolar, que se reporta ao pagamento de indemnização e regras para o respetivo cálculo, mas no caso em análise não foi realizada qualquer Junta Médica, nem a requerimento dos pais da aluna, nem do agrupamento de Escolas, pelo que não se alcança como se chega ao valor peticionado;
A Autora deveria ter lançado mão do mecanismo previsto naquele diploma requerendo os procedimentos ali previstos, por forma a provocar as decisões atinentes das entidades competentes, designadamente, deviam ter requerido a junta médica, razão pela, não o tendo feito, o presente meio processual deve ser considerado inadequado para responsabilizar o Estado.
Na defesa por impugnação, alegou, em suma, que a menor se encontrava em horário escolar e no interior da escola, pelo que o acidente sofrido se qualifica como acidente escolar, aplicando-se por isso o estabelecido na Portaria n.º 413/00, de 8 de junho (Regulamento do Seguro Escolar), como a própria Autora reconhece;
Sustenta que na p.i. não são alegados factos que possam levar à responsabilização do Estado com fundamento em responsabilidade civil extracontratual quer por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes quer por factos lícitos;
No caso não ocorreu qualquer facto ilícito e/ou culposo, não se estabelecendo nenhum nexo de causalidade entre alguma eventual conduta ilícita e culposa de algum funcionário ou órgão do Estado e os danos alegados, não estando demonstrado que os danos invocados foram consequência direta e necessária da ocorrência em meio escolar.
A Autora refere-se apenas a danos de natureza não patrimonial, não alegando qualquer facto de onde os mesmos resultem, relegando para execução de sentença a quantificação por outros danos morais ainda não detetáveis, pelo que apenas os quantifica de forma genérica no montante de 45.000,00€.
A menor B... passou a frequentar a Escola (...) a partir do dia 17/01/2015, pelo que não é verdade que esteja impossibilitada de frequentar a escola;
Não se descortina razão fundamentada para as alegadas impossibilidades nem para a necessidade de acompanhamento ou assistência à B... designadamente por parte da sua irmã, tornando-se incompreensível a quantificação dos danos não patrimoniais no referido valor;
Realça que o Ministério da Educação sempre se mostrou disponível a proporcionar os tratamentos necessários à aluna, sendo-lhe pagas todas as despesas que apresentou no âmbito do seguro escolar.
Conclui, pugnando pela improcedência a ação.
1.3. Em 07/12/2016 a Autora apresentou articulado superveniente com requerimento probatório, no qual peticiona os seguintes montantes:
«A) A quantia correspondente às despesas em transportes e portagens desde sua residência até ao hospital de S. João do Porto e regresso, no valor de €159,10 euros;
B) A quantia de €5,92 euros em despesas em medicamentos;
C) A quantia de €55.000,00 euros a título de danos não patrimoniais, bem assim juros vencidos, como os vincendos até efetivo e integral pagamento;
D) Tudo no valor total de €55.165,02 euros».
1.4. Em 09/12/2016 realizou-se a audiência prévia, tendo-se admitido liminarmente o articulado superveniente apresentado pela Autora e notificado o Ministério Público para se pronunciar nos termos do artigo 588.º, n.º4 do CPC. Seguidamente, tentou-se a conciliação das partes, que se frustrou. Proferiu-se despacho saneador, julgando-se improcedente a matéria de exceção de impropriedade do meio processual suscitada pelo réu. Fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova e o valor da causa em €55.165,02 (cinquenta e cinco mil cento e sessenta e cinco euros e dois cêntimos). Foram admitidos os róis de testemunhas e a tomada de declarações de parte pela autora e admitiu-se liminarmente a perícia requerida pela Autora.
1.5. O Ministério Público respondeu ao articulado superveniente apresentado pela Autora, pugnando pela sua rejeição com fundamento na sua inadmissibilidade, atenta a matéria alegada e, para o caso de assim se não entender, defendendo que a matéria alegada deve ser julgada não provada, em conformidade com o concluído na contestação adrede deduzida.
1.6. Por despacho de 14/03/2017, foi deferida a realização da perícia médica requerida pela Autora, a efetuar pelo Gabinete Médico-Legal e Forense do Cávado, fixou-se o objeto dessa perícia e estabeleceu-se o prazo de 30 dias para a sua realização. Deferiu-se ainda a requerida ampliação do pedido formulado pela Autora.
1.7. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e as Partes alegaram oralmente.
1.8. O TAF de Braga proferiu sentença que julgou a ação parcialmente procedente constando da mesma o seguinte dispositivo:
«Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente acção parcialmente procedente, condenando-se o Réu, Estado, no pagamento de €10.000,00 (dez mil euros), a título de danos morais, acrescido de juros de mora, devidos desde a data da citação e até ao efectivo e integral pagamento, à taxa legal de 4% e absolvendo-o do demais peticionado.
Condeno o Autor no pagamento de 4/5 das custas processuais, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie, e o Estado de 1/5.
*
Registe e notifique.»
1.8. Inconformada com a sentença assim proferida a Autora interpôs a presente apelação na qual formulou as seguintes conclusões:
« A sinistrada sofreu um acidente escolar quando tinha 10 anos de idade
Tal acidente determinou internamento Hospitalar
Atualmente tem limitações na qualidade de vida, nomeadamente;
quanto à quantidade de alimentos ingeridos, o acompanhamento próximo que necessita e desconforto que sente
Os pressupostos da responsabilidade civil estão verificados
Tem a sinistrada direito à compensação por danos não patrimoniais
Foi atribuído um valor de €10.000,00 pelo tribunal a quo que a recorrente considera miserabilista e não concorda
Atendendo aos factos dados como provados pela sentença agora objeto de recurso e atendendo as decisões jurisprudenciais citadas infra, que tem alguma similitude com os presentes autos, a autora considera mais adequada e equitativa a quantia de € 45.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Entende que estes valores devem ser novamente analisados por este Tribunal.
O tribunal ao decidir como decidiu violou o disposto nos artigos 615.º n.º 1, al. d) do CPC e artigos 483.º n.º 1 e 496.º n.º 1,3 e 4 do CC.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, ser substituída por outra que defira a pretensão da Recorrente.
Assim decidindo, farão V. Exas. Justiça!»

1.9. O Réu interpôs recurso subordinado e contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
«1.ª
Reconhecendo a validade do entendimento segundo o qual o acidente escolar em causa nos presentes autos também pode ser juridicamente tratado no âmbito mais genérico da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas pelo exercício da função administrativa, parece-nos defensável afirmar que, de qualquer forma, mesmo nesse enquadramento mais genérico, não se pode desconsiderar pura e simplesmente o regime específico do seguro escolar.
2.ª
Ou seja, podendo-se ir mais além que o seguro escolar, este, em tais situações, não pode deixar de constituir um ponto de partida e de comparação para a solução concreta a encontrar, até para evitar eventuais duplas reparações.
Tais pontos de partida e juízo comparativo terão tanta mais validade quanto o facto de estarmos, no caso dos autos, no domínio específico da indemnização por danos morais, fundada sempre em critérios de equidade convocáveis para a fixação da indemnização compensatória. – cfr, artigos 496.º e 494.º, ambos do CC.
3.ª
Estando, em sede de seguro escolar, o valor da indemnização por danos morais indexada ao valor da incapacidade permanente, que, por sua vez, é fixada em função do grau dessa mesma incapacidade – cfr. artigo 11.º, da Portaria n.º 413/99, de 08 de junho, (especialmente o n.º 4) -, tudo aponta no sentido de que, no âmbito daquele diploma, o montante de uma hipotética indemnização por danos morais se situaria muito longe do valor judicialmente fixado na sentença.
Não se poderia ter ignorado ou desconsiderado aquela fórmula de cálculo, até como base comparativa num quadro referenciado pela equidade.
4.ª
Na fixação da indemnização pelo dano não patrimonial resultante de acidente escolar, o indispensável recurso à equidade, não impede, antes aconselha, que se considere, como termo de comparação, valores pecuniários encontrados para o mesmo efeito noutras decisões judiciais relativas a casos semelhantes, sem prejuízo das especificidades e particularidades do caso que, concretamente, é submetido à apreciação do tribunal.
5.ª
No caso concreto, atentos os dados constantes do relatório médico-legal junto aos autos, considerados comparativamente com a citada jurisprudência, somos de parecer que o montante indemnizatório por danos morais não deverá ultrapassar os € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros).
Os Senhores(as) Juízes do TCA Norte decidirão»

1.10. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*
II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

2.2. Assente nas premissas que se acabam de enunciar, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se a saber:
a- No recurso interposto pela Autora, se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento sobre matéria de direito ao atribuir à lesada a título de compensação pelos danos não patrimoniais, a quantia de 10.000,00€, violando o disposto nos artigos 483.º n.º 1 e 496.º n.º 1,3 e 4 do Código Civil.
Na última conclusão de recurso a Autora refere que o Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou o disposto alínea d), n.º1 do artigo 615.º do CPC.
Porém, lendo as alegações de recurso apresentadas pela Autora, constata-se que a mesma não invocou nenhum fundamento para sustentar a conclusão de que a sentença recorrida enferma de vício de nulidade por omissão ou por excesso de pronúncia.
A inserção desse fundamento de recurso nas conclusões apresentadas ter-se-á, certamente, ficado a dever a um lapso de escrita, posto que, de contrário, sempre a Apelante teria cuidado de alegar as razões pelas quais a sentença recorrida enfermaria de nulidade ao abrigo da alínea d) do n.º1 do artigo 615.º do CPC, indicando ao Tribunal ad quem as razões pelas quais considera que a 1.ª Instância incorreu no apontado vício, o que de todo não fez.
Assim sendo, não se conhecerá da apontada nulidade.
b- No recurso subordinado interposto pelo Estado, representado pelo Ministério Público, se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento sobre matéria de direito ao atribuir à lesada a título de compensação pelos danos não patrimoniais, a quantia de € 10.000, que peca por excesso, quantia que não deveria ultrapassar o montante de 7.500,00€.
*

III – FUNDAMENTAÇÃO
A. DE FACTO

3.1.A 1.ª Instância deu como assentes os seguintes factos:
«A. M… é mãe de B... nascida a 22.06.2004, em Coimbra e residente em (...), na (…) (facto admitido por acordo; cf. artigos 1.º da petição inicial e da contestação, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
B. Por decisão do Tribunal de Família e Menores de Braga, já transitada em julgado, e no âmbito das responsabilidades parentais, a guarda exclusiva referente à menor B... , foi atribuída à sua progenitora (facto admitido por acordo; cf. artigos 2.º da petição inicial e 1.º da contestação, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
C. Na tarde do dia 22.09.2014, cerca das 14h00, e em horário escolar, B... , com 10 anos de idade e a frequentar a turma C do 5.º ano, sofreu um acidente na Escola Básica do (…), em (...), na(...), do “Agrupamento de Escolas da(...)” (facto admitido por acordo; cf. artigos 3.º e 5.º da petição inicial e 1.º da contestação, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
D. Em 22.09.2014, após um intervalo entre aulas e quando se dirigia para a sala de aula, B... , tropeçou num primeiro ferro, que servia de suporte a uma das portas do recreio da escola, e caiu sobre um segundo ferro, existente para o mesmo efeito (cf. depoimento das testemunhas P..., C..., I... e B...., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
E. Após a ocorrência do acidente, e por constituírem um perigo, foram retirados os ferros que serviam de batente da porta do recreio na Escola Básica do Ave, em (...), e colocadas molas na porta (cf. depoimento das testemunhas P..., C..., I... e B...., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
F. Em 26.09.2014, A...., médica do Hospital de Braga emitiu declaração com o seguinte teor: «Declaro que a utente B… , nascida a 22.06.2004, (...) se encontra internada no Serviço de Pediatria do Hospital de Braga desde 24.09.2014, com o diagnóstico de traumatismo pancreático, decorrente da queda que sofreu na escola, não tendo data prevista de alta» (cf. documento junto aos autos com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
G. A...., nascida a 28.10.1995 é filha de M.... (cf. documento junto aos autos com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
H. Em 27.10.2014, a empresa W…., Lda emitiu declaração, atestando que A...., se encontrava inscrita no curso de aprendizagem de Técnico Auxiliar de Saúde, nível IV, com equivalência ao 12.º ano de escolaridade, que decorria em Guimarães desde 15.04.2013, e que a mesma não comparece na formação desde 22.09.2014, tendo apresentado a justificação de ter de prestar assistência de 24h por dia à irmã mais nova, vítima de um acidente no recinto escolar (cf. documento junto aos autos com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
I. Em 10.12.2014, o Centro Hospitalar de São João, EPE elaborou nota de alta com o seguinte teor (cf. documento junto aos autos com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

J. O Director do estabelecimento de ensino do Agrupamento de Escolas da(...) preencheu o formulário denominado de “Acção Social Escolar Seguro Escolar Inquérito de Acidente Escolar”, a respeito do acidente sofrido por B... , pelas 14h00, de 22.09.2014, aí se referindo que o acidente foi testemunhado pelos alunos I… e A…, e que não houve transgressão de normas, instruções ou ordens, que a “durante o intervalo a aluna caiu, bateu com o peito e foi encaminhada para o hospital” e que “Não há responsabilidade a atribuir, considera-se acidente escolar” (cf. documento junto aos autos com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
K. Em 11.10.2016, o Centro Hospitalar de São João do Porto, EPE elaborou relatório referente a B... , cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (cf. 236 do SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
*
L. Por ofício de 03.01.2012, o Comandante Operacional Distrital das Operações de Socorro de Braga, da Autoridade Nacional de Protecção Civil, informou a Escola Secundária da(...) do seguinte (cf. documento juntos aos autos com a contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

M. Em 25.02.2015, a Unidade de Saúde Pública da ACES Gerês/Cabreira elaborou o relatório de vistoria n.º 10/2015, atestando que na Escola Básica do Ave, do Agrupamento de Escolas da(...), estavam cumpridas todas as condições necessárias ao seu bom funcionamento (cf. documento juntos aos autos com a contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
*
N. Após o acidente, B... passou a ter que comer pequenas quantidades de comida de cada vez, e várias vezes ao dia (cf. depoimento da testemunha A...., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
*
O. Em 27.01.2015, deu entrada neste Tribunal, via sitaf, de petição inicial, que originou os presentes autos (cfr. fls. dos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidas).
P. Em 29.01.2015, o Ministério Público, em representação do Estado, foi citado para contestar a presente acção (cf. fls. dos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidas).
Q. M… beneficia de protecção jurídica na modalidade de dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo (cf. fls. dos autos, que se dão aqui por integralmente reproduzidas).
*
R. Por despacho de 14.03.2017, proferido no âmbito dos presentes autos, foi fixado como objecto da perícia médico-legal, as seguintes questões (cf. fls. 260 do SITAF, que se dão aqui por integralmente reproduzidas):
«(...) 1- Como consequência directa e necessária do acidente ocorrido na escola, a examinanda sofreu graves lesões, nomeadamente as descritas no relatório médico junto como doc. nº1 do articulado superveniente?
2- O que motivou que fosse transportada para o hospital de Braga e posteriormente para o hospital de S. João, no Porto?
3- Qual a data fixada para a consolidação das lesões sofridas?
4- Qual o período de incapacidade temporária parcial?
5- Qual o período de incapacidade temporária absoluta?
6- A menor ficou com défice permanente da integridade física/psíquica? Em caso afirmativo, em quantos pontos?
7- A menor ficou com dano futuro? Em caso afirmativo, em quantos pontos?
8- A menor ficou com dano estético? Em caso afirmativo em quantos pontos, numa escala de 1 a 7?
9- Em quantos pontos deve ser fixado o quantum doloris, numa escala de 1 a 7?
10- A menor necessita de seguimento médico? Até quando? Em caso afirmativo, qual a periodicidade das consultas?
11- A menor continua a sentir dores em resposta a apalpação na zona pancreática?
12- A menor, após a alta clínica, ficou impedida de correr ou fazer esforços?
13- A menor, após o acidente, necessitou de comer várias vezes ao dia e em pequenas quantidades?
14- O que ainda hoje acontece?
15- A menor tem problemas de ingestão de alimentos mais pesados e em grande quantidade?
16- A menor necessita ou vai necessitar de acompanhamento medicamentoso?
17- Em consequência das lesões sofridas pela menor B..., as mesmas terão repercussões nas suas actividades desportivas e de lazer?
18- Em consequência das lesões sofridas pela menor B..., as mesmas terão repercussões numa eventual gravidez futura? (...)».
S. Em 08.11.2019, no âmbito do presente processo judicial, o Instituto de Medicina Legal elaborou relatório do exame médico-legal a B...s, com o seguinte teor (cf. documento junto aos autos em 12.11.2019, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido): «(...)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

Factos não provados:
i) (i) Gastos em transportes e portagens suportados desde 26.11.2014, e nos dias seguintes, por B..., ida e volta, da sua residência e até ao Hospital de São João no Porto e despesas com medicamentos, em virtude do acidente sofrido em 22.09.2014 (cf. artigos 26.º e 27.º do articulado superveniente apresentado em 07.12.2016, e documentos n.ºs 2 a 6 junto aos autos nessa mesma data);
ii) A menor está impedida de ir à escola;
iii) A menor é actualmente uma jovem triste.»
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III.B.DE DIREITO

3.2.A autora intentou a presente ação administrativa comum contra o Estado Português, em representação da sua filha menor B... , visando obter a condenação do Réu no pagamento de uma compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela mesma, como consequência direta e necessária do acidente escolar sofrido por aquela no dia 22 de setembro de 2014, cerca das 14 horas, na Escola Básica, em (...), do agrupamento de Escolas da(...), quando após um intervalo entre aulas, e quando se dirigia para a sala de aula, tropeçou num primeiro ferro, que servia de suporte a uma das portas do recreio da escola, e caiu sobre um segundo ferro, existente para o mesmo efeito.
Em articulado superveniente ampliou o pedido quanto ao dano moral para 55.000,00€ e pediu a condenação do Réu no pagamento de algumas despesas relativas a transportes e medicamentos, que teriam sido suportados após o acidente, no valor de €159,10.
O Tribunal a quo julgou a ação parcialmente procedente e com fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas por facto ilícito, condenou o Réu no pagamento da quantia de 10.000,00 € a título de danos morais, acrescida de juros de mora, absolvendo-o do demais peticionado.
A 1.ª Instância considerou que a Autora não alegou, sequer comprovou que tivesse solicitado o pagamento de despesas ou de qualquer indemnização à entidade administrativa competente, e como tal, entendeu que não podia obter, em sede judicial e com fundamento no regime do seguro escolar, o pagamento dos valores peticionados. Contudo, e bem, decidiu que tal situação não precludiu a possibilidade de a Autora intentar uma ação autónoma de responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito, relativamente a danos que não tivessem sido reparados ao abrigo do regime do seguro escolar.
Nessa sequência, considerou que, competindo ao Estado adotar as condutas necessárias a prevenir a ocorrência de acidentes em contexto escolar, tendo-se provado que os referidos ferros constituíam um perigo à segurança e integridade dos alunos do estabelecimento escolar onde ocorreu o acidente, e que por isso mesmo logo após o acidente, o metal do batente da porta fora substituído por uma solução com mola, o mesmo violou os deveres de vigilância que impendiam sobre a entidade pública, pelo que, nos termos da presunção de culpa leve prevista no artigo 10.º, n.º3, da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, operou-se a inversão do ónus de prova. A esse respeito, considerou ainda que o Réu não conseguiu afastar essa presunção de culpa com a mera prova do parecer da Autoridade Nacional de Proteção Civil, remetido por ofício de 03.01.2012, à Escola Secundária de(...), atestando que as medidas de autoproteção apresentadas se encontravam elaboradas de acordo com o Decreto-Lei n.º 220/2008, de 12 de novembro e na Portaria n.º 1532/2008, de 29 de dezembro, ou através do relatório de vistoria de 25.02.2015, realizada à Escola Básica do Ave, do Agrupamento de Escolas da(...), verificando-se que estavam cumpridas todas as condições necessárias ao seu bom funcionamento.
Quanto às despesas transporte e medicamentosa considerou que não foi feita prova em como as mesmas tivessem sido suportadas como consequência direta e necessária do acidente sofrido.
Já no que tange aos danos morais, o Tribunal a quo considerou que os factos provados quanto às consequências sofridas pela menor permitem concluir que o acidente a afetou, provocando-lhe danos morais atendíveis, gravemente merecedores de tutela jurídica e, tomando como indicadores a idade da menor, o facto de a mesma ter sofrido traumatismo abdominal com pancreatite traumática por fratura do pâncreas, com complicações por pseudoquisto e infeção, que esteve internada no hospital de 24.09.2014 a 10.12.2014, apesar de só ter tido alta de consulta externa em 22.04.2016, que padeceu de fenómenos dolorosos ocasionais na região abdominal, que evidencia dificuldade na prática das atividades em educação física, patenteando ainda cicatriz pouco notória na face direita do pescoço e no abdómen, que existe adequação entre o traumatismo e o dano corporal resultante e que a valoração do sofrimento físico e psíquico vivenciado pela menor durante o período de danos temporários se situa no grau 4 numa escala de sete graus, ao abrigo do disposto no artigo 496.º do Código Civil, atribuiu-lhe uma indemnização, a título de danos não patrimoniais, no valor de €10.000,00, acrescida de juros de mora a contar de 29.01.2015 e até efetivo e integral pagamento. No mais, absolveu o Réu do pedido.
3.3.A Autora não se conforma com esta decisão no segmento em que arbitrou a indemnização a pagar pelo Réu em consequência dos danos morais sofridos pela sua filha menor, em apenas 10.000,00€, que reputa de insuficiente.
Por sua vez, o Réu, embora precisando que se teria abstido de recorrer da sentença não fosse o caso de a Autora dela ter interposto recurso de apelação, porque discorda do montante de 10.000,00€ que a 1.ª Instância condenou o Réu Estado a pagar à menor pelos danos morais sofridos pela mesma, que tem como exagerado, atendendo aos factos provados e à jurisprudência existente, pretende a revogação da sentença nesse segmento e a substituição por outra que condene o Estado a uma compensação de não mais do que € 7.500,00€.
3.4. Está apenas em causa, nos dois recursos interpostos, aferir se a decisão sob sindicância enferma de erro de julgamento ao fixar em €10.000,00 a compensação a atribuir à menor B... pelos danos morais que sofreu em consequência do acidente escolar ocorrido no passado dia 22 de setembro de 2014.
Segundo a Apelante, tendo em conta os factos dados como provados, a violação dos deveres de vigilância por parte do Réu e as lesões de que em consequência do acidente escolar a sua filha menor ficou a padecer, a quantia de 10.000,00€ atribuída a título de danos não patrimoniais é inaceitável, considerando adequada e equitativa a quantia de €45.000,00.
Argumenta que para efeito da atribuição da compensação por danos morais, deverá ter-se em consideração o sentido das decisões sobre a matéria em causa, os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito, devendo os padrões adotados pela jurisprudência mais recente serem tidos em conta no quadro das decisões que fazem apelo à equidade. E apelando à jurisprudência, indica vários acórdãos como exemplos de decisões em que, a seu ver, em situações semelhantes à que está sob julgamento, foram atribuídos montantes mais elevados, a saber:
«- Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 10/10/2012,
2. Não é excessiva uma indemnização de €45.000, arbitrada como compensação de danos não patrimoniais, decorrentes de lesões ortopédicas dolorosas, que implicaram várias intervenções cirúrgicas, internamento por tempo considerável , dano estético e ditaram sequelas negativas para o padrão e a qualidade de vida do lesado.
- Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 16/01/2008
2. (...) gravidade das lesões, tempo de doença e tratamentos médicos e hospitalares a que foi submetida, com todo o rol de sofrimento e angústia, incapacidade total para qualquer actividade de que ficou afectada, necessidade permanente do amparo de
terceiros para as tarefas diárias, grau das dores inerente à gravidade das lesões, várias intervenções cirúrgicas a que foi submetida, tratamentos e sequelas definitivas, tendo-lhe sido extraído um rim, perspectivas de sofrimento futuro pelas limitações a autora que se verá condicionada, para toda a vida, padrão socio-económico da ofendida. ), entende-se ajustado arbitrar a quantia de € 45.000,00 euros (quarenta e cinco mil euros) de indemnização por danos não patrimoniais.
- Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 27/02/2018
I - Mostram-se conformes a tais critérios ou padrões, os valores, de 10.000 e de 8.000 euros, atribuídos a título de indemnização
dos danos patrimoniais futuros e dos danos não patrimoniais com fundamento no seguinte quadro provado: (i) à data do acidente,
o autor tinha 10 anos de idade e era (e é) estudante; (ii) em consequência do acidente, ficou a padecer de um défice permanente da integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos, que demanda maiores esforços no exercício da actividade habitual e demandará perda de capacidade de ganho quando ingressar no mercado de trabalho (iii) sofreu dores aquando do acidente e da convalescença, sendo o quantum doloris de grau 4 (numa escala progressiva de 7); (iv) a repercussão permanente das sequelas nas actividades desportivas e de lazer corresponde ao grau 3 (numa escala progressiva de 7); (v) padeceu de incómodos e de tristeza por força do acidente, das lesões e das sequelas dele decorrentes; (vi) antes do acidente, era uma pessoa saudável, alegre e confiante.
-Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 29/10/2015
Proferiu-se sentença, julgando a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a ré a pagar ao autor, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a quantia global de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), bem como
se condena ainda a suportar as despesas da correção da dismetria da perna direita caso se verifique no futuro a correcção e juros de mora à taxa legal, desde o trânsito em julgado desta decisão até integral e efetivo pagamento
(...)

Uma palavra final para secundar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça[27] quando, em tom de desabafo, conclui que não
podemos continuar a pautar a jurisprudência por critérios miserabilistas ainda que se tenha presente a realidade económica
portuguesa. O certo é que mesmo com um gradual aumento dos critérios valorativos dos montantes indemnizatórios operados por
via jurisprudencial nos encontramos longe do preconizado pela União Europeia em matéria de acidentes de viação. (sublinhado
nosso)
-Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 15/11/2012
8. Quanto aos danos não patrimoniais, atribui-se a compensação de € 20.000,00, tendo em conta a idade do lesado, os
sofrimentos sofridos, os tratamentos e intervenções a que foi submetido e as sequelas de que ficou afectado, e ainda as
circunstâncias que justificam a redução da mesma».
Assinalamos desde já que, salvo o devido respeito, e como infra cuidaremos de esclarecer, o caso da menor B... não é equiparável às situações tratadas nestes acórdãos, nos quais estão em causa danos morais sofridos pelas respetivas vítimas de muito maior gravidade do que aqueles que foram sofridos pela B....
3.5. Por sua vez, o Apelante Estado embora reconheça a validade do entendimento perfilhado na sentença recorrida segundo o qual o acidente escolar sofrido pela filha menor da Autora também pode ser juridicamente tratado no âmbito do instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas pelo exercício da função administrativa, pretende que, ainda assim, não se pode desconsiderar completamente o regime do seguro escolar, que não pode deixar de constituir um ponto de partida e de comparação para a solução concreta a encontrar, até para evitar eventuais duplas reparações, o que tem ainda maior acutilância por se estar no domínio da indemnização por danos morais, fundada em critérios de equidade ( artigos 496.º e 494.º do C. Civil). E nesse seguimento, entende que, em sede de seguro escolar, estando a indemnização por danos morais indexada ao valor da incapacidade permanente, que, por sua vez, é fixada em função do grau dessa mesma incapacidade pela junta médica nos termos do artigo 11.º da Portaria n.º 413/99, de 08 de junho, tudo aponta no sentido de que no âmbito daquele diploma, o montante de uma hipotética indemnização por danos morais se situaria muito longe do valor juridicamente fixado na sentença.
(i) do regime do seguro escolar
3.6. Na situação em análise e quanto ao regime aplicável para aferir a responsabilidade do Estado pelo pagamento da indemnização, conforme se escreve na sentença recorrida: «O Decreto-Lei n.º 35/90, de 25 de Janeiro, instituiu a obrigatoriedade de existência, nos estabelecimentos de ensino oficial, particular ou cooperativo, do ensino não superior, de um programa de segurança e prevenção de acidentes nas actividades escolares e um seguro escolar, que garantisse a cobertura financeira da assistência a prestar aos sinistrados, complementarmente aos apoios assegurados pelo sistema nacional de saúde.
O que foi concretizado, em parte, através da Portaria n.º 413/99, de 8 de Junho, que aprovou o Regulamento do Seguro Escolar, instituindo o seguro escolar como uma modalidade de apoio e complemento educativo, garantindo a cobertura financeira da assistência a prestar ao aluno sinistrado, abrangendo a assistência médica e medicamentosa, o transporte, alojamento e alimentação indispensáveis para garantir essa assistência, para além do pagamento de uma indemnização por incapacidade temporária, por incapacidade permanente e por danos morais.
Sendo que o coeficiente da incapacidade, ao abrigo daquele diploma, tem que ser fixado por junta médica de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade, e a indemnização por danos morais tem que ser requerida pelo sinistrado e por decisão fundamentada do director regional de educação, pode ser atribuído um montante correspondente a 30% da indemnização calculada nos termos do n.º1 do artigo artigo 11.º, n.º3, da Portaria n.º 413/99, de 8 de Junho.
Prevê ainda o artigo 14.º da Portaria n.º 413/99, de 8 de Junho, que a Junta Médica reúne por iniciativa da Direcção Regional de Educação, a requerimento do sinistrado.
Cabendo ao órgão de gestão e administração do respectivo estabelecimento de educação ou ensino abrir o processo de inquérito ao acidente e decidir sobre a qualificação do evento como acidente escolar, como consignado no artigo 23.º, n.º2, e 24.º, n.º1, da Portaria n.º 413/99, de 8 de Junho, e ao sinistrado “e) Apresentar no estabelecimento de ensino toda a documentação comprovativa dos encargos assumidos ou das despesas efectuadas, quando tenham direito ao respectivo reembolso”, como estatui o artigo 30.º da Portaria n.º 413/99, de 8 de Junho.
Isto é, no âmbito da regulamentação do seguro escolar, é ao sinistrado que compete, caso pretenda ser ressarcido das despesas suportadas na decorrência de acidente escolar, apresentar junto da entidade escolar os comprovativos dessas despesas, solicitando o seu pagamento, para além de também lhe competir requerer junto da entidade administrativa competente o pagamento de indemnização por danos físicos e por danos morais, para além de ter que requerer a realização da necessária junta médica.»
3.7. A Autora não requereu o pagamento de nenhuma indemnização ao abrigo do regime do seguro escolar, para o que tinha de ter solicitado a realização da junta médica a que alude o artigo 11.º da Portaria n.º 413/99, de 08 de junho, mas essa inação não precludiu a possibilidade de a Autora requerer autonomamente, através da presente ação, a atribuição da indemnização que considera devida com fundamento em responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito, relativamente a danos que não tivessem sido reparados ao abrigo do regime do seguro escolar, como bem concluiu a 1.ª Instância, remetendo, para maiores desenvolvimentos sobre esta temática para o artigo denominado “ Seguro escolar: esse ilustre (objetivamente) desconhecido – Anotação ao Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 19 de junho de 2019, Processo n.º 051/18”, da autoria de Manuel da Silva Gomes, publicado na Revista de Direito Administrativo da Editora da AAFDL, páginas 83 e 84.
3.8. Em situações como a que constitui objeto da presente ação, em que está em causa apurar a responsabilidade pelos danos sofridos por uma vítima de um acidente escolar, o facto de não ser acionado o regime do seguro escolar não impede que seja acionado o mecanismo da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos em ordem a reparar a vítima pelos danos sofridos em consequência desse acidente.
O que sucede é que, enquanto no regime do seguro escolar o legislador adotou um regime de responsabilidade extracontratual objetiva, no âmbito do regime da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito regulada na Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, alterada pela Lei n.º 31/2008, de 17 de julho, exige-se que o lesado prove os pressupostos relativos ao facto, à ilicitude, à culpa, ao dano e ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, salvo a existência de presunções que invertam o ónus da prova.
Deste modo, não podemos senão aquiescer com a decisão recorrida quando conclui que a responsabilidade do Estado no caso será aferida em função da verificação ou não dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado por facto ilícito.
Consequentemente, e contrariamente ao preconizado pelo Apelante Réu, o regime do seguro escolar não tem de servir como ponto de partida e de comparação para o montante indemnizatório a arbitrar à lesada, o qual, como se verá, terá de ser encontrado em função dos critérios de equidade, tudo conforme se prevê no artigo 496.º e 494.º do C. Civil.
(ii) Da compensação por danos não patrimoniais.
3.9. Insurge-se a Autora Apelante contra a sentença recorrida sustentando que a compensação arbitrada à sua filha menor, no montante de 10.000,00 euros, é insuficiente e por isso pretende que seja elevada para 45.000,00€.
Já o Réu Apelante considera que esse montante peca por excesso, não devendo ultrapassar os 7.500,00€.
4.Como se sabe, os danos não patrimoniais não atingem o património do lesado e são insuscetíveis de avaliação pecuniária.
Os danos não patrimoniais são «…os que afetam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insuscetíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, de que resultam o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente» ( Vide Acórdão do STJ de 25.11.2009, processo nº 397/03.0GEBNV.S1).
Daí que, o dano não patrimonial assuma vários modos de expressão: o chamado quantum doloris, que se reporta às dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos (nele se considerando a extensão e a gravidade das lesões, e a complexidade do seu tratamento clínico); o dano estético, prejuízo anátomo- funcional e que se refere às deformidades e aleijões que perduraram para além do processo de tratamento e recuperação da vítima; o prejuízo de distração ou passatempo, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, como a renúncia a atividades extraprofissionais, desportivas ou artísticas; o prejuízo de afirmação social, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra da «alegria de viver»; o prejuízo da saúde geral e da longevidade, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida; os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; o prejuízo juvenil, que afeta os sinistrados muito jovens que ficam privados das alegrias próprias da sua idade; o prejuízo sexual, consistente nas mutilações, impotência, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais; e o prejuízo da auto- suficiência, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os atos correntes da vida diária (tudo conforme Ac. do STJ, de 25.11.2009, processo nº 397/03.0GEBNV.S1, reiterado depois no Ac. da RG, de 10.10.2013, processo nº 5981/12.0TBVCT.G1).
(iii) dos critérios de determinação da indemnização por danos não patrimoniais
4.1Dispõe o artigo 496º, nº 1 do C.C. que, «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», aqui se incluindo aqueles que afetem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral.
Não obstante, a gravidade do dano não patrimonial indemnizável deverá ser aferida por um padrão objetivo (embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto), e não por um padrão subjetivo, derivado de uma sensibilidade especialmente requintada ou exacerbada ou, pelo contrário, particularmente embotada (João de Matos Antunes Varela, Direito das Obrigações, Vol. I, 7ª edição, Livraria Almedina, 576).
Outrossim, dispõe o nº 4 do artigo 496º do C.C. que «o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º», o mesmo é dizer, tendo em conta o «grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso» (mormente, o tipo de lesões registadas e o sofrimento daí resultante), sem esquecer os padrões adotados pela jurisprudência e a flutuação da moeda.
4.2.Deste modo, o critério central a ter em conta para a fixação da indemnização por danos não patrimoniais é o da equidade, cujo julgamento «é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objetivas; distingue-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição» (António Menezes Cordeiro, O Direito, 122º, p. 272. No mesmo sentido, Almeida Costa, «Reflexões Sobre a Obrigação de Indemnização», RLJ, 134º, p. 299, e Vaz Serra, RLJ, 114º, p. 310).
A equidade, opera, pois, como um mecanismo de adaptação da lei geral às circunstâncias do caso concreto (só o juiz - e não a lei abstrata - o podendo fazer).
4.3.Em bom rigor, ao «fixar o valor em dívida com base na equidade, o Tribunal deixa de aplicar as normas jurídicas em sentido estrito, para lançar mão de um critério casuístico que aquela situação demanda, em termos de ponderação das particularidades do caso, tendo em conta a decisão justa e adequada à hipótese em julgamento, pelo que o critério é consentidamente deixado ao prudente arbítrio do julgador, com a carga de subjetividade que isso implica, mas sempre com o limite da solução mais justa, equitativa e objetiva».
Reconhece-se, assim, que o «recurso à equidade constitui um critério residual», por envolver «uma atenuação do rigor da norma legal, por virtude da apreciação subjetiva do julgador, subtraindo este aos critérios puros e rigorosos de carácter normativo fixados na lei» (Ac. do STJ, de 13.04.2010, processo nº 109/2002.C1.S1).
4.4. Quanto à situação económica do autor do facto lesivo e da vítima, terão que ser ponderados «no contexto da situação económica do cidadão médio e do significado do bem jurídico afetado para a vida em sociedade» (Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, Vol. II, Indemnização dos Danos Reflexos em Geral, 2ª edição, Almedina, p. 24).
4.5. Relativamente às demais circunstâncias do caso, atende-se aqui nomeadamente às lesões registadas e aos sofrimentos que provocaram, tendo necessariamente em conta a idade do lesado.
4.6.Por fim, ter-se-ão ainda «em consideração os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, face ao que dispõe o artigo 8º, nº 3, do CC, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito» (Ac. do STJ, de 15.04.2009, Raul Borges, Processo nº 08P3704, com bold apócrifo).
4.7.Note-se que «não deve confundir-se a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjetivismo do julgador, devendo a mesma traduzir a justiça do caso concreto, flexível, humana, independentes de critérios normativos fixados na lei, impondo-se que o julgador tenha em conta as regras da prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida» (Ac. do STJ, processo nº 2025/04.8).
O recurso à equidade, imposto pelo artigo 496º, nº 4 do C.C., «não afasta», assim, «a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso» (Ac. do STJ, de 22.01.2009, processo nº 07B4242).
Com efeito, os «Tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é … na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vetores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha reta à efetiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição» (Ac. do STJ, de 31.01.2012, processo nº 875/05.7TBILH.CV1.S1).
Não se trata aqui de uma verdadeira indemnização, mas sim da atribuição de certa soma pecuniária, que se julga adequada a compensar e a minorar dores e sofrimentos, mercê das alegrias e satisfações que a mesma pode proporcionar. Por outras palavras, os «interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podem ser reintegrados por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas do dinheiro. Não se trata, portando, de atribuir ao lesado “um preço de dor” ou “um preço de sangue”, mas de lhe proporcionar uma satisfação, em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir interesses de ordem refinadamente ideal» (Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, 1991, p. 115).
4.8.Esta reparação reveste mesmo uma natureza mista, visando, por um lado, compensar (mais até do que indemnizar) os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado; e, por outro, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico…, a conduta do agente (assim também se compreendendo o apelo, feito no art. 496º, nº 4 do C.C., ao «grau de culpabilidade do agente»).
Contudo, precisa-se que esta vertente secundária (sancionatória, de pena privada), face à vertente principal (essencialmente compensatória), apenas tem pleno sentido nos casos de responsabilidade civil em que o autor do dano é, simultaneamente, o efetivo pagador da indemnização, não se intrometendo um terceiro, estranho ao facto lesivo, com quem foi contratualizada a transferência da responsabilidade (v.g. mormente, as empresas seguradoras).
Reconhece-se, porém, que: da «conjugação do art. 496º com o 494 para que remete, verifica-se que a indemnização deve antes de mais ser ajustada à gravidade da ofensa (dentro do critério geral da restauração, quanto possível, da situação que existiria se não fosse a ofensa) e ao grau de culpa do agente», e «só depois a situação económica e outras circunstâncias do caso» (Ac. do TRC, de 16.01.2008,processo nº 555/04.0GTAVR.C1); todos estes elementos de ponderação implicam uma certa dificuldade de cálculo, com o inerente risco de nunca se estabelecer uma indemnização rigorosa e precisa (Ac. do STJ, de 16.04.1991, in BMJ nº 406, p. 618).
4.9.No entanto, há muito que se defende que deve ter um alcance real e não meramente simbólico, por forma a que se atinja um justo grau de “compensação”, sendo «mais que tempo, conforme jurisprudência que, hoje, vai prevalecendo, de se acabar com miserabilismos indemnizatórios. A indemnização por danos patrimoniais deve ser correta, e a compensação por danos não patrimoniais deve tender, efetivamente, a viabilizar um lenitivo ao lesado, já que tirar-lhe o mal que lhe foi causado, isto, neste âmbito, já ninguém nem nada consegue ! Mas - et pour cause - a compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo, e não meramente simbólico. Aliás, é nesta linha que se encontra, como é do conhecimento geral, o contínuo aumento dos seguros obrigatórios estradais e dos respectivos prémios» (Ac. do STJ, de 16.12.1993, in CJ, 1993, Tomo III, p. 182. Reafirmando-o, Ac. do STJ, de 15.04.2009, processo nº 08P3704).
Este juízo sai reforçado se, conforme o «considerou o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de abril de 2012 (proc. n.º 3046/09.0TBFIG.S1, acessível em www.dgsi.pt)», destacarmos «a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico correspondente à União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, e, bem assim, que a jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização em causa deve constituir um lenitivo para os danos suportados e não ser orientada por critérios hoje considerados miserabilistas, por forma a, respondendo atualizadamente ao comando do artigo 496º, traduzir uma efetiva possibilidade compensatória para os danos suportados e a suportar» (Ac do STJ, de 18.06.2015, processo nº 2567/09.9TBABF.E1.S1).
Em suma, a indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza acentuadamente mista, sendo que termos do disposto no art. 496º, n.º 1 do Cód. Civil, nem todos os danos não patrimoniais são compensáveis, mas apenas aqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito. Essa gravidade deve aferir-se por um grau objetivo e não por um padrão subjetivo, derivado de uma sensibilidade requintada ou embotada, mas a compensação a arbitrar deverá ser significativa, até para se atingir aquela finalidade sancionatória. Por outro lado, concluído que seja que um determinado dano não patrimonial é suscetível de ser compensado, nos termos do disposto no art. 496º, n.º 3, a compensação será fixada pelo tribunal por recurso à equidade, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º, designadamente o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e a do lesado.

(iv) Caso concreto

5.Quanto à situação económica do Réu, tratando-se do Estado, mal estaríamos se o mesmo não tivesse capacidade financeira que lhe permitisse efetuar o pagamento da compensação a arbitrar no caso em análise, atendendo aos valores peticionados.
Relativamente à situação económica da menor, apurou-se que a mesma é ainda estudante, tendo a sua guarda exclusiva sido confiada à sua mãe, com quem vive.
5.1. Quanto às demais circunstâncias do caso, não se pode deixar de atender à idade da menor à data do acidente escolar, que contava apenas 10 anos de idade. Por outro lado, há que ter em conta que a mesma sofreu, em consequência do acidente escolar, traumatismo abdominal com pancreatite traumática por fratura do pâncreas, com complicações por pseudoquisto e infeção. Que em 15/10/2014 foi sujeita a uma drenagem de pseudoquisto, com colocação de dreno e saída de líquido citrino. Que que ao 18.º dia retomou dreno. Que houve agravamento dos parâmetros inflamatórios, o que determinou a sua transferência para o Hospital de S. João. Que no 1.º dia de internamento fez drenagem transgástrica de pseudoquisto com colocação de dois drenos pig-tai. Que esteve internada, em hospital, desde o dia 24/09/2014 até ao dia 10/12/2014 e que apenas teve alta da consulta externa em 22/4/2016. Que sofre fenómenos dolorosos ocasionais na região abdominal. Que sente dificuldades na prática das atividades em educação física. Que consegue correr, mas para esforços intensos, sente necessidade ocasional de parar. Que tem uma cicatriz, embora pouco notória na face direita do pescoço e uma outra, também pouco notória, no abdómen. Que após o acidente passou a ter que comer pequenas quantidades de comida de cada vez, e várias vezes ao dia. Que existe adequação entre o traumatismo e o dano corporal resultante. Que o sofrimento físico e psíquico vivenciado pela menor durante o período de danos temporários, foi de grau 4 numa escala de sete graus. Que as lesões sofridas e as sequelas delas resultantes determinaram-lhe um período de doença de 90 dias de défice funcional temporário total e um período de doença de 487 dias de défice funcional parcial, dos quais 99 dias com repercussão temporária para a atividade escolar total e de 486 dias com repercussão na atividade escolar parcial. Que ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 1% e com um dano estético permanente fixável no grau 2 em 7 e que ficou com uma repercussão permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 3 em 7.

5.2. Como referido, impõe-se apelar aos critérios seguidos pela jurisprudência para situações iguais/semelhantes, para o que iremos recorrer à jurisprudência dos Tribunais Comuns por nela encontramos uma maior diversidade de decisões que poderão servir de auxiliar/padrão na fixação do montante ajustado da compensação a arbitrar à lesada.

Recorde-se que de acordo com o que tem vindo a ser decidido pelos tribunais, a indemnização pela perda do bem vida, tem-se fixado entre € 50.000,00 e € 80.000,00 (conforme Ac. do STJ, de 10.07.2008 Processo nº 08P1853; Ac. do STJ, de 31.01.2012, Processo nº 875/05.7TBILH.C1.S1, Ac. do STJ, de 13.09.2012,Processo nº 1026/07.9TBVFX.L1.S1, Ac. do STJ, de 30.04.2015, Processo nº 1380/13.3T2AVR.C1.S1, e Ac. do STJ, de 18.06.2015, Processo nº 2567/09.9TBABF.E1.S1).
«Na realidade, embora se reconhecendo que o direito à vida é o valor supremo em si mesmo, há situações em que a sobrevivência a um acidente ou desastre corresponde a uma forma insidiosa de opressão contínua e de desfalecimento, cuja dor, pela sua persistência e gravidade se instala na vítima a tal ponto e por tanto tempo que a faz crer que a vida deixa de valer ou de fazer sentido, porque a depressão ataca profundamente e a vítima se sente morrer a cada dia que passa». Foi considerando-o que a jurisprudência tem vindo «a atribuir indemnizações compensatórias por danos não patrimoniais a vítimas com graves sequelas ou incapacidades, consideravelmente superiores às compensações geralmente atribuídas pela perda do direito à vida» (Ac. do STJ, de 20.01.2010, Processo nº 60/2002.L1.S1).
5.3. No caso, a Autora pretende que o Tribunal fixe uma compensação de 45.000,00€ pelos apontados danos morais sofridos pela sua filha menor. Porém, a consulta de recente jurisprudência permite afirmar que, noutras situações de vítimas jovens, apenas foram arbitradas compensações semelhantes ao montante pretendido pela autora em situações cujos graus de afetação da integridade física não são comparáveis com os da B..., de que são exemplo os arestos invocados pela Apelante Autora e ainda os seguintes:
(i) Acórdão do STJ, de 07.04.2016, proferido no processo nº 237/13.2TCGMR.G1.S1 - fixada indemnização por danos não patrimoniais de € 50.000,00, a jovem de 22 anos de idade, com internamento de três semanas, que ficou incontinente urinária, registou um quantum doloris de 4, ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 8% (compatível com o exercício da atividade habitual mas implicando esforços suplementares), registou um dano estético de 3, a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer foi fixada em 1, sofreu angústia de poder vir a falecer, e tornou-se uma pessoa triste, introvertida, deprimida, angustiada, sofredora, insegura, nervosa, desgostosa da vida, e inibida e diminuída física e esteticamente, quando antes era uma pessoa dinâmica, expedita, diligente, trabalhadora, alegre e confiante;
(ii) Acórdão do STJ, de 28.01.2016, proferido no processo nº 7793/09.8T2SNT.L1.S1 - fixada indemnização por danos não patrimoniais de € 40.000,00, a jovem de 17 anos, face a quatro operações, padecimento de dores intensas, antes e após as intervenções cirúrgicas a que foi submetido, internamento por longos períodos, necessidade efetuar tratamentos de reabilitação, submissão futura a mais duas operações, e cicatriz com 50cm de comprimento (o que lhe determinou a atribuição de um quantum doloris de grau 5, e de um dano estético de grau 4);
(iii) Acórdão do STJ, de 26.01.2016, proferido no processo nº 2185/04.8TBOER.L1.S1 - fixada indemnização por danos não patrimoniais de € 45.000,00, a jovem de 20 anos, desportista, que ficou com várias cicatrizes em zonas visíveis e padeceu de acentuado grau de sofrimento (quantum doloris de grau 5) e relevante dano estético;
(iv) Acórdão do STJ, de 21.01.2016, proferido no processo nº 1021/11.3TBABT.E1.S1 - fixada indemnização por danos não patrimoniais de € 50.000,00, a jovem de 27 anos, com múltiplos traumatismos, sequelas psicológicas, quantum doloris de grau 5, dano estético de 2 pontos, incapacidade parcial de 16 pontos, repercussão nas atividades desportivas e de lazer de grau 2, claudicação na marcha e rigidez da anca direita;
(v)Acórdão do STJ, de 04.06.2015, proferido no processo nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1- fixada indemnização por danos não patrimoniais de € 40.000,00, a jovem de 17 anos, vários tratamentos médicos, intervenções e internamentos, alta mais de 4 anos depois do acidente, repercussões estéticas, quantum doloris de grau 6, e grave culpa da condutora do veículo causador do acidente.
5.4. Tomando como padrão o que foi decidido nestes arestos, não pode reconhecer-se à Autora o direito a ver atribuída á sua filha menor uma compensação pelos danos morais que sofreu no montante que pretende de 45.000,00€.
Tal não significa que não lhe assista o direito de ver elevado o montante que foi arbitrado pela 1.ª Instância, caso se conclua, por referência ao padrão seguido em decisões cujos graus de afetação da integridade física sejam comparáveis com os da B..., que aquele montante de €10.000,00 peca por defeito.
Nesse exercício, veja-se, por exemplo, o que foi decidido:
(i) no Acórdão do TRP, de 15/01/2013, proferido no processo n.º 1949/06.2TVPRT.P1, em que se considerou que o montante de 15.000,00 euros era adequado a compensar um lesado que sofreu um quantum doloris de grau 4 em 7, com perda de vários dentes e demais tratamentos dentários, ficando com uma cicatriz notória no lábio superior e com dificuldade em lidar com tal situação.
(ii) no Acórdão do TRP de 11/05/2016, proferido no processo n.º 805/15.8T8PNF.P1, em foi arbitrada uma compensação de 12.500,00 € a um lesado de 36 anos de idade, que foi sujeito a intervenções cirúrgicas, a internamento hospitalar por três dias, foi sujeito a consultas de ortopedia, tratamentos nos serviços clínicos da Ré, incluindo fisioterapia, tendo ficado com cicatriz na região posterior do antebraço, com 15 cms., que lhe determina um dano estético no grau 3 em 7, padeceu dores fixáveis no grau 4 em 7, sofreu grandes incómodos e provações e continua com dores e que, durante 60 dias, esteve dependente de terceira pessoa para assistência básica, uma vez que não se conseguia deitar, levantar, vestir, calçar, alimentar e fazer a sua higiene pessoal sozinho.
(iii) no Acórdão do STJ de 29/06/2011, proferido no processo n.º 345/06.6PTPDL.L1.S1, em que relativamente a um jovem de 19 anos de idade, que ficou a padecer de um IPG de 11,73 pontos que teve um período de 30 dias de incapacidade temporária geral e profissional total, seguido de um período de 177 dias de incapacidade temporária geral e profissional parcial e a quem foi fixado um quantum doloris de grau 5 em 7, o dano estético, constituído por uma cicatriz de 14 cms., que lhe determina um dano estético de 3, em 7, arbitrou-se uma compensação de 25.000,00 euros.

5.5. Tendo por base os critérios jurisprudenciais seguidos nesta matéria nos acórdãos acabados de citar, e sopesando os danos não patrimoniais acima descritos e respetiva gravidade sofridos pela B..., bem como as circunstâncias em que a mesma sofreu o acidente escolar, para o qual não contribuiu, afigura-se-nos que a quantia de 20.000, 00 euros se mostra proporcional, necessária, mas suficiente para a compensar de todos esses danos morais.
Decorre do exposto que o recurso interposto pela apelante Autora procede parcialmente nesta parte e improcede o do Réu.

Altera-se, por isso, nesta parte a sentença recorrida, elevando-se a indemnização arbitrada por danos não patrimoniais, de € 10.000,00 para € 20.000,00 (pela procedência do recurso de apelação, interposto pela Autora).

Importa decidir em conformidade, pela parcial procedência do recurso de apelação interposto pela Autora.
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IV- DA DECISÃO

Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte, em julgar improcedente o recurso subordinado interposto pelo Estado e parcialmente procedente o recurso interposto pela Apelante Autora, e em consequência:
(i)alteram a sentença recorrida no segmento em que condenou o Réu Estado Português a pagar à Autora a quantia de € 10.000,00, para indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pela sua filha menor, elevando-se agora aquela quantia para € 20.000,00 (vinte mil euros);
(ii) no mais, mantêm integralmente a sentença recorrida.
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Custas da apelação pela Autora e pela Réu, na proporção dos respetivos decaimentos (art. 527º, nº 1 do C.P.C.).
Notifique.
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Porto, 10 de março de 2022

Helena Ribeiro
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa)